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A enfermagem diante do espelho desvelando a liderança transpessoal no cuidado da equipe

Enfermería ante el espejo develando el liderazgo transpersonal en el cuidado del equipo

RESUMO

Objetivo

Desvelar o indivíduo-enfermeiro no processo de liderança para o cuidado transpessoal da equipe de enfermagem.

Método

Trata-se de estudo descritivo-exploratório, qualitativo fundamentado no Cuidado Transpessoal, realizado no Hospital Geral de Vitória da Conquista, Bahia, com 10 enfermeiras coordenadoras de serviços da unidade em meados de 2013. A coleta de dados envolveu uma dinâmica com uso do espelho e entrevista semiestruturada tratadas por análise temática.

Resultados

Emergiram três categorias: liderança na enfermagem – aprendendo a servir na contramão do legado histórico; o cuidado transpessoal do líder com sua equipe e a liderança transpessoal na balança: nós críticos.

Conclusões

As reflexões finais revelam o indivíduo-enfermeiro no processo de liderança para o cuidado transpessoal da equipe de enfermagem e apontam para a necessidade de subsídios institucionais e de formação capazes de otimizar o desenvolvimento de competências servis e transpessoais do enfermeiro-líder.

Liderança; Teoria de enfermagem; Equipe de enfermagem

RESUMEN

Objetivo

Develar el individuo-enfermero en el proceso de liderazgo para el cuidado transpersonal del equipo de enfermería.

Método

Estudio tipo descriptivo-exploratorio, cualitativo, basado en Cuidado Transpersonal, realizado en el Hospital General de Vitória da Conquista, Bahia, con 10 enfermeras coordinadoras de servicios de unidad a mediados de 2013. Se recogieron los datos mediante dinámica con uso del espejo y entrevista semiestructurada por análisis temático.

Resultados

Señaló tres categorías: liderazgo en enfermería - aprendiendo a servir a contrapelo de la herencia histórica; el cuidado traspersonal del líder con su equipo; el liderazgo traspersonal en el balance: nudos críticos.

Conclusión

Las reflexiones finales develan el individuo-enfermero en el proceso de liderazgo para el cuidado traspersonal del equipo de enfermería y señalan la necesidad de subvenciones institucionales y de formación capaces de optimizar el desarrollo de las competencias serviles y traspersonales del enfermero líder.

Liderazgo; Teoría de Enfermería; Grupo de enfermería

ABSTRACT

Objective

The aim of this paper was to reveal the individual nurse in the leadership process for transpersonal care of the nursing team.

Method

This is a descriptive-exploratory and qualitative study grounded in Transpersonal Care provided at the General Hospital in Vitória da Conquista, Bahia, with 10 nurses who coordinated services at the unit in 2013. Data were collected using a mirror and semi-structured interviews subjected to thematic analysis.

Results

The following three categories emerged: Leadership in nursing: potentialities and barriers that permeate intersubjectivity; Transpersonal care of the leader with the team; and transpersonal leadership on balance: critical nodes.

Conclusion

The final reflections revealed the individual nurse in the leadership process for transpersonal care of the nursing team, and stress the need to provide institutional and educational support that can help develop the servant and transpersonal skills of the leading nurse.

Leadership; Nursing theory; Nursing, team

INTRODUÇÃO

O cenário de trabalho contemporâneo passa por grandes transformações inclusive no âmbito do serviço de saúde. Assim, a dinâmica das relações entre líder e liderado no processo de trabalho grupal permanece como tema atual, constituindo o foco de pesquisas sobre conflito, produtividade, dinâmica coletiva, liderança, entre outros. Neste contexto, a enfermagem se destaca por sua particularidade de trabalho em equipe, fato que demanda uma liderança capaz de encadear harmonicamente os esforços do grupo em prol da continuidade do seu cuidado nos hospitais(11. Moura GMSS, Inchauspe JAF, Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Hoffmeister LV. Expectativas da equipe de enfermagem em relação à liderança. Acta Paul Enferm. 2013 [cittado 2014 abr 06]; 26(2):198-204. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002013000200015&lng=en.
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). Este panorama motiva desafios frente à intensa dinâmica de gestão em face de modelos cada vez mais ousados e flexíveis, demandando também dos líderes uma constante reformulação de perfil e comportamento.

Tais tendências de organização do mercado de trabalho são influenciadas diretamente pela globalização, exigindo do trabalhador inovação, criatividade, capacidade para o trabalho em equipe e sensibilidade para ser um líder ideal neste cenário cada vez mais exigente(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.-33. Chiavenato I. Comportamento organizacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.).

Diante disso, observa-se na literatura internacional frequente preocupação em testar modelos de liderança em ambientes diversificados de trabalho para oportunizar ao enfermeiro uma orientação mais concreta, apontando os estilos eleitos para serem adotados. Entretanto, a liderança precisa ser mais bem investigada para que evidências produzidas possam sustentar o processo de trabalho do enfermeiro de forma aprimorada, a partir do desenvolvimento aperfeiçoado desta competência tão decisiva no seu cotidiano de trabalho. Entre os caminhos que emergem neste direcionamento, destacam-se a interdisciplinaridade e a gestão partilhada, capazes de promover junto ao time autonomia ao encontro da sua autorrealização(44. Balsanelli AP, Cunha ICKO. The work environment and leadership in nursing: an integrative review. Rev Esc Enferm USP. 2014 Oct [cited 2016 Apr 21];48(5):938-43. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342014000500938&lng=pt.
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).

Neste contexto destaca-se a importância da valorização das necessidades dos liderados, atitude que envolve a adoção de estratégias e comportamentos capazes de promover o cuidado também da equipe. O técnico de enfermagem necessita deste investimento para manter-se motivado a enfrentar o sofrimento no trabalho, sobretudo no ambiente hospitalar, onde se devem considerar tais aspectos de relacionamento e liderança de igual importância aos avanços em tecnologias palpáveis. Os recursos humanos em saúde são a parte principal capaz de efetivar a missão de uma instituição, fato que destaca a necessidade de valorizar o profissional de saúde com a mesma preocupação que se tem em capacitá-lo cognitivamente(55. Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante; 2004.).

Neste sentido, a Liderança Servidora de Greenleaf, que surgiu em 1997, é apontada dentre os novos estilos como uma das mais promissoras estratégias de comportamento para uma liderança mais relacional, inclusive na enfermagem(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.). Seus pressupostos incidem na influência que o líder servil passa a exercer na equipe a partir de uma verdadeira conquista de cada membro regida pelos comportamentos do compromisso, escuta, respeito, amor e, sobretudo, cuidado(66. Garcia AB, Dellaroza MSG, Haddad MCL, Pachemshy LR. Prazer no trabalho de técnicos de enfermagem do pronto-socorro de um hospital universitário público. Rev Gaúcha Enferm. 2012 jun [citado 2013 abr 06] ; 33(2):153-159. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472012000200022&lng=en.
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), sendo este comportamento o objeto central deste estudo.

No entanto, para o alcance deste almejado modelo de cuidado com a equipe, emerge a necessidade de compreender o líder como ser subjetivo, a partir do conhecimento do seu self interior. Essa concepção é proposta pela Teoria do Cuidado Humano de Watson, que valoriza no enfermeiro sua potencialidade em acolher a subjetividade do próximo, se atentar aos seus sentimentos, pensamentos, história e necessidades, enxergando a sua totalidade corpo-mente-alma, o que é discutido neste estudo como Teoria do Cuidado Transpessoal(77. Watson J. Enfermagem pós-moderna e futura. Loures: Lusociência; 2002.).

É neste contexto de valorização do ser que o presente estudo se fundamenta no entrelace da Liderança Servil com a Teoria do Cuidado Transpessoal, que, embora seja originalmente voltada para a relação enfermeira-paciente, aqui será discutida a partir das lentes da relação enfermeira-equipe, na compreensão de que esta líder precisa ter um comportamento de cuidado com a equipe.

O Cuidado Transpessoal está alicerçado no Processo Caritas que inclui 10 fatores de cuidado: sistema de valores humanísticos-altruístas; fé-esperança; sensibilidade para consigo e para com os outros; relação de cuidar, ajuda-confiança; expressão de sentimentos positivos e negativos; processo de cuidar criativo na resolução de problemas; ensino-aprendizagem Transpessoal; ambiente protetor mentalmente, fisicamente, socialmente e espiritualmente; assistência às necessidades humanas; forças existenciais fenomenológicas, espirituais(88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.).

A Liderança Servil, neste direcionamento, elenca princípios que se entrelaçam de forma muito coesa a estes fatores: a capacidade de ouvir em nível profundo; capacidade de imparcialidade, a capacidade de servir e ensinar; o pensar antes de reagir; a capacidade de utilizar a previsão e a intuição; a escolha cuidadosa das palavras; a visão integradora do liderado; a valorização do saber do outro e a capacidade de estabelecer relações com as pessoas sob sua liderança em um contexto que cultiva comportamentos amorosos ao outro(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.).

Assim, se pode observar quão fecundo se faz o olhar através da interseção destas teorias para enxergar a relação de liderança na enfermagem como uma relação permeada pelo cuidado, essência da profissão. O líder servil irá valorizar intersubjetivamente o outro (liderado) na sua totalidade, a partir do cultivo das características descritas: honestidade, confiabilidade; bom exemplo; cuidado; compromisso; bom ouvinte; conquistar a confiança das pessoas; tratar as pessoas com respeito; encorajar as pessoas; atitude positiva e entusiástica; gostar das pessoas. Características são baseadas no comportamento, e não em traços de liderança, sendo esta conduta baseada em doar-se ao próximo em cuidado(55. Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante; 2004.).

Neste contexto, esta pesquisa mostra sua relevância profissional e científica, na medida em que contribui para ampliação das discussões sobre o assunto, visto que ainda é incipiente esta associação teórica com enfoque no cuidado da equipe, fato constatado na criteriosa revisão de literatura realizada a partir da Biblioteca Virtual de Saúde, especificamente nas bases: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Scientific Electronic Library Online e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, que revelou a partir dos descritores: liderança, enfermagem, cuidado, servil e Transpessoal uma predominância de estudos focados em habilidades e dificuldades da liderança, poucas vezes relacionando-a a: Liderança Servil; cuidado da equipe e/ou Transpessoalidade(11. Moura GMSS, Inchauspe JAF, Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Hoffmeister LV. Expectativas da equipe de enfermagem em relação à liderança. Acta Paul Enferm. 2013 [cittado 2014 abr 06]; 26(2):198-204. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002013000200015&lng=en.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,44. Balsanelli AP, Cunha ICKO. The work environment and leadership in nursing: an integrative review. Rev Esc Enferm USP. 2014 Oct [cited 2016 Apr 21];48(5):938-43. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342014000500938&lng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, 99. Dall’Agnol CM, Moura GMSS, Magalhaes AMM, Falk MLR, Riboldi CO, Oliveira AP. Motivations, contradictions and ambiguities in the leadership of nurses in management positions in a university hospital. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Oct [cited 2014 Apr 09];21(5):1172-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692013000501172&lng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-1010. Souza e Souza LP, Ferreira Cordeiro AL, Nunes de Aguiar R, Veloso Dias O, Vieira MA, Ramos LH. El liderazgo en la visión de enfermeros líderes. Enferm Glob. 2013 abr [citado 2016 abr 07];12(30):268-80. Disponível em: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1695-61412013002200113&lng=es&nrm=iso&tlng=es.
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).

A partir dessa problematização, surgiu a seguinte pergunta norteadora: Como se desenvolve a relação de cuidado do enfermeiro líder para com a sua equipe, a partir da sua transpessoalidade? Assim, este estudo objetivou: desvelar o indivíduo-enfermeiro no processo de liderança para o cuidado transpessoal da equipe de enfermagem.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, fundamentado no referencial teórico-metodológico do Cuidado Transpessoal. O cenário compreendeu Vitória da Conquista, terceiro maior município da Bahia, centralizando a maior rede de prestação de serviços de saúde da região sudoeste do estado. Vitória da Conquista é sede da 20ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES), estando na Gestão Plena da Atenção Básica desde 1997. O estudo foi desenvolvido no hospital geral da cidade, sendo uma Unidade Hospitalar Gestora (UHG), de classificação TIPO 4, conforme parâmetro da Secretaria Estadual da Saúde, classificando-se como hospital referência no atendimento de urgência e emergência, com nível de atenção em média e alta complexidade.

Os sujeitos foram dez enfermeiras coordenadoras de unidades deste hospital, coincidentemente todas do sexo feminino. Os critérios de inclusão incluíram ser enfermeiro (a) e coordenador(a) de uma unidade assistencial há pelo menos seis meses. Foram excluídas aquelas coordenadoras que estavam fora do ambiente de trabalho por motivo de férias ou afastamento de outra natureza. A seleção seguiu a amostragem não probabilística, por conveniência e delimitadas pela saturação dos dados, as quais receberam nomes fictícios femininos, a seleção utilizou como critério de inclusão.

A coleta ocorreu no período de junho/julho de 2013, em sala privativa da unidade coordenada pela enfermeira, sujeito desta pesquisa. A coleta de dados envolveu dois instrumentos de investigação: dinâmica com uso do espelho e entrevista semiestruturada. A dinâmica foi fundamentada no Cuidado Transpessoal(88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.,1111. Oliveira JM. O que vejo no espelho: uma visão pragmática da psicologia transpessoal. Goiânia: ABRU; 2005.), o qual se configura como referencial teórico-metodológico do estudo. Ela consistiu na utilização de um espelho plano de 15x21cm oferecido ao enfermeiro, solicitando que se posicionasse diante deste podendo visualizar a projeção da sua imagem e então relatando como se via/percebia perante a sua liderança no cuidado da equipe − estratégia metodológica que visou a viabilizar a expressão subjetiva do ser líder enfermeiro e responder ao objetivo específico: conhecer a autopercepção do “ser” enfermeiro líder. A entrevista semiestruturada consistiu de quatro questões: como você compreende a liderança, a partir de sua experiência? Como você percebe o Cuidado Transpessoal no âmbito da liderança? (destaca-se que o termo “transpessoal” foi previamente explicado aos sujeitos como cuidado que valoriza o ser na sua totalidade corpo-mente-alma, a fim de esclarecê-los e evitar vieses na pesquisa). Quais as suas habilidades na liderança para o cuidado da equipe? Quais as dificuldades enfrentadas para a construção de uma relação de cuidado com a equipe? Ambas as falas foram gravadas em aparelho MP4 e transcritas posteriormente.

Envolveu a análise temática, a qual envolve três etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento e interpretação dos resultados obtidos(1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec; 2010.)o que ocorreu à luz do referencial teórico-metodológico supracitado. Assim, esta técnica de análise foi escolhida por valorizar os discursos e contribuir para responder aos objetivos propostos. O estudo respeitou a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, campus Anísio Teixeira, sob o protocolo n° 330.658 de 28/06/2013. A anuência dos participantes dessa pesquisa se deu a partir da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na busca por desvelar o indivíduo-enfermeiro transpessoal no processo de liderança para o cuidado humano foram organizadas três categorias e seis subcategorias a partir do processo analítico, as quais seguem descritas a seguir.

Categoria I: Liderança na enfermagem: potencialidades e entraves que permeiam a intersubjetividade

Para que o processo de liderança do cuidado com o outro aconteça é necessário primeiramente que o enfermeiro se autoperceba como líder, principalmente sob a ótica da liderança servil que fundamenta esta profissão. Assim, esta categoria demonstra a compreensão da liderança obtida pelas enfermeiras em suas vivências no gerenciamento de enfermagem, as habilidades eleitas como importantes por elas e ainda alguns resquícios do pensar tradicional acerca deste processo. Por isso esta categoria envolveu três subcategorias: Ser líder – compreensão vivencial; Habilidades eleitas para uma liderança bem-sucedida; e Legado histórico – mesclando o tradicional com o atual.

Ser líder – compreensão vivencial do cuidado da equipe

Os enfermeiros coordenadores ao serem convidados a mergulhar em seu self, definem liderança a partir de suas experiências.

Tenho vários tipos de experiência em formas de liderar [...] liderança é sentar e discutir em conjunto quais são as prioridades [...] é apontar ou dar o norte [...] ter a autonomia que necessita para desenvolver o seu trabalho. (Fernanda)

Ser líder é [...] passar experiência [...] fazer com que a equipe ande junto com você e não para você! (Isadora)

Liderar [...] é desenvolver as habilidades e competências de acordo com as experiências [...] no contato com os colegas [...] (Carolina)

Acho que um líder é [...] uma referência, é uma pessoa que está [...] direcionando [...] tem que ter algumas tomadas de decisões. (Ana)

Os entrevistados, ao conceituarem a liderança sob a ótica das suas experiências, remetem a um trabalho compartilhado com a equipe, no qual o líder tem o papel de guiar, andando junto, e conhecer as necessidades reais para tomar decisões com base na experiência e olhar sobre o outro.

Atualmente, um dos conceitos mais aceitos de liderança define-a como um processo de influência grupal, que envolve a capacidade de incentivar e apoiar a equipe para alcançar metas(1313. Montana P, Charnov BH. Administração. 3. ed. São Paulo: Saraiva; 2010.). Liderança é vista também como um estado de espírito, na qual o líder deve se conectar com a equipe através de laços de confiança, tornando as impossibilidades em possibilidades(33. Chiavenato I. Comportamento organizacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.).

Tais compreensões coincidem com o discurso dos sujeitos deste estudo, contudo, ao observarmos atentamente as falas, torna-se evidente que, para além dos conceitos usuais, a vivência destas líderes se traduz num pensar afinado aos princípios da liderança servidora. Nesta perspectiva, o líder servidor dispõe de um perfil diferente que proporciona o desenvolvimento dos talentos e características mais fortes de cada colaborador mediado por uma relação de amor e serviço que resulta na valorização do outro(1414. Martins ECB, Rosa ATRO, Silva IMBP, Bustos LCS. Liderança servidora: o modelo Southwest Airlines. Rev Ciênc Gerenc. 2012;16(24):189-202.).

Assim, a liderança servil propõe uma nova pirâmide para representar as relações, baseada na pirâmide das necessidades humanas de Maslow. No perfil servidor, a pirâmide torna-se invertida, estando no ápice à liderança – a ferramenta que o líder servil utiliza para influenciar o outro com autoridade –, e na base o amor, não como um sentimento, mas uma inspiração para buscar servir o próximo, como comportamento(55. Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante; 2004.). Outros discursos confirmam esta tendência vivencial de um líder com quem a equipe pode contar sempre:

Liderar é [...] cativar o funcionário. (Vanda)

Liderar [...] não é só assumir o papel e está ali na frente como coordenadora, tem que ser a mão amiga [...] tem que ser compreensivo [...] você precisa da sua equipe, a equipe tem que saber que pode contar com você [...] tem que saber a hora de elogiar, parabenizar a sua equipe, mas também tem que saber a hora de chamar a atenção ser rigorosa, de cobrar as pessoas. (Daniela)

Os laços de amizade do líder com a equipe são vistos em estudos como uma tática positiva para exercer uma boa liderança, pois melhora o desempenho do trabalho(1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec; 2010.). Pois, quando essas relações estabelecem elos fortes é mais fácil tomar decisões(1313. Montana P, Charnov BH. Administração. 3. ed. São Paulo: Saraiva; 2010.).

Na enfermagem essas relações são complexas, estudos comparativos entre a percepção do técnico de enfermagem e do enfermeiro revelam desencontros entre o que o líder diz que comunica e interage e o que é sentido pela equipe(1515. Llapa-Rodriguez EO, Oliveira JKA, Lopes Neto D, Campos MPA. Nurses leadership evaluation by nursing aides and technicians according to the 360-degree feedback method. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Dec [cited 2016 Apr 06];36(4):29-36. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472015000400029&lng=pt.
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). O foco nas relações pessoais é o que difere o administrador de um líder, pois são atividades diferentes e com conceitos extremos: gerência como processo de organização, e liderança como envolvimento com as pessoas, sendo ambas as características indispensáveis para alcançar o sucesso(44. Balsanelli AP, Cunha ICKO. The work environment and leadership in nursing: an integrative review. Rev Esc Enferm USP. 2014 Oct [cited 2016 Apr 21];48(5):938-43. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342014000500938&lng=pt.
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).

Habilidades eleitas para uma liderança bem-sucedida

Esta subcategoria tem como foco discutir as principais habilidades eleitas pelos entrevistados como um fator facilitador do seu trabalho:

Liderança também é saber ouvir para que o trabalho possa fluir [...] o que favorece mais a habilidade é a questão da experiência, eu já trabalhei em vários lugares com muitas pessoas. (Carolina)

Saber ouvir, valorizar o saber do outro. [...] sou comprometida comigo e com os colegas [...] não sou centralizadora [...] (Fernanda)

A gente tem que entender o todo, o contexto, olhar de forma horizontal [...] estou sempre aberta a receber a opinião da equipe e [...] chegar a um ponto juntos [...] e você tem que ouvir, motivar, buscar o conhecimento [...] ser humilde [...] saber ouvir criticas. (Madalena)

De acordo com o observado nas falas acima se pode inferir que as habilidades eleitas como chaves para uma liderança bem-sucedida mais uma vez aproximam os sujeitos daquelas defendidas no contexto da Liderança servidora, relacionadas ao comportamento do líder diante do outro como o diferencial para ter sucesso para exercer influência positiva sobre a equipe.

A comunicação emerge como uma das principais habilidades, o que corrobora com outros estudos(1515. Llapa-Rodriguez EO, Oliveira JKA, Lopes Neto D, Campos MPA. Nurses leadership evaluation by nursing aides and technicians according to the 360-degree feedback method. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Dec [cited 2016 Apr 06];36(4):29-36. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472015000400029&lng=pt.
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). Assim, o enfermeiro-líder precisa ser um bom interlocutor, primeiramente treinando a capacidade de ouvir em um nível profundo e imparcial, sabendo também usar cuidadosamente as palavras, de modo a não causar danos aos liderados, pois, muitas vezes, irá lidar com questões que são ambíguas e complexas(33. Chiavenato I. Comportamento organizacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.).

O líder precisa ter uma percepção de olhar esse indivíduo em toda a sua complexidade, assim observando e analisando as várias formas de comunicação, pois através dela é possível motivar, influenciar a equipe e melhorar o relacionamento interpessoal, afinal, motivação grupal é uma forma de liderar, mas para isso é necessário que o líder esteja automotivado(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.-33. Chiavenato I. Comportamento organizacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.).

Percebemos que o líder faz muitas coisas ao mesmo tempo, exigindo-se várias habilidades dele. Deste modo, a liderança possui vários níveis de profundidade, a depender da situação, sendo necessário que o líder faça um diagnóstico prévio das necessidades básicas de seus seguidores(33. Chiavenato I. Comportamento organizacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.).

Percebe-se que essas características são baseadas no comportamento e não em traços de liderança. Assim, qualquer pessoa pode ser líder servil, basta agir como um. Tal conduta está baseada em doar-se ao próximo, sendo necessário amar. Esse amor, pautado no comportamento diário de boas ações para com o próximo, tendo como base a paciência, bondade, humildade, respeito, generosidade, perdão, compromisso e honestidade. Deste modo, amor e liderança são compreendidos como sinônimos, andando de mãos dadas(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.,55. Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante; 2004.).

Legado histórico – mesclando o tradicional com o atual

Liderar para mim é você ter postura de comando e saber que (pausa de voz) ai vem a parte antipática da liderança: quem manda e quem obedece. (Débora)

Eu vejo a questão da liderança como algo nato. (Carolina)

Em algumas situações [...] impor e determinar, infelizmente, porque passa por essa atribuição. (Ana)

Essa categoria surgiu pelos discursos impregnados por teorias antigas da liderança, as quais persistem, mesmo na experiência destas enfermeiras que enxergam e vivem de forma tão aproximada com a liderança servidora.

Atualmente, com as intensas transformações que envolvem a execução da liderança, observa-se que sua compreensão também está sofrendo reformulações ao longo do tempo. Os primeiros estilos de liderança foram lançados depois da segunda guerra mundial reunidos na Teoria dos Traços, a qual era dividida em duas outras que embasaram uma grande parte das pesquisas até 1940: Teoria do Grande Homem, fundamentada pelas ideias de Aristóteles, o qual acreditava que algumas pessoas nascem para liderar e outras para serem lideradas; e a Teoria das características, que afirma que algumas pessoas têm características individuais que tornam melhores líderes, ou seja, uma habilidade nata(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.).

Hoje, tanto tempo depois dessas ideias deterministas, infelizmente ainda existe o pensamento de que se “nasce” líder. Entretanto, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem(1616. Ministério da Educação (BR). Secretaria de Educação Superior. Diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Brasília, DF; 2001. [citado 2012 set 25]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/ces1133.pdf.
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), a liderança é uma competência que deve ser aprendida na graduação e exercida diariamente pelo enfermeiro, o qual, após concluir a graduação deveria estar apto a ser um líder.

Embora as enfermeiras valorizem mais a liderança servil, também relatam a necessidade de utilizar uma liderança autocrática em alguns momentos. Esta decisão coincide com a Teoria do Comportamento proposta por Lewin, Lippitt e White em 1939. Esta teoria compreende que o estilo de liderança será influenciado pela personalidade do líder, podendo ser: autocrático, liberal ou democrático. O estilo autocrático caracteriza o líder como dominador, exercendo controle e poder, de forma hierarquizada e centralizada sobre os liderados(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.-33. Chiavenato I. Comportamento organizacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.).

Na maior parte deste estudo as entrevistadas relatam um comportamento de liderança servil, mas ainda assim observa-se nos seus discursos a adoção de modelos híbridos oportunos à dinâmica da liderança, processo adaptativo que coincide, algumas vezes, com traços da Liderança Contigencial(22. Marquis LB, Huston, JC. Integração e administração: uma nova abordagem. 6. ed. São Paulo: ARTMED; 2010.). O modelo contingencial foi proposto por Fiedler em 1967 e baseia-se na adaptabilidade às situações dinâmicas que incorporam o dia-a-dia das organizações, sendo orientado pela ideia de que não existe um único estilo ou um estilo eleito como o melhor para o exercício da liderança.

Todavia, é necessário que o líder enfermeiro seja habilidoso na condução deste processo adaptativo, minimizando conflitos junto à sua equipe mediante a conquista de um relacionamento interpessoal sólido e saudável. Neste sentido, as relações de poder precisam ser bem conduzidas ao encontro da satisfação do liderado, viabilizando sua autoconfiança para a produção de cuidado(1717. Amestoy SC, Backes VMS, Thofehrn MB, Martini JG, Meirelles BHS, Trindade LL. Conflict management: challenges experienced by nurse-leaders in the hospital environment. Rev Gaúcha Enferm. 2014 Jun [cited 2016 Apr 10];35(2):79-85. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472014000200079&lng=pt.
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).

Categoria II: O cuidado transpessoal do líder com sua equipe

Essa categoria revela os aspectos de cuidado que o líder enfermeiro desenvolve por sua equipe, por isso, a palavra cuidado, que frequentemente remete ao paciente, aqui se refere ao cuidador, ou seja, o cuidado que este líder tem com quem cuida do paciente – a equipe de enfermagem.

Conquistei de toda equipe essa confiança, então eles têm liberdade de expor as dificuldades deles. O funcionário precisa de cuidado nem que seja uma escuta, um aconselhamento isso já é válido [...] tento entender as dificuldades pessoais deles ajustando com o trabalho [...] porque a pessoa é um contexto [...] o trabalhador tem que ser entendido no contexto geral [...] tendo um bom relacionamento e uma ausculta qualificada. (Isadora)

O enfermeiro-líder, para cuidar de sua equipe, precisa conhecer os sentimentos, anseios, medos e fragilidades do outro. Dessa forma o líder passa a reconhecer as verdadeiras necessidades humanas, assim podendo atuar influenciando o outro.

Neste ponto de discussão a Teoria do Cuidado Humano de Watson emerge como fundamento desta necessidade humana de ser cuidado e compreendido como ser multidimensional, com a premissa de que o todo depende das partes, se mostra o equilíbrio do ser humano influenciado diretamente pelas dimensões: corpo, mente, emoção-alma, sendo isso o campo fenomenológico. Assim, o desequilíbrio em um desses eixos leva ao sofrimento humano e a um sentido do “eu” completamente mudado(88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.).

Os enfermeiros usam de forma consciente as emoções para prover e melhorar os cuidados. No seu cotidiano, cercado por pessoas que sofrem, estão suscetíveis a envolver uma significativa quantidade de trabalho emocional, demandando regularem as suas próprias emoções no direcionamento do se autoconhecerem. O trabalho emocional precisa ser então melhor pesquisado e explicitado para dar visibilidade às necessidades do cuidador em saúde(1818. Vilela J. O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito. Salutis Scientia: Rev Ciênc Saúde ESSCVP. 2013;5:41-50.).

A transpessoalidade é uma ferramenta que o enfermeiro pode utilizar em seu trabalho para desenvolver o cuidado integral (corpo, mente, espírito), mas para isso este precisa de crescimento interior através da busca pelo autoconhecimento para oferecer esse cuidado, especialmente na liderança. Essa busca interior faz com que o enfermeiro reconheça suas potencialidades, descoberta de si e do outro, sendo uma forma humanizada e mais integral do cuidado.

A partir deste momento as subcategorias foram organizadas de acordo com o tipo de cuidado que o enfermeiro coordenador refere, através da entrevista, desenvolver junto à sua equipe, no eixo da Transpessoalidade. Cuidados ao corpo da equipe, a mente da equipe e a alma da equipe.

Cuidando do corpo da equipe

O corpo tem muito funcionário com problema de coluna, isso por causa de peso e maca [...] a gente tinha que fazer o transporte de paciente. Então se a equipe estivesse completa [...] teria esse conforto a mais em relação à parte física de não está sobrecarregada. Também a estrutura física, por exemplo, essa sala é o conforto, você percebe que não é um conforto exatamente [...] a gente descansa no chão, porque não tem lugar adequado. (Ana)

O profissional para ter uma qualidade de vida precisa ter 2 ou 3 trabalhos, essas são as dificuldades, que é do próprio sistema a precarização, adoecimento rápido, isso dificulta. (Madalena)

Observa-se nos discursos acima a preocupação e percepção do líder quanto às condições de trabalho e suas repercussões no nível físico, situação que por sua importância é objeto de especialidade caracterizada pela Saúde do Trabalhador corroborando com uma realidade já amplamente discutida e conhecida: as más condições de trabalho da enfermagem brasileira, tema de suas lutas nos últimos anos, a exemplo da jornada de 30hs.

Esta problemática, no contexto da Teoria do Cuidado Transpessoal, incide na compreensão de que o todo mostra a interação de suas partes, portanto, para ter um cuidado integral, é necessário cuidar das partes, e, deste modo, o cuidado com o corpo vai influenciar em todo o seu campo fenomenológico(77. Watson J. Enfermagem pós-moderna e futura. Loures: Lusociência; 2002.-88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.). A estrutura física e sobrecarga de trabalho influenciam diretamente no adoecimento do corpo do trabalhador, sendo uma forma de cuidado que, de acordo com Watson proporciona um ambiente fisicamente, socialmente e espiritualmente protetor ao outro, dignificando a condição humana, neste caso do cuidador, para que tenha preservadas sua motivação e capacidade de cuidar do outro, paciente que se mostra fragilizado no primeiro discurso.

Cuidando da mente

A questão da liderança tem a parte também interpessoal [...] porque são outras mentes e outras formas de pensar [...] conversamos sobre as questões pessoais que eu sempre procuro adequar às necessidades do funcionário [...] tem que saber dar carinho na hora certa, acolhendo ele, quando ele tá com algum problema eu chamo: o que está havendo? Porque você está assim? Você não é desse jeito, o que está havendo que está interferindo no seu trabalho. (Maria)

Tentar ser parceiro [...] visualizando quando o outro está sofrendo. A escuta é fascinante e necessária. [...] ter essa sensibilidade de perceber e acolher no momento certo. (Madalena)

A gente lida muito com a morte e o processo de morrer. E ninguém está preocupado e nunca perguntou como é que você se vê diante dessa situação, às vezes procurei o serviço de psicologia do hospital para a gente começar um trabalho de cuidado de quem cuida. (Daniela)

Quando a gente consegue transpassar os muros da instituição nos relacionamentos [...] percebendo a necessidade de cada um a gente consegue ter esse cuidado com os colegas. (Fernanda)

Para atuar nessa práxis de cuidado é necessário que o enfermeiro desenvolva sensibilidade para acolher a subjetividade de cada membro de sua equipe numa relação de transpessoalidade. Sob esta ótica, aconselha-se a busca pela percepção e valorização dos sentimentos, pensamentos e história do outro, importando-se em conhecê-lo como um todo e se autoconhecer. As falas dos entrevistados remetem a esse cuidado intersubjetivo entre o enfermeiro coordenador e sua equipe.

O cuidado intersubjetivo e transpessoal não visam somente à cura, mas é um meio de preservação da dignidade humana(77. Watson J. Enfermagem pós-moderna e futura. Loures: Lusociência; 2002.-88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.), podendo ser traduzido com simples gestos, como o olhar nos olhos do outro, o toque carinhoso, a capacidade de ouvir, atitudes que expressam o verdadeiro interesse pelo outro.

Deste modo, e corroborando com outros autores(1818. Vilela J. O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito. Salutis Scientia: Rev Ciênc Saúde ESSCVP. 2013;5:41-50.)infere-se que a enfermeira precisa desenvolver um bom relacionamento interpessoal e transpessoal consigo e com o outro, para que esse cuidado seja atendido de forma integral, quer na assistência ou na gerência, ressaltando-se ainda que a falta de resolubilidade de conflitos possa estar diretamente ligada à falta de conhecimento do enfermeiro sobre si e sobre a equipe.

Cuidando da alma

O crescimento da alma e do espírito é de evolução contínua, sendo necessário unir corpo, mente e espírito para realizar um cuidado de forma intencional e individual. Possuímos um campo fenomenológico, que consiste na subjetividade (alma) do ser humano, composta por sentimentos e percepção vivenciados ou temidos(77. Watson J. Enfermagem pós-moderna e futura. Loures: Lusociência; 2002.-88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.), dimensão que também emergiu no discurso dos sujeitos deste estudo como um foco de cuidado da equipe de enfermagem.

Devido o convívio com o trabalho, cria uma amizade com eles, além de tudo tem o ponto religioso [...] nós temos o momento de oração e pedindo por todo hospital da diretoria ao funcionário da limpeza, pedindo sempre a orientação de Deus. (Vanda)

Então quero conversar com todas para quando a gente chegar ler uma passagem da bíblia [...] que une. O que uma oração não faz? Então o que está faltando no meu setor é isso. (Helena)

A alma é entendida como o eu interior de cada indivíduo e que está relacionada a um autoconhecimento e conhecimento do próximo. O cuidado com a alma faz com que o enfermeiro coordenador lidere o cuidado com o outro de forma mais complexa e tridimensional. Conforme o segundo princípio da Teoria do Cuidado Humano de Jean Watson, a prática desse cuidado envolve valorizar a fé, independente de religião, é respeitando a cultura do outro e estimulando a esperança(88. Watson J. Nursing: the philosophy and science of caring. Boulder: University Press of Colorado; 2008.). Assim, quando o enfermeiro líder respeita as crenças e religião da equipe ele conquista o respeito ao outro, fazendo com que um aceite o outro como realmente é(55. Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante; 2004.).

Deste modo, cultivar a espiritualidade dentro das relações de equipe na enfermagem emerge como um importante hábito que deve ser motivado para a construção de um relacionamento interpessoal mais integral que considere as pessoas também como seres espirituais que são e como tais, carentes de práticas espirituais consensuais e edificadoras.

Categoria III: A liderança transpessoal na balança: nós críticos

Essa categoria foi criada com base na fala dos enfermeiros coordenadores ao relatarem suas dificuldades para exercerem a liderança do cuidado, proporcionando exploração do autoconhecimento sobre sentimentos, emoções, sonhos, desejos e frustrações.

Tem dificuldades da própria instituição que ás vezes criam normas e rotinas [...] que não aceita, não vai acatar esse tipo de atitude, então tem as institucionalidades e as questões pessoais de tempo, disponibilidade, para está mais próximo justamente desenvolvendo esse olhar sobre o outro. (Fernanda)

São muitas atribuições, que a demanda é grande e [...] eu não consigo fazer a assistência como deveria. (Ana)

No serviço público eu aprendi que as coisas que já são difíceis, se a gente não for maleável, ficam difíceis de acontecer [...] depende de outras coisas questões administrativas, entendeu? De outros! (Maria)

Você consegue [...] fazer com que as ações fluam no serviço, respeitando a cultura interna das instituições, e ela esta motivada a trabalhar refletindo de forma positiva no trabalho, sendo de grande importância. (Madalena)

Esses desafios que são vivenciados pelas enfermeiras abrangem vários aspectos, como processo de trabalho, hierarquia institucional e recursos humanos. Estes contribuindo para um comportamento engessado em moldes defasados de gerenciamento de recursos e liderança de pessoas, apontando para a necessidade de construir caminhos para a almejada transformação do paradigma de liderança nos serviços de saúde.

Neste sentido, observam-se algumas sugestões a partir dos discursos acima, as quais ascendem à esperança e rascunham um caminho pela via da vontade, motivação e sensibilidade em valorizar o outro e a si mesmo, no uso da criatividade e empreendedorismo.

Destaca-se ainda o papel da instituição, que precisa também se enveredar por caminhos mais pérvios de transformações filosóficas-organizacionais que visem a valorização dos seus recursos humanos. Pois, quando o cuidador é valorizado e acolhido pela instituição ou pela enfermeira gerente é muito mais fácil ele retribuir esse afeto ao outro, em forma de cuidado mais instrumentalizado e integral (corpo, mente e espírito)(1414. Martins ECB, Rosa ATRO, Silva IMBP, Bustos LCS. Liderança servidora: o modelo Southwest Airlines. Rev Ciênc Gerenc. 2012;16(24):189-202.-1515. Llapa-Rodriguez EO, Oliveira JKA, Lopes Neto D, Campos MPA. Nurses leadership evaluation by nursing aides and technicians according to the 360-degree feedback method. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Dec [cited 2016 Apr 06];36(4):29-36. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472015000400029&lng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Deste modo, quando se articula o saber técnico com as potencialidades de transcender como características do exercício da enfermagem, é muito mais fácil identificar a necessidade humana de forma ampliada. E assim o enfermeiro – cuidador – líder sensibilizado com seus seguidores, consegue exercer sua influência de forma servil, devido a esse “mergulho” subjetivo do cuidar do outro, o que faz com que ele compreenda as necessidades reais do próximo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações emergidas nesse trabalho mostraram a constante interação entre a busca de desvelar o indivíduo transpessoal que integra o líder, e compreender a liderança de enfermagem com um olhar intersubjetivo, envolvendo a percepção e valorização do corpo, mente e espírito. Em sua maioria elas compreendem que o líder é aquele que valoriza a equipe, compartilhando conhecimentos, experiências e comportamentos. Relatam entraves referentes aos recursos humanos, institucionalidades e estrutura física. Contudo, expressam sua intencionalidade e luta diária em cuidar da equipe, através da sensibilidade e disposição em ser bom ouvinte, que preza pelas atitudes baseadas no amor e respeito ao próximo.

Desta forma, torna-se evidente a viabilidade da associação entre a liderança servil e a Teoria do Cuidado Transpessoal como alicerce da práxis de cuidados que cada líder deve desenvolver com sua equipe. Neste sentido, as participantes desta pesquisa demonstram em seus discursos, ainda que de forma não sistematizada, a preocupação com a integralidade das pessoas que integram sua equipe, descrevendo atitudes e comportamentos de cuidado que alcançam corpo-mente-alma destes indivíduos. Tais comportamentos são compatíveis com aqueles chamados servidores, desvelando assim que o cuidado da equipe cuidadora se faz presente no âmbito da liderança de enfermagem em simples e gentis ações que abrem o caminho para o aperfeiçoamento desta relação que tem como finalidade maior a vida humana.

Neste sentido, sugere-se que o aprendizado sobre liderar cuidando seja construído e aprimorado diariamente, através também da educação permanente, visando à superação das limitações ainda presentes nos modelos/estilos de liderança encontrados na realidade estudada, muitas atribuídas às lacunas do processo de ensino-aprendizagem, justificativa expressa quando as entrevistadas relatavam que aprenderam aspectos deste cuidado a partir de suas experiências já na liderança, e não como uma competência profissional desenvolvida a priori. Destarte, esta pesquisa chama a atenção das instituições de ensino de enfermagem para transpor os conteúdos, trabalhando a liderança de forma mais vivencial, pois somente na prática o enfermeiro desenvolve esta habilidade.

Outro aspecto a ser reestruturado diz respeito à instituição, em destaque a hospitalar, a qual precisa desenvolver uma cultura organizacional de maior valorização do trabalhador, sobretudo o da enfermagem que representa a maior parcela de funcionários destas unidades, de modo a ser um incentivador em iniciativas empreendedoras destes líderes de pessoas – enfermeiros e enfermeiras que abraçam o desafio diário de fazer o cuidado acontecer, mesmo em condições difíceis de carências de recursos, hierarquização e conflitos. Do contrário, estes líderes, mesmo identificando as necessidades reais de sua equipe, não conseguirão desempenhar este cuidado, acumulando frustrações e desmotivação no seu trabalho.

Por tais conclusões, afirmamos a relevância deste trabalho, que colabora com o estado da arte sobre liderança em enfermagem, contribuindo para ampliar as discussões e fundamentação para o cuidado transpessoal e servil da equipe. Entretanto, esta pesquisa se mostrou limitada por produzir informações referentes ao cenário estudado, de modo que não esgota o assunto em pauta, impulsionando novas pesquisas sobre a temática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2016
  • Aceito
    25 Out 2016
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