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Conhecimento de profissionais de saúde acerca do atendimento inicial intra-hospitalar ao paciente vítima de queimaduras

Conocimiento de profesionales de salud acerca de la atención inicial intrahospitalaria al paciente víctima de quemaduras

Resumo

OBJETIVO

Descrever o conhecimento de profissionais de saúde acerca do atendimento inicial intra-hospitalar ao paciente vítima de queimaduras.

MÉTODO

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado em três unidades que prestam atendimento de urgência e emergência, localizadas em cidade do interior de Minas Gerais. A coleta e a análise dos dados ocorreram simultaneamente, no período de setembro a outubro de 2017. As entrevistas semiestruturadas, audiogravadas e transcritas na íntegra foram submetidas à análise de conteúdo dedutiva.

RESULTADOS

Participaram 31 profissionais de saúde, entre médicos, fisioterapeutas e profissionais de enfermagem. Foram elaboradas três categorias: “Experiências com queimaduras”, “Conhecimento sobre as condutas assistenciais” e “Transformação do conhecimento”.

Considerações finais

A maioria dos profissionais demonstrou conhecimento básico, inadequado ou desconhecimento acerca do atendimento ao paciente vítima de queimaduras, mesmo possuindo experiências profissionais, pessoais ou acadêmicas na temática. Espera-se que as evidências encontradas neste estudo contribuam para embasar ações de capacitação destes profissionais.

Palavras-chave:
Queimaduras; Conhecimento; Pessoal de saúde; Enfermagem; Emergências

Resumen

OBJETIVO:

Describir el conocimiento de profesionales de salud acerca de la atención inicial intrahospitalaria al paciente víctima de quemaduras.

Método:

Estudio descriptivo, de abordaje cualitativo, realizado en tres unidades de atención de urgencia y emergencia ubicadas en el interior de Minas Gerais. La colecta y el análisis de datos ocurrieron simultáneamente, entre septiembre y octubre de 2017. Las entrevistas semiestructuradas, audiogravadas y integralmente transcritas, fueron sometidas al análisis de contenido deductivo.

Resultados:

Participaron 31 profesionales de salud, entre médicos, fisioterapeutas y profesionales de enfermería. Se elaboraron tres categorías: "Experiencias con quemaduras", "Conocimiento sobre las conductas asistenciales" y "Transformación del conocimiento".

Consideraciones finales:

La mayoría de los profesionales demostró conocimiento básico, inadecuado o desconocimiento acerca de la atención al paciente víctima de quemaduras, aun teniendo experiencias profesionales, personales o académicas en el tema. Se espera que las evidencias encontradas en este estudio contribuyan a elaborar acciones de capacitación de estos profesionales.

Palabras clave:
Quemaduras; Conocimiento; Personal de salud; Enfermería; Urgencias médicas

Abstract

OBJECTIVE

Describe the knowledge of health professionals in relation to initial in-hospital care for burn victims.

METHOD

Descriptive study, with a qualitative approach, conducted in three units that provide urgent and emergency care, in a city in the state of Minas Gerais. The data collection and analysis occurred simultaneously from September to October 2017. The audio-recorded, semi-structured interviews were transcribed in whole and underwent a deductive content analysis.

RESULTS

Thirty-one health professionals, including physicians, physical therapists and nursing professionals, participated in the study. Three categories were created: “Experience with burns”, “Knowledge of care protocols”, and “Transformation of knowledge”.

FINAL CONSIDERATIONS

Even though the professionals had professional, personal or academic knowledge or experience in caring for burn victims, most of them had basic, inadequate or no knowledge in this area. It is hoped that the findings of this study will help lay the foundation for capacity-building initiatives for these professionals.

Keywords:
Burns; Knowledge; Health personnel; Nursing; Emergencies.

Introdução

Uma forma importante de acesso à saúde pela população são os serviços de emergência11. Duro CLM, Lima MADS, Levandovski PF, Bohn MLS, Abreu KP. Perception of nurses regarding risk classification in emergency care units. Rev Rene 2014 May-June [cited 2017 Nov 15];15(3):447-54. Available from: http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/3202/2461.
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, os quais devem contar com uma equipe qualificada, com capacidade de comunicação e de tomada de decisões assertivas, pois trata-se de um setor que demanda respostas rápidas22. Silva DS, Bernardes A, Gabriel CS, Rocha FLR, Caldana G. A liderança do enfermeiro no contexto dos serviços de urgência e emergência. Rev Eletr Enf. 2014 jan/mar;16(1):211-9. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.19615.
https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.19615...
.

Dentre os fatores que podem levar um indivíduo a depender da assistência prestada por um serviço de urgência e emergência estão as situações relacionadas às queimaduras. Queimadura é definida como uma injúria da pele ou de outro tecido, causada por aquecimento ou devido à radiação, radioatividade, eletricidade, fricção ou contato com produtos químicos33. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; c2015-2017 [cited 2017 Nov 20]. Violence and injury prevention: Burns; [about 1 screen]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/other_injury/burns/en/.
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. Estima-se que no Brasil aproximadamente 1.000.000 de pessoas sofram algum tipo de queimadura a cada ano, e, dentre elas, 40 mil necessitam ser hospitalizadas44. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Epidemiological profile of patients who suffered burns in Brazil: literature review. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50. Portuguese. e 200 mil são atendidas em unidades de emergência55. Oliveira TS, Moreira KFA, Gonçalves TA. Assistência de enfermagem com pacientes queimados. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(1):31-7..

Ainda no Brasil, as queimaduras são responsáveis por um alto índice de mortalidade, no qual apenas acidentes de transporte e homicídios possuem números superiores de mortes55. Oliveira TS, Moreira KFA, Gonçalves TA. Assistência de enfermagem com pacientes queimados. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(1):31-7., e são determinantes no perfil de morbidade da população66. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; c2014-2017 [cited 2017 nov 20]. Burns [about 8 screens]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/.
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, uma vez que, dependendo de fatores como a sua extensão e gravidade, podem deixar sequelas físicas e psíquicas com impactos difíceis de serem mensurados77. Gawryszewki VP, Bernal RTI, Silva NN, Morais Neto OL, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública, 2012;28(4):629-40.. O atendimento adequado da fase aguda das queimaduras é um fator determinante para reduzir a mortalidade e as sequelas funcionais, estéticas ou psicológicas naqueles pacientes que necessitam de internação77. Gawryszewki VP, Bernal RTI, Silva NN, Morais Neto OL, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública, 2012;28(4):629-40..

É crucial que se administre os cuidados iniciais aos indivíduos que sofreram queimaduras de modo correto, com a finalidade de impedir a progressão das queimaduras e as sequelas que possam estar associadas. Entretanto, o conhecimento das práticas básicas que direcionam o atendimento na área de queimados é universalmente escasso, especialmente no que diz respeito aos profissionais de saúde que atuam em unidades de urgência e emergência88. Tay PH, Pinder R, Coulson S, Rawlins J. First impressions last... a survey of knowledge of first aid in born-related injuries amongst hospital workers. Burns. 2013 [cited 2017 Nov 18];39(2):291-9 Available from: https://www.burnsjournal.com/article/S0305-4179(12)00171-4/fulltext.
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.

Obter mais informações a respeito do conhecimento dos profissionais que prestam o primeiro atendimento ao paciente vítima de queimadura é fundamental, pois esse conhecimento influencia na qualidade do cuidado prestado. No Brasil, não existem estudos cujo foco específico seja verificar o conhecimento dos profissionais que prestam o primeiro atendimento a esse paciente99. Balan MAJ, Meschial WC, Santana RG, Suzuki SML, Oliveira MLF. Validação de um instrumento de investigação de conhecimento sobre o atendimento inicial ao queimado. Texto Contexto Enferm. 2014 [citado 2017 nov 17];23(2):373-81. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072014000200373&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt.
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em ambiente intra-hospitalar. Assim, este estudo seguiu a questão norteadora “Qual o conhecimento de profissionais de saúde que atuam em serviços de urgência e emergência intra-hospitalar acerca do atendimento a pacientes vítimas de queimaduras?”

O presente estudo teve como objetivo descrever o conhecimento de profissionais de saúde provenientes de serviços de urgência e emergência acerca do cuidado intra-hospitalar prestado ao paciente vítima de queimaduras.

Método

Este é um estudo descritivo, com análise qualitativa dos dados, que foi desenvolvido em três serviços de saúde localizados em um município do interior do estado de Minas Gerais, sendo dois deles públicos e um privado, os quais prestam atendimento de urgência e emergência. O município e a macrorregião de saúde não contam com serviço de referência para atendimento a queimaduras.

Para o recrutamento dos participantes foram delimitados os seguintes critérios de inclusão: ser maior de 18 anos e ter experiência profissional de pelos menos um mês em um dos serviços de urgência e emergência selecionados. Excluíram-se os profissionais que estavam afastados de suas atividades laborais durante o período de coleta de dados.

A coleta de dados foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2017, por meio de entrevistas semiestruturadas, audiogravadas, a partir da questão norteadora “Conte-nos sobre sua experiência no atendimento a pacientes vítimas de queimaduras”. A partir desta questão, os entrevistadores estavam prontos para acolher outras discussões sobre a temática, aprofundando aspectos que enriqueceram os dados e permitiram o alcance dos objetivos. Este método favorece que o entrevistado fale livremente e elabore ideias que são desdobramentos do tema principal1010. Gerhardt TE, Silveira DT. Métodos de Pesquisa. 1. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS; 2009.. Foram coletados também dados para caracterização dos participantes.

Foi realizado um único encontro com a maioria dos participantes, exceto com quatro deles, em que nova interação entre entrevistado e entrevistador se fez necessária para esclarecimentos e aprofundamentos. As entrevistas foram realizadas nos próprios serviços de saúde, durante a jornada de trabalho de cada profissional, e variaram de quatro a 25 minutos, com uma média de oito minutos. As transcrições foram realizadas imediatamente após cada entrevista, para que não fossem perdidos detalhes importantes do contexto e da interação.

A análise dos dados foi realizada concomitantemente à coleta de dados e baseada na análise de conteúdo dedutiva descrita por Elo e Kyngäs1111. Elo S, Kyngäs H. The qualitative content analysis process. J Adv Nurs. 2008 Apr;62(1):107-15. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2007.04569.x.
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. Este método consiste em três etapas: preparação, organização e descrição dos resultados. A etapa de preparação consiste na transcrição e leitura dos dados empíricos para um completo entendimento e familiarização dos pesquisadores e posterior seleção de palavras, frases ou parágrafos que irão compor as categorias de análise. A etapa de organização inclui a codificação, a criação de categorias e o agrupamento destas para sua melhor compreensão. Na última etapa, de descrição dos dados, os resultados devem ser apresentados a partir do conjunto de categorias, de forma clara e com detalhes suficientes para o completo entendimento do leitor1111. Elo S, Kyngäs H. The qualitative content analysis process. J Adv Nurs. 2008 Apr;62(1):107-15. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2007.04569.x.
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.

O projeto de pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sob o parecer 2.239.918, sendo respeitados, durante o estudo, todos os preceitos éticos que orientam pesquisas com seres humanos, conforme as diretrizes da Resolução 466/121212. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62. do Conselho Nacional de Saúde. Durante a coleta dos dados, todos os esclarecimentos sobre a pesquisa foram realizados e o aceite em integrar a pesquisa foi finalizado com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para preservar o anonimato dos profissionais, seus nomes foram substituídos pela primeira letra da categoria profissional que pertenciam, seguida pelo número que representava a entrada de participantes em cada categoria no momento de inserção na pesquisa. Sendo assim, E1 significa que este foi o primeiro enfermeiro a participar e E14 o último (Quadro 1).

Resultados e Discussão

Caracterização dos participantes e do cenário

Participaram dessa pesquisa 31 profissionais de saúde de cinco categorias diferentes, sendo 14 enfermeiros, sete médicos, seis técnicos de enfermagem, dois fisioterapeutas e dois auxiliares de enfermagem. O tempo de serviço na área da saúde variou de um ano e meio a 36 anos, com média de 11 anos. O tempo no setor de urgência e emergência variou de um mês a 26 anos, com média de 3,4 anos. Em relação ao sexo, participaram 23 mulheres e oito homens, com idade média de 34,7 anos, variando de 23 a 68 anos (Quadro 1).

Quadro 1:
Caracterização dos profissionais de saúde participantes da pesquisa, segundo iniciais da categoria profissional, sua inserção na pesquisa e quantidade por categoria, data de nascimento, sexo, formação, tempo de trabalho na área da saúde, instituição e setor de trabalho e tempo de trabalho no setor, Minas Gerais, 2017

Os três serviços que participaram deste estudo realizavam atendimento de urgência e emergência 24 horas por dia e podiam receber pacientes por demanda espontânea ou trazidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), uma vez que o município não contava com um atendimento de referência ao paciente vítima de queimadura. Os profissionais entrevistados trabalhavam nos setores de triagem, consultórios e sala de urgência e emergência propriamente dita, recebendo denominações semelhantes em cada serviço.

Categorização dos dados

Os dados foram organizados em três categorias: “Experiência com queimaduras”, “Conhecimento sobre as condutas assistenciais” e “Transformação do conhecimento”. A seguir, os resultados serão apresentados e discutidos com base na literatura atualizada sobre a temática.

Experiência com queimaduras

Os autores consideraram experiência qualquer contato que os profissionais tiveram com queimaduras, seja no âmbito pessoal, profissional ou acadêmico, e acreditaram ser este um fator importante para o conhecimento da temática. Ressaltaram o fato de que todos os participantes tiveram ao menos um tipo de experiência com queimaduras.

Três participantes relataram experiências pessoais com o fato, sendo que dois deles sofreram queimaduras por contato com superfície ou líquido quente e um deles teve um familiar acometido por fogo. Apenas um dos entrevistados relatou experiência extra-hospitalar, no SAMU, quando atendeu uma gestante vítima de queimaduras com álcool e fogo. Os agentes etiológicos supracitados vão ao encontro daqueles considerados mais comuns, sendo escaldaduras em crianças menores e álcool líquido e outros inflamáveis em crianças maiores e adultos1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
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.

Sobre a experiência prévia em outros locais de trabalho com a queimadura, quatro participantes tiveram experiência em Unidades de Internação (enfermaria), dois em Unidades de Terapia Intensiva, um em Centro Cirúrgico e um em ambulatório. Eles trouxeram relatos de como era o cuidado diário de um paciente vítima de queimaduras em outras perspectivas, por exemplo, em enfermaria. Acreditamos que o contato anterior em outros setores com queimados pode ter proporcionado aos profissionais maior familiarização com a temática.

Teve uma época que eu estava na ala C que eu cuidei de uns dois queimados. É, aí era assim: de manhã eles iam pro centro cirúrgico, faziam curativo, sedavam lá, faziam curativo e voltavam para gente. A cama toda estéril, os lençóis iam pra central e a gente fazia o curativo; curativo não, trocava os de cima só. (TE2)

Sobre a formação acadêmica, sete profissionais relataram não ter tido contato algum com o tema, três relataram que tiveram um conteúdo vasto e o restante considera o conteúdo básico ou pouco. Em relação ao estágio, oito profissionais tiveram essa oportunidade. Neste contexto, destaca-se a importância de se formar enfermeiros capacitados para atuar na realidade da prática clínica, a fim de garantir que a enfermagem seja executada com excelência e que a segurança do paciente seja garantida. Esta responsabilidade deve ser compartilhada entre os conselhos nacionais e regionais de enfermagem e as instituições de ensino superior1414. Toth JC. The participation of emergency nurses in the development of the Basic Knowledge Assessment Tool (BKAT) for the adult emergency department, the ED-BKAT2. J Emerg Nurs. 2013 May;39(3):238-44..

Tive aula, mas bem fraquinho de queimadura. Muito pouco, bem fraco bem superficial. (E8)

Vários dos profissionais relataram experiência de primeiro atendimento intra-hospitalar a pacientes vítimas de queimaduras. Esses primeiros atendimentos foram prestados pela assistência direta ao paciente ou a partir da classificação de risco desses pacientes:

Como aqui é classificação de risco, essa sala, a gente prioriza, eles são tratados como uma urgência e emergência sempre né? (E7)

Na categoria a seguir, são apresentadas as condutas assistenciais relatadas pelos participantes.

Conhecimento sobre as condutas assistenciais

As primeiras condutas a serem tomadas com o paciente vítima de queimaduras são relevantes, pois irão refletir em todo o ciclo de tratamento do paciente. Considera-se que o conhecimento sobre as práticas que envolvem o tratamento desse tipo de paciente é determinante para definir a qualidade da assistência prestada.

Sendo assim, esta categoria aborda as condutas iniciais do atendimento ao paciente vítima de queimaduras, como a sua classificação, intubação, queimadura circular de tórax, hidratação endovenosa, limpeza, cuidados com as lesões, tipos de coberturas, analgesia, antibioticoterapia, especificidades acerca de queimaduras (elétricas e químicas).

O conhecimento de tais condutas foi classificado como “desconhecimento” quando o profissional não apresentava conhecimento ao ser questionado; como “conhecimento inadequado” quando os relatos trazidos pelos profissionais continham informações/condutas inadequadas; como “conhecimento básico” quando o relato descrevia de forma simples o fenômeno e como “vasto conhecimento” quando o profissional utilizava fundamentos anatômicos, fisiológicos e teóricos para embasar a sua prática.

Alguns profissionais listaram condutas imediatas de estabilização do paciente que deveriam ser aplicadas durante esse primeiro atendimento.

Primeiramente é necessário a exposição da área queimada; avaliar o tipo de queimadura: fogo, química, água, panela, choque elétrico; caracterizar a lesão quanto à profundidade [...] calcular a %SCQ. É paciente que tem uma grande perda de líquido. Então se realiza uma hidratação com cristaloides. Analgesia com cortisona e analgésicos que dependem do caso, e sedação dependendo da extensão e do veículo. A intubação é realizada considerando os critérios respiratórios. (M6)

Dentre as condutas preconizadas pelo Ministério da Saúde estão: avaliação de vias aéreas e da respiração; avaliação da presença de queimaduras circulares no tórax; exposição da área queimada; punção de acesso venoso preferencialmente periférico1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
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; realização de analgesia; conferência da imunização antitetânica; encaminhando para vacina, se necessário; avaliação das características da lesão e realização de cuidados locais1515. Ministério da Saúde. Acolhimento a demanda espontânea: queixas mais comuns na atenção básica. Vol. II. Brasília; 2012 [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/caderno_28.pdf. Cadernos de Atenção Básica, 28.
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. Nenhum dos profissionais relatou sobre a imunização antitetânica.

Diferentes tipos de assistência dentro da classe de enfermeiros foram percebidas, já que os profissionais da triagem entenderam o primeiro atendimento como a classificação de risco, a fim de encaminhar o paciente queimado para assistência, exercida pelos demais profissionais em outros setores.

Eu peguei poucos casos de queimaduras de terceiro grau que foi encaminhado direto pra sala vermelha. Quando é de primeiro grau, segundo grau a gente encaminha diretamente pra dentro, já chama o médico, né? Pra avaliar, pra começar já fazer o procedimento né? (E3)

Sabendo da importância dos saberes teórico-práticos na realização de um atendimento de qualidade, seja ele de assistência ou de classificação de risco, avaliou-se o conhecimento que esses profissionais têm a respeito de particularidades, instrumentos e métodos de avaliação e classificação dos pacientes vítimas de queimaduras.

Sobre a porcentagem de Superfície Corporal Queimada (%SCQ), 13 profissionais apresentaram conhecimento básico sobre o tema, seis desconheciam, quatro trouxeram conhecimento inadequado e apenas um apresentou vasto conhecimento sobre dois instrumentos que são utilizados para realização do cálculo de %SCQ.

Eu uso geralmente a fórmula dos nove. 9% cada braço. A perna: face anterior da perna 9, face posterior 9. Tronco: frente do tronco 9, atrás 9. Cabeça 9. Área genital 1%.[...] Ah, tem uma da palma da mão também que eles usam, uma outra da palma da mão. Pela quantidade, a palma da mão, se eu não me engano é 1%. Cada palma da mão é 1% do corpo. (M2)

O cálculo de %SCQ é variável de acordo com idade. Existem diversos instrumentos para avaliação, porém os mais comuns são a “regra dos nove” e “palma da mão do paciente” que é tida como o equivalente a 1%1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
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.

Acerca da avaliação da lesão da queimadura quanto à profundidade, 11 profissionais tinham conhecimentos básicos sobre o tema, sete profissionais desconheciam, sete apresentaram conhecimento inadequado ou equivocado e dois, conhecimento amplo. Foi considerado conhecimento básico a descrição das características da lesão, sem que se especificasse o dano anatômico.

1°, 2° e 3° grau. Queimadura de primeiro grau só vermelhidão, segundo grau: bolhas, terceiro grau: tecido, tecido profundo (M4)

As queimaduras de primeiro grau atingem apenas a epiderme, o segundo grau acomete a derme e o terceiro grau destrói todas as camadas da pele, atingindo tecidos adjacentes e profundos1515. Ministério da Saúde. Acolhimento a demanda espontânea: queixas mais comuns na atenção básica. Vol. II. Brasília; 2012 [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/caderno_28.pdf. Cadernos de Atenção Básica, 28.
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Quanto à gravidade do paciente queimado, sete dos profissionais entrevistados fizeram menção sobre a classificação, porém quatro deles não definiram como ela acontece, os outros três definiram os critérios de classificação de forma inadequada, pois levaram em consideração apenas a extensão das lesões, quando a mesma é definida pela relação entre a extensão e a profundidade.

Então a gente tenta fazer esse primeiro atendimento no máximo em 30 minutos se for um grande queimado, e se for um queimado pequeno de 20% 15%, se não for de via aérea superior a gente faz mais rápido ainda, 10, 15 minutos. (E11)

Após a classificação das queimaduras, seis profissionais fizeram menção à intubação orotraqueal e consideraram o critério de queimadura de vias aéreas superiores e alterações nos parâmetros respiratórios.

Intubação emergencial, mesmo que o paciente esteja acordado, consciente, orientado e eupneico, a gente faz a intubação porque se o paciente faz edema de glote isso é 100% de chance. (E11)

A intubação orotraqueal deve ser indicada considerando os critérios: Glasgow menor que 8; PaO2 menor que 60; PaCO2 maior que 55 na gasometria; saturação de oxigênio menor que 90 e edema de face e orofaringe1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
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.

Ainda no contexto respiratório, dois profissionais relataram as condutas que devem ser tomadas quando se presta assistência a pacientes com queimadura em tórax.

Aí você perde a elasticidade do tórax, o paciente entra em insuficiência respiratória. Então, você faz cortes. Você vai fazer fasc. não, não é fáscia não. Você faz uns cortes de fora a fora no tórax, como se fosse uma rede pra ela abrir [Ele está se referindo a técnica da escarotomia]. (M2)

Sobre a hidratação endovenosa, a maioria dos profissionais considerou este procedimento durante o cuidado inicial ao paciente queimado, porém apenas dez souberam especificar o tipo de hidratação e os critérios para a mesma, sendo que dois deles consideram a função renal um critério.

A gente tem que primeiro avaliar a função renal dele, porque o queimado acaba desidratando bastante e você não percebe... e hidratar. Se eu não me engano, a gente chegou a fazer 4L de volume. (M1)

Sobre o tipo de volume utilizado na hidratação, sete entrevistados relataram usar ou terem presenciado o uso de soro fisiológico 0,9%, enquanto que quatro relataram o uso do Ringer Lactato. Houve ainda uma participante que relatou o uso de albumina. Um participante relatou utilizar o que o serviço oferecia, porém o ideal seria outro.

Na verdade, a gente fez soro fisiológico, porque não tinha ringer. (M1)

Apenas dois profissionais fizeram referência à fórmula de Parkland durantes as entrevistas.

A gente tem uma fórmula que a gente tem que calcular o peso do paciente, calcular a área queimada, e daí geralmente faz a hidratação, se eu não me engano com Ringer Lactato mesmo. (M3)

É indicado que a hidratação seja baseada no cálculo da fórmula de Parkland, considerando o peso e a %SCQ. É preferível o uso de soluções cristaloides como o Ringer Lactato, onde a infusão deve ser de 50% do volume calculado nas primeiras oito horas e 50% nas 16 horas seguintes1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
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.

A maioria dos profissionais destacou a importância da limpeza imediata da lesão e que esse procedimento deve ser feito com Soro Fisiológico 0,9%:

A gente hidratou. Deixava sempre um campo estéril molhado com soro, sempre aí molhando com soro. (TE2)

Houve discordância entre os entrevistados no que diz respeito à temperatura do soro:

Então, a gente recebeu ele no leito 2, de imediatamente a gente já lavou ele. Com Soro aquecido. (TE4)

A conduta é lavar os ferimentos, a gente lava com soro fisiológico gelado. (AE1)

É importante destacar que a pele desempenha um papel determinante na termorregulação corporal, devido à presença das glândulas sudoríparas e dos capilares sanguíneos1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Desta forma, a temperatura da água ou soro utilizado para a limpeza deve ser próxima ou igual a da temperatura corporal1515. Ministério da Saúde. Acolhimento a demanda espontânea: queixas mais comuns na atenção básica. Vol. II. Brasília; 2012 [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/caderno_28.pdf. Cadernos de Atenção Básica, 28.
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. O emprego de água fria ou gelo não é recomendado1616. National Association of Emergency Medical Technicians (US). Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado: PHTLS. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012..

No que diz respeito à escolha das coberturas curativas, dependerá das características da lesão1515. Ministério da Saúde. Acolhimento a demanda espontânea: queixas mais comuns na atenção básica. Vol. II. Brasília; 2012 [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/caderno_28.pdf. Cadernos de Atenção Básica, 28.
http://189.28.128.100/dab/docs/publicaco...
. Nesse contexto, a grande maioria dos entrevistados referiram o uso da Sulfadiazina de Prata como principal cobertura a ser usada.

Entra com sulfadiazina de prata, independente do tipo de exposição da queimadura. (E11)

A Sulfadiazina de Prata é de uso tópico, bactericida devido à presença de prata na composição, prevenindo infecções em queimaduras ou impedindo a ação das bactérias já existentes na lesão1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Os curativos compostos por altas concentrações de antimicrobianos são a base no cuidado em centros de tratamento de queimaduras, pois, quando aplicados em feridas abertas, liberam vagarosamente a prata de sua composição por vários dias1616. National Association of Emergency Medical Technicians (US). Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado: PHTLS. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012..

Também foram citados outros tipos de coberturas, como: Colagenase, Papaína e Nebacetin®. Importante discutir que, muitas vezes, existia conhecimento satisfatório por parte do profissional, porém não era o suficiente para um cuidado adequado, já que alguns serviços possuem limitações de materiais para curativos.

O básico também. Porque infelizmente a gente não tem material adequado pra tratar ferida aqui. (E1)

Foram comuns relatos sobre a dor presente no indivíduo acometido por queimaduras. Os profissionais demonstraram certa inquietação em relação à dor ao atender pacientes queimados, o que também pode ter a ver com as lesões e o profissional estabelecer uma empatia pelo paciente, se colocando, assim, no lugar do mesmo.

Queimadura é uma coisa que dói muito e a pessoa chega com uma expressão facial de muita dor. (E2)

Para o alívio dessa dor, foram trazidas pelos profissionais ações medicamentosas (analgésicas), em sua maioria à base de opióides, o que confirma a intensidade da dor relatada por um paciente vítima de queimaduras.

Tudo à base de ópio né? Morfina, Fentanil, Tramal, depende da gravidade né, mas no mínimo um Tramal. (M5)

Apesar de alguns profissionais comentarem sobre a vulnerabilidade do paciente queimado, no que se refere ao risco de infecção, apenas dois deles falaram do uso de antibioticoterapia de forma profilática.

Se for um queimado grave entra com antibiótico, porque se expõe muito também, né? (E10)

Ainda assim, o Ministério da Saúde preconiza que o uso de antibiótico profilático seja restrito apenas às queimaduras com grandes chances de colonização e com sinais de infecção local ou sistêmica1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

Os profissionais trouxeram relatos acerca de queimaduras com maior especificidade, como químicas e elétricas. Alguns participantes (6) tiveram experiência no atendimento ao paciente vítima de queimaduras elétricas. A maioria deles em um acidente de grandes proporções que aconteceu em um município da microrregião da cidade estudada, durante o carnaval de 2014.

Então, foram uma serpentina né? Que eles jogaram lá numa festa e o fio rompeu, bateu no chão. Então a corrente vai passando de uma pessoa pra outra, várias pessoas morreram na hora, alguns tiveram queimaduras extensas e foram transferidos para o hospital de referência, que é o João XXIII em Belo Horizonte. (E14)

Menos da metade dos profissionais discorreu sobre as características específicas e direcionamento da assistência nesses casos, mas os que o fizeram, demonstraram conhecimento sobre a temática.

A conduta vai depender da repercussão hemodinâmica do paciente. A preocupação é na avaliação cardíaca, e investigação da ocorrência de arritmias. O tratamento é voltado para esse sentido. (M6)

Acerca das queimaduras químicas, seis profissionais relataram experiência. O que chama atenção é que três deles relataram experiências com o mesmo agente etiológico, no caso, queimaduras oculares por solda. As outras experiências vêm a partir de produtos estéticos, defensivos agrícolas ou ainda com vapor de produtos químicos em máquinas industriais.

Domingo teve um paciente aqui com queimadura por solda, nos olhos, queimou com solda, tava mexendo com solda sem o equipamento de proteção, e teve uma queimadura no olho. (E12)

Mesmo sem experiência de atendimento, houve um profissional que nos relatou quais as condutas a serem tomadas em caso de queimaduras químicas:

Produto químico ele tem um tratamento diferente sim, porque dependendo do produto químico a gente não pode lavar com soro. E nem com água. Tem que levar pro centro cirúrgico e fazer o debridamento no centro cirúrgico, porque dependendo do produto químico ele reage com esses componentes, então vai direto pro centro cirúrgico. (E11)

É fundamental que se discuta sobre esses casos, pois apesar de não serem as principais causas de queimaduras, são formas frequentes em centros de tratamento de queimaduras1313. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília; 2012. [citado 2017 nov 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

Um número significativo de profissionais relacionou a falta de experiência, o esquecimento ou o desconhecimento do atendimento acerca do paciente queimado à pouca demanda desse tipo de paciente no serviço. Essa demanda pequena, por sua vez, foi justificada com o fato de os serviços não serem referências no atendimento a queimados.

Eu não lembro mais, tem tanto tempo que eu não uso isso. (M5)

Transformação do conhecimento

Houve relatos sobre as constantes mudanças acerca das técnicas e teorias que permeiam o cuidado ao paciente queimado e a necessidade de que o profissional se mantenha atualizado. Sem embasamento teórico, sua autonomia é perdida, uma vez que a sua prática é exercida de maneira insegura, levando muitas vezes a condicionar suas condutas a outros profissionais.

Os profissionais devem estar capacitados para atuar garantindo a integralidade do cuidado, por meio da busca por novos conhecimentos1717. Falkenberg MB, Mendes TPL, Moraes EP, Souza EM. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Ciênc Amp Saúde Coletiva. 2014 mar;19(3):847-52.. Sendo assim, a atualização desse conhecimento é uma necessidade, já que o mesmo é essencial para desenvolvimento da autonomia. Alguns profissionais falaram sobre a autonomia, ou a falta dela.

Como enfermeiro, ele tem autonomia de prescrever curativos na tomada de decisão, aqui eu sempre estou à frente dos curativos de queimado. (E14)

Desta maneira, os motivos que fazem com que profissionais capacitados para tomarem decisões optem por condicionar a sua assistência ao posicionamento de outro profissional foram questionados. O questionamento surge à medida que entendemos a relação entre autonomia e conhecimento, já que há a necessidade de que se agregue conhecimentos específicos como garantia da autonomia profissional1818. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Neto AFP, Pires D, Peres MAA. Reflexão sobre a legitimidade da autonomia da enfermagem no campo das profissões de saúde à luz das ideias de Eliot Freidson. Esc Anna Nery. 2013 abr/jun;17(2)369-74..

Então, o curativo geralmente, quando... isso é o médico que tá prescrevendo né? (E10)

Não se pode deixar de falar sobre o poder instituído socialmente à profissão médica, que envolve, inclusive, questões de gênero que historicamente permeiam o desenvolvimento da enfermagem e sua autonomia na prestação de cuidado1818. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Neto AFP, Pires D, Peres MAA. Reflexão sobre a legitimidade da autonomia da enfermagem no campo das profissões de saúde à luz das ideias de Eliot Freidson. Esc Anna Nery. 2013 abr/jun;17(2)369-74..

Os profissionais de saúde atuam em cenários diversos e que possuem rapidez no desenvolvimento de tecnologias1717. Falkenberg MB, Mendes TPL, Moraes EP, Souza EM. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Ciênc Amp Saúde Coletiva. 2014 mar;19(3):847-52.. Essa mudança de saberes também foi descrita por alguns dos participantes deste estudo, como sendo uma dificuldade durante a prestação de cuidados.

Me corrija se eu estiver errada, se tiver alguma coisa nova aí, porque eu não vou lembrar. (E7)

Ainda nesse contexto, foi abordada por um participante a resistência dos profissionais mais antigos em aceitar novos conhecimentos. Compreende-se a resistência às mudanças que se dão diariamente no trabalho da equipe de enfermagem, por meio do entendimento da disputa pelos espaços de atuação que foi instaurada ao longo do tempo1919. Lima RS, Dázio EMR, Rosado SR, Lourenço EB. Dificuldades e facilidades no gerenciamento de enfermagem no hospital na perspectiva do enfermeiro. Rev Enferm UFPE On Line. 2014 [citado 2017 nov 22];8(12):4253-60. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10171.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
. É importante que se discuta sobre essa colocação, uma vez que se blindar de novos conhecimentos pode diminuir a qualidade da assistência prestada ou até aumentar a exposição do paciente a riscos.

Porque assim, isso a gente encontra muita resistência, principalmente dos enfermeiros mais velhos mesmo, daqueles bem mais velhos, que eles querem fazer compressa gelada. E eles vão trocando e eles não tem (...) e vai mais e mais, cada vez mais, e você fala: Pelo amor de Deus, para que o paciente tá ficando hipotérmico. (M3)

Existiram ainda aqueles participantes que afirmam utilizar das tecnologias de acesso rápido à informação para tirar dúvidas acerca do atendimento a ser prestado.

Ah, geralmente a gente procura na internet né? que é o mais prático né? (E11)

Na área da saúde, a tecnologia da informação funciona como um meio para troca de informações, aumentando a proteção do paciente, sua privacidade, segurança, eficácia e qualidade da assistência2020. Mcbride S, Delaney JM, Tietze M. Health information technology and nursing. Am J Nurs. 2012 Aug;112(8):36-42.. Porém ainda que a tecnologia ajude, é necessário que os profissionais já tenham um conhecimento prévio sobre as condutas que deverão ser realizadas.

Considerações Finais

Ao longo desse estudo, ainda que todos os profissionais tivessem tido algum tipo de experiência com queimaduras, nem todos possuíam conhecimento satisfatório sobre as técnicas e condutas requeridas à primeira assistência ao indivíduo queimado. Ainda assim, consideramos a experiência prática de extrema importância para a formação do conhecimento destes profissionais.

Sobre as condutas necessárias no primeiro atendimento intra-hospitalar, uma minoria de profissionais apresentou conhecimento satisfatório em relação à temática. Já o conhecimento básico, inadequado e o desconhecimento foram predominantes. O mesmo foi encontrado no que diz respeito à assistência imediata e cuidados com a lesão.

Houve relatos sobre as frequentes mudanças de condutas, teorias e técnicas, exigindo constante atualização sobre o assunto por parte dos profissionais. Observou-se o uso da tecnologia e do acesso rápido à informação como ferramenta de busca pelo conhecimento.

Reconhecemos que o estudo não é passível de generalizações, uma vez que analisou uma amostra específica de determinada região.

Os achados deste estudo destacaram a existência de lacunas de conhecimento dos profissionais de saúde que atuam no setor de urgência e emergência, no que diz respeito à assistência ao indivíduo queimado. Desta forma, espera-se que tais evidências contribuam para embasar estratégias que visem a capacitação desses profissionais, tanto no período de formação, considerando que a maioria dos entrevistados reconheceu que a temática foi abordada de forma insuficiente durante a graduação e curso técnico, quanto dos profissionais já atuantes através de educações continuadas e educações em serviço, a fim de melhorar a qualidade da assistência prestada ao paciente vítima de queimaduras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2017
  • Aceito
    18 Maio 2018
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