Acessibilidade / Reportar erro

Curso para qualificação de enfermeiros no cuidado de crianças com doenças genéticas: relato de experiência

RESUMO

Objetivo

Descrever a experiência de desenvolvimento e operacionalização de um curso de extensão para qualificar enfermeiros no cuidado de crianças com doenças genéticas.

Método

Relato de experiência sobre a realização de um curso de extensão universitária com oito participantes, desenvolvido em uma universidade pública no sul do Brasil. O curso foi realizado na modalidade presencial, em novembro de 2019.

Resultados

O curso contemplou os seguintes temas: introdução à genética na enfermagem, doenças raras, erros inatos do metabolismo, Programa de Triagem Neonatal e microcefalia. O conteúdo foi desenvolvido por meio do desenvolvimento dos aspectos teóricos, apresentação de casos clínicos, atividades práticas e simulação realística.

Conclusão

O curso de extensão proporcionou conhecimento aos enfermeiros, que desenvolvem suas funções como líderes de equipe, permitindo o desenvolvimento profissional e a disseminação de informações sobre o tema, o que corrobora os objetivos da campanha Nursing Now.

Palavras-chave
Doenças genéticas inatas; Pediatria; Educação em enfermagem; Treinamento com simulação de alta fidelidade

ABSTRACT

Objective

To describe the experience of developing and operating an extension course to qualify nurses in the care of children with genetic diseases.

Method

An experience report about the conduction of a university extension course with eight participants, developed at a public university in southern Brazil. It was a face-to-face course in November 2019.

Results

The course covered the following themes: introduction to Genetics in Nursing; rare diseases; inborn errors of metabolism; Neonatal Screening Program; and microcephaly. The content was developed through theoretical aspects, presentation of clinical cases, practical activities, and realistic simulation.

Conclusion

The extension course provided knowledge to nurses, who develop their functions as team leaders, enabling professional development and the promotion of information on the topic, which corroborates the objectives of the Nursing Now campaign.

Keywords
Genetic diseases inborn; Pediatrics; Education; Nursing; High fidelity simulation training

RESUMEN

Objetivo

Describir la experiencia de desarrollo y operacionalización de un curso de extensión para calificar enfermeras en el cuidado de niños con enfermedades genéticas.

Método

Informe de experiencia sobre la realización de un curso de extensión universitaria con ocho participantes, desarrollado en una universidad pública en el sur de Brasil. El curso tuvo lugar en persona, en noviembre de 2019.

Resultados

El curso cubrió los siguientes temas: introducción a la Genética en Enfermería; enfermedades poco comunes; errores innatos del metabolismo; Programa de detección neonatal; y microcefalia. El contenido se desarrolló mediante el desarrollo de aspectos teóricos, la presentación de casos clínicos, actividades prácticas y simulación realista.

Conclusión

El curso de extensión proporcionó conocimiento a las enfermeras, quienes desarrollan sus roles como líderes de equipo, permitiendo el desarrollo profesional y la difusión de información sobre el tema, lo que corrobora los objetivos de la campaña Nursing Now.

Palabras clave
Enfermedades genéticas congénitas; Pediatría; Educación en Enfermería; Enseñanza mediante simulación de alta fidelidad

INTRODUÇÃO

O diagnóstico e o tratamento das doenças genéticas apresentaram melhora nos últimos anos, visto ser uma preocupação do Ministério da Saúde (MS). Neste sentido, em 2014, publicou-se a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras (DR), sendo instituído recurso para custeio dos serviços de referência no Sistema Único de Saúde11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
. Nesta política, o enfermeiro tem papel fundamental, pois a sua participação nas equipes assistenciais é um requisito para a habilitação e implantação dos serviços de referência.

Uma doença é denominada rara quando afeta até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos e, apesar desta classificação, existem entre 6.000 a 8.000 variedades de DR em todo o mundo, sendo 80% causadas por fatores genéticos11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
, as quais geram um impacto epidemiológico consideravelmente expressivo quando reunidas em uma categoria22. Iriart JAB, Nucci MF, Muniz TP, Viana GB, Aureliano WDA, Gibbon S. From the search for diagnosis to treatment uncertainties: challenges of care for rare genetic diseases in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(10):3637-50. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182410.01612019
https://doi.org/10.1590/1413-81232018241...
.

Esta política tem como objetivo reduzir a mortalidade e a incapacidade causadas pelas DR que são classificadas conforme sua natureza: de origem genética ou não genética. No primeiro eixo da política, foco desta publicação, estão incluídas condições genéticas como: anomalias congênitas e Erros Inatos do Metabolismo (EIM)11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
.

No Brasil, 2 a 3% do total de nascidos vivos tem alguma anomalia congênita, incluindo, também, as crianças com manifestações tardias. Esse número pode chegar a 5%, sendo a segunda causa de mortalidade infantil e responsável por mais de 1/3 das internações pediátricas11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
. No caso dos EIM, estimam-se 3.000 novos casos a cada ano no Brasil, sendo a incidência mundial do seu conjunto estimada em 1:1000 a 1:2500 nascimentos11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
.

Os EIM formam um grupo com 550 doenças e são geralmente multissistêmicos, muitos evoluindo com comprometimento neurológico e óbito precoce, gerando a necessidade de acompanhamento especializado para essas crianças11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
. Neste grupo, encontra-se a Doença da Urina de Xarope de Bordo (DXB) e a mucopolissacaridose: duas doenças genéticas que tiveram avanços no diagnóstico e no tratamento nos últimos anos; entretanto, não há dados sobre suas prevalências no Brasil.

Outro evento relevante na área ocorreu em 2015, quando a Organização Mundial de Saúde declarou a infecção por Zika Vírus (ZIKV) e sua possível associação com os casos de microcefalia congênita uma Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional na América Latina33. World Health Organization (CH). Geneva: WHO; c2020 [cited 2020 Apr 10] IHR Procedures concerning public health emergencies of international concern (PHEIC); [about 1 screen]. Available from: http://www.who.int/ihr/procedures/pheic/en/
http://www.who.int/ihr/procedures/pheic/...
. Assim, devido à necessidade de investigação, o MS instituiu a notificação compulsória dos recém-nascidos (RN) com microcefalia44. Ministério da Saúde (BR). Protocolo de vigilância e resposta a ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central (SNC). Brasília, DF; 2016 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/24/Microcefalia-Protocolo-vigil--ncia-resposta-versao2.1.pdf
https://portalarquivos.saude.gov.br/imag...
.

Desta forma, por tratar-se de uma nova infecção, conhecida apenas em 2015, bem como o lançamento de uma nova política em 2014, faz-se necessário capacitar os enfermeiros nos cuidados dos pacientes com anomalia congênita causada pelo ZIKV e EIM. Essa capacitação corrobora um dos objetivos da campanha Nursing Now, que prevê empoderar enfermeiros para ajudá-los a confrontar os atuais desafios de saúde55. Kennedy A. Wherever in the world you find nurses, you will find leaders. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3181. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3181
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3...
.

Sabe-se, ainda, que a educação continuada do enfermeiro traz melhorias aos cuidados clínicos de rotina, bem como às questões éticas, legais e psicológicas que envolvem as doenças genéticas, contribuindo para a assistência dos pacientes66. Couns SWMG, Jacobs C, Phillips J. Mainstreaming genetics and genomics: a systematic review of the barriers and facilitators for nurses and physicians in secondary and tertiary care. Genet Medicine. 2020;22(7):1149-55. doi: https://doi.org/10.1038/s41436-020-0785-6
https://doi.org/10.1038/s41436-020-0785-...
. Assim, o enfermeiro que adquire mais conhecimento sobre o tema possui condições para apoiar o bem-estar dos pacientes e seus familiares, ao mesmo tempo que promove novos conhecimentos77. Mandrell BN, Hines-Dowell S, Nishigaki M. Genetics and genomics: precision health in pediatric oncology. In: Hinds P, Liner L, editors. Pediatric Oncology Nursing. Springer: Cham; 2020. p. 235-49. doi: https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-7_13
https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-...
.

Atualmente, a literatura sobre abordagem de doenças genéticas por enfermeiros ainda é escassa. Assim, a relevância do estudo está em compartilhar a estratégia de qualificação destes profissionais, a partir do conhecimento e do trabalho desenvolvido em um serviço de referência em tratamento de doenças genéticas. Diante disto, tem-se como objetivo: descrever a experiência de desenvolvimento e operacionalização de um curso de extensão para qualificar enfermeiros no cuidado de crianças com doenças genéticas.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência sobre o desenvolvimento e a operacionalização de um curso de extensão universitária sobre cuidados de enfermagem em crianças com doenças genéticas, realizado na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O curso ocorreu na modalidade presencial, com duração total de 20 horas, em novembro de 2019, com um público formado por oito enfermeiros atuantes ou interessados na área neonatal, pediátrica ou genética médica. O curso foi divulgado pelas redes sociais (Facebook® e Instagram®) e por e-mail aos enfermeiros do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), no mês anterior a sua realização. As inscrições foram efetivadas por formulário eletrônico (Google Forms®) e a equipe organizadora foi composta por três enfermeiras com formação e experiência assistencial na área de enfermagem neonatal, pediátrica e genética médica. Os conteúdos do curso foram elencados devido à inclusão dessas doenças nos protocolos do MS e considerando as experiências da equipe organizadora.

Este relato vem ao encontro de um dos objetivos da campanha Nursing Now, que almeja o empoderamento dos profissionais de enfermagem como protagonistas da saúde. Os objetivos do curso foram: qualificar a formação de enfermeiros líderes e multiplicadores de conhecimento sobre a assistência ao indivíduo com doenças genéticas; instrumentalizar os enfermeiros a elaborar plano de cuidados adequado a esses pacientes; proporcionar campo de aprendizado e troca de experiências. Portanto, o foco do curso foram os conhecimentos com maior aplicabilidade nas ações do enfermeiro em sua prática assistencial, desenvolvendo competências deste profissional para a sua atuação no cuidado de crianças com doenças genéticas.

A elaboração do curso de extensão seguiu as seguintes etapas: reunião para elencar os conteúdos, submissão à Pró-reitoria de Extensão (PROREXT), revisão bibliográfica para construção das aulas e dos casos clínicos, e solicitação de autorização ao HCPA para os participantes acompanharem as atividades de ambulatório. Além disso, foi construído um cenário para simulação realística, embasado em vivência profissional da equipe organizadora, e realizado o teste-piloto, respeitando as indicações da International Nursing Association for Clinical Simulation and Learning (INACSL)88. International Nursing Association for Clinical Simulation and Learning. INACSL Standards Committee. INACSL standards of best practice: simulation SM simulation design. Clin Simul Nurs. 2016;12(Suppl):S5-S12. doi: https://doi.org/10.1016/j.ecns.2016.09.005
https://doi.org/10.1016/j.ecns.2016.09.0...
para boas práticas em simulação realística. O teste-piloto consiste em examinar, previamente, o caso clínico descrito e todos os itens necessários, diminuindo ou eliminando imprevistos no momento da realização da simulação.

A ação de extensão, modalidade curso, “Genética na Pediatria: Aplicações para Enfermagem”, obteve aprovação da PROREXT, sob número 41805. Após o seu encerramento, foi emitido e aprovado o relatório final com os dados relacionados ao curso, mantendo o anonimato dos participantes.

Além disso, foram mantidas em sigilo quaisquer informações que pudessem identificar os pacientes na apresentação dos casos clínicos. No ambulatório do HCPA, solicitou-se autorização dos pais para o acompanhamento de consultas e/ou infusão de terapia de reposição enzimática; não sendo coletado nenhum tipo de dado dessas observações. Ainda, foram seguidas todas as medidas de biossegurança.

RESULTADOS

Entre os enfermeiros participantes, quatro pertencem à equipe de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), um atua em unidade de tratamento oncológica pediátrica, um em bloco cirúrgico, um em Unidade Básica de Saúde (UBS) e um desenvolve suas atividades de residente na UTIN. O tempo de formação variou de três meses a 15 anos. Quanto à titulação, três participantes concluíram mestrado e dois especialização. Em relação ao principal motivo de interesse pelo curso, todos os participantes relataram a escassa abordagem sobre o tema durante a formação e o acompanhamento de casos de crianças com suspeita ou diagnóstico destas patologias em suas práticas diárias.

O curso foi dividido em cinco etapas. A primeira consistiu em abordagem teórica, elencando-se os temas: introdução à genética na enfermagem, doenças raras, EIM (como a DXB e a mucopolissacaridose), Programa de Triagem Neonatal e microcefalia. Nesta etapa, os conteúdos foram trabalhados em aulas expositivas e dialogadas, ministradas por enfermeiros e nutricionistas que atuam com crianças portadoras de doenças genéticas.

Na segunda etapa do curso, os participantes realizaram discussões a partir de dois casos clínicos, descritos no Quadro 1.

Quadro 1 -
Descrição dos casos clínicos utilizados na segunda etapa do curso de extensão Genética na Pediatria: Aplicações para Enfermagem, Porto Alegre, 2019

Na terceira etapa, foram realizadas duas atividades práticas para que os participantes tivessem a oportunidade de vivenciar os assuntos abordados: as infusões dos pacientes com mucopolissacaridose e a realização de consultas de enfermagem no ambulatório de EIM. Os participantes observaram as características clínicas destes pacientes e as demandas de enfermagem durante o acompanhamento. Ressalta-se a relevância desta etapa, visto que o HCPA é habilitado como serviço de referência para DR de origem genética.

A quarta etapa foi uma simulação realística realizada no Laboratório de Práticas de Enfermagem da Escola de Enfermagem da UFRGS, na qual foi possível, no debriefing, a discussão dos temas abordados ao longo do curso. Na simulação, foram respeitadas todas as etapas preconizadas pela INACSL88. International Nursing Association for Clinical Simulation and Learning. INACSL Standards Committee. INACSL standards of best practice: simulation SM simulation design. Clin Simul Nurs. 2016;12(Suppl):S5-S12. doi: https://doi.org/10.1016/j.ecns.2016.09.005
https://doi.org/10.1016/j.ecns.2016.09.0...
, que são: briefing, running e debriefing.

Para essa etapa, construiu-se o cenário “Consulta de Enfermagem sobre microcefalia em uma UBS”. Elencaram-se como objetivos para o desenvolvimento da aprendizagem na simulação: valorizar a comunicação efetiva e o relacionamento entre enfermeiro e familiar e auxiliar a mãe, com orientações corretas, no gerenciamento do conflito com o pai da criança. As etapas da simulação realística estão descritas no quadro 2.

Quadro 2 -
Descrição das etapas da Simulação Realística, quarta etapa do curso de extensão Genética na Pediatria: Aplicações para Enfermagem, Porto Alegre, 2019.

A última etapa consistiu em um processo de avaliação do curso. Para tal, foi disponibilizado aos participantes um formulário com sete questões fechadas e uma aberta. Os seguintes resultados foram obtidos nas questões fechadas: todos os participantes compreendem que o curso atendeu às expectativas e cumpriu os objetivos propostos. Foi unânime o relato quanto à realização de novas edições do curso e quanto à indicação do mesmo para algum colega, considerando que todos os participantes avaliaram a comunicação dos ministrantes como ótima. Em relação ao conteúdo, 66,7% dos participantes consideraram ótimo, enquanto 33,3% avaliaram como bom. Para a pergunta aberta sobre qual etapa o participante mais gostou, foram citadas a simulação realística e a visita ao ambulatório, pois possibilitaram melhor compreensão dos aprendizados.

DISCUSSÃO

Os avanços na área de genética possibilitam novas oportunidades e desafios para o sistema de saúde e exigem habilidades e competências dos enfermeiros99. Nissen KK, Mikkelsen TR, Christiansen K. Genetics in the Danish nursing education: a questionnaire study. J Nurs Educ Pract. 2020;10(1):75-84. doi: https://doi.org/10.5430/jnep.v10n1p75
https://doi.org/10.5430/jnep.v10n1p75...
. No entanto, a raridade das doenças genéticas contribui para o despreparo desses profissionais, que receberam pouco ou nenhum conhecimento sobre o tema durante a graduação22. Iriart JAB, Nucci MF, Muniz TP, Viana GB, Aureliano WDA, Gibbon S. From the search for diagnosis to treatment uncertainties: challenges of care for rare genetic diseases in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(10):3637-50. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182410.01612019
https://doi.org/10.1590/1413-81232018241...
. O esforço para incluir esse conteúdo na formação de enfermeiros ainda é amplamente discutido, porém, com pouco sucesso, demonstrando enfermeiros com conhecimento e habilidade insuficientes em genética1010. Camak DJ. Increasing importance of genetics in nursing. Nurse Educ Today. 2016;44:86-91. doi: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.018
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.0...
. Tais pesquisas vão ao encontro deste estudo, no qual os participantes relataram a escassa abordagem sobre o tema durante a formação.

A capacitação e o treinamento das equipes de saúde para o diagnóstico e o manejo dos pacientes com doenças genéticas são práticas essenciais previstas no protocolo das DR, assim como o acesso a testes e medicamentos22. Iriart JAB, Nucci MF, Muniz TP, Viana GB, Aureliano WDA, Gibbon S. From the search for diagnosis to treatment uncertainties: challenges of care for rare genetic diseases in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(10):3637-50. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182410.01612019
https://doi.org/10.1590/1413-81232018241...
. As iniciativas educacionais devem ser avaliadas por meio de mudanças na prática, bem como na confiança e no conhecimento do profissional, buscando determinar se são eficazes em gerar mudanças significativas na avaliação de risco genético e no manejo apropriado desses pacientes1111. Paneque M, Turchetti D, Jackson L, Lunt P, Houwink E, Skirton H. A systematic review of interventions to provide genetics education for primary care. BMC Fam Pract. 2016;17:89. doi: http://doi.org/10.1186/s12875-016-0483-2
http://doi.org/10.1186/s12875-016-0483-2...
. Nesse contexto, os enfermeiros devem compreender não apenas os padrões de herança das doenças, mas também estar atentos à apresentação de sinais e sintomas, identificar indivíduos e famílias em risco, realizando orientações e cuidados necessários, e o encaminhamento aos serviços de referência1010. Camak DJ. Increasing importance of genetics in nursing. Nurse Educ Today. 2016;44:86-91. doi: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.018
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.0...
,1212. Lise F, Feijó AM, Milbrath VM, Schwartz E. Erros inatos do metabolismo do recém-nascido: atualização de enfermagem. Rev Recien. 2019 [cited 2020 Apr 20];9(25):37-42. Available from: https://www.recien.com.br/index.php/Recien/article/view/278/pdf
https://www.recien.com.br/index.php/Reci...
.

Assim, torna-se imprescindível a reflexão quanto à melhoria da formação e do desenvolvimento profissional de enfermeiros. Diante disso, a simulação realística é um método ativo muito utilizado para o desenvolvimento de competências profissionais e reflexões acerca da saúde e consiste em um processo sistematizado, técnico e racional que auxilia o alcance dos objetivos de aprendizagem na formação e na educação continuada1313. Fabri R, Mazzo A, Martins J, Fonseca A, Pedersoli C, Miranda F, et al. Development of a theoretical-practical script for clinical simulation. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03218. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016265103218
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201626...
-1414. Uysal N. Improvement of nursing students' learning outcomes through scenario-based skills training. Rev Latino-Am Enfermagem. 2016;24:e2790. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1310.2790
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1310.2...
.

A simulação realística amplia o conhecimento e a habilidade dos profissionais, possibilitando o aumento da autoconfiança sobre a temática desenvolvida1515. Fey MK, Kardong-Edgren SS. State of research on simulation in nursing education programs [editorial]. J Prof Nurs. 2017;33(6):397-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2017.10.009
https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2017....
. Assim, a utilização da simulação na educação continuada sobre doenças raras, torna-se importante para o alcance das competências necessárias ao enfermeiro para ele desempenhar com qualidade a liderança no cuidado de crianças com doenças genéticas.

Portanto, diante da diversidade de manifestações clínicas e dos avanços na área de genética, existe a necessidade de que o enfermeiro preste um cuidado integral da criança com doença genética. Preconiza-se, ainda, o desenvolvimento das habilidades de liderança, as quais são necessárias para a implementação de mudanças organizacionais, visando melhorar a prática de enfermagem, além de alcançar melhores resultados de saúde55. Kennedy A. Wherever in the world you find nurses, you will find leaders. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3181. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3181
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3...
.

CONCLUSÃO

O objetivo do estudo foi contemplado à medida que foi descrita a experiência de desenvolvimento e operacionalização do curso de extensão. Assim, destaca-se como contribuição a aquisição de competências aos enfermeiros, os quais poderão atuar na prática clínica com mais segurança, fundamentação teórica e evidências científicas, o que potencializa a melhoria do cuidado de crianças com doenças genéticas. Portanto, acredita-se que esta ação de extensão proporcionou conhecimento e habilidades aos participantes enfermeiros para a divulgação e disseminação de informações sobre doenças raras para a sociedade e qualificação das equipes sob sua liderança.

A relevância do presente curso de extensão reside no fato de que, devido ao seu método de desenvolvimento (apresentação de casos clínicos, atividades práticas e simulação realística), foi possível proporcionar aos participantes vivências interdisciplinares baseadas na integração, apoio e cooperação entre os envolvidos. Este curso converge com uma das metas estabelecidas da campanha Nursing Now, que prevê o fortalecimento da educação e o desenvolvimento dos profissionais de enfermagem, com foco na liderança.

Como possível limitação, identifica-se a realização do curso na modalidade presencial, dificultando a adesão de mais profissionais por motivo de horário de trabalho e/ou deslocamento até o local do curso. No entanto, a atividade de extensão poderá ser replicada, inclusive na modalidade à distância, devido ao distanciamento social, neste período de pandemia da COVID-19. Nesse caso, a parte prática poderá ser realizada através das discussões de casos clínicos por plataformas on-line e ferramentas digitais. O acompanhamento ambulatorial pode ser transformado em mais um cenário de simulação realística e esta ser executada totalmente on-line no formato de telessimulação. Ainda, há a possibilidade de expansão do conteúdo para outros assuntos, tais como: principais síndromes genéticas, fenilcetonúria, osteogênese imperfeita, atrofia muscular espinhal, atuação do enfermeiro na pesquisa clínica na área da genética, entre outros.

Por último, é importante ressaltar que o curso descrito tem potencial para ser incorporado na graduação de enfermagem, contemplando a atual demanda das instituições com a curricularização da extensão na graduação. Desta maneira, qualifica-se o enfermeiro, desde a sua formação, com conhecimentos e habilidades relacionados à genética.

Agradecimentos

Pelo apoio recebido pela Pró-reitoria de Extensão (PROREXT) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

REFERENCES

  • 1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes para atenção integral às pessoas com doenças raras no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
    » https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-DOENCAS-RARAS.pdf
  • 2. Iriart JAB, Nucci MF, Muniz TP, Viana GB, Aureliano WDA, Gibbon S. From the search for diagnosis to treatment uncertainties: challenges of care for rare genetic diseases in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(10):3637-50. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182410.01612019
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320182410.01612019
  • 3. World Health Organization (CH). Geneva: WHO; c2020 [cited 2020 Apr 10] IHR Procedures concerning public health emergencies of international concern (PHEIC); [about 1 screen]. Available from: http://www.who.int/ihr/procedures/pheic/en/
    » http://www.who.int/ihr/procedures/pheic/en/
  • 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo de vigilância e resposta a ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central (SNC). Brasília, DF; 2016 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/24/Microcefalia-Protocolo-vigil--ncia-resposta-versao2.1.pdf
    » https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/24/Microcefalia-Protocolo-vigil--ncia-resposta-versao2.1.pdf
  • 5. Kennedy A. Wherever in the world you find nurses, you will find leaders. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3181. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3181
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3181
  • 6. Couns SWMG, Jacobs C, Phillips J. Mainstreaming genetics and genomics: a systematic review of the barriers and facilitators for nurses and physicians in secondary and tertiary care. Genet Medicine. 2020;22(7):1149-55. doi: https://doi.org/10.1038/s41436-020-0785-6
    » https://doi.org/10.1038/s41436-020-0785-6
  • 7. Mandrell BN, Hines-Dowell S, Nishigaki M. Genetics and genomics: precision health in pediatric oncology. In: Hinds P, Liner L, editors. Pediatric Oncology Nursing. Springer: Cham; 2020. p. 235-49. doi: https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-7_13
    » https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-7_13
  • 8. International Nursing Association for Clinical Simulation and Learning. INACSL Standards Committee. INACSL standards of best practice: simulation SM simulation design. Clin Simul Nurs. 2016;12(Suppl):S5-S12. doi: https://doi.org/10.1016/j.ecns.2016.09.005
    » https://doi.org/10.1016/j.ecns.2016.09.005
  • 9. Nissen KK, Mikkelsen TR, Christiansen K. Genetics in the Danish nursing education: a questionnaire study. J Nurs Educ Pract. 2020;10(1):75-84. doi: https://doi.org/10.5430/jnep.v10n1p75
    » https://doi.org/10.5430/jnep.v10n1p75
  • 10. Camak DJ. Increasing importance of genetics in nursing. Nurse Educ Today. 2016;44:86-91. doi: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.018
    » https://doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.018
  • 11. Paneque M, Turchetti D, Jackson L, Lunt P, Houwink E, Skirton H. A systematic review of interventions to provide genetics education for primary care. BMC Fam Pract. 2016;17:89. doi: http://doi.org/10.1186/s12875-016-0483-2
    » http://doi.org/10.1186/s12875-016-0483-2
  • 12. Lise F, Feijó AM, Milbrath VM, Schwartz E. Erros inatos do metabolismo do recém-nascido: atualização de enfermagem. Rev Recien. 2019 [cited 2020 Apr 20];9(25):37-42. Available from: https://www.recien.com.br/index.php/Recien/article/view/278/pdf
    » https://www.recien.com.br/index.php/Recien/article/view/278/pdf
  • 13. Fabri R, Mazzo A, Martins J, Fonseca A, Pedersoli C, Miranda F, et al. Development of a theoretical-practical script for clinical simulation. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03218. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016265103218
    » https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016265103218
  • 14. Uysal N. Improvement of nursing students' learning outcomes through scenario-based skills training. Rev Latino-Am Enfermagem. 2016;24:e2790. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1310.2790
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.1310.2790
  • 15. Fey MK, Kardong-Edgren SS. State of research on simulation in nursing education programs [editorial]. J Prof Nurs. 2017;33(6):397-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2017.10.009
    » https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2017.10.009

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2020
  • Aceito
    04 Nov 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br