Acessibilidade / Reportar erro

Autonomia profissional da enfermagem em tempos de pandemia

RESUMO

Objetivo

Refletir sobre o exercício da autonomia profissional da Enfermagem em tempos de pandemia.

Método

Reflexão teórica à luz da Sociologia das Profissões proposta por Eliot Freidson. Utilizando-se os principais conceitos do autor, buscou-se uma compreensão sobre o exercício profissional da Enfermagem em tempos onde seu protagonismo frente ao processo de cuidar torna-se ainda mais desafiador.

Resultados

Apesar de existirem obstáculos no cotidiano de trabalho, acredita-se que uma prática autônoma contribui de forma satisfatória para o desempenho de enfermeiras(os), pois, ao revelarem todo o potencial e liderança que possuem, permitem que sua autonomia profissional seja legitimada.

Considerações Finais

A reflexão esclareceu a importância de enfermeiras(os) colocarem em prática sua autonomia profissional, com o intuito de alcançarem um maior reconhecimento e valorização social do seu trabalho em tempos de pandemia.

Palavras-chave
Autonomia profissional; Enfermeiras e enfermeiros; Cuidados de enfermagem; Prática profissional; Pandemias; Infecções por coronavírus

ABSTRACT

Objective

To reflect on the exercise of Nursing’s professional autonomy in times of pandemic.

Method

Theoretical reflection in the light of the Sociology of Professions proposed by Eliot Freidson. Using the author's main concepts, it was sought to understand the professional practice of Nursing in times when its protagonism in the care process becomes even more challenging.

Results

Although there are obstacles in the daily work, it is believed that an autonomous practice contributes satisfactorily to the performance of nurses, since by revealing all the potential and leadership they have, they allow their professional autonomy to be legitimized.

Final Considerations

The reflection clarified the importance of nurses to put their professional autonomy into practice, in order to achieve greater recognition and social appreciation of their work in times of pandemic.

Keywords
Professional autonomy; Nurses; Nursing care; Professional practice; Pandemics; Coronavirus infections

RESUMEN

Objetivo

Reflexionar sobre el ejercicio de la autonomía profesional de la Enfermería en tiempos de pandemia.

Método

Reflexión teórica a la luz de la Sociología de las Profesiones propuesta por Eliot Freidson. Utilizando los conceptos principales de la autora, buscamos comprender la práctica profesional de la Enfermería en momentos en que su protagonismo en el proceso asistencial se vuelve aún más desafiante.

Resultados

Si bien existen obstáculos en el trabajo diario, se cree que una práctica autónoma contribuye satisfactoriamente al desempeño de las enfermeiras y los enfermeros, ya que al revelar todo el potencial y liderazgo que tienen, permiten legitimar su autonomía profesional.

Consideraciones Finales

La reflexión aclaró la importancia de que el enfermero ponga en práctica su autonomía profesional, con el fin de lograr un mayor reconocimiento y valoración social de su trabajo en tiempos de pandemia.

Palabras clave
Autonomía profesional; Enfermeras y enfermeros; Atención de enfermería; Práctica profesional; Pandemias; Infecciones por coronavirus

INTRODUÇÃO

A pandemia por Covid-19 (Corona Virus Disease) representa um dos maiores desafios sanitários em escala mundial do século XXI. Com a crise de saúde pública instalada, ganha evidência a crise no Sistema Único de Saúde (SUS), que enfrenta inúmeros desafios estruturais e organizacionais, dentre eles: a capacidade operacional para o atendimento e o quantitativo e a qualificação dos profissionais11. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Souza JB, Schopf K, Maestri E. Pandemia Covid-2019: formação e atuação da Enfermagem para o Sistema Único de Saúde. Enferm. Foco. 2020 [cited 2020 Dec 5];11(no esp.):40-7. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3956
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
.

Na linha de frente das ações de enfrentamento à Covid-19, destaca-se a Enfermagem, maior força de trabalho que representa, aproximadamente, 59% das profissões de saúde22. World Health Organization (CH). State of the World's Nursing Report- 2020. Geneva: WHO; 2020 [updated 2020 Apr 6, cited 2020 Jun 21]. Available from: https://www.who.int/en/publications/i/item/9789240003279
https://www.who.int/en/publications/i/it...
, e isso emerge a necessidade de reinventar e valorizar a profissão. Aposta-se no fortalecimento da liderança da Enfermagem, que mesmo com papel marcante no enfrentamento da pandemia, carece de protagonismo político e na gestão para a tomada de decisão e conquista de direitos33. Daly J, Jackson D, Anders R, Davidson PM. Who speaks for nursing? COVID-19 highlighting gaps in leadership [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(15-16):2751-2. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.15305
https://doi.org/10.1111/jocn.15305...
.

Desde a instauração da pandemia pelo novo coronavírus, a mídia tem noticiado testemunhos de coragem e sacrifício de enfermeiras(os), que travam uma luta incansável para assegurar cuidados pautados na ética, no respeito e na humanização, mesmo quando as condições de trabalho não são satisfatórias. Acredita-se que exercer a Enfermagem nesses tempos de pandemia representa um grande desafio para todos os profissionais dessa categoria.

Diante desse cenário, a Enfermagem procura se fortalecer enquanto ciência e renova a sua luta por valorização profissional e reconhecimento técnico, científico, financeiro e social11. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Souza JB, Schopf K, Maestri E. Pandemia Covid-2019: formação e atuação da Enfermagem para o Sistema Único de Saúde. Enferm. Foco. 2020 [cited 2020 Dec 5];11(no esp.):40-7. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3956
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
. Tendo a compreensão de que a Enfermagem exerce papel singular e fundamental no cuidado aos pacientes, torna-se importante assegurar o exercício de sua autonomia profissional em todos os espaços de atuação, a fim de conferir um maior poder de decisão na execução de seu ofício.

A autonomia profissional representa a liberdade que uma profissão tem, em relação a outros grupos, para controlar uma determinada área do conhecimento e executar o trabalho da maneira que achar conveniente, sem depender de outras profissões para a sua prática rotineira.

É desse tipo de autonomia que se extrai o poder profissional, sendo necessário que ela seja articulada com outros aspectos que garantam sua preservação e eficácia44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009., os quais serão abordados no decorrer desta reflexão.

Entende-se por autonomia profissional do enfermeiro quando este, dotado de independências moral e intelectual, usufrui da capacidade de governar-se pelos próprios meios e toma decisões de maneira livre, estabelecendo sua prática individual ou coletiva e permitindo, assim, fazer escolhas conscientes dentre as opções possíveis. Ademais, a obtenção de um nível elevado de autonomia por esse profissional é capaz de conferir valorização e reconhecimento social sobre seu fazer55. Soares SGA, Camponogara S, Vargas MAO. What is said and unspoken about the autonomy of a nurse: (dis) continuity in discourses. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e2019040. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0401
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
, além de um maior empoderamento alcançado pelo domínio do conhecimento, gerando resultados satisfatórios em seu trabalho66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery. 2016 [cited 2020 Jun 21];20(4):e20160085. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
.

Todavia, sua autonomia profissional ainda é limitada dentro das organizações de saúde55. Soares SGA, Camponogara S, Vargas MAO. What is said and unspoken about the autonomy of a nurse: (dis) continuity in discourses. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e2019040. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0401
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
. Estudos sobre a autonomia de enfermeiras(os) no ambiente hospitalar revelam que esses profissionais enfrentam dificuldades no desempenho autônomo de suas funções, devido à relações conflituosas com a equipe médica, alta carga de trabalho, normas hospitalares e deficiências administrativas existentes77. Amini K, Negarandeh R, Ramezani-Badr F, Moosaeifard M, Fallah R. Nurses’ autonomy level in teaching hospitals and its relationship with the underlying factors. Int J Nurs Pract 2015;21(1):52-9. doi: https://doi.org/10.1111/ijn.12210
https://doi.org/10.1111/ijn.12210...
-88. Setoodegan E, Gholamzadeh S, Rakhshan M, Peiravi H. Nurses’ lived experiences of professional autonomy in Iran. Int J Nurs Sci 2019;6(3):315-21. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2019.05.002
https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2019.05....
.

Nesse sentido, a autonomia profissional da(o) enfermeira(o) é considerada uma questão complexa devido às influências que sofre da estrutura social em que o trabalho é realizado e dos obstáculos impostos no cotidiano para a concretização deste exercício. Resistir a essas influências e derrubar as barreiras que impedem a consolidação da autonomia profissional possibilita seu melhor desempenho e fortalece as relações entre os membros da equipe de saúde, pacientes e familiares99. Triviño-Vargas P, Barría RM. Nivel de autonomía de enfermeras en la práctica pediátrica. Una experiencia chilena. Enferm Universit. 2016;13(4):216-25. doi: https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.002
https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.00...
.

Ao ter como ponto de partida as ideias apresentadas, o presente estudo norteia-se pela seguinte indagação: qual a reflexão que se faz necessária acerca da autonomia profissional de enfermeiras(os) que estão atuando na linha de frente para o enfrentamento do novo coronavírus? A relevância desta reflexão justifica-se em razão das lutas por espaço, reconhecimento e valorização profissional, que sempre estiveram presentes na trajetória da Enfermagem, e que, atualmente, vêm sendo intensificadas em virtude da pandemia do novo coronavírus, desafiando enfermeiras(os) a colocarem em prática a autonomia profissional para melhor lidarem com suas decisões e escolhas durante o exercício da profissão nos mais variados ambientes de trabalho.

Logo, objetiva-se refletir sobre o exercício da autonomia profissional da Enfermagem em tempos de pandemia.

MÉTODO

Trata-se de um estudo teórico-reflexivo à luz da Sociologia das Profissões proposta por Eliot Freidson, eminente sociólogo norte-americano, utilizando os conceitos de autonomia profissional, status, expertise e autorregulação. A justificativa para a escolha dessa abordagem sociológica reside na boa recepção que os escritos de Freidson tem recebido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros na última década. Esse sociólogo vem se tornando um grande luminar nas pesquisas sobre autonomia profissional66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery. 2016 [cited 2020 Jun 21];20(4):e20160085. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
,1010. Bellaguarda MLR, Padilha MTI, Nelson S. Eliot Freidson’s sociology of professions: an interpretation for Health and Nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
-1111. Skår R. The meaning of autonomy in nursing practice. J Clin Nurs. 2010;19(15-16):2226-34. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.02804.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009...
e suas discussões no tocante à profissão se aplicam ao campo da saúde.

Para ser considerada uma profissão, Freidson alega que deve haver a inclusão de formação específica, treinamentos e a construção de conhecimentos próprios, constante em todos os seus escritos desde a década de 70 do século XX. Este é um destaque na Sociologia das Profissões, uma vez que ele atribui valor à perspectiva da cognição, a qual traz explicações sobre à organização profissional e a partir do conhecimento específico alcançam a autonomia1010. Bellaguarda MLR, Padilha MTI, Nelson S. Eliot Freidson’s sociology of professions: an interpretation for Health and Nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

Ainda que o pensamento de Freidson transpareça em seus escritos a compreensão da Enfermagem como uma paraprofissão, ou seja, que depende das determinações de outro profissional para exercer a sua prática44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009., torna-se relevante dialogar de forma crítica com as ideias freidsonianas, uma vez que estas constituem o alicerce para a construção desta reflexão e permitem que as autoras saiam em defesa da Enfermagem como profissão autônoma e detentora de saberes próprios que sustentam a prática de cuidar de pessoas em sua realidade de vida.

A fim de ampliar o debate e contribuir com uma boa reflexão acerca do exercício da autonomia profissional da Enfermagem em tempos de pandemia, o presente estudo foi fundamentado através da literatura científica nacional e internacional, incluindo livros, documentos eletrônicos, além de notícias publicadas em sites de referência.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na perspectiva da Sociologia das Profissões, todos os grupos profissionais buscam ter autonomia. Quanto maior for o prestígio de uma profissão, mais legitimada se torna a sua autonomia, que é organizada e reconhecida, deliberadamente, quando se adquire o direito de controlar o próprio trabalho, incluindo determinar quem pode, legalmente, executá-lo e de que maneira ele deve ser feito44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. Considera-se que o alcance da autonomia depende de certas condições, como a habilidade de tomar decisões independentes, ser livre de coerção, ter pensamento racional e reflexivo e conhecimento e informação adequados1111. Skår R. The meaning of autonomy in nursing practice. J Clin Nurs. 2010;19(15-16):2226-34. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.02804.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009...
.

No caso da Enfermagem, seu trabalho constitui parte integrante da atenção à saúde e envolve uma divisão de trabalho organizada dentro de uma hierarquia, na mesma lógica descrita por Freidson44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. Pelo fato de exercerem a função de líderes, enfermeiras(os) assumem o controle sobre as atividades realizadas por técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, característica que confere autonomia para esses profissionais, já que ocupam uma posição privilegiada em seu campo específico de atuação.

Essa autonomia profissional, também denominada heteronomia, é reconhecida como direito das(os) enfermeiras(os) no Brasil, através de legislação própria, a Lei n.º 7.498 de 23 de junho de 1986. Freidson defende que uma profissão, quando protegida por sua autonomia, desenvolve-se amparada em seu próprio conhecimento e consegue convencer outras pessoas de que seus membros são especialmente confiáveis44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009..

O conhecimento, quando adquirido através de uma formação acadêmica, constitui a base da autonomia profissional e do critério de ação1111. Skår R. The meaning of autonomy in nursing practice. J Clin Nurs. 2010;19(15-16):2226-34. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.02804.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009...
. É o caso das(os) enfermeiras(os), pois apresentam formação específica de nível superior e um corpo teórico peculiar. Além disso, seu exercício ético se estabelece através do código de ética, requerido no âmbito interno da profissão, disciplinado e fiscalizado por órgão representativo próprio1010. Bellaguarda MLR, Padilha MTI, Nelson S. Eliot Freidson’s sociology of professions: an interpretation for Health and Nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

Contudo, quando se trata do exercício da autonomia profissional no trabalho em saúde, acredita-se que a Enfermagem ainda permanece lutando, não só pela concretização desse exercício, mas também pelo alcance de um status e valorização do seu ofício na sociedade. Na abordagem sociológica de Freidson, o status profissional significa a posição de autoridade técnica e legal na divisão do trabalho que confere poder a uma ocupação44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009..

Esse status se amplia e se estabelece a partir da relação entre o verdadeiro conhecimento construído no seio das profissões e a maneira pela qual se utilizam dele. Além disso, a importância que uma profissão como a Enfermagem tem na sociedade é um atributo específico que a torna essencial na resolução das situações de saúde e doença1010. Bellaguarda MLR, Padilha MTI, Nelson S. Eliot Freidson’s sociology of professions: an interpretation for Health and Nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

Em tempos de tragédias e crises de saúde pública, a identidade da Enfermagem se fortalece, o que impulsiona sua profissionalização e reforça um legado de cuidado em saúde para proteção da vida. Na conjuntura da Covid-19, reside a expectativa que os profissionais de enfermagem sejam respeitados financeira, ética e profissionalmente; e que os governantes, os gestores e a sociedade compreendam a importância da Enfermagem. Ao analisar a atuação de enfermeiras(os) durante a pandemia, percebe-se que o trabalho desempenhado por esses profissionais tem ganhado uma visibilidade ainda maior, através de notícias e reportagens que retratam os feitos heroicos e o cotidiano de trabalho difícil que enfrentam.

Prova disso, foi o caso da enfermeira Zhang Wendan em um hospital no distrito de Wuhan, epicentro inicial da pandemia de Covid-19 na China, que gerou grande repercussão no mundo. A experiência relatada por essa profissional foi angustiante, já que precisou adotar medidas extremas em seu local de trabalho, para evitar a interrupção dos atendimentos e prevenir a ocorrência de infecção cruzada. Em meio à escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), ela teve que se acostumar a usar roupas mal feitas e encharcadas de suor, precisou cortar totalmente o cabelo quando permaneceu trinta dias na zona de quarentena do hospital e necessitou usar fraldas geriátricas doadas por voluntários, devido à dificuldade que tinha em lidar com a ocorrência da própria menstruação durante a sua jornada de trabalho1212. Stevenson, A. Shaved heads, adult diapers: life as a nurse in the coronavirus outbreak. The New York Times [Internet]. c2020 [updated 2020 Feb 28, cited 2020 May 11]. Available from: https://www.nytimes.com/2020/02/26/business/coronavirus-china-nurse-menstruation.html
https://www.nytimes.com/2020/02/26/busin...
.

Com base na situação apresentada, foi possível perceber que, apesar da rotina de trabalho muito difícil e cansativa enfrentada pela enfermeira durante a pandemia, ela conseguiu atuar na linha de frente com resiliência. Histórias como essa, de coragem e dedicação aos pacientes, são contadas com frequência por enfermeiras e só reafirmam o quão importante e insubstituível a Enfermagem tem sido, desde sempre, para o sistema de saúde em todo o mundo.

Cumpre salientar que quando uma profissão se organiza de uma forma que assegure um bom trabalho voltado para o interesse público, podemos concluir que ela justificou sua reivindicação sobre as condições de seu trabalho44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. Em meio à precarização do trabalho durante a pandemia, seja em hospitais ou unidades básicas de saúde, acredita-se que as(os) enfermeiras(os) se tornam ainda mais vulneráveis e menos autônomas(os), pois se submetem à condições inadequadas de trabalho, baixos salários, jornadas extensas e intensas de trabalho, bem como assumem múltiplas e distintas atividades e acumulam vínculos empregatícios para aumentarem os rendimentos66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery. 2016 [cited 2020 Jun 21];20(4):e20160085. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
.

Além das dificuldades causadas pela pandemia, o trabalho de enfermeiras(os) também é afetado por um modelo de saúde centrado na figura do médico, no qual a sociedade não valoriza esses profissionais da mesma maneira com que enaltece a categoria médica, podendo gerar insatisfação ou até mesmo desmotivação nas(os) enfermeiras(os), e interferir, diretamente, no exercício autônomo do seu trabalho em equipe1313. Jackson D, Bradbury Jones C, Baptiste D, Morin K, Neville S, Smith GD. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID‐19 [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(13-14):2041-3. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.15257
https://doi.org/10.1111/jocn.15257...
.

Do ponto de vista da Sociologia das Profissões, a Enfermagem ocupa uma posição diferente daquela ocupada pela Medicina e é encorajada a reivindicar para si o status profissional, através do desenvolvimento de um currículo que respeite os padrões de sua formação, da criação ou descoberta de uma teoria abstrata, da formulação de códigos de ética e da busca por apoio para exercer certo controle sobre quem está autorizado a realizar seu trabalho44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009., atributos estes já conquistados.

Entretanto, o que a Enfermagem não consegue obter é uma autonomia plena no exercício concreto do seu fazer, quando comparada à Medicina44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.-66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery. 2016 [cited 2020 Jun 21];20(4):e20160085. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
. É importante enfatizar que, desde a época de Florence Nightingale, todo o serviço de Enfermagem já era subordinado às ordens médicas. Foi somente na virada do século XIX para o XX que as enfermeiras chegaram à conclusão de que a Enfermagem não era nem uma diminuição da Medicina e nem um acréscimo das funções que os médicos não quiseram exercer, e começaram a se esforçar muito para encontrar uma posição nova e independente na divisão de trabalho44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009..

É importante mencionar nesta discussão um fato preocupante que acontece no Estado da Virgínia, Estados Unidos, onde as enfermeiras são impedidas de atuar com autonomia profissional. Os regulamentos locais, que antes mesmo da pandemia já existiam, determinam que as enfermeiras só podem atuar sob supervisão médica, independentemente da situação, e para que possam exercer a profissão com autonomia ou até mesmo de forma voluntária, elas precisam cumprir antes o prazo de cinco anos de trabalho supervisionado por um médico. Por conseguinte, essa ausência de autonomia tem interferido diretamente no trabalho das enfermeiras, já que muitas estão ficando desempregadas devido à iniciativa dos médicos em fechar suas clínicas. Esse problema levou as enfermeiras a se dirigirem para Estados vizinhos onde pudessem atuar com autonomia profissional durante a pandemia1414. Masters K. Nurse practitioners say supervision requirements are a hindrance amid COVID-19 pandemic. Virginia Mercury [Internet]. 2020 [updated 2020 Apr 13, cited 2020 Jun 8]. Available from: https://www.virginiamercury.com/2020/04/13/nurse-practitioners-say-supervising-requirements-are-becoming-a-problem-amid-covid-19-pandemic/
https://www.virginiamercury.com/2020/04/...
.

A situação apresentada pode ser considerada um exemplo claro de perda da autonomia profissional, pelo fato das enfermeiras americanas não terem requerido ao Estado a devida autorização para realizarem suas atividades da maneira que achassem conveniente. É provável que a busca pelo trabalho em outros locais tenha sido uma forma encontrada por essas enfermeiras de romperem com a subordinação médica durante o cumprimento de suas atividades.

Convém mencionar uma pesquisa da OMS realizada com mais de 190 países, no período de julho de 2019 a novembro de 2019. Os dados revelaram que a existência de um papel avançado da Enfermagem é mais frequente em países com um quantitativo reduzido de médicos, sugerindo que mais autonomia profissional para as(os) enfermeiras(os) pode ser uma resposta política para mitigar a escassez de médicos nesses países22. World Health Organization (CH). State of the World's Nursing Report- 2020. Geneva: WHO; 2020 [updated 2020 Apr 6, cited 2020 Jun 21]. Available from: https://www.who.int/en/publications/i/item/9789240003279
https://www.who.int/en/publications/i/it...
.

Na visão de Freidson, a maioria das(os) enfermeiras(os) não consegue ter autonomia pelo fato de trabalharem em um hospital, já que muitas dependem das ordens e exigências médicas, aumentando, assim, o potencial de conflitos44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. Esse ambiente é permeado por formas de exercício de poder que normalizam o comportamento desses profissionais e dificultam sua reinvenção em sujeitos autônomos. No entanto, visibilizam-se espaços de resistências, capazes de enfraquecer a hegemonia tradicional nas instituições de saúde, possibilitando que a(o) enfermeira(o) tenha a sua governabilidade reinventada55. Soares SGA, Camponogara S, Vargas MAO. What is said and unspoken about the autonomy of a nurse: (dis) continuity in discourses. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e2019040. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0401
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
.

Portanto, cabe aos enfermeiros fazerem uma escolha: ou eles aprendem a encontrar satisfação em meio à subordinação dos médicos ou eles descobrem alguma fonte de legitimação independente44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.) para exercerem suas atividades com a autonomia profissional que lhes compete. Vale salientar que a concretização dessa autonomia ocorrerá a partir da construção de um campo de saber próprio que não seja subsidiário da prática médica55. Soares SGA, Camponogara S, Vargas MAO. What is said and unspoken about the autonomy of a nurse: (dis) continuity in discourses. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e2019040. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0401
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
-66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery. 2016 [cited 2020 Jun 21];20(4):e20160085. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
.

Por essa razão, a Enfermagem continua na luta para conquistar seu espaço de autonomia, buscando firmar-se como ciência ao desenvolver pesquisas que subsidiarão a prática através de um corpo de conhecimento próprio. Torna-se necessário que a profissão não perca de vista atributos que lhe são específicos, como a presença junto ao paciente, a escuta e o cuidado. Valores que não podem ser minimizados e nem esquecidos, pois, mesmo que outras profissões e o uso de tecnologias também proporcionem a saúde e o cuidado, somente enfermeiras(os) poderão ser a voz das necessidades humanas mais profundas1515. Oliveira KKD, Freitas RJM, Araújo JL, Gomes JGN. Nursing Now and the role of nursing in the context of pandemic and current work. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(esp):e20200120. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200120
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.2...
) e seus cuidados continuam sendo insubstituíveis para a manutenção da vida.

Para o alcance da autonomia profissional, Freidson considera que a Enfermagem, caracterizada como “ocupação combativa”44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.:89, também precisa assumir o controle absoluto sobre seu trabalho44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. Mas é pertinente, ainda, utilizar interdependência, coparticipação e compartilhamento de conhecimentos e habilidades, havendo respeito aos limites legais e éticos de cada organização profissional, sem que haja o domínio de uma profissão sobre a outra1010. Bellaguarda MLR, Padilha MTI, Nelson S. Eliot Freidson’s sociology of professions: an interpretation for Health and Nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

É durante uma pandemia, como a da Covid-19, que aumenta a necessidade do trabalho em equipe, do controle de infecções e da assistência centrada no paciente. Outrossim, é a partir de suas experiências passadas que as(os) enfermeiras(os) aprendem a se tornarem mais resilientes em tempos de crise1616. Duncan D. What the COVID-19 pandemic tells us about the need to develop resilience in the nursing workforce. Nurs Manag (Harrow). 2020;27(3):e1933. doi: https://doi.org/10.7748/nm.2020.e1933
https://doi.org/10.7748/nm.2020.e1933...
) e podem se sentir mais preparadas(os) para atuarem com autonomia e expertise, desenvolvendo um maior protagonismo e habilidade no seu fazer.

A expertise é definida como um corpo complexo de conhecimentos que confere uma extraordinária autonomia no controle tanto da definição dos problemas quanto na forma com que o profissional realiza a sua prática, tornando-o perito em determinada função44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. As atividades que competem a uma profissão “podem ser julgadas por sua fidelidade ao conhecimento e pelo grau que tal prática está baseada naquele conhecimento”44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.:365. Quando se trata da Enfermagem, é importante mencionar que sua expertise é revelada mediante as contribuições valiosas dos profissionais, não apenas na área assistencial, mas também nos campos do ensino, da pesquisa e da gestão, tendo o conhecimento baseado nas melhores evidências científicas como um importante aliado que dá sentido à sua prática.

Ademais, a expertise das(os) enfermeiras(os), quando atrelada à implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) e à aplicação de Teorias de Enfermagem em sua prática diária, confere uma maior legitimidade de sua autonomia para atuarem com “um nível de perícia e conhecimento tão excepcional envolvido no trabalho profissional que os leigos não são capazes de avaliá-lo e regulá-lo”44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.:159. Desse modo, a partir do momento em que as(os) enfermeiras(os) planejam e prescrevem os cuidados que julgam necessários a um paciente com a Covid-19, esses profissionais se revelam expertos para atuarem com autonomia e competência técnico-científica na linha de frente.

Tendo em vista que esse tipo de autonomia representa a liberdade para fazer escolhas entre ações diferentes, uma consequência desta liberdade é que um profissional tem de estar disposto a assumir responsabilidade por suas escolhas e ações1111. Skår R. The meaning of autonomy in nursing practice. J Clin Nurs. 2010;19(15-16):2226-34. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.02804.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009...
. Para o exercício autônomo de uma profissão, Freidson defende que ela precisa ter condições de assumir o controle sobre o desempenho de seus membros, sem interferência externa, sendo capaz de exercer por conta própria suas regras.

Conforme a abordagem freidsoniana, esse controle é caracterizado pela autorregulação, que permite ao profissional assegurar um desempenho apropriado de seu ofício e justifica sua reivindicação por ética, uma condição necessária para guiar sua prática com autonomia em prol do interesse público44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.. Freidson considera que “a autorregulação é o teste da autonomia profissional”44. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.:106.

Enfermeiras(os) são pioneiras(os) no desenvolvimento das melhores práticas para o gerenciamento e a segurança clínica dos pacientes. Sua capacidade e eficácia prosperam mais durante crises, guerras, desastres e em pandemias de doenças infectocontagiosas como a Covid--191717. Buheji M, Buhaid N. Nursing human factor during COVID-19 pandemic. Int J Nurs Sci. 2020;10(1):12-24. doi: https://doi.org/10.5923/j.nursing.20201001.02
https://doi.org/10.5923/j.nursing.202010...
e, portanto, é esperado que eles assumam um controle ainda maior sobre o trabalho da equipe de enfermagem, a fim de garantir uma assistência segura e qualificada.

O momento de uma pandemia exige que enfermeiras(os) estejam sempre envolvidas(os) em um planejamento, treinamento e educação abrangentes, para que se sintam melhor preparadas(os) para solucionarem problemas em novos surtos de doenças1717. Buheji M, Buhaid N. Nursing human factor during COVID-19 pandemic. Int J Nurs Sci. 2020;10(1):12-24. doi: https://doi.org/10.5923/j.nursing.20201001.02
https://doi.org/10.5923/j.nursing.202010...
e cada vez mais comprometidas(os) em prestar uma assistência de qualidade pautada na sua expertise e no seu poder de autorregulação, capazes de (re)afirmar a autonomia no exercício concreto da profissão.

Em meio às incertezas quanto ao vírus, não resta dúvida de que, ao término da pandemia, a Enfermagem e a prestação de cuidados em saúde sairão mais fortalecidas e mais bem preparadas para o enfrentamento de futuros desafios99. Triviño-Vargas P, Barría RM. Nivel de autonomía de enfermeras en la práctica pediátrica. Una experiencia chilena. Enferm Universit. 2016;13(4):216-25. doi: https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.002
https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.00...
. Mas, só o tempo dirá se as práticas implementadas pela Enfermagem para gerenciar a pandemia pelo novo coronavírus permanecerão após esse período de calamidade pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação dos profissionais da Enfermagem durante a crise do novo coronavírus no mundo tem sido complexa e desafiante. Seu trabalho crucial na prevenção, no combate à propagação do vírus e na recuperação dos infectados pela pandemia ganhou visibilidade na cobertura midiática. Neste contexto, buscou-se refletir a respeito do exercício da autonomia profissional das(os) enfermeiras(os) em tempos de pandemia.

Com este intuito, foram utilizadas as ideias de Eliot Freidson, que providenciaram um rico sustentáculo teórico-metodológico nas discussões trazidas para a presente reflexão. À luz dessas ideias, acredita-se que uma profissão como a Enfermagem pode legitimar sua autonomia profissional no cuidado em saúde através da construção do seu status, da sua capacidade de se autorregular e da competência com que utiliza sua expertise para firmar o seu compromisso com uma saúde pública de qualidade.

A abordagem freidsoniana da Sociologia das Profissões nos motivou a fazer os seguintes questionamentos: como será que as(os) enfermeiras(os) da linha de frente estão exercendo a sua autonomia profissional em tempos de crise? Mais especificamente: de que maneira o desempenho desses profissionais varia de acordo com o local de trabalho onde ele é exercido durante a pandemia do novo coronavírus? Essas são perguntas de grande complexidade, cujas respostas fogem aos limites do nosso artigo de reflexão, demandando o surgimento de novos estudos, qualitativos e quantitativos, que sejam capazes de esclarecê-las.

Logo, espera-se que a presente reflexão possa contribuir com o surgimento de novas pesquisas acerca da autonomia profissional da Enfermagem, tema de vital importância para seu desenvolvimento contínuo; além de incentivar um maior debate nas instituições de ensino superior, nos eventos científicos e nas práticas de gestão e regulamentação profissional, impulsionando docentes, profissionais da linha de frente e também estudantes a desenvolverem um renovado senso de autovalorização e um maior engajamento nas lutas por melhores condições de trabalho e em defesa do protagonismo da Enfermagem durante e após a pandemia.

REFERENCES

  • 1. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Souza JB, Schopf K, Maestri E. Pandemia Covid-2019: formação e atuação da Enfermagem para o Sistema Único de Saúde. Enferm. Foco. 2020 [cited 2020 Dec 5];11(no esp.):40-7. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3956
    » http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3956
  • 2. World Health Organization (CH). State of the World's Nursing Report- 2020. Geneva: WHO; 2020 [updated 2020 Apr 6, cited 2020 Jun 21]. Available from: https://www.who.int/en/publications/i/item/9789240003279
    » https://www.who.int/en/publications/i/item/9789240003279
  • 3. Daly J, Jackson D, Anders R, Davidson PM. Who speaks for nursing? COVID-19 highlighting gaps in leadership [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(15-16):2751-2. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.15305
    » https://doi.org/10.1111/jocn.15305
  • 4. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. 1. ed. São Paulo: UNESP; 2009.
  • 5. Soares SGA, Camponogara S, Vargas MAO. What is said and unspoken about the autonomy of a nurse: (dis) continuity in discourses. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e2019040. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0401
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0401
  • 6. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery. 2016 [cited 2020 Jun 21];20(4):e20160085. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
    » https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
  • 7. Amini K, Negarandeh R, Ramezani-Badr F, Moosaeifard M, Fallah R. Nurses’ autonomy level in teaching hospitals and its relationship with the underlying factors. Int J Nurs Pract 2015;21(1):52-9. doi: https://doi.org/10.1111/ijn.12210
    » https://doi.org/10.1111/ijn.12210
  • 8. Setoodegan E, Gholamzadeh S, Rakhshan M, Peiravi H. Nurses’ lived experiences of professional autonomy in Iran. Int J Nurs Sci 2019;6(3):315-21. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2019.05.002
    » https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2019.05.002
  • 9. Triviño-Vargas P, Barría RM. Nivel de autonomía de enfermeras en la práctica pediátrica. Una experiencia chilena. Enferm Universit. 2016;13(4):216-25. doi: https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.002
    » https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.002
  • 10. Bellaguarda MLR, Padilha MTI, Nelson S. Eliot Freidson’s sociology of professions: an interpretation for Health and Nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950
  • 11. Skår R. The meaning of autonomy in nursing practice. J Clin Nurs. 2010;19(15-16):2226-34. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.02804.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.02804.x
  • 12. Stevenson, A. Shaved heads, adult diapers: life as a nurse in the coronavirus outbreak. The New York Times [Internet]. c2020 [updated 2020 Feb 28, cited 2020 May 11]. Available from: https://www.nytimes.com/2020/02/26/business/coronavirus-china-nurse-menstruation.html
    » https://www.nytimes.com/2020/02/26/business/coronavirus-china-nurse-menstruation.html
  • 13. Jackson D, Bradbury Jones C, Baptiste D, Morin K, Neville S, Smith GD. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID‐19 [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(13-14):2041-3. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.15257
    » https://doi.org/10.1111/jocn.15257
  • 14. Masters K. Nurse practitioners say supervision requirements are a hindrance amid COVID-19 pandemic. Virginia Mercury [Internet]. 2020 [updated 2020 Apr 13, cited 2020 Jun 8]. Available from: https://www.virginiamercury.com/2020/04/13/nurse-practitioners-say-supervising-requirements-are-becoming-a-problem-amid-covid-19-pandemic/
    » https://www.virginiamercury.com/2020/04/13/nurse-practitioners-say-supervising-requirements-are-becoming-a-problem-amid-covid-19-pandemic/
  • 15. Oliveira KKD, Freitas RJM, Araújo JL, Gomes JGN. Nursing Now and the role of nursing in the context of pandemic and current work. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(esp):e20200120. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200120
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200120
  • 16. Duncan D. What the COVID-19 pandemic tells us about the need to develop resilience in the nursing workforce. Nurs Manag (Harrow). 2020;27(3):e1933. doi: https://doi.org/10.7748/nm.2020.e1933
    » https://doi.org/10.7748/nm.2020.e1933
  • 17. Buheji M, Buhaid N. Nursing human factor during COVID-19 pandemic. Int J Nurs Sci. 2020;10(1):12-24. doi: https://doi.org/10.5923/j.nursing.20201001.02
    » https://doi.org/10.5923/j.nursing.20201001.02

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2020
  • Aceito
    12 Jan 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br