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Representações sociais da tuberculose por pessoas com a doença

RESUMO

Objetivo:

Compreender as representações sociais de pessoas com tuberculose sobre a doença e implicações no tratamento.

Método:

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, com base na Teoria das Representações Sociais. Realizado em uma unidade municipal de saúde no município de Belém. Os participantes foram pessoas com diagnóstico de tuberculose e em tratamento diretamente observado, cujo quantitativo foi definido pela técnica da saturação de dados. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada. Para análise dos dados utilizou-se a análise temática de conteúdo.

Resultados:

Os registros convergiram em três categorias: Representações da tuberculose e seus impactos frente ao diagnóstico; as faces do tratamento: desafios frente ao seguimento e esperança; e Construções do conviver com a doença em família e sociedade.

Considerações finais:

O conviver com a doença transforma o cotidiano e as relações. A discriminação e preconceito denotam a necessidade de reconfigurar tais representações, para o doente ser acolhido.

Descritores:
Enfermagem; Cuidados de enfermagem; Tuberculose; Representação social

ABSTRACT

Objective:

To understand the social representations of people with tuberculosis about the disease and its implications for following treatment.

Method:

A descriptive, qualitative study based on the Theory of Social Representations. It was conducted in a municipal health unit in the city of Belém. The participants were people diagnosed with tuberculosis and undergoing directly observed treatment, with the sample size defined by the data saturation technique. Data collection was done through semi-structured interviews. For data analysis it was used thematic content analysis.

Results:

The records converged into three categories: Representations of tuberculosis and its impacts on the diagnosis; The faces of treatment: challenges facing follow-up and hope; and Constructions of living with the disease in family and society.

Final considerations:

Living with the disease transforms everyday life and relationships. Discrimination and prejudice denote the need to reconfigure such representations for patients to be embraced.

Descriptors:
Nursing; Nursing care; Tuberculosis; Social representation

RESUMEN

Objetivo:

Comprender las representaciones sociales de personas con tuberculosis sobre la enfermedad y sus implicaciones para el seguimiento del tratamiento.

Método:

Estudio descriptivo, con abordaje cualitativo, basado en la Teoría de las Representaciones Sociales. Se llevó a cabo en una unidad de salud municipal de la ciudad de Belém. Los participantes fueron personas con diagnóstico de tuberculosis y en tratamiento bajo observación directa, cuyo cuantitativo fue definido por la técnica de saturación de datos. La recolección de datos se realizó a través de una entrevista semiestructurada. Para analizar dos datos, utilice un análisis de contenido temático.

Resultados:

Los registros convergieron en tres categorías: Representaciones de la tuberculosis y sus impactos en el diagnóstico; Como enfrenta el tratamiento: desafíos que enfrenta el seguimiento y la esperanza; y Construcciones de convivencia con la enfermedad en familia y sociedad.

Consideraciones finales:

O vivir con una enfermedad transforma la vida cotidiana y las relaciones. La discriminación y el prejuicio denotan la necesidad de reconfigurar estas representaciones, para que el docente sea aceptado.

Descriptores:
Enfermería; Atención de enfermería; Tuberculose; Representación social

INTRODUÇÃO

A Tuberculose (TB) permanece mundialmente reconhecida como um importante problema que envolve as políticas públicas em saúde, exigindo a construção de ações que envolvem o seu controle 11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Tuberculose 2021[Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2023 Aug10]. Available from: Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2021/boletim-tuberculose-2021_24.03
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. No decorrer do tratamento, vários fatores interferem diretamente na sua adesão, dentre eles: sexo masculino abandonam mais; a população economicamente desfavorecida, analfabetos e com escolaridade abaixo do ensino médio; o consumo de álcool, fumo e outras doenças crônicas;pessoas com experiências anteriores de tratamento, falta de confiabilidade e diálogo com os profissionais e estigma da doença 22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Indicadores prioritários para o monitoramento do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como problema de saúde pública no Brasil [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2017 [cited 2021 Feb 5]. Available from: Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/marco/23/2017-V-48-N-8-Indicadores-priorit--rios-para-o-monitoramento-do-Plano-Nacional-pelo-Fim-da-Tuberculose-como-Problema-de-Sa--de-P--blica-no-Brasil.pdf
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É fato que para todo caso de tuberculose deve-se realizar o Tratamento Diretamente Observado (TDO), pois, não é possível predizer os casos que irão aderir. Esta estratégia é mais que ver a deglutição dos medicamentos. Torna-se essencial construir um vínculo entre o doente e o profissional de saúde. Para isso torna-se necessário remover as barreiras que impedem uma melhor adesão, utilizando estratégias de reabilitação social, melhora da autoestima, qualificação profissional e demandas sociais 11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Tuberculose 2021[Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2023 Aug10]. Available from: Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2021/boletim-tuberculose-2021_24.03
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Por outro lado, mesmo com o avançar dos anos e tecnologias envolvendo a saúde e a realidade do tratamento por meio da poliquimioterapia ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a tuberculose permanece sendo, mundialmente, um importante problema que envolve a saúde e milhares de pessoas que adoecem e morrem em decorrência dadoença e suas complicações 22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Indicadores prioritários para o monitoramento do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como problema de saúde pública no Brasil [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2017 [cited 2021 Feb 5]. Available from: Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/marco/23/2017-V-48-N-8-Indicadores-priorit--rios-para-o-monitoramento-do-Plano-Nacional-pelo-Fim-da-Tuberculose-como-Problema-de-Sa--de-P--blica-no-Brasil.pdf
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Nesse cenário, estudos apontam que as políticas que envolvem a saúde dessas pessoas em relação à prevenção e ao controle da doença têm mostrado, ao longo dos anos, baixa efetividade, pouca adesão ao tratamento, baixo avanço nos cuidados, e apesar de essa patologia ter etiologia, diagnóstico e tratamento conhecidos, perpetua-se a elevada incidência de novos casos, bem como a mortalidade 33. Morin M, Apostolidis T, Dany L, Preau M, Spire B. Diagnósticos, intervenções e avaliações psicossociais no campo sanitário e social. In: Moreira ASP, Camargo BV, organizadores. Contribuições para a teoria e método de estudos das representações sociais. João Pessoa: UFPB; 2007. p. 253-67..

A série histórica do número de casos novos da tuberculose no Brasil, por ano diagnosticado, a mais recente data no ano de 2017, foram notificados: Região Norte com 7.653, Região Nordeste com 17.869, Região Sudeste apresentando 32.799, Região Sul com 8.074 e Região Centro-Oeste com 3.174 novos casos de TB 44. Fernandes TS, Pedrosa NS, Garcia MKQ, Silva AMBF. Estigma e preconceito na atualidade: vivência dos portadores de tuberculose em oficinas de terapia ocupacional. Physis. 2020;30(1):e300103. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300103
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.O número de mortes por tuberculose do Brasil, Regiões e Unidades Federadas de residência por ano do óbito reforça esta doença como grave e preocupante. Em 2017, a Região Norte apresentou 481 óbitos, a Região Nordeste com 1471, a Região Sudeste com 1920, a Região Sul com 451 mortes e a Região Centro-Oeste com 211 óbitos 55. Gama KNG, Palmeira IP, Rodrigues ILA, Ferreira AMR, Ozela CS. The impact of the diagnosis of tuberculosis through its social representations. Rev Bras Enferm. 2019;72(5):1189-96. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0881
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Com altos índices de casos novos e mortalidade, além das problemáticas que envolvem o tratamento, a psicologia social permite a promoção de uma abordagem dinâmica que envolve as representações construídas ao longo do percurso percorrido por uma pessoa com a doença, já que fornece grande importância à avaliação subjetiva das ações do paciente a frente da doença ao longo do tempo 55. Gama KNG, Palmeira IP, Rodrigues ILA, Ferreira AMR, Ozela CS. The impact of the diagnosis of tuberculosis through its social representations. Rev Bras Enferm. 2019;72(5):1189-96. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0881
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A TB, desde seu surgimento na história, trouxe um profundo impacto social que vigorou, durante os séculos, alimentado pela ausência de explicações lógicas para seu aparecimento e permanência. Esta não se configura apenas como um conjunto de sintomas, uma ocorrência individual que acomete as pessoas, mas também uma estranheza que ameaça a sociedade e causa repulsa. Não é, portanto, apenas uma entidade biológica, mas um fenômeno social que imprime profundas marcas nos indivíduos e nos grupos sociais 66. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed. Petrópolis: Vozes; 2015..

Em face à Teoria das Representações Sociais (TRS) e sua aplicabilidade a este estudo sobre as implicações para o seguimento do tratamento, revela também a luta contra esta doença que tem se transformando em seus aspectos também psíquicos. A teoria possibilita desvendar fenômenos do conhecimento do universo consensual e entre as relações sociais, como também suas ações frente a eles. Encontrar pistas nos discursos de quem vivencia a problemática é, também, se propor a construir caminhos para a efetividade no controle da doença 66. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed. Petrópolis: Vozes; 2015..

Nesse sentido, o conhecimento pelos profissionais de saúde das representações sociais construídas pelos pacientes em relação às implicações sobre o tratamento da tuberculose, permite conhecer os saberes que fundam essas representações sobre a doença e as práticas em relação a ela, além de dar acesso às bases para melhores decisões e práticas, com ações que visem um cuidado mais consistente, contribuindo, assim, para o aprimoramento do perfil epidemiológico da tuberculose.

Assim, o objetivo do estudo foi compreender as representações sociais de pessoas com tuberculose sobre a doença e suas implicações para seguimento do tratamento.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa utilizando como base teórica a Teoria das Representações Sociais. Foi utilizado o instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para auxiliar os pesquisadores a relatar com transparência e qualidade as informações das pesquisas qualitativas.

Fizeram parte da pesquisa 20 usuários inscritos no programa de tuberculose da unidade que fez parte do local da pesquisa. Os critérios de inclusão foram: pessoa com idade igual ou superior a 18 anos; com diagnóstico de tuberculose positivo e em tratamento diretamente observado na unidade do estudo por um período igual ou superior a um mês. Os critérios de exclusão foram: pessoas em tratamento para infecção latente pelo Mycobacterium Tuberculosis e pessoa com transtornos psiquiátricos, cujos diagnósticos foram obtidos no prontuário.

O cenário para desenvolvimento do estudo foi a Unidade Municipal de Saúde do Guamá (UMS), Distrito DAGUA, no município de Belém, tendo em vista que a UMS é a porta de entrada para pacientes que irão iniciar o tratamento diretamente observado, estando o enfermeiro a frente do acompanhamento e controle dos casos.

A coleta foi realizada no mês de maio de 2021, em espaço reservado na referida unidade de saúde, sendo a coleta com duração em média de 1h para cada participante, sendo realizada por meio de uma entrevista semiestruturada com oito questões abertas.

A abordagem dos participantes se deu por conveniência e foi condicionada a seus comparecimentos à unidade de acordo com agendamento para o tratamento diretamente observado, bem como foi empregue a técnica da saturação de dados como forma de delimitar a amostragem deste estudo, que diz respeito sobre a qualidade das entrevistas e do produto coletado, além da repetição dos discursos.

Para análise dos dados, utilizou-se a análise temática. Esse método objetiva identificar, analisar e relatar padrões ou temas permitindo a organização e descrição detalhada do conjunto de dados, de forma a possibilitar a interpretação de diversos aspectos do tema da pesquisa 77. Braun V, Clarke V. Thematic analysis: a pratical guide. London: Sage; 2021. .

Nessa análise os dados coletados, foram transcritos de maneira detalhada a partir das suas respectivas versões em áudio, posteriormente a leitura e releitura das entrevistas para familiarizar-se com estes dados. Em seguida, se estabeleceu a geração de códigos iniciais com a codificação das características interessantes de todos os dados de uma forma sistemática, confrontando os dados relevantes com cada código e identificando falas e sentidos comuns entre as informações. Naquela ocasião, os elementos colhidos foram agrupados em possíveis temáticas, reunindo falas em sentido e características semelhantes e relevantes para cada tema, o qual foi revisado para que fosse criado um mapa temático de análise, identificados e agrupados através de cores distintas para cada tema. Além do mais, definiram-se, então, as temáticas de modo a especificar as especificidades de cada área e, por fim, a escrita do relatório com a integração dos dados obtidos com as questões que envolvem o objeto de estudo da presente pesquisa.

Após esse processo de análise, identificou-se as unidades temáticas e, posteriormente, o texto foi submetido à nova análise, para compreender de forma mais significativa a rede de significações resultantes das questões levantadas. Posteriormente ocorreu a interpretação das respostas e dos produtos em comum identificados, com isso pode-se construir 3 categorias, a saber: Representações da tuberculose e seus impactos frente ao diagnóstico; as faces do tratamento: desafios frente ao seguimento; e Construções do conviver com a doença em família e sociedade.

Pesquisa aprovada peloComitê de Ética do Hospital Universitário João de Barros sob o número do Parecer 4.671.449, CAAE: 37747620.1.0000.0017. Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e permaneceram em anonimato ao longo do estudo mediante utilização de códigos alfanuméricos, compostos pela letra E (entrevista) seguida pelo número sequencial da entrevista.

RESULTADOS

Representações da tuberculose e seus impactos frente ao diagnóstico

Mais da metade dos participantes direcionam entendem a tuberculose numa perspectiva fisiopatogênica, de como ela é enquanto doença que afeta o corpo. Atrelado a esse conhecimento, estiveram presentes termos como morte, gravidade e também o tratamento, como observado:

Que a TB é um bacilo que ataca as vias pulmonares, que o tratamento é um pouco longo, mas necessário para fazer para ter uma segurança para finalizar e precisa ter bastante apoio da família, porque se não tiver orientação correta tem uma evasão e tem que ter cuidado pra não ter novamente. (E2)

É uma doença né, que eu não conhecia, fui conhecer em 2018 quando fui diagnosticada. É uma bactéria que se alojou no meu pulmão e foi corroendo o tecido do meu pulmão. (E4)

As respostas convergem para uma abordagem que busca oferecer elementos que proporcionem informações sobre a doença. Ressalta-se o processo gerador das representações no discurso do sujeito E4 quando este, num processo de ancoragem, reapresenta o que é tuberculose utilizando o termo “corroendo” para assinalar o adoecimento por TB, em uma tentativa de classificar, encontrar lugar e dar nome para aquilo não era familiar.

A disputa entre os saberes social e científico se mostrou árdua. Se por um lado a ciência constrói saberes acerca da doença no sentido de dar mais clareza sobre os processos de adoecimento de cunho reificado, por outro, os afetos e práticas produzidas no cotidiano das conversações contribuem para manter circulando as imagens de modelos antigos que ainda não foram superados no pensamento social, como observado a seguir:

É uma doença curável que no passado não tinha cura, todo mundo morria, mas agora não, com o tratamento legal e tudo você se cura, agora tem de acompanhar os protocolos certinho, bonitinho para não voltar mais porque se voltar você pode abrir o caixãozinho e se enterrar porque vai morrer. (E7)

Eu não entendo muito da doença, mas é uma doença que tem de ser tratada nê, tomar o remédio tudo certo e não transmitir para outras pessoas, tem de usar máscara, separar os talheres, pratos, copos das pessoas para não pegar e se cuidar, tomar remédio e ficar bom logo. (E8)

Compreende-se, então, que a construção das RS pode se dar através da relação entre esses dois universos do saber, sendo essas representações correspondendo a cada realidade intelectual e social vivida por esses indivíduos.

No que cabe aos impactos do diagnóstico, metade dos participantes se referiu a questões atreladas à sintomatologia da tuberculose, aos exames realizados e às consultas. Outra metade dos participantes relacionaram o momento do diagnóstico como uma surpresa, medo e mudanças na rotina de vida. Sabe-se que tudo aquilo que é desconhecido causa medo e estranhezas, além de estar diante de uma doença que ao longo dos anos é estigmatizada. Veja os excertos a seguir:

Foi bem complicado (...). No começo foi bem difícil porque eu tive de parar de trabalhar, ficar em casa trancado. (E3)

Eu fiquei muito abalado com a notícia, não imaginei que tivesse[...] foi uma surpresa [...], mas também eu não estranhei tanto por eu viajar muito... viajava muito andava em muito lugar, muito quarto de hotel, convivia com muitas pessoas que eu não conhecia. (E17)

A tuberculose, então, foi representada como uma realidade que traz o sentido de ameaça à vida e rotina, afetando o sujeito e o incapacita, sendo capaz de produzir efeitos não somente no corpo adoecido, mas também na sua relação com o mundo e consigo.

Atrelados a esse sentimento de incertezas, a vontade de mudar, a sensibilidade em identificar pontos importantes que deveriam ser repensados e reformulados permeiam a rede de significações de parte dos participantes e revelam a segunda face do que a tuberculose significa para estes participantes num processo que causa transformações. Observe a seguir:

Um divisor de águas, um problema que veio para ter uma visão mais delicada da família, ter o cuidado, dar mais importância para nossa rotina, convivência com a família, porque eu vivia muito na rua, na universidade, viajando com a empresa e não conseguia ficar em casa, e nesse período eu conseguir estar mais com a minha família, me aproximei de algumas pessoas e me afastei de algumas.(E2)

Esse aspecto revela um contraponto em relação às significações atreladas a TB, se por um lado a doença é representada pelo preconceito e sofrimento, por outro ela permite também a construção de uma dimensão que agrega reflexões sobre a vida diante desse adoecer.

Por fim, ao tornar a TB familiar, surge nas falas um processo de adaptação, de superação e de reconhecimento que o tratamento é peça chave para o processo de cura.

Ela representa uma fase que eu tenho de passar como todo mundo tem seus altos e baixos e essa foi a primeira doença séria né na minha vida e ta sendo muito desafiador. Estou superando. (E4)

Uma doença que ele quer curar por meio do tratamento. (E13)

Convém registrar que diante da construção das representações sociais por parte dos entrevistados diagnosticados com tuberculose que mais da metade destes conseguem se fortalecer diante do desafio de adoecer e experienciar o convívio com esta, redefinindo e reconstruindo sua história de vida e atitudes.

Assim, a representação construída por cada pessoa ou grupo, revelam as faces da sua própria realidade, o qual se observaram três neste estudo: a doença que permanece sendo vista como algo ruim e que denota gravidade; a sensibilização no que cabe a mudanças no estilo de vida e de compreensão do mundo que os cerca e, por fim; a tuberculose significando a superação através do tratamento realizado de forma correta.

As faces do tratamento: desafios frente ao seguimento

A representatividade do viver com a tuberculose denota o indivíduo numa perspectiva de familiaridade com a doença, tendo em vista que o tratamento passou a ser não só uma realidade, mas decisivo.No que cabe as mudanças vividas pelos participantes ao se iniciar o tratamento, 22,22% destes retratam a rotina ambulatorial e dos remédios; 27,77% se referiram aos sinais e sintomas da doença; a melhora do estado de saúde esteve presente nas repostas de 22,22% dos participantes; e a disciplina após dar início ao tratamento diretamente observado em 11,11% do total; os outros participantes não souberam ou não responderam.

Os sinais característicos da doença se apresentam como marcas que destacam essas queixas e fazem com que o tratamento seja visto, dentre outras formas, com o corpo adoecido. Observe a seguir:

Perdi muito peso, eu não me alimento mais direito até hoje não consigo, perdi 21kgs e tenho 11 para ganhar, mas não to conseguindo. E também a questão física, eu praticava esportes e acabou assim.(E4)

Se por um lado essas sensações desagradáveis podem afastar esses usuários, o sentir-se melhor dos sintomas também podem impulsionar a se adaptar e seguir o tratamento de forma correta. Observe as falas a seguir:

[...] É muito estressante, antibiótico todo dia, 4 antibióticos. Mas ta melhorando, graças a Deus com esse remédio. (E8)

Eu passei a me sentir melhor [...] me senti melhor, ganhei peso, voltou meu apetite, passei a me alimentar bem, e agora eu estou super bem, graças a Deus. (E17)

A partir de uma perspectiva positiva do tratamento e do entendimento que bons hábitos alimentares e de vida podem ajudar no seguimento deste para alcançar a cura, o usuário significa suas ações e atitudes frente à doença, a fim de corroborar e somar com o tratamento medicamentoso. Como visto a seguir:

Disciplina, com certeza, alimentação totalmente, valorizando a alimentação porque eu comia muita coisa na rua, passei a ter uma alimentação saudável para dar um auxílio a mais no tratamento. Tive uma boa orientação. (E2)

Para outra parte dos participantes, as mudanças após o início do tratamento estão ligadas à rotina ambulatorial, aos medicamentos antituberculose vistos como de dificil deglutição e efeitos colaterais. Veja o excerto a seguir:

Mas é bem desgastante, no meu caso eu acordo de manhã cedo, tenho de tomar 4 remédios em jejum e ele é bem complicado, para mim uma das piores partes é essa, porque a pílula é grande. (E3)

Ao vivenciarem o processo de adoecimento por tuberculose, essas dificuldades se tornam grandes desafios no que tange ao seguimento do tratamento ou faz, dessa caminhada, uma tarefa difícil. Nesse sentido, a identificação da importancia do conhecimento reificado na figura do profissional de saúde, especialmente o enfermeiro, corrobora para que não aconteça abandono ou falhas no decorrer do tratamento. Observe:

Eu pensava que quando o exame dava negativo eu já estaria bom, até deixar de tomar os remédios. Mas quando voltei na unidade me informei com o enfermeiro e ele me explicou que não era isso, que eu tinha de terminar o tempo todo do tratamento.(E19)

Se não fosse as orientações que tive com o enfermeiro, diante de tantas dificuldades, provavelmente eu já teria desistido disso. (E20)

O tratamento, então, exige paciência, dedicação e fortalecimento. Desta forma, o usuário identifica soluções no que tange à importância das pesquisas, estratégias e mudanças que deveriam ocorrer para que esse tratamento se torne mais viável e menos problemático. Observe os excertos:

[...] Acredito que deveria ter mais estudos sobre isso, essas reações que dá, o tamanho do remédio. (E5)

Eu acho que poderia ter mais pesquisas em torno de medicação assim, porque antes eu não imaginava que tivesse essa dificuldade para fazer o tratamento, eu pensava assim porque tem tanta gente que abandona nê, aí hoje eu já consigo entender que não é fácil. (E6)

Sobre o que o tratamento representa para essas pessoas, todos envolveram a significação do termo esperança, também sendo a esperança atrelada as orientações dos profissionais de saúde e a responsabilidade frente ao tratamento diretamente observado.

A possibilidade de você poder se livrar de uma doença que é grave, porém por conta do tratamento você consegue ter uma possibilidade de cura. (E6)

Ele representa... bem dizer tudo ne, por que a gente doente nós não somos nada. (E18)

Assim, as representações sociais acerca do tratamento evidenciam que os usuários constroem sentidos e significados sobre as suas ações frente ao seguimento do tratamento, trazendo em suas redes de significações, representações de sofrimento, dificuldades, mas que por outro lado, também compreendem a importância dessa etapa, agregam mudanças no estilo de vida, conduzem o tratamento de maneira positiva e com esperança de cura.

Construções do conviver com a doença em família e sociedade

Quando se trata de núcleo familiar, foi evidenciado que estes acolhem e vivenciam a TB juntamente com o indivíduo, com atenção e cuidado de maneira a encorajá-los e demonstrar o apoio necessário, como observado nos trechos a seguir:

Foram a minha base para eu poder me sustentar, principalmente quando eu tive reação medicamentosa, porque eu fiquei impossibilitado de tudo. Então eles foram a minha base pra seguir o tratamento. (E2)

Eu tive de abdicar de muitas coisas para fazer o tratamento, ficar em casa, é uma questão que meche muito com o teu psicológico, então eu acho que a família é crucial, meu relacionamento com a minha família é ótimo. (E3)

Por outro lado, identifica-se que mesmo com a rede de apoio amparada pelo núcleo familiar estando presente, há segregação por parte de algumas pessoas que convivem com o adoecido e o próprio doente por tuberculose, como mostra o excerto:

Com a minha família eu tenho apoio da minha irmã, eu moro com ela, quando eu cheguei em casa meu cunhado foi logo separando copo e falou que não queria meu mal mas que também não queria que ninguém pegasse essa doença porque é transmitida no ar que ele falou, então a gente vai marcar o teu copo, mas ninguém vai se afastar de ti não, a gente vai continuar falando contigo normal, usa mascara dentro de casa, ai vai ser uma doença que vai fazer tratamento porque ele disse que a tia dele fez tratamento e ficou boazinha, mas que ela só usava mascara dentro de casa e os talheres eram tudo separado. Tive o apoio da minha família, tudo bacana, principalmente no álcool para mim largar. (E8)

Deste modo, observa-se que o afastamento e a divisão no uso de utensílios domésticos entre as pessoas que possuem esse vínculo afetivo é evidenciado pelo cuidado excessivo, que muitas vezes que se perpetua mesmo que este sujeito esteja fora do período de risco de transmissibilidade.

Ao buscar como sucede o relacionamento entre os usuários da pesquisa com as pessoas do seu meio social, identificou-se que a maior parte destes relataram a rejeição e preconceito no convívio interpessoal, seguido por aqueles que optaram por não falar para vizinhos ou amigos o seu diagnóstico e por fim, em menor quantidade, observam que a relação é normal.

Nesse viés, verificou-se que o preconceito envolto por representações que perpassam a história permanece fazendo parte do cotidiano desses usuários e nesse sentido, o sofrimento alcança a influência estigma, dos processos sociais resultantes da discriminação, envolvendo categorização, estereótipos e rejeição social. Verifique nos exemplos a seguir:

Ruim, muito ruim. Porque eles não querem está perto da pensam que vai passar para eles. Aí eu ficava mais afastada, mais em casa mesmo. (E1)

Eu já sofri rejeição de algumas pessoas, mas assim, eu até acabei entendo elas, talvez se eu tivesse no lugar delas eu faria a mesma coisa se eu soubesse como eu sei hoje. Acho que as vezes por não saber, não ter informação necessária, a gente acaba sendo ignorante. (E3)

Outros usuários na tentativa de evitar discriminação escolhem não expor o adoecimento por TB no meio social a que pertencem, observe os excertos:

Não fiquei comentando a respeito porque embora tenha tratamento, ainda é uma doença que as pessoas ficam assim né, preocupadas e tem muito preconceito em torno do diagnóstico, então eu não fiquei comentando não. (E6)

Eu tinha me afastado de todas as pessoas em minha volta, vivia dentro de casa então poucas pessoas sabem pelo que estou passando. Porém, eu quando vou procurar clientes para fazer limpeza na casa, quando eu falo que tenho TB dizem para eu voltar só depois que acabar o tratamento. (E12)

É certo que esses achados refletem a compreensão das pessoas com tuberculose de que a sociedade ao saber do diagnóstico resultaria em comportamentos discriminatórios e por esse motivo evitam se expor, como forma também de “blindar-se”.

Os resultados aqui apresentados nos revelaram que o ambiente familiar, na perspectiva das relações e interações dos clientes com as pessoas a sua volta têm papel fundamental desde a suspeita até a continuidade do tratamento. É por meio desse núcleo que se restabelece a força e ânimo no encontro da luta diária que, além das questões que envolvem o adoecimento, enfrentam preconceito e discriminação tanto nas relações sociais como laborais.

Por fim, cabe aos profissionais de saúde por meio de ações de educação em saúde na comunidade, demonstrarem mais acolhimento à pessoa com tuberculose, criando estratégias para a diminuição e erradicação da discriminação, preconceito e exclusão do adoecido, trazendo informações, esclarecendo dúvidas e agregando o papel da sociedade nas redes de apoio a esses indivíduos.

No momento do diagnóstico é comum o surgimento de incertezas no que tange à doençae como será conviver com esta em sociedade, isso porque se trata de algo que é novo na vida dessa pessoa. Esse aspecto é identificado à luz da teoria das representações sociais como o não familiar, fazendo com que, no processo de construção de suas representações sociais, essas pessoas atrelem uma imagem de doença fatal e temerosa. Dessa forma, ao se defrontarem com algo que até então era desconhecido, denotam essa condição aos conhecimentos pré-existentes, observando na tuberculose uma representação de algo assustador e inesperado 88. Ly AL, Saide AR, Richert RA. Perceptions of the efficacy of prayer and conventional medicine for health concerns. J Relig Health. 2020;59(1):1-18. doi: https://doi.org/10.1007/s10943-018-0704-1
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Os sujeitos agregam representações que se baseiam em estigmas, crenças e desafios que circundam e resultam sejam em aspectos negativos, sejam em aspectos positivos frente à doença, o que permite elaborar novos olhares e significados que lhes serão maléficos ou benéficos, bem como úteis e necessários para o cotidiano e enfrentamento da tuberculose 99. Teixeira LM, Palmeira IP, Matos WDV, Sousa RF, Monteiro YC, Vale CC, et al. Conceptions about treatment and diagnosis of pulmonary tuberculosis for those who experience it. Esc Anna Nery. 2023;27:e20220156. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2022-0156en
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O padecer por tuberculose também detona para esses usuários os sinais e sintomas característicos da doença e que são frequentes em um corpo que está sinalizando que algo não está bem, que está organicamente em descompasso com a normalidade e que nesse sentido, não menos importante revela os sentimentos, sensações e emoções frente à nova realidade: ter e conviver com a doença 1010. Arcêncio RA, Palha PF, Maciel ELN. The diagnosis and treatment of latent tuberculosis by nurses in Brazil: a necessary strategy. Rev Bras Enferm. 2023;76(1):e760101. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2023760101
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Nesse contexto, o tratamento é fundamental nessa caminhada do conviver e sobreviver. Porém, ao longo desse percurso, os usuários enfrentam dificuldades para seguir o tratamento. Como principais fatores associados às problemáticas que envolvem a adesão correta ao tratamento são, dentre outros, a falta de orientação do usuário sobre a doença e o próprio tratamento; barreiras sociais, econômicas, demográficas e culturais; dificuldades inerentes ao medicamento e ao tratamento diretamente observado na sua rotina à unidade de saúde 1111. Nogueira LMV, Rodrigues ILA, Santos CB, Silva MAI, Pinheiro AKC, Vasconcelos EMR, et al. Validation of educational technology on tuberculosis for adolescents. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE0379345. doi: http://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO0379345
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Sabe-se, então, que o tratamento deve ser realizado de forma completa, respeitando o tempo pertinente a este. Assim, é imprescindível o reconhecimento por parte dos profissionais de saúde sobre as adversidades e as percepções do usuário a vivenciar e a lidar com este universo durante todo seu percurso, pois assim é possível o desenvolvimento de ações e estratégias focadas em superar as dificuldades e reduzir a taxa de abandono do tratamento 1212. Ferreira MC, Nascimento FPB, Sodré VRD, Motta MCS, Souza MHN, Zeitoune RCG, et al. Social network map: a technology for the approach to people with pulmonary tuberculosis. Texto Contexto Enferm. 2022;3:e20220129. doi: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2022-0129en
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Nessa perspectiva, uma orientação bem conduzida auxilia na diminuição das taxas de abandono. Nesse sentido, é importante priorizar a identificação das barreiras e desafios vividos por essas pessoas, proporcionando o elo de confiança entre profissionais e usuários, sendo necessário então, profissionais mais sensibilizados sobre os aspectos que interferem na adesão ao tratamento e que possuam, ainda, habilidades para proporcionar um atendimento crítico-reflexivo a essas pessoas sobre a importância da continuidade do tratamento 1313. Braga SKM, Oliveira TS, Flavio FF, Véras GCB, Silva BN, Silva CRDV. Estigma, preconceito e adesão ao tratamento: representações sociais de pessoas com tuberculose. Rev Cuid. 2020;11(1):e785. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.785
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Convergindo para isso, então, pode-se dizer que a adesão correta da pessoa com tuberculose ao tratamento depende, dentre outros, do seu conhecimento sobre a patologia, duração do tratamento prescrito, da regularidade na utilização das medicações e da sensibilidade no que se referem às consequências ocasionadas pela interrupção do tratamento 1414. Cortez AO, Melo AC, Neves LO, Resende KA, Camargos P. Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities. J Bras Pneumol. 2021;47(2):e20200119. doi: https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200119
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Além disso, a tuberculose também foi mencionada quanto à sua percepção de superação da doença em virtude do tratamento e das motivações extras como familiar e espiritual. No que cabe à família, esta é vista como porto seguro, no qual também é entendida como o elo de apoio essencial para que indivíduo dê continuidade no tratamento de forma correta e tenha amparo psicológico, isso porque, de acordo com a pesquisa desses autores, as inúmeras situações vivenciadas com a doença faz com que a pessoa apresente pensamentos que o levam a perder o estímulo de viver, logo a influência psicológica é fundamental 1515. Silva Júnior JNB, Guedes HCS, Januário DC, Silva ACO, Palha PF, Nogueira MF, et al. Unsatisfactory completeness of nurses’ records in the medical records of users with tuberculosis. Rev Bras Enferm. 2022;75(03):e20210316. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0316
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Nesse sentido, a família é representada como uma referência de cuidado e, dessa forma, pode influenciar positivamente e significativamente nas escolhas do usuário quanto a sua relação frente ao processo saúde/doença. A influência psicológica interfere e pode modificar o comportamento das pessoas com a tuberculose e assim, a atenção familiar é compreendida como relevante nessa magnitude, quando sendo bem representada 1616. Silva KN, Santos PSP, Barbosa RS, Lopes MSV, Pinto AGA, Cavalcante EGR. Educational technologies to guide pulmonary tuberculosis sputum collection: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2022;56:e20210433. doi: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0433en
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No meio social, fica evidente que as pessoas que convivem com a tuberculose agregam sofrimentos não só pelos impactos do diagnóstico, modificações da rotina e tratamento, mas que principalmente a presença constante do estigma e preconceito resultam uma perspectiva negativa, de exclusão e da identificação de uma pessoa solitária, onde se percebe o afastamento do seu viver social 1717. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj; 2001..

A problemática da pessoa com tuberculose mostra o quanto a sociedade precisa, ainda, amadurecer conceitos sobre a patologia e seu contágio, incluindo valores que possam agregar à saúde e ao tratamento sem a existência de pré-julgamentos. Em virtude disso, eles não necessitariam ocultar a doença para permanecer ou ser inserido na comunidade e no trabalho. Percebe-se, então, que os fenômenos sociais são representados por meio de conceitos que adquirem um significado diante da percepção e interpretação dos indivíduos que conduzem nossa relação com as pessoas, orientando e organizando as condutas e as comunicações 1717. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj; 2001..

Em virtude dos fatores apresentados, evidencia-se a importância do profissional, em destaque o enfermeiro que é representado como sujeito ativo desse cuidado. Assim, dentre as estratégias que devem ser alcançadas destacam-se a importância de manter boa relação com o paciente e família, estando sensível às suas representações, criando vínculos de confiança, orientações sobre o processo saúde-doença e todas as consequências da interrupção do uso das medicações, mesmo que estas causem reações indesejadas, além de facilitar o acesso ao serviço de saúde aos pacientes de tuberculose 1515. Silva Júnior JNB, Guedes HCS, Januário DC, Silva ACO, Palha PF, Nogueira MF, et al. Unsatisfactory completeness of nurses’ records in the medical records of users with tuberculosis. Rev Bras Enferm. 2022;75(03):e20210316. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0316
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Por fim, a limitação desta pesquisa foi metodológica, visto que o estudo foi realizado no período que os serviços estavam reorganizados em decorrência da pandemia por Coronavírus, sendo assim, a rotina do tratamento diretamente observado também teve suas atividades alteradas. Nesse sentido, esses fatores contribuíram para a dificuldade na captação dos participantes. Além disso, cabe ressaltar que não foi possível a amostragem estratificada significativa de acordo com a construção das representações especificadas por cada mês de tratamento por não se identificar um quantitativo adequado de indivíduos para cada classe dessa variável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se propôs a compreender as representações sociais das pessoas com tuberculose e as implicações no seguimento do tratamento. O conhecimento das representações sociais desse grupo sobre a tuberculose favoreceu a compreensão da doença e como os doentes lidam com ela na sua rotina de vida, no que pese o contexto psicossocial em que está inserido.

Com base nos resultados e em suas conclusões, ressalta-se que, a enfermagem, como equipe ativa nesse processo de cuidar, deve manter-se presente e sensível para compreensão dos vários aspectos: contextos e representações que cercam a vida da pessoa com tuberculose. Levando em conta esses conhecimentos essenciais para que o cuidado ultrapasse as limitações particulares que fazem parte do adoecer de cada indivíduo e assim, proporcione a esses usuários uma assistência integral, humana e acolhedora.

Como parte desse apoio, é imprescindível trabalhar com questões que envolvam os sofrimentos vivenciados, as dificuldades para o seguimento do tratamento, o preconceito, o estigma e a discriminação que fazem parte do pensamento social. Portanto, faz-se necessária uma abordagem mais clara pelos profissionais de saúde tanto para o adoecido, quanto para sua família e a sociedade em geral, informando sobre os meios de transmissão da doença, seu período de transmissibilidade e destacar a necessidade de minimizar/erradicar as dificuldades e cultura do preconceito representado pelo afastamento e exclusão da pessoa com tuberculose.

O modelo de cuidado do processo saúde-doença, além de o segmentar faz imaginar que toda doença tem uma cura, como podemos evidenciar no estudo em questão quando nos reportamos a tuberculose, porém percebe-se que o modelo cartesiano não leva em conta o saber do senso comum do indivíduo e de seu grupo de pertença, sendo assim fundamento para que o doente possa dar continuidade ao tratamento diretamente observado e obter a cura para tuberculose.

Portanto, para saúde e enfermagem se faz necessário compreender as representações sociais de pessoas acometidas pela tuberculose e que estão em tratamento diretamente observado, pois a partir deste conhecimento empírico se consegueproceder, executandoformatos de cuidado concebidos desta configuração de saber ingênuo. Desta maneira,consegue-seproceder naquestão em questão sob aposição de quemadmitiu a doença e se recupera.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Código 001.

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Editado por

Editor associado:

Carlise Rigon Dalla Nora

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2023
  • Aceito
    28 Set 2023
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