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Estágio de administração em enfermagem: repercussões para a equipe em unidades clínico-cirúrgicas

Práctica de administración de enfermería: repercusiones para el equipo en las unidades clínica quirúrgicas

RESUMO

Objetivo

Conhecer as percepções de enfermeiros e técnicos de enfermagem de um hospital universitário sobre o processo interativo com estagiários de administração em enfermagem.

Método

Estudo qualitativo, exploratório, descritivo, mediante 11 entrevistas semiestruturadas com enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem de unidades clínico-cirúrgicas. As informações, coletadas entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, foram submetidas à análise temática e discutidas à luz de Pichon-Rivière.

Resultados

Agrupados em três categorias: Acadêmicos e equipe de enfermagem: interação que pode propiciar aprendizado, ajuda mútua e satisfação; Apesar da pré-tarefa, o trabalho tem que continuar; e, Equipe de enfermagem: a facilitadora do estágio.

Conclusões

O início da convivência é repleto de ansiedades básicas, mas é no movimento de elaborá-las que o grupo se constitui e se transforma para o trabalho em equipe. Nessa lógica, quesitos como paciência, empatia, comunicação e coerência facilitam o processo interativo, além de serem fundamentais para a (re)leitura crítica da realidade.

Processos grupais; Administração hospitalar; Educação; Hospitais universitários; Estágios

RESUMEN

Objetivo

Conocer las percepciones de los profesionales de enfermería de un hospital universitario en el proceso interactivo con los practicantes de administración de enfermería.

Método

Estudio cualitativo, exploratorio, descriptivo, mediante 11 entrevistas semiestructuradas, con las enfermeras, técnicos y auxiliares de enfermería en las unidades médico-quirúrgicas. Las informaciones, recogidas entre diciembre de 2013 y enero de 2014, se presentaron al análisis de contenido.

Resultados

Agrupados en tres categorías: Académico y el equipo de enfermería: interacción que puede proporcionar el aprendizaje, ayuda mutua y satisfacción; A pesar de la pretarea, el trabajo debe continuar; y, el equipo de enfermería: la facilitadora de la práctica.

Conclusión

El inicio de la convivencia está lleno de ansiedades básicas, pero está en movimiento elaborar los que el grupo es y se vuelve al trabajo en equipo. En esta lógica, cuestiones tales como la paciencia, la empatía, la comunicación y la consistencia de facilitar el proceso interactivo, y son fundamentales para (re)lectura crítica de la realidad.

Procesos de grupo; Administración hospitalaria; Educación; Hospitales universitarios; Pasantías

ABSTRACT

Objective

Learn the perceptions of nursing professionals of a university hospital regarding the interactive process with nursing management practicum students.

Methods

A qualitative, exploratory, descriptive study was conducted by means of 11 semi-structured interviews with nurses, nursing technicians and nursing aides in medical-surgical units. The information, collected between December 2013 and January 2014, was submitted to a thematic analysis and discussed according to Pichon-Rivière.

Results

Results were grouped into three categories: Practicum students and the nursing team: interaction that can provide learning, mutual help and satisfaction; Despite the pre-task, work must go on; and Nursing team: the practicum facilitator.

Conclusion

In the beginning, their coexistence was full of basic anxieties, but while elaborating these feelings, the group was created and shifts into teamwork. In this logic, issues like patience, empathy, communication and coherence facilitate the interactive process, and are essential for a critical (re)reading of the reality.

Group processes; Hospital administration; Education; University hospitals; Internships

INTRODUÇÃO

As equipes de enfermagem de serviços de saúde que recebem acadêmicos nos estágios de administração em enfermagem, estes últimos formalmente nominados de prática aplicativa, são fundamentais na formação, pois, o apoio e o reconhecimento desses profissionais podem auxiliar o aluno nos enfrentamentos dos desafios durante a progressiva assunção do papel do enfermeiro. Nessa lógica, assinala-se a importância de dispor de pessoas com características compatíveis ao perfil organizacional, especialmente no cenário de um hospital universitário que, em si mesmo, pressupõe articulação entre ensino, pesquisa e assistência, com o intuito de obter qualidade na assistência prestada e no processo ensino-aprendizagem(11. Abraão SR, Bezerra ALQ, Branquinho NCSS, Paranaguá TTB. Caracterização, motivação e nível de satisfação dos técnicos de enfermagem de um hospital universitário. Rev Enferm UERJ. 2010 abr-jun;18(2):253-8.).

Preocupações com estes aspectos surgiram da vivência das autoras em atividades docentes do curso de graduação em enfermagem de uma instituição pública de ensino localizada no sul do país. Especificamente, trata-se da prática aplicativa relativa à disciplina de Administração em Enfermagem (180 horas), na oitava fase, correspondendo ao penúltimo semestre do curso de acordo com o currículo vigente por ocasião da coleta de dados. Um bloco teórico inicial, versando sobre temas de administração, preparava os acadêmicos para a prática aplicativa, disponibilizando a opção pela atenção básica em saúde ou pela rede hospitalar. Nesta última, foco do presente estudo, o estágio transcorria de 2ª a 5ª feira, das 07 horas às 13 horas e 15 minutos.

Assim, a partir da nossa supervisão docente direta e indireta vivenciada em unidades de internação hospitalar clínico-cirúrgica, passou-se a cogitar acerca de implicações que dizem respeito à equipe de enfermagem que recebe os estagiários das disciplinas já mencionadas. De um lado, pondera-se que a falta de acolhimento, de paciência e de empatia por parte da equipe de enfermagem torna-se obstáculo durante os estágios, provoca insegurança nos acadêmicos e afeta significativamente a aprendizagem, condição já identificada em estudo anterior(22. Newton JM, Henderson A, Jolly B, Greaves J. A contemporary examination of workplace learning culture: an ethnomethodology study. Nurse Educ Today. 2015 Jan;35(1):91-6.). Estudos internacionais apontam que as relações positivas entre profissionais e estudantes facilitam o compartilhamento de saberes, propiciando um aprendizado bem sucedido e uma formação de qualidade(33. Aghamohammadi-Kalkhoran M, Karimollahi M, Abdi R. Iranian staff nurses’ attitudes toward nursing students. Nurse Educ Today. 2011 July;31(5):477-81.

4. Walker R, Henderson A, Cooke M, Creedy D. Impact of a learning circle intervention across academic and service contexts on developing a learning culture. Nurse Educ Today. 2011 May;31(4):378-82.
-55. Hardy EC, Koharchik LS, Dixon H. The professional nurse-student nurse academic partnership. Teaching and Learning in Nursing. 2015 Apr;10(2):71-5.).

No entanto, traz-se para a pauta das discussões que é preciso dialetizar esta questão, pois, a inserção de estagiários também interfere na dinâmica das equipes, exigindo que as mesmas reorganizem o próprio trabalho para proporcionar acolhimento, sem que haja prejuízo da assistência aos pacientes. Isto demanda dos profissionais de enfermagem das unidades preparo para lidar com os diferentes perfis de acadêmicos e capacitação no que tange às relações interpessoais, à versatilidade, bem como paciência, abertura ao diálogo e habilidade de planejar, delegar e compartilhar tomadas de decisões. Embora outros atores estejam direta ou indiretamente envolvidos nesse processo, toma-se como foco a repercussão da presença de estagiários de administração em enfermagem para as equipes de enfermagem que os recebem nas unidades de internação hospitalar, buscando aprofundar alguns aspectos desse âmbito. Assinala-se que outro estudo recente(66. Kaiser DE, Do implícito ao explícito: o ensinar aprender administração em enfermagem no contexto hospitalar [tese]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.) já fornece um panorama mais global com relação ao processo ensino-aprendizagem em campo de estágio, com escuta de diversos atores, incluindo, por exemplo, a percepção de docentes que supervisionam os alunos durante a prática aplicativa da disciplina de administração em enfermagem.

Desse modo, considerando que as relações estabelecidas entre acadêmicos e equipes de enfermagem influenciam sobremaneira no aprendizado e também repercutem no processo de trabalho do qual depende a qualidade do cuidado/assistência, emergiu a seguinte questão de pesquisa: o que pensam os profissionais de enfermagem de um hospital universitário sobre a inserção de estagiários no trabalho da equipe? O objetivo consistiu em conhecer as percepções de enfermeiros e técnicos de enfermagem de um hospital universitário sobre o processo interativo com estagiários, durante a prática aplicativa da disciplina de administração em enfermagem. Destaca-se que o presente manuscrito deriva da dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, originalmente intitulada “Percepções de profissionais de enfermagem de um hospital universitário sobre a integração de estagiários na equipe”(77. Oliveira AP, Percepções de profissionais de enfermagem de um hospital universitário sobre a integração de estagiários na equipe [dissertação]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014.).

Presume-se que o estudo venha despertar reflexões em nome de melhores práticas quando se pensa tanto no processo formativo dos futuros enfermeiros como nas equipes que os acolhem, sem perder de vista a qualidade da assistência, em situações de estágio.

Ainda, cumpre destacar acerca da ancoragem desta investigação no referencial pichoniano de Grupo Operativo que explica fenômenos grupais e demonstra que um grupo pode ser mobilizado para trabalhar operativamente(88. Grando MK, Dall’Agnol CM. Desafios do processo grupal em reuniões de equipe da Estratégia Saúde da Família. Esc Anna Nery. 2010 jul-set;14(3):504-10.). Sob essa ótica de dialética grupal, grupo é definido como “o conjunto restrito de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, que propõe, de forma explícita ou implícita, uma tarefa que constitui sua finalidade”(9:242).

Tarefa, nessa perspectiva, possui duas dimensões: a explícita diz respeito ao objetivo que impulsiona o grupo, ou seja, algo consciente como um trabalho, mudança ou aprendizado(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.); já a dimensão implícita se caracteriza pela elaboração das ansiedades básicas provocadas pela mobilização de se atingir a meta, o que, por vezes, pode ser um impeditivo desse alcance(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Ambas condições são realçadas em outros estudos(66. Kaiser DE, Do implícito ao explícito: o ensinar aprender administração em enfermagem no contexto hospitalar [tese]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.

7. Oliveira AP, Percepções de profissionais de enfermagem de um hospital universitário sobre a integração de estagiários na equipe [dissertação]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014.
-88. Grando MK, Dall’Agnol CM. Desafios do processo grupal em reuniões de equipe da Estratégia Saúde da Família. Esc Anna Nery. 2010 jul-set;14(3):504-10.,1010. Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Mano GCM, Olschowsky A, Silva FP. A noção de tarefa nos grupos focais. Rev Gaúcha Enferm. 2012 mar;33(1):186-90.-1111. Cardoso ASF, Dall’Agnol CM. Processo grupal: reflexões de uma equipe de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2011 dez;45(6):1412-8.). Todo grupo, quando se dispõe à realização de uma tarefa, apresenta um grau menor ou maior de resistência em meio às ansiedades básicas provocadas pelos medos da perda e do ataque(88. Grando MK, Dall’Agnol CM. Desafios do processo grupal em reuniões de equipe da Estratégia Saúde da Família. Esc Anna Nery. 2010 jul-set;14(3):504-10.

9. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.
-1010. Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Mano GCM, Olschowsky A, Silva FP. A noção de tarefa nos grupos focais. Rev Gaúcha Enferm. 2012 mar;33(1):186-90.). Quando mal resolvido, o medo de perder a estabilidade (poder, espaço, reconhecimento), desencadeia ansiedade depressiva e o medo do ataque à situação desconhecida, frente ao receio de se deparar com opiniões contrárias e represálias dos demais integrantes do grupo, leva à ansiedade paranóide ou persecutória(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Face à resistência que vai se conformando, os sujeitos envolvidos deparam-se com entraves psíquicos e afetivos denominados de obstáculos epistemológicos que interferem na leitura da realidade, os quais distorcem o que é real e o fantasiado(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.).

Cabe a ressalva de que tais entraves são vividos e presenciados por todos os integrantes do grupo, enfermeiros, técnicos de enfermagem e acadêmicos, porém, cada um, em sua individualidade, os experiencia de modo peculiar, culminando em diferentes graus de intensidade e significação. A equipe de enfermagem pode inicialmente mostrar-se resistente à entrada dos acadêmicos no campo, pressupondo que esses desestabilizam e os desacomodam em seu status quo, uma vez que demandam atenção e envolvimento. Em contrapartida, os estagiários, ao se depararem com as dificuldades presentes em um contexto que é novo, também podem se sentir mobilizados pelas necessidades dos pacientes e pela expectativa da equipe de enfermagem em relação ao seu desempenho(55. Hardy EC, Koharchik LS, Dixon H. The professional nurse-student nurse academic partnership. Teaching and Learning in Nursing. 2015 Apr;10(2):71-5.). No entanto, em uma perspectiva dialética, essa situação pode ser superada, visto que, no processo grupal, há os momentos da pré-tarefa, da tarefa e do projeto.

Na pré-tarefa, predominam as técnicas defensivas, as quais são mobilizadas pelas ansiedades básicas, com a finalidade de postergar a elaboração dos medos da perda e do ataque. A tarefa consiste na abordagem e elaboração de ansiedades, na ruptura da estereotipia e na integração do pensar, sentir e agir, avançando para o alcance do objetivo. O projeto emerge da tarefa e permite que o grupo se planeje para o futuro(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). É neste momento que acadêmicos e profissionais de enfermagem do setor conseguem articular-se entre si e estabelecer um projeto de trabalho conjunto visando o atendimento às necessidades de saúde do paciente que está sob os cuidados de todos. Mas, dialeticamente compreendido, trata-se de um movimento de ir e vir no qual o grupo oscila entre avanços, retrocessos e novos avanços, lastro que dá sustentação aos saltos qualitativos na conformação da teoria-prática.

Ao postular essa lógica, pressupõe-se o grupo como um modelo de interação que envolve os integrantes na articulação de dois níveis: o vertical do sujeito e o horizontal do grupo. A verticalidade está relacionada ao histórico de vida, às vivências, ao individual de cada integrante e a horizontalidade, ao compartilhamento pelo grupo, ao denominador comum que o unifica(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.-1010. Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Mano GCM, Olschowsky A, Silva FP. A noção de tarefa nos grupos focais. Rev Gaúcha Enferm. 2012 mar;33(1):186-90.).

Assim, acena-se para o Grupo Operativo como um importante alicerce para explicitar aspectos inerentes ao processo interativo das equipes de enfermagem com estagiários, o que propicia uma leitura crítica da realidade, situada no concreto vivenciado.

MÉTODO

O estudo caracteriza-se como exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido em um hospital universitário, público, da região sul do Brasil que sistematicamente recebe estagiários da enfermagem provenientes da universidade à qual o próprio hospital se vincula, em se tratando da filosofia assistencial e da participação docente no âmbito da gestão.

As informações foram obtidas por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas em áudio, com seis enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem, totalizando 11 participantes, alocados em unidades de atendimento clínico-cirúrgico que habitualmente vinham recebendo estagiários de administração em enfermagem. As entrevistas tiveram duração de 20 minutos e foram realizadas em uma sala no próprio ambiente de trabalho, entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, em horário combinado com cada participante e em local que garantiu privacidade.

A seleção dos participantes foi intencional, tendo-se adotado como critérios de inclusão: interesse em falar sobre o tema, vivência anterior com estagiários de administração em enfermagem na dinâmica da equipe em, pelo menos, um semestre, e disponibilidade de horário para ser entrevistado. Pontua-se que não houve recusa e/ou exclusão neste estudo. Para contemplar a participação de pelo menos um enfermeiro e um técnico de enfermagem de cada unidade, priorizando aqueles que estivessem mobilizados no tema, ancorou-se na Técnica Snowball. Nesse procedimento, buscou-se indicação no campo de estudo do primeiro entrevistado, o qual recomendou o segundo participante; este, por sua vez, sugeriu o próximo e, assim, sucessivamente, até completar o contingente necessário para o estudo, tendo-se balizado pelo parâmetro de saturação de dados, que consiste no “conhecimento formado pelo pesquisador, no campo, de que conseguiu compreender a lógica interna do grupo ou da coletividade em estudo”(12:197).

Após transcrição literal das informações e, apoiando-se no recurso NVivo 8, as mesmas foram submetidas à análise temática, seguindo três etapas(1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010.): pré-análise, em que se procedeu à leitura flutuante, em contato direto e intenso com o material de campo, de modo a impregnar-se do conteúdo, na constituição do corpus; a exploração do material, em que houve seleção das unidades de registro, viabilizando a categorização propriamente dita; por fim, o tratamento dos resultados obtidos e interpretação à luz do quadro teórico de base, em que se reportou centralmente aos achados da literatura sobre o tema da pesquisa, alicerçando inferências na tessitura dos pressupostos pichonianos de grupo operativo.

O projeto que deu origem a este manuscrito foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa institucional, mediante protocolo na Plataforma Brasil (CAAE 12733913.6.0000.5327), seguindo as recomendações da Resolução CNS-466/12(1313. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466/12, de 12 de dezembro de 2012. [Internet]. 2012 [citado 2014 maio 06]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf.
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
). Somente mediante parecer favorável, deu-se início a coleta de dados. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelas partes envolvidas, em duas vias, ficando uma com o participante e outra com as pesquisadoras. Aos entrevistados solicitou-se anuência para gravação em áudio e, para garantir o anonimato, procedeu-se à codificação das entrevistas, utilizando as letras E e T para designar Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem, respectivamente. A numeração ascendente (E1, E2, E3 …, T1, T2, T3…) corresponde ao ordenamento cronológico das entrevistas, em cada categoria profissional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto à caracterização dos 11 participantes do estudo, entre eles seis enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem, a média de idade correspondeu a 37 + 7 anos, sendo 90% do sexo feminino, 54% enfermeiros e 46% técnicos de enfermagem.

Os resultados foram agrupados em três categorias, conforme descrito a seguir:

Acadêmicos e equipe de enfermagem: interação que pode propiciar aprendizado, ajuda mútua e satisfação

Os entrevistados relataram que a inserção dos acadêmicos de administração em enfermagem no campo de estágio implica em ter que lidar com a diversidade. Para eles, diferentes percepções e modos de agir, por vezes, recaem em complexas relações interpessoais, porém, assinala-se que é justamente neste trânsito que o grupo pode encontrar oportunidades para uma efetiva práxis, haja vista que as ações de enfermagem derivam de processos interativos que se caracterizam por relações de interdependência e complementaridade. Enfermeiros e técnicos de enfermagem realçaram sobre a necessidade de que todos os envolvidos estejam dispostos a trabalhar em equipe, favorecendo que ocorram trocas de experiências e compromisso nas atividades planejadas, tal como foi mencionado:

Eles [acadêmicos] vêm para aprender, vem para buscar conhecimento e a gente também aprende muito com eles. É uma troca, uma interatividade sem igual (T5).

Esta fala anuncia o reconhecimento do papel educativo dos profissionais de enfermagem, sugerindo predisposição da equipe para receber e orientar estagiários. Isto remete à telê que é a capacidade ou disposição que cada um de nós tem para trabalhar com outras pessoas(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Quando há telê positiva, o processo de aprendizagem e o clima grupal adquirem uma estrutura em direção à tarefa que diz respeito à conciliação da assistência com supervisão do estágio.

O depoimento retrata também que a socialização de conhecimentos oportuniza espaços coletivos de aprendizado recíproco, em que enfermeiros e técnicos de enfermagem aperfeiçoam-se continuamente. Quando é incentivado um convívio facilitador em que se sobressaem condições favoráveis a uma boa interlocução, todos são beneficiados, pois, mais facilmente se estabelece o compartilhamento de experiências e saberes. Tal mobilização configura-se no modo operativo de agir que consiste na adaptação ativa à realidade através de insights, tornando cada integrante consciente de seu papel no grupo(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Nessa lógica e, do ponto de vista de quem recebe os estagiários, foi dito que o empenho e a dedicação dos acadêmicos nas atividades propostas repercutem na produtividade, na inovação e na qualidade do serviço, o que, por sua vez, fortalece as inter-relações, a ajuda mútua e o trabalho coletivo:

Dos que são comprometidos, esses acadêmicos são extremamente colaborativos com o grupo. São pessoas que trazem coisas novas, que conseguem atender bem os doentes e prestar assistência com qualidade (E1).

Os entrevistados comentaram que o comprometimento dos acadêmicos com o estágio de administração de enfermagem potencializa o trabalho da equipe e contribui para a qualidade do cuidado. Este entendimento perpassa a noção de cooperação que acontece na medida em que os integrantes de um grupo se articulam para a realização da tarefa, superando diferenças e obstáculos(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Se a estrutura interacional do grupo for baseada na cooperação, os estagiários são conduzidos a uma postura autocrítica, madura, que os capacita para exercer a profissão. Assim, ao final do estágio, a sensação perpassada na equipe de enfermagem é a de dever cumprido e satisfação por participar do processo formativo:

Quando a equipe percebe que há um comprometimento, é como se isso fosse a nossa recompensa pelo esforço em estar orientando, em estar participando daquele processo (E2).

[...] esse acadêmico amadurece quanto aos seus conhecimentos, ele cresce emocionalmente e fica mais seguro. [...] chega de uma forma e vai se transformando e é muito bom ver esse crescimento. Sai pronto para o mercado de trabalho (T5).

Os profissionais de enfermagem manifestaram que se sentem recompensados quando observam o comprometimento do acadêmico que, valendo-se das orientações e das vivências oportunizadas no estágio, exerce com autonomia as funções do enfermeiro. Em um primeiro momento, a expectativa da equipe está direcionada às atividades assistenciais, entretanto, no decorrer do estágio, é esperado que os acadêmicos consigam exercitar uma autonomia progressiva, assumindo gradativamente seu papel como líderes do grupo, o que traz enorme satisfação para a equipe de enfermagem do setor. Quando a expectativa mútua é atendida, os vínculos se renovam e, por vezes, vão além do período do estágio de modo que o acadêmico se vê como integrante da equipe, conforme ilustra o seguinte excerto:

Uma das últimas alunas que nós tivemos aqui, até hoje ela tem um vínculo muito bom com a gente porque ela se sente parte integrante da equipe (T5).

A verbalização feita por esse participante remete à pertença, ou seja, ao sentimento de pertencer a um grupo(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Convém o assinalamento que, ao intensificar as relações construídas com base em vínculos positivos, o grupo se reconhece como tal, o que possibilita aprendizado e ajuda mútua. Experiências gratificantes como as já mencionadas reportam aos vínculos, que ocorrem a partir do interjogo entre o mundo interno do sujeito e contexto externo e do qual emergem sentimentos de gratificação (vínculo bom) ou de frustração (vínculo mau)(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). Nesta perspectiva, os vínculos estabelecidos entre os enfermeiros, técnicos de enfermagem e acadêmicos, quando bons, colaboram com a constituição do grupo e o conduzem para a (re)leitura crítica da realidade, qualificando desse modo a interatividade e o trabalho da equipe.

Apesar da pré-tarefa, o trabalho tem que continuar

Os entrevistados apontaram que as dificuldades durante o estágio de administração em enfermagem podem operar como obstáculos para a integração dos acadêmicos, denunciando a pré-tarefa do grupo Esta é caracterizada pelo momento em que predominam mecanismos de dissociação do pensar, agir e sentir em decorrência das ansiedades básicas desencadeadas em toda situação de mudança(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.).

Na visão dos participantes, a fase inicial do estágio tem sido repleta de expectativas e ansiedade, provocando instabilidade no grupo. Esse desconforto incipiente está associado à adaptação com os novos integrantes, período em que enfermeiros e técnicos de enfermagem precisam despender um tempo adicional para explicar a rotina e procedimentos realizados habitualmente na Unidade, conforme foi dito:

O início é sempre complicado. Os acadêmicos não te conhecem, tu não conheces os acadêmicos e tu tens que estar mais próximo (E1).

No início, em função de que a gente precisa dar todo um suporte, como é que funciona nossa rotina de trabalho, a gente tem que demandar mais tempo para eles [acadêmicos] do que para o paciente (T4).

Tanto os Enfermeiros como os Técnicos de Enfermagem transpareceram certa preocupação face ao desconhecido e mediante situações inusitadas. No entanto, esta é uma reação compreensível, pois, ao se deparar com algo novo que implica em uma situação de aprendizagem, de interação ou de apropriação do real, surgem nas pessoas dois medos básicos que são caracterizados como medo da perda do equilíbrio já obtido na situação anterior e medo do ataque à nova situação na qual a pessoa não se sente adequadamente instrumentalizada(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.). O fato de ter que desviar a atenção dos pacientes para atender às demandas dos acadêmicos pode sinalizar receio dos enfermeiros e técnicos de enfermagem de perderem a estabilidade na dinâmica do trabalho. A insegurança dos profissionais de enfermagem em lidar com os diferentes perfis de acadêmicos, até então desconhecidos, passa a se configurar como medo do ataque. Se esses medos não forem bem elaborados podem provocar resistências para acolher os acadêmicos no grupo já consolidado. Ressalta-se, contudo, que todo esse início de processo é difícil e, dessa maneira, pode haver resistência devido à ansiedade e ao medo do desconhecido(1414. Araújo PN, Viana APS, Fortuna CM, Matumoto S, Ciapis MJ. A visão dos trabalhadores da atenção básica acerca da presença de estudantes de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jul;47(3):694-701.-1515. Barbato RG, Corrêa AK, Souza MCM. Aprender em grupo: experiência de estudantes de enfermagem e implicações para a formação profissional. Esc Anna Nery. 2010 jan-mar;14(1):48-55.).

A dificuldade do estagiário em organizar o tempo para atender as necessidades assistenciais também foi cogitada como um aspecto obstaculizador, pelo fato de requerer dos enfermeiros e técnicos de enfermagem atenção redobrada sobre as atividades delegadas a fim de evitar falhas no cuidado aos pacientes:

Esse início é mais difícil porque a gente tem que estar junto deles [acadêmicos]. No início, eles têm um ritmo menor. Eles não têm ainda o ritmo da Unidade (E6).

Nessa fala, percebe-se que a adaptação ativa à realidade implica em um período crítico, pois exige do grupo envolvimento intenso, novos arranjos grupais, explicitação das dificuldades e aclaramento de dúvidas, o que pode provocar atrasos na execução das atividades e gerar ainda mais ansiedade. Como decorrência, a inserção dos acadêmicos no serviço de saúde interfere na articulação dos profissionais de enfermagem, deixando mais lento o atendimento das demandas de trabalho(1414. Araújo PN, Viana APS, Fortuna CM, Matumoto S, Ciapis MJ. A visão dos trabalhadores da atenção básica acerca da presença de estudantes de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jul;47(3):694-701.).

Em contrapartida, foi mencionado que o impasse é temporário, uma vez que os profissionais de enfermagem mobilizam-se em acolher os estagiários, numa perspectiva integradora grupal para transformar a realidade, modificando-se a si próprios. Assim, por vezes, estagiários que requerem mais atenção dos profissionais de enfermagem, passam, no decorrer da convivência, a se apropriar dos espaços de autonomia, tornando-se mais colaborativos na execução das atividades, conforme foi destacado:

No início, fica aquela insegurança, mas depois da acolhida do grupo, isso vai sumindo e esse acadêmico, no final do estágio, parece um dos nossos para trabalhar (T5).

É interessante observar que a equipe de enfermagem realiza insights acerca da inserção dos acadêmicos no campo de estágio e, assim, consegue atenuar as ansiedades básicas, tornando-se menos resistente à chegada do “outro”. Esta é uma condição sine qua non para que se estabeleça o acolhimento que, por sua vez, favorece a aprendizagem. Tal mobilização condiz com a tarefa, no sentido pichoniano do termo, que se traduz “tanto na finalidade a ser cumprida como o próprio caminho para alcançá-la, ou seja, envolve as dimensões explícita e implícita”(10:187).

Contudo, enquanto o grupo mantém-se na pré-tarefa, o desafio de conciliar supervisão dos estagiários com assistência foi apontada pelos participantes como outro fator que gera ansiedade. Desta forma, acompanhar acadêmicos nos estágios requer atenção e disponibilidade de tempo da equipe denotando aumento e reorganização das atividades: Os participantes apresentaram comentários como os que seguem:

A gente assume o acadêmico e conduz, mostra como funciona, explica e ensina como se fosse professor. A gente acaba fazendo isso, sem ter remuneração nenhuma por isso (E4).

A gente acaba assumindo um papel duplo. [...] tem que estar com o acadêmico ao mesmo tempo em que tu tens que dar conta do trabalho (E5).

Aqui, pontua-se que a resistência à tarefa traduz-se no questionamento acerca da participação da equipe de enfermagem na condução dos estágios com expectativa de remuneração, contrapondo o que é preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais(1616. Ministério da Educação e Cultura (BR). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001 [Internet]. 2001 [citado2014 maio 06]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
). De acordo com a normativa, a programação e supervisão dos estágios curriculares dos dois últimos semestres do curso de graduação em enfermagem devem ser asseguradas pelos enfermeiros de serviços de saúde onde se desenvolvem os estágios(1616. Ministério da Educação e Cultura (BR). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001 [Internet]. 2001 [citado2014 maio 06]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
), não sendo prevista remuneração.

Também, foi alegado que a dificuldade dos estagiários de reconhecer um erro cometido e aceitar críticas e/ou sugestões causa descontentamento nos profissionais de enfermagem, interferindo negativamente na interação grupal, no trabalho da equipe e na condução do estágio:

Alguns acadêmicos têm dificuldade de aceitar as orientações. Tu vens para um estágio para aprender e não aceita as coisas para te ajudar. Daí fica difícil (E1).

Situações como esta podem implicar em bloqueio da aprendizagem, haja vista que enfermeiros e técnicos de enfermagem disseram que se sentiam desmotivados para colaborar com seus conhecimentos e até ficavam inseguros em delegar demandas do trabalho. No entanto, tratando-se de estágio que requer desenvolvimento de habilidade para o exercício profissional, cabe à equipe de enfermagem contribuir para que princípios, valores e virtudes da profissão façam sentido para os acadêmicos. Isto converge para o entendimento da Enfermagem como uma prática social cuja ética profissional deve ser enfatizada na formação dos futuros enfermeiros(1717. Burgatti JC, Bracialli LAD, Oliveira MAC. Problemas éticos vivenciados no estágio curricular supervisionado em enfermagem de um currículo integrado. Rev Esc Enferm USP. 2013 ago;47(4):937-42.).

No que tange aos aspectos atitudinais, descaso com as necessidades dos pacientes e com as demandas trazidas pela equipe, falta de pontualidade e de assiduidade, bem como recusa em realizar procedimentos técnico-assistenciais são situações que também interferem negativamente no desenvolvimento do estágio. Foi dito nas entrevistas:

A gente não gosta de descaso com o paciente. [...] é uma coisa que nos causa inquietação muito forte e a gente se fecha (E1).

A gente percebe muito o acadêmico chegando atrasado, faltando o estágio e isso desmotiva o grupo em relação àquele acadêmico (E2).

Quando o compromisso com as jornadas é violado, há respingos no trabalho em equipe e também na assistência. Esta questão pode ser traduzida pela quebra do setting (contrato, enquadre) que corresponde à soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o agir do grupo(99. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2009.-1010. Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Mano GCM, Olschowsky A, Silva FP. A noção de tarefa nos grupos focais. Rev Gaúcha Enferm. 2012 mar;33(1):186-90.,1818. Kelly J, McAllister M. Lessons students and new graduates could teach: a phenomenological study that reveals insights on the essence of building a supportive learning culture through preceptorship. Contemp Nurse. 2013 June;44(2):170-7.), o que interfere no clima grupal, na motivação dos profissionais de enfermagem em trabalhar junto aos estagiários, gerando entraves que podem impedir a aprendizagem.

Equipe de enfermagem: a facilitadora do estágio

Houve entendimento de que a equipe de enfermagem precisa agir como facilitadora da prática, sendo importante adotar estratégias que proporcionem experiências singulares aos estagiários e contribuam para o processo de ensino-aprendizagem. Entre elas, foi destacada a receptividade tanto dos enfermeiros como dos técnicos de enfermagem, possibilitando que os acadêmicos se sintam mais seguros e tranquilos para se inserirem na dinâmica do trabalho e, com isso, desenvolverem suas habilidades:

A gente sempre procura recebê-los [acadêmicos] bem. É deixar à vontade, trazê-los para dentro da equipe e tentar mostrar da melhor maneira o trabalho do enfermeiro (E6).

A partir do depoimento, pode-se inferir que o acolhimento proporcionado pelos profissionais de enfermagem aos estagiários converge para a conformação do clima grupal, o qual se delineia a partir da telê positiva. Além disso, ao receber bem os acadêmicos, a equipe de enfermagem corrobora para o fortalecimento das relações interpessoais no grupo, as quais por sua vez, são imprescindíveis para fomentar o processo de ensino-aprendizagem(66. Kaiser DE, Do implícito ao explícito: o ensinar aprender administração em enfermagem no contexto hospitalar [tese]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.).

Os participantes ainda ressaltaram que percebem os acadêmicos sobrecarregados, em razão de compromissos paralelos ao estágio de administração em enfermagem como a elaboração do trabalho de conclusão e outras disciplinas do curso. Ao compreenderem que o momento é intenso e decisivo, eles apontaram para a importância dos enfermeiros e técnicos de enfermagem desenvolverem empatia para com os estagiários ao constatarem eventuais limitações e falhas cometidas:

Eles [acadêmicos] têm tanta coisa, têm que fazer tantos trabalhos [de disciplinas], fazer um monte de coisas, que eles se passam (T2).

Eles [acadêmicos] estão envolvidos com o TCC [trabalho de conclusão de curso], têm que vir para cá e fazer o estágio. Então, é um período difícil e eu acho que é importante a equipe considerar isso (E6).

A mobilização da equipe de enfermagem para entender as ansiedades e angústias vivenciadas pelos acadêmicos pode auxiliar o grupo a conduzir-se de modo operativo, “refletindo na dinâmica de trabalho e no fortalecimento das relações afetivas no alcance da tarefa”(6:70). O fato de auxiliar os acadêmicos no enfretamento de situações conflitantes favorece a (auto)confiança e conduz o grupo para o aprendizado e a boa prática profissional(1818. Kelly J, McAllister M. Lessons students and new graduates could teach: a phenomenological study that reveals insights on the essence of building a supportive learning culture through preceptorship. Contemp Nurse. 2013 June;44(2):170-7.-1919. Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Ramos AM, Silveira RS, Barlem ELD, Ernandes CM. Manifestações da síndrome de burnout entre estudantes de graduação em enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2013 jul-set;22(3):754-62.).

Outra questão abordada diz respeito aos altos níveis de exigência de enfermeiros e técnicos de enfermagem para consigo mesmos e com os demais colegas em proporcionar experiências práticas que facilitem o aprendizado e sirvam de referência para os estagiários ao longo da profissão. A preocupação em exibir bons exemplos de condutas pode ser observada no excerto que segue:

Eles [acadêmicos] nos vêem como um exemplo [...] não basta eu cobrar uma postura adequada do acadêmico, eu também tenho que mostrar qual é a postura adequada (E2).

Coerência no exercício profissional é vista pela equipe de enfermagem como um compromisso, pois nela se expressa a responsabilidade do modelo a ser reproduzido, desencadeando um processo de cobrança que repercute na interação do grupo. Este cuidado da equipe de enfermagem em exibir bons exemplos tanto de conduta profissional quanto de diálogo entre os membros da equipe, também é ratificado por resultados de estudo anterior(66. Kaiser DE, Do implícito ao explícito: o ensinar aprender administração em enfermagem no contexto hospitalar [tese]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.).

Por fim, o diálogo subjaz nas entrevistas como principal ferramenta na familiarização dos acadêmicos com a rotina da Unidade. A fala que segue explicita o interesse de enfermeiros e técnicos de enfermagem em aproximar os estagiários da equipe e pacientes e, com isso, inseri-los na equipe:

Tu vais perguntar para o acadêmico que está contigo, se ele não sabe, então, vamos discutir juntos, mas ele tem que participar (E4).

O depoimento destaca que a articulação do grupo pautou-se na comunicação, à medida que os profissionais de enfermagem repassam informações aos acadêmicos com prioridade a fim de capacitá-los para a tomada de decisões. Considerando que o trabalho da enfermagem é marcadamente em equipe, o diálogo favorece o consenso nas ações e se constitui em objeto de ensinar e aprender(1414. Araújo PN, Viana APS, Fortuna CM, Matumoto S, Ciapis MJ. A visão dos trabalhadores da atenção básica acerca da presença de estudantes de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jul;47(3):694-701.,1717. Burgatti JC, Bracialli LAD, Oliveira MAC. Problemas éticos vivenciados no estágio curricular supervisionado em enfermagem de um currículo integrado. Rev Esc Enferm USP. 2013 ago;47(4):937-42.).

Frente às dificuldades apresentadas pelos acadêmicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem se mobilizam de modo que os estagiários reavaliem suas condutas e/ou postura e superem limitações. Desta forma, o diálogo faz-se necessário e essencial, pois repercute no exercício de aprender e na superação de problemas, em que pendências são resolvidas, dificuldades são enfrentadas e qualidades são destacadas. A comunicação efetiva entre estagiários e profissionais facilita a construção de conhecimento e a aprendizagem(22. Newton JM, Henderson A, Jolly B, Greaves J. A contemporary examination of workplace learning culture: an ethnomethodology study. Nurse Educ Today. 2015 Jan;35(1):91-6.). Quando enfermeiros e técnicos de enfermagem adotam estratégias que atendem às necessidades dos acadêmicos, são proporcionadas condições para que o grupo promova uma modificação criativa e uma adaptação ativa à realidade, o que potencializa a operatividade grupal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo, espera-se suscitar processos reflexivos que possam contribuir no preparo das equipes de enfermagem frente à presença constante e rotativa de acadêmicos em suas atividades, corroborando para a consecução de um dos propósitos da missão do hospital campo de estudo que é formar recursos humanos e gerar conhecimento. Pressupõe-se, ainda, in locus, que os participantes venham se constituir em multiplicadores potenciais nas equipes de enfermagem para fomentar um alinhamento proativo aos pressupostos que alicerçam os hospitais universitários, onde ganham destaque ações qualificadas em nome do ensino, pesquisa e assistência.

Quanto às limitações do estudo, aponta-se que os resultados se circunscrevem no escopo das unidades de internação clínico-cirúrgica de pacientes adultos, portanto, assinala-se a importância de conhecer as opiniões das equipes dos outros setores do hospital e de outros serviços de saúde, a exemplo da atenção básica, que também recebem estagiários de administração em enfermagem. Além disso, cogita-se acerca da ampliação da escuta, envolvendo os próprios acadêmicos, os estagiários de docência e os docentes, os quais poderiam fornecer um panorama mais amplo sobre o tema. Nesse sentido, como contribuição, espera-se incentivar debates acerca da integração ensino-serviço, no intuito de potencializar a mobilização das equipes de enfermagem, buscando estratégias e alternativas que beneficiem a aprendizagem do acadêmico em campo de estágio.

Com base nos achados, demarca-se que a articulação entre enfermeiros, técnicos de enfermagem e estagiários é complexa, pois, ora implica em momentos de aprendizado mútuo e cooperação, ora em situações estressantes e conflitantes. Contudo, é nesse movimento que o grupo se constitui e se transforma para consolidar o genuíno trabalho em equipe, realçando-se a importância de quesitos como paciência, empatia, comunicação e coerência com vistas à facilitação da prática, além de serem fundamentais para a (re)leitura crítica da realidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2016
  • Aceito
    11 Jan 2017
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