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Fragilidades e potencialidades na formação de enfermeiros-líderes

RESUMO

Objetivo

Conhecer a percepção dos docentes de enfermagem acerca das fragilidades e potencialidades na formação de enfermeiros-líderes.

Método

Estudo de caso múltiplo, de abordagem qualitativa, realizado com 36 docentes de enfermagem de uma universidade pública do Estado da Bahia, Brasil. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, interpretados à luz do referencial teórico de Paulo Freire e analisados conforme a Análise Temática e do software Nvivo®11.

Resultados

Destacaram-se como fragilidades a necessidade de aprimorar a transversalidade da liderança ao longo da graduação e o ensino voltado ao modelo bancário. As potencialidades referem-se à inserção dos discentes nos cenários de prática, possibilitando a aproximação com as equipes de enfermagem e multiprofissional, uso de metodologias ativas e participação em grupos de pesquisa.

Considerações finais

Os docentes consideram a importância de práticas pedagógicas problematizadoras e investem em estratégias metodológicas capazes de fomentar a formação de enfermeiros-líderes.

Palavras-chave
Enfermagem; Liderança; Educação em enfermagem; Gestão em saúde; Educação superior

ABSTRACT

Objective

To know the perception of nursing professors about the fragilities and potentialities in the training of nurse leaders.

Method

Multiple case study, with a qualitative approach, performed with 36 nursing professors from a public university in the State of Bahia, Brazil. Data were collected through semi-structured interviews, interpreted in the light of Paulo Freire’s theoretical framework and analyzed according to Thematic Analysis and the Nvivo®11 software.

Results

Were highlighted as fragilities the need to improve the transversality of leadership throughout graduation and teaching focused on the banking model. The potentialities refer to the insertion of the students in the practice scenarios, enabling the approximation with the nursing and multidisciplinary teams, the use of active methodologies and participation in research groups.

Final considerations

Professors consider the importance of problematizing pedagogical practices and invest in methodological strategies capable of promoting the training of nurse leaders.

Keywords
Nursing; Leadership; Education nursing; Health management; Education higher

RESUMEN

Objetivo

Conocer la percepción de los profesores de enfermería sobre las debilidades y potencialidades en la formación de enfermeros líderes.

Método

Estudio de caso múltiple, con enfoque cualitativo, realizado con 36 profesores de enfermería de una universidad pública del Estado de Bahía, Brasil. Los datos se recopilaron mediante entrevistas semiestructuradas y se analizaron de acuerdo con el marco teórico de Paulo Freire, con la ayuda de Análisis temático y el software Nvivo®11.

Resultados

Se destacaron como debilidades la necesidad de mejorar la transversalidad del liderazgo durante la graduación y la enseñanza centrada en el modelo bancario. Las potencialidades se refieren a la inserción de los estudiantes en los escenarios de práctica, posibilitando la aproximación con los equipos de enfermería y multidisciplinario, el uso de metodologías activas y la participación en grupos de investigación.

Consideraciones finales

Los docentes consideran la importancia de problematizar las prácticas pedagógicas e invierten en estrategias metodológicas capaces de promover la formación de enfermeros líderes.

Palabras clave
Enfermería; Liderazgo; Educación en enfermería; Gestión en salud; Educación superior

INTRODUÇÃO

A liderança na enfermagem representa uma competência gerencial, por meio da qual o enfermeiro busca influenciar e motivar sua equipe para o alcance de objetivos e metas que favoreçam o atendimento das demandas dos usuários11. Amestoy SC, Backes VMS, Thofehrn MB, Martini JG, Meirelles BHS, Trindade LL. Conflict management: challenges experienced by nurse-leaders in the hospital environment. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(2):79-85. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2014.02.40155
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. O desenvolvimento de enfermeiros-líderes reflete-se em um objetivo estratégico que repercute de modo favorável nas relações de trabalho junto à equipe, no entanto as instituições de saúde carecem de programas que fomentem a liderança22. Kodama Y, Fukahori H, Sato K, Nishida T. Is nurse managers’ leadership style related to Japanese staff nurses’ affective commitment to their hospital? J Nurs Manag. 2016;24(7):884-92. doi: http://doi.wiley.com/10.1111/jonm.12392
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-33. Hanse JJ, Harlin U, Jarebrant C, Ulin K, Winkel J. The impact of servant leadership dimensions on leader-member exchange among health care professionals. J Nurs Manag. 2016;24(2):228-34. doi: https://doi.org/10.1111/jonm.12304
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) e profissionais que priorizem o gerenciamento do cuidado44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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.

Alguns serviços de saúde possuem dificuldades de disponibilizar atendimento de qualidade e carecem de enfermeiros que possuem conhecimentos, habilidades e atitudes para exercer a liderança, além de colaborar de modo construtivo para atender às necessidades de saúde da população, bem como na obtenção de metas institucionais55. Ferreira VB, Amestoy SC, Silva GTR, Trindade LL, Santos IAR, Varanda PAG. Transformational leadership in nursing practice: challenges and strategies. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20190364. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0364
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. Evidencia-se o importante papel do enfermeiro-líder na prática assistencial, tanto para a qualidade do cuidado quanto para o desempenho das equipes. Contudo, há necessidade de maiores investimentos na formação de enfermeiros-líderes66. Amestoy SC, Oliveira AFL, Thofehrn MB, Trindade LL, Santos BP, Bao ACP. Contributions of Paulo Freire to understanding the dialogic leadership exercise of nurses in the hospital setting. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):e64764. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.64764
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, como também, nos processos de educação permanente, onde estes sejam problematizados e mais democráticos, envidando esforços para que a voz dos profissionais e suas necessidades escutadas. Este movimento poderá não somente empoderar os profissionais mas também permitir a percepção que as manifestações emanadas da palavra e do trabalho sejam materializadas como ação-reflexão.

Com vistas a suprir tais necessidades, os enfermeiros precisam desenvolver habilidades relacionais que facilitarão o gerenciamento de conflitos, a gestão de pessoas e de suprimentos materiais, bem como o processo de tomada de decisões clínicas e gerenciais44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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. Sendo assim, faz-se necessário incentivar o desenvolvimento da liderança ainda durante o processo de formação, para que os futuros enfermeiros possam estar mais seguros e aptos para exercê-la.

O desenvolvimento do potencial de liderança durante a formação acadêmica e seu aprimoramento permanente nos serviços de saúde deve ser uma premissa, sendo esta uma preocupação comungada por docentes, discentes, gestores e profissionais inseridos na prática44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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. A literatura44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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,77. Miles JM, Scott ES. A new leadership development model for nursing education. J Prof Nurs. 2019;35(1);5-11. doi: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2018.09.009
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sinaliza que, no contexto de ensino, os discentes possuem dificuldades para compreender a liderança como parte da educação e/na prática, de modo que o ensino em enfermagem carece de um modelo específico para o desenvolvimento de liderança.

Outros estudos88. Thusini S, Mingay J. Models of leadership and their implications for nursing practice. British J Nurs. 2019;28(6);356-60. Available from: https://doi.org/10.12968/bjon.2019.28.6.356
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-1010. Paterson K, Henderson A, Burmeister E. The impacto of a leadership development programme on nurses’ self-perceived leadership capability. J Nurs Manag. 2015;8(23):1086-93. doi: https://doi.org/10.1111/jonm.12257
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reforçam essas preocupações, alertando para a necessidade da implementação de modelos e programas que promovam o desenvolvimento de líderes.

A prática docente necessita estar apoiada em processos de transformações, para que os docentes possam utilizar recursos em prol de estimular a capacidade crítica, a autonomia e a curiosidade dos discentes. Estudo1111. Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1531-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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realizado com docentes de enfermagem reconhece a necessidade de mudanças na prática pedagógica, sobretudo relacionadas à disciplina de administração em enfermagem, a fim de assegurar um conhecimento dinâmico e atualizado, com estratégias de ensino-aprendizagem efetivamente voltadas para o desenvolvimento da liderança.

Tal transformação, se ocorresse, possibilitaria aos docentes atuarem por meio do processo de ação-reflexão, em pleno movimento da prática pedagógica, para “quis-ça” ocorresse a constituição de um profissional crítico, engajado e líder. Desta maneira, urge o engajamento que envolva educador e educandos, para que juntos, transformem o ato de aprender pela realidade, em uma ação que tornará possível compreender as relações educativas como um processo promotor de ações transformadoras, como também, uma liderança que desafie e ouse as mudanças na formação.

A formação de líderes na enfermagem precisa ser discutida como aspecto prioritário no meio acadêmico e, para tanto, faz-se necessária a ampla participação dos docentes como mediadores e fomentadores de oportunidades aos discentes, para que estes possam, além de expandir seus conhecimentos teóricos, exercitar seu potencial de liderança. Investigação1212. Curtis EA, Sheerin FK, Vries J. Developing leadership in nursing: The impact of education and training. Br J Nurs. 2011;20(4):344, 346, 348. doi: https://doi.org/10.12968/bjon.2011.20.6.344
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com o escopo de verificar o impacto do ensino da liderança na enfermagem, indica que a temática é primordial, porém nem sempre tem sido abordada de forma integrada nos cursos de graduação em enfermagem. Diante do exposto, considera-se premente disponibilizar cenários e situações de aprendizado que possibilitem o desenvolvimento desta competência por parte do enfermeiro1313. Bordin V, Almeida ML, Zilly A, Justino ET, Silva NDV, Faller JW. Liderança em enfermagem na perspectiva de enfermeiros assistenciais de um hospital público da tríplice fronteira. Rev Adm Saúde. 2015;18(71):107. doi: https://doi.org/10.23973/ras.71.107
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.

Com vistas a fortalecer o arcabouço teórico do estudo, adotou-se a concepção de Paulo Freire1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. como referencial, tendo em vista a relevância de suas ideias acerca do ensino e da liderança. De acordo com o referido autor1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. , a liderança, quando dialógica, não se pratica isoladamente e requer ideias coletivas para que possa, de fato, transformar a realidade. Ela se fortalece por meio da prática educativa ao sinalizar novas direções, sendo democrática por meio da participação e organização coletiva em debater os métodos teóricos e práticos das atividades educativas.

A adoção de práticas pedagógicas pelos docentes que fomentem, a perspectiva e o ato de aprender pela realidade, exercitando juntos educador e educando, conscientemente, o exercício do diálogo, autonomia e a participação ativa desses sujeitos, possibilitando o favorecimento e o desenvolvimento da liderança no cenário da formação44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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, além de mitigar situações desafiadoras e auxiliar na criação de novas oportunidades de ensino-aprendizagem.

Diante disso, esta investigação buscou responder à seguinte questão norteadora: qual a percepção dos docentes de enfermagem acerca das fragilidades e potencialidades na formação de enfermeiros-líderes? Frente ao exposto, a investigação tem por objetivo conhecer a percepção dos docentes de enfermagem acerca das fragilidades e potencialidades na formação de enfermeiros-líderes.

MÉTODOS

O estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritiva e exploratória, realizada na Escola de Enfermagem de uma universidade pública do Estado da Bahia, Brasil. Consiste na primeira Escola de Enfermagem para a formação de enfermeiras(os) do Estado em questão, sendo referência na qualidade do ensino na Região Nordeste, tanto na graduação como na pós-graduação. O Curso de graduação é composto por 10 períodos e objetiva formar enfermeiras (os) generalistas, que se comprometam de forma ética com a qualidade na assistência e com os princípios do Sistema Único de Saúde.

Para definição dos participantes, constituíram critérios de inclusão: ser docente efetivo e ter atuado por, no mínimo, um ano no Curso de Graduação em Enfermagem. Quanto os critérios de exclusão, foram excluídos os docentes afastados, por qualquer motivo no período de coleta de dados, os que não demonstraram interesse e não disponibilizaram horário para a realização da entrevista, após três tentativas e que não atenderam aos critérios de inclusão.

Cabe mencionar que no período da coleta de dados, atuavam 68 docentes efetivos, destes 14 docentes foram excluídos, por não terem disponibilizado, horário para realização das entrevistas ou demonstrado interesse em participar da pesquisa, após três tentativas. Além destes, oito não atenderam aos critérios de inclusão, cinco estavam afastados para qualificação em programas de pós-graduação stricto sensu, um se aposentou no período de coleta de dados, dois estavam em licença maternidade e dois de licença-médica. Após a aplicação dos critérios de exclusão, 36 docentes participaram do estudo.

A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a agosto de 2017, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente em sala reservada, no cenário de estudo, em datas e horários agendados de acordo com a disponibilidade de cada participante. Importante mencionar que todos os entrevistados expressaram anuência em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As entrevistas foram gravadas e seguiram um roteiro preestabelecido com as perguntas norteadoras centradas na temática de estudo. Primeiramente, os docentes responderam questões referentes a caracterização sociodemográfico e após, foram questionados sobre seu entendimento acerca do ensino da liderança, práticas pedagógicas adotadas, desafios e os aspectos positivos para a formação de enfermeiros-líderes.

Os participantes foram identificados pela letra D (inicial da palavra docente), seguida de uma numeração ordinal correspondente à ordem de realização das entrevistas, por exemplo: D1, D2... D36, sucessivamente.

Os dados passaram por interpretação subjetivista, conforme as etapas da Análise Temática1515. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14 ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2014. , com o auxílio do Software NVivo®11. Assim, houve a leitura flutuante do material de campo; a constituição do corpus que se refere ao universo estudado e leitura exaustiva do material em todos os aspectos previstos no roteiro. A formulação e reformulação de hipóteses e objetivos foi uma etapa exploratória que objetivou uma leitura exaustiva do material coletado. Nesse processo exploratório, o investigador buscou expressões ou palavras significativas dentro do conteúdo das falas. Por fim, fez-se o tratamento dos resultados obtidos, a partir do qual foram construídas duas categorias: “Fragilidades no ensino da liderança” e “Potencialidades no ensino da liderança”, as quais foram interpretadas à luz do referencial teórico de Freire.

Foram seguidos os preceitos éticos da Resolução n°. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos, e o projeto recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 54719616.6.0000.5577/2016).

RESULTADOS

Participaram do estudo 36 docentes do Curso de Graduação em Enfermagem, dos quais, em conjunto, atuam em disciplinas do primeiro ao décimo semestre. Quanto à caracterização dos participantes, a maioria é do sexo feminino (n=30), com idades entre 28 e 70 anos, média de 45 anos, tempo de formação de 20 a 43 anos, média de 23 anos. Quanto ao aprimoramento profissional, predominaram docentes com doutorado (n=24), seguidos dos mestres (n=08) e pós-doutores (n=04). Na sequência, são apresentados os achados das categorias emergentes do processo de análise (Figura 1).

Figura 1 -
Categorias do estudo

Fragilidades no ensino da liderança

Na concepção dos docentes, a ausência de ensino transversal da liderança durante a formação de enfermagem, desde o primeiro semestre até o décimo, representa uma fragilidade. Segundo eles, tal conteúdo está restrito aos últimos períodos da graduação, notadamente à disciplina que aborda a gestão dos serviços de saúde.

O ensino da liderança deve acontecer desde o primeiro semestre do curso. A gente percebe que o aluno chega frágil em relação à liderança quando vivencia urgência e emergência (D1).

A maior fragilidade é essa fragmentação, porque liderança é um conteúdo da gestão e a gente sabe que a gestão é transversal, ela deve acontecer do início ao fim. Em todos os componentes curriculares, devemos de alguma forma, trazer conteúdos de gestão (D5).

Liderança não é um conhecimento de uma aula é um conhecimento transversal (D13).

Vamos discutir, dentro de um encontro pedagógico com os professores, como tornar a liderança de forma transversal. A fragilidade vem disso, pois, no momento que eu não penso sobre, eu não discuto e eu não faço, não utilizo (D16).

O conteúdo de liderança devia ser transversal, porque é uma das funções, na lei do exercício profissional, privativas do enfermeiro. Se ele não começa a trabalhar no início da formação, ele provavelmente terá maior dificuldade de entender esse processo (D18).

[...] poderia ser transversal e tratada de forma explícita que permeasse todo conteúdo (D33).

[...] não precisa deixar o aluno chegar lá no nono semestre para trabalhar isso com ele. Eu acho que, desde que ele entra no curso, isso já tem que ser trabalhado (D35).

Os depoimentos também evidenciam resquícios do modelo de educação bancária, caracterizado por aulas centradas na figura do docente, com pouco espaço para participação dos graduandos, tal como demonstram os trechos a seguir:

No ensino superior de forma geral, há hegemonia do modelo bancário, dá ideia de que é o professor que detém o conhecimento e determina como ele vai passá-lo e avalia o estudante na capacidade que ele tem de decorar [...] a gente acaba não oferecendo a experiência, que é o fundamental pra a construção da liderança (D32).

Uma das fragilidades mais evidentes quanto ao ensino da liderança na graduação julgo serem as aulas centradas no professor e não no aluno (D25).

Os professores ainda estão muito no ensino bancário, que a pessoa vai e apresenta aquilo e ela cobra aquilo na prova. E é assim que eu penso que ela ensina liderança. Um conhecimento frio, se eu não coloco na prática aquelas emoções, aqueles sentimentos, como é que eu vou formar uma pessoa para ter aspectos relativos para liderança? (D2).

Está muito no modelo paternal de ensino de que a gente tem que ensinar e outro tem que aprender. Predominam aulas expositivas ou que não dialogam, não permitem que o outro tenha iniciativa e busque essa posição de liderança, de sujeito responsável por seu aprendizado (D22).

A gente é muito teórico, preso ao padrão e replicando modelos. Ninguém quer mais isso! Nem o aluno da graduação (D26).

Quanto às principais fragilidades, destacaram-se dificuldades em ofertar o ensino transversal da liderança de modo que essa competência pudesse ser desenvolvida no decorrer da formação, além da manutenção de práticas educativas ainda vinculadas à educação bancária.

Potencialidades no ensino da liderança

A inserção dos discentes nos diversos cenários de prática e, por conseguinte, sua aproximação com a equipe de enfermagem e multiprofissional, foi apontada como uma potencialidade, que agrega valor à construção do líder:

O curso é extremamente rico e diverso. O aluno tem a possibilidade de atuar em diversas estações do cuidado: na rede básica, na rede hospitalar, no ambiente de sala de aula, que são espaços que têm a possibilidade de trabalhar os aspectos da liderança (D1).

A potencialidade é a vivência do aluno no contexto da prática, é o que dá condição de identificar os diversos líderes da enfermagem (D3).

Os alunos iniciam precocemente no campo de prática. As relações com diferentes membros de equipe multiprofissional também é algo que favorece e empondera esse aspecto de liderança (D21).

Uma potencialidade é a inserção na prática e essa questão de postura da liderança, de ter bom relacionamento com equipe de enfermagem, com a equipe multiprofissional em si (D34).

Também destacaram como potencialidades o uso de metodologias ativas, tais como simulações realísticas, situações problemas, casos clínicos, problematização da realidade.

“[...] a problematização da realidade vivenciada por esses estudantes no cenário de cuidado nas urgências e emergências, são possibilidades que nos auxiliam a discutir os aspectos de liderança [...] na situação prática em si tanto quanto estamos com eles nas práticas de laboratório e habilidades, na sala de aula também com situações de casos clínicos, situações problema, o professor precisa conduzir os estudantes”. (D1)

“Eu acho que as simulações são bem interessantes. Sejam simulações com problemas, então eu tenho o problema e o questionamento de como um líder como você resolveria [...] utilizar metodologias participativas, problematizadas e simulações de forma mais explícita”. (D16)

Outro aspecto em evidência nas entrevistas foi o ensino promovido por meio de componente curricular específico na gestão, no cenário pesquisado, denominado Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde. Segundo os docentes, isso oferece, além de ampla bagagem teórica, a possibilidade de avaliar questões práticas que despertam o interesse dos graduandos para o exercício da liderança.

Quando esses alunos vão para prática, agora não mais por componentes de assistência mais de gestão, eles conseguem apreender o papel de liderança ou não desses profissionais (D1).

Sobre as potencialidades na formação, os estudantes têm privilégio de ter disciplinas que abordam sobre a gestão e o sistema de saúde de forma globalizada, o que nem todos os outros cursos oferecem (D4).

Fazer com o aluno reflita sobre as situações, acho que a estratégia seria essa, porque isso não é dado em sala, é mais por situações que a gente observa no campo e na prática, analisar a liderança e refletir (D34).

A participação em grupos de pesquisa que abordam a temática gestão também foi mencionada como uma potencialidade, por favorecer a estruturação do exercício da liderança já no cenário da formação.

[...] o grupo de pesquisa é espaço em que o aluno mais exerce a liderança. Eu sou a líder do grupo, mas uma aluna da pós-graduação auxilia na coordenação junto com uma aluna da graduação, então elas precisam fazer com que o grupo todo funcione, e um grupo funcionar é: articulação com as pessoas, chegar no horário, frequência, cuidado com o outro, os alunos estão discutindo os projetos, estão tendo o poder de fala. Eu acho que é muito aguçada a liderança dos meus alunos que participam do grupo de pesquisa (D36).

[...] no grupo de pesquisa estamos buscando empoderar os alunos para estudar questões interessantes da gestão, como liderança, e estamos abrindo uma disciplina na pós-graduação (D13).

Conforme os resultados obtidos, as potencialidades estão relacionadas, principalmente, à aproximação com a equipe de enfermagem e multiprofissional, ao ensino disponibilizado pelos docentes no componente curricular que aborda a temática gestão e às metodologias ativas adotadas. Também dizem respeito à participação dos discentes em grupos de pesquisa, os quais estimulam sua participação, autonomia e proatividade.

DISCUSSÃO

Destaca-se que a formação é um dos principais alicerces do desenvolvimento da liderança, desta forma somente a condução competente do processo ensino-aprendizagem pode subsidiar a base necessária à atuação satisfatória do enfermeiro-líder1616. Neves VR, Sanna MC. Concepts and practices of teaching and exercise of leadership in Nursing. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):686-93. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690417i
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e identificar as fragilidades e as potencialidades pode ser premissa básica para a qualificação do ensino desta competência gerencial na graduação de enfermagem.

No que se refere às fragilidades que permeiam o ensino da liderança, emergiu a necessidade de assegurar a transversalidade da temática ao longo da graduação. No cenário nacional, estudo44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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analisou o entendimento dos enfermeiros sobre o ensino da liderança na graduação e o seu exercício no ambiente hospitalar. Os participantes reconheceram como positivo o suporte teórico disponibilizado pelos docentes de enfermagem, mas mencionaram a necessidade de incluir uma abordagem transversal da liderança ao longo da graduação. Resultado semelhante foi relatado em estudo jamaicano1717. A. Learning to lead: teaching the millennial nursing student leadership skills in a short-term immersion study abroad program. Int J Nurs Clin Pract. 2015;2:160. doi: https://doi.org/10.15344/2394-4978/2015/160
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realizado com estudantes de enfermagem, o qual enfatizou a importância de se fomentar a liderança desde o início do curso de graduação. O ensino transversal da liderança consiste em sua abordagem ao longo do curso, estando articulado nos componentes curriculares, o que possibilitará maior sensibilização dos discentes, bem como valorizar sua maturidade para compreender e exercitá-la, conforme as vivências, conhecimentos e habilidades, condizentes com o semestre que o estudante está inserido. Nesta perspectiva o temário de liderança estaria imbricado em todo o ato de aprender por meio da realidade vivida e vivência. Tal possibilidade, a partir da compreensão consciente de constructos da participação ativa, escuta sensível, autonomia e diálogo.

O componente curricular de Gestão tem envidado esforços para fomentar práticas pedagógicas que contribuam com a formação de enfermeiros-líderes. A liderança consiste em um conteúdo específico desta disciplina, todavia sinaliza-se também, para a perspectiva da integração entre os demais componentes curriculares, para que a temática seja explorada de forma coletiva e articulada, evitando abordagens pontuais e potencializando sua problematização, além de promover maior interação entre docentes e discentes.

Outra fragilidade, também referida pelos docentes, é a manutenção do ensino voltado ao modelo bancário e burocratizado, centrado em aulas expositivas. Na concepção do referencial teórico1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. , a educação bancária consiste no depósito de conteúdo dos educadores nos educandos, não havendo espaço para reflexões ou posicionamentos, o que compromete a transformação da realidade. Além disso, um currículo passivo centrado em aulas expositivas representa uma prática pedagógica empobrecida1818. Freire P, Shor I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra; 2011. .

Com vistas a transpor estas fragilidades, sugere-se o ensino da liderança a partir de uma educação integradora, aproximando e integrando docente e discente, numa criação e re-criação do conhecimento partilhado, por meio de práticas pedagógicas problematizadoras que estimulem o aprendizado, a partir dos diversos cenários da formação em enfermagem. Cabe mencionar que prática pedagógica se caracteriza como o ato e processo político de (trans)formação, em que inexiste neutralidade, alicerçado na triangulação do agir apreendente do discente, da ação educativa do docente e do conteúdo programático, em determinado espaço-tempo pedagógico1818. Freire P, Shor I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra; 2011. .

Para a formação de enfermeiros líderes é imprescindível a inserção de relações dialógicas que possibilitem a participação ativa do discente no seu processo de ensino-aprendizagem, bem como estimulem seu posicionamento crítico-reflexivo. Em uma perspectiva que fomenta a participação e autonomia, o docente assume papel fundamental na promoção de mudanças no ensino, sendo mediador no processo de ensino-aprendizagem, responsável por fortalecer o pensamento crítico e criativo dos educandos, estimulando a autonomia. Para isso, torna-se relevante a criação e aproveitamento de espaços pedagógicos que otimizem o desenvolvimento de habilidades relacionais como tomada de decisão, a escuta sensível e a comunicação, que são imprescindíveis na formação de líderes.

No estudo, também foram indicadas pelos docentes as potencialidades no ensino da liderança: inserção precoce na prática e a oferta de diversos cenários de aprendizagem que possibilitam o desenvolvimento da liderança. Segundo eles, esses fatores permitem ao discente apreender o contexto real da saúde, o que envolve o processo de trabalho das equipes e seus líderes, suas limitações, desafios, bem como a dinâmica das relações.

Nesse sentido, pesquisas internacionais1010. Paterson K, Henderson A, Burmeister E. The impacto of a leadership development programme on nurses’ self-perceived leadership capability. J Nurs Manag. 2015;8(23):1086-93. doi: https://doi.org/10.1111/jonm.12257
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,1919. Joseph L, Huber DL. Clinical leadership development and education for nurses: prospects and opportunities. J Healthc Leadersh. 2015;7:55-64. doi: https://doi.org/10.2147/JHL.S68071
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enfatizam que o enfermeiro necessita estar preparado para atuar em todas as etapas do cuidado em saúde e fortalecer sua liderança. No cenário nacional, estudos também reforçam preocupação semelhante44. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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-55. Ferreira VB, Amestoy SC, Silva GTR, Trindade LL, Santos IAR, Varanda PAG. Transformational leadership in nursing practice: challenges and strategies. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20190364. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0364
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. Contudo, enfatiza-se que a formação de enfermeiros-líderes consiste em um desafio e requer transformações importantes na prática pedagógica dos docentes de enfermagem1111. Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1531-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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. Destaca-se a necessidade de suporte a estes docentes, para que possam aproximar-se com maior propriedade da temática, além de estarem aptos para utilizar recursos metodológicos, estratégias de ensino e fomentar diversificadas oportunidades para os discentes, o que requer tanto o interesse do docente em seu aprimoramento como o apoio da instituição de ensino superior, investindo na formação permanente de seus educadores.

Quanto ao processo de ensino-aprendizagem, faz-se necessário o reconhecimento da liderança como competência gerencial pelos discentes, pois ao exercê-la durante a formação acadêmica, aos poucos, o estudante irá compreender a dimensão da complexidade dos serviços de saúde, a escassez de funcionários, os riscos com a segurança do paciente, entre outros agravos vivenciados1919. Joseph L, Huber DL. Clinical leadership development and education for nurses: prospects and opportunities. J Healthc Leadersh. 2015;7:55-64. doi: https://doi.org/10.2147/JHL.S68071
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-2121. Ailey H. Educating nursing students in clinical leadership. Nurs Manag (Harrow). 2015;21(9):23-8. doi: https://doi.org/10.7748/nm.21.9.23.e1304
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. Isto posto, é importante promover a prévia inserção do graduando de enfermagem no cenário da prática, a fim de oportunizar uma visão crítica da realidade, além do reconhecimento das competências e habilidades que precisam ser desenvolvidas para esta atuação profissional. Esta conscientização se amplia no contato com os enfermeiros do contexto assistencial, durante o manejo dos conflitos próprios da realidade dos serviços de saúde em diferentes níveis da assistência.

Estudo2121. Ailey H. Educating nursing students in clinical leadership. Nurs Manag (Harrow). 2015;21(9):23-8. doi: https://doi.org/10.7748/nm.21.9.23.e1304
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) com estudantes de enfermagem evidenciou a importância da aquisição de habilidades durante o processo de aprendizagem no ambiente clínico. A natureza do espaço clínico é imprevisível e pode acarretar impactos aos graduandos de enfermagem, inclusive a desistência do curso, por revelar que os estudantes ficam mais vulneráveis nesse ambiente e por evidenciar certa insegurança em decorrência da falta de habilidade relacional e comunicacional nos semestres iniciais. Nesse sentido, os achados indicam a potencial transferência ao docente da responsabilidade por motivar e contribuir com a autoconfiança do egresso2121. Ailey H. Educating nursing students in clinical leadership. Nurs Manag (Harrow). 2015;21(9):23-8. doi: https://doi.org/10.7748/nm.21.9.23.e1304
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-2222. Jamshidi N, Molazem Z, Sharif F, Torabizadeh C, Kalyani MN. The challenges of nursing students in the clinical learning environment: a qualitative study. Scient World J. 2016;2016:1846178. doi: https://doi.org/10.1155/2016/1846178
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. Para tanto, é importante iniciar as atividades na prática clínica desde os primeiros semestres, como forma de estimular o saber liderar.

Neste estudo, em adição às demais potencialidades, ganharam destaque os componentes curriculares específicos no campo da gestão de serviços de saúde e enfermagem, considerados elementos-chave na formação para a liderança. A possibilidade de ampliar a abordagem da liderança no ensino da enfermagem, mediante a interlocução da disciplina de gestão com outros componentes curriculares, poderá colaborar para a solidificação do currículo integrado, baseado em competências, buscando romper com modelos tradicionais.

A Associação Americana de Faculdades de Enfermagem (AACN) reconheceu a criticidade do desenvolvimento da liderança nos espaços de formação. Diante de uma realidade de mudança nos serviços de saúde, a escassez de pessoal e o acentuado foco no atendimento de qualidade intensificam a necessidade de aproveitar plenamente os anos de educação em enfermagem. Surge, assim, a proposta de um modelo de Desenvolvimento da Liderança em Enfermagem, baseado na utilidade do progresso de conteúdos curriculares e experiências educacionais, iniciando a partir do nível de bacharelado, que buscou ampliar a capacidade de liderança dos estudantes de enfermagem2323. Cary A. AACN LEADS: what’s in your leadership tool box for volatile, complex times? [editorial]. J Prof Nurs. 2018;35(1):1-2. doi: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2018.12.001
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. Tanto no ensino de graduação e como na pós-graduação, convém ter clareza acerca dos modelos de liderança, tendo em vista que estes auxiliarão os docentes na formação de futuros líderes2424. Balsanelli AP. Leadership in nursing: challenges and possibilities [editorial]. Acta Paul Enferm. 2017;30(1):3-4. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201700001
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.

A formação de enfermeiros líderes além de estar respaldada no projeto pedagógico do curso de graduação em Enfermagem, precisa articular o ensino teórico, sua aplicação na prática e a promoção de transformações na realidade social do estudante de enfermagem. Entende-se que os docentes de enfermagem são exemplos de liderança para os discentes, sendo assim, é salutar o conhecimento sobre os modelos de liderança, as competências gerenciais necessárias aos líderes e estratégias para sua implementação, com vistas a promover mudanças no cenário da formação em enfermagem e da saúde.

Nessa direção, reconhece-se a importância de inovações em conteúdos teóricos de liderança, administração, gestão em saúde e outros, para o universo da enfermagem, uma vez que a competência para liderar é um componente essencial da prática gerencial e clínica.

Quando se volta o olhar para o ensino de liderança em enfermagem, a proposta de Freire, de uma pedagogia que fomenta a participação crítica e transformadora do discente mediada pelo docente1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. , possibilita fortalecer as habilidades e competências do enfermeiro-líder, abrindo espaço para sua inserção em diversos contextos. No caso do presente estudo, os cenários de prática foram valorizados pelos participantes da pesquisa.

Além disso, o educador enfatiza a liderança entre habilidades que devem ser desenvolvidas pelos professores libertadores, que buscam superar a educação bancária, além de discussões e dinâmicas de grupo1818. Freire P, Shor I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra; 2011. , as quais podem ser consideradas estratégias imprescindíveis para a formação de líderes, tendo em vista sua capacidade de promover participação e engajamento.

Com vistas a facilitar o desenvolvimento de líderes, os docentes têm adotado metodologias ativas como ferramentas que propiciam o aprimoramento desta competência na enfermagem. Este mecanismo didático contribui para a autonomia e criatividade dos discentes para tomada de decisões, por se basear nas problemáticas das práticas simuladas e reais1111. Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1531-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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. O estímulo às metodologias ativas possibilita aos discentes um aprendizado eficaz mais profundo e consciente, por meio de dinâmicas criativas, seminários, oficinas pedagógicas, simulações em laboratório, jogos criativos, filmes, estudos de caso, dentre outras atividades que auxiliam a formação de líderes1111. Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1531-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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,1717. A. Learning to lead: teaching the millennial nursing student leadership skills in a short-term immersion study abroad program. Int J Nurs Clin Pract. 2015;2:160. doi: https://doi.org/10.15344/2394-4978/2015/160
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.

Cabe mencionar, na perspectiva proposta pelo referencial teórico, a importância do docente enquanto facilitador para auxiliar no desenvolvimento da liderança. Todavia, deve-se ter clareza de que os papéis do professor e do estudante são sempre diferentes, mesmo quando se praticam relações democráticas em classe. O professor libertador é diferente não só por sua formação, mas também porque lidera um processo de transformação que não ocorreria por si só1111. Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1531-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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. Com base no exposto, pode-se afirmar que a atuação do docente deverá servir como exemplo de liderança para o discente, estimulando-o a vivenciar diversas possibilidades de aprendizagem durante a graduação, promovendo novos desafios e a constante preocupação com o aprimoramento.

Outra potencialidade que se destacou foi a participação dos discentes nos grupos de pesquisa corroborando com estudo anteriormente citado1111. Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1531-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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. A atuação dos graduandos em grupos de pesquisa também favoreceu o processo de aprendizado, por permitir reuniões com diferentes níveis de formação focadas em produções e conhecimentos científicos diversos e inovadores que potencializam o desenvolvimento de habilidades no âmbito do gerenciamento e liderança. Esses grupos de pesquisa foram considerados espaços promotores de autonomia, responsabilidade, compromisso e multiplicadores de conhecimento, que contribuem para a formação de líderes.

Os grupos de pesquisa podem contribuir para ações libertadoras, as quais possibilitam o sujeito desvelar o mundo e compreender sua verdadeira práxis, mediante reflexões críticas que transformam suas ações1212. Curtis EA, Sheerin FK, Vries J. Developing leadership in nursing: The impact of education and training. Br J Nurs. 2011;20(4):344, 346, 348. doi: https://doi.org/10.12968/bjon.2011.20.6.344
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. A participação nestes espaços, constitui um diferencial na trajetória acadêmica, tendo em vista o engajamento do discente de enfermagem em atividades que contribuem com o desenvolvimento do senso crítico, da criatividade, do espírito de liderança, da autonomia e responsabilidade. Além destes espaços mencionados pelos docentes, cabe acrescentar a participação em projetos de extensão, Programas de Educação Tutorial (PET) e diretórios acadêmicos, igualmente relevantes para o desenvolvimento do potencial de liderança.

Dessa forma, contemplando os resultados acima, verifica-se, nas propostas dos docentes, o uso de estratégias metodológicas que facilitem o pensamento crítico dos discentes. Nota-se também preocupação para que ambos estejam efetivamente evolvidos nesse método educacional mais coerente com o contexto atual e que oportuniza ao educando adquirir capacidades importantes para exercer a liderança em suas ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa possibilitou conhecer percepção dos docentes de enfermagem acerca das fragilidades e potencialidades na formação de enfermeiros-líderes. As fragilidades encontram-se nas dificuldades em ofertar um ensino transversal da liderança, no qual essa competência poderia ser desenvolvida no decorrer da formação, bem como em práticas educativas ainda vinculadas à educação bancária e tradicional.

Como potencialidades, a inserção precoce na prática foi mencionada enquanto contributo capaz de favorecer as relações interpessoais, propiciando aos discentes a habilidade de desenvolver a criticidade, de ser resolutivo e capaz de tomar decisões, elementos essenciais para o desempenho da liderança, preparando-os para o campo de trabalho. Desta forma, os docentes investem em cenários de aprendizagem e metodologias ativas que podem fomentar o desenvolvimento da liderança.

Evidenciou-se também que a inserção da temática durante o processo de formação, nos componentes curriculares específicos e nos diversos espaços de pesquisa e extensão, pode despertar o interesse do discente para o exercício da liderança.

Quanto as limitações, o estudo se restringiu a investigar a realidade do ensino da liderança em uma instituição de ensino pública no Estado da Bahia, sendo oportuno ampliar a investigação para verificar as fragilidades e potencialidades vivenciadas pelos docentes em instituições de ensino superior privadas. Sugere-se, portanto, o desenvolvimento de outros estudos que busquem novos olhares ao ensino da liderança, a fim de favorecer a formação de líderes na enfermagem, além de retratar a realidade do ensino em outros estados do país.

O presente estudo buscou fomentar reflexões acerca da importância de sanar algumas lacunas no ensino sinalizadas pelos docentes, por meio de práticas pedagógicas problematizadoras, além de implementar estratégias de ensino que possibilitem a formação de enfermeiros-líderes.

Agradecimentos

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) pelo financiamento da pesquisa, contemplada no Programa de Apoio a Jovens Professores Doutores (PROPESQ).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2020
  • Aceito
    27 Jan 2021
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