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COVID-19: comentários em redes sociais oficiais do Ministério da Saúde sobre ação Brasil Conta Comigo

RESUMO

Objetivo:

Desvelar o conteúdo dos comentários em postagens oficiais do Ministério da Saúde, de convocação de profissionais de saúde para enfrentamento à COVID-19.

Método:

Estudo qualitativo, realizado com 2823 comentários, obtidos a partir do acesso virtual às redes sociais oficiais do Ministério da Saúde no Facebook, Instagram e Twitter. Para processamento do corpus textual, utilizou-se o software Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires e realizou-se a análise multivariada por Classificação Hierárquica Descendente.

Resultados:

Foram obtidas cinco categorias: “dificuldades nas etapas para capacitação”, “aspectos financeiros envolvidos na convocação”, “condições trabalhistas no enfrentamento à pandemia”, “obrigatoriedade de capacitação x possível convocação”, “visibilidade e valorização da odontologia no combate à COVID-19”.

Conclusão:

Os comentários contemplaram o acesso à capacitação, a remuneração e condições trabalhistas, a obrigatoriedade para capacitação, possível convocação para atuar na linha de frente no combate à COVID-19 e reinvindicação por maior valorização da odontologia.

Palavras-chave:
Infecções por coronavirus; Redes sociais online; Pessoal de saúde

ABSTRACT

Objective:

To unveil the content of comments in official posts calling from the Ministry of Helth, calling for health professionals to confront COVID-19.

Method:

Qualitative study, carried out with 2823 comments, obtained from the virtual access to the Ministry of Health's social networks on Facebook, Instagram and Twitter. For textual corpus processing, used or software Interface R analyzes Multidimensional Texts and Questionnaires and performs a multivariate analysis by Descending Hierarchical Classification.

Results:

Five categories were included: "difficulties in the training stages", "aspects involved in the summons", "working conditions without facing the pandemic", "mandatory capacity x possible summons", "visibility and valorization of dentistry in combating the pandemic” COVID-19".

Conclusion:

Comments contemplated professionals or access to training, remuneration and working conditions, mandatory training, possibility of calling for action on the front line without fighting COVID-19 and claiming greater appreciation of dentistry.

Keyword:
Coronavirus infections; Online social networking; Health personnel

RESUMEN

Objetivo:

Develar el contenido de los comentarios em las publicaciones oficiales del Ministerio de Salud, llamando a los profesionales de la salud a enfrentar el COVID-19.

Método:

Estudio cualitativo, realizado con 2823 comentarios, obtenidos del acceso virtual a las redes sociales del Ministerio de Salud en Facebook, Instagram y Twitter. Para el procesamiento del corpus textual, la interfaz utilizada o el software R analiza textos y cuestionarios multidimensionales y realiza un análisis multivariado mediante clasificación jerárquica descendente.

Resultados:

Se incluyeron cinco categorías: "dificultades en las etapas de capacitación", "aspectos involucrados en la convocatoria", "condiciones de trabajo sin enfrentar la pandemia", "capacidad obligatoria x posible convocatoria", "visibilidad y valorización de la odontología para combatir la pandemia". "COVID-19".

Conclusión:

Comentarios contemplados o acceso a capacitación, remuneración y condiciones de trabajo, capacitación obligatoria, posibilidad de llamar a la acción en la línea del frente sin luchar contra COVID-19 y reclamar una mayor apreciación de Odontología.

Palabras clave:
Infecciones por Coronavirus; Redes sociales en línea; Personal de salud

INTRODUÇÃO

A doença COVID-19, causada por contaminação pelo coronavírus humano Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), apresenta característica ascensional e veloz da curva epidêmica em todo o mundo. Trata-se de emergência de saúde pública de importância internacional e apresenta alto potencial de transmissibilidade e gravidade clínica. A sintomatologia dos pacientes graves, acometidos por essa doença, inclui síndrome respiratória aguda grave e exige cuidados intensivos1Toit AD. Outbreak of a novel coronavirus. Nature Rev Microbiol. 2020;18(3):123. doi: https://doi.org/10.1038/s41579-020-0332-0
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.

A transmissão da COVID-19 tem provocado surtos hospitalares e comunitários, com registro, até 06 de janeiro de 2021, de mais de 83 milhões de casos confirmados em todo o mundo e 1,8 milhões de mortes2World Health Organization (CH) [Internet]. Geneva: WHO; c2021 [cited 2021 Jan 06]. Weekly epidemiological update - 5 January 2021; [about 1 screen]. Available from: https://www.who.int/publications/m/item/weekly-epidemiological-update---5-january-2021
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. Na lista de países que enfrentam a doença, o Brasil apresenta-se como primeiro da América e terceiro do mundo em número de casos confirmados, que chegaram a mais de sete milhões. No país, a maior parte das pessoas contaminadas concentraram-se nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul2World Health Organization (CH) [Internet]. Geneva: WHO; c2021 [cited 2021 Jan 06]. Weekly epidemiological update - 5 January 2021; [about 1 screen]. Available from: https://www.who.int/publications/m/item/weekly-epidemiological-update---5-january-2021
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-3Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Bol. Epidemiol Esp. 2020 [cited 2021 Jan 06];(42):1-78. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/dezembro/24/boletim_covid_42_24dez20.pdf
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.

Nesse cenário, os profissionais de saúde formam a linha de frente de cuidados em diversos setores e são responsáveis pela assistência direta aos casos suspeitos e confirmados da doença. Embora haja intensa mobilização para implementação de práticas seguras e medidas de proteção, o índice de contaminação desses profissionais apresenta-se em escala crescente. Essa circunstância promoveu aumento nas demandas dos serviços de saúde e a carência de funcionários tornou-se significativa, em meio ao esforço global contra as consequências da COVID-194Black JRM, Bailey C, Swanton C. COVID-19: the case for health-care worker screening to prevent hospital transmission [correspondence]. Lancet. 2020;395(10234):1418-20. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30917-X
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.

Ao considerar o panorama brasileiro, o Ministério da Saúde (MS), por meio da Portaria N° 639/2020, realizou convocação de profissionais de saúde, com vistas a cadastramento e capacitação online, para reforçar as ações de enfrentamento à COVID-195Ministério da Saúde (BR). Portaria MS/GM nº639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde", voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial União;2020 [cited 2020 May 15];158(64 Seção 1):76-7. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2020&jornal=515&pagina=76&totalArquivos=167
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. Essa convocação teve ampla divulgação nos veículos oficiais de comunicação do Governo Federal, inclusive em perfis de redes sociais online do Ministério da Saúde, como Instagram, Facebook e Twitter.

Essas redes sociais destacam-se, por possuírem maior quantidade de usuários e poder unir pessoas em uma mesma rede de subjetividades, que cultivam ideais comuns. A interação instantânea por meio de comentários em postagens, nessas redes sociais, tem se tornado a forma mais comum de participação dos leitores em discussões e manifestações de opinião. Tais comentários são importantes na esfera pública, visto que estabelecem interação entre Estado e população, de forma que contribuem para incorporar o ponto de vista da sociedade civil na administração pública.

Nessa perspectiva, aponta-se a relevância de conhecer a opinião da população de internautas, frente a tal convocação, com vistas a melhor compreender possíveis comportamentos, a adesão dos profissionais e fatores que possam impactar positiva ou negativamente na convocação. Ao considerar que a enfermagem está presente em todos os serviços de assistência e que foi alvo da convocação, aponta-se que pesquisa referente à temática, constitui interesse para essa categoria profissional. Dessa forma, a questão de pesquisa foi: quais os conteúdos existentes nos comentários em postagens de convocação de profissionais de saúde para enfrentamento à COVID-19? Assim, este estudo teve por objetivo desvelar o conteúdo dos comentários em postagens oficiais do Ministério da Saúde, de convocação de profissionais de saúde para enfrentamento à COVID-19.

MÉTODO

Tratou-se de estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado em abril de 2020 a partir do acesso virtual às redes sociais oficiais do Ministério da Saúde no facebook, instagram e twitter. Foram coletados todos os comentários na postagem publicada no dia 02 de abril de 2020, a qual informava sobre cadastramento de profissionais da área de saúde para capacitação com vistas ao enfrentamento à pandemia de coronavírus (COVID-19).

Foram identificados 3867 comentários nas três redes sociais pesquisadas. Destes, 2804 (72,5%) foram postados no instagram, 1007 (26,0%) no facebook e 56 (1,5%) no twitter. Após leitura integral, foram excluídos 798 (28,5%) comentários do Instagram, 229 (22,7%) do facebook e 17 (30,4) do twitter por tratarem-se de textos de marcação de pessoas, figuras e emojis. Assim, fizeram parte do estudo 2823 comentários: 2006 (71,0%) do instagram, 778 (27,6%) do facebook e 39 (1,4%) do twitter. Todos foram lidos na íntegra e organizados em texto único, para compor corpus de análise.

A análise foi realizada com auxílio do software IRaMuTeQ (Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) versão 0.7 alpha2, no qual os dados foram processados. Este, fraciona o corpus em segmentos textuais e, mediante qui-quadrado, possibilita a análise multivariada utilizada no presente estudo, a Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Nessa análise, os segmentos são analisados e agrupados em classes, de forma que existe semelhança no vocabulário da mesma classe, que diverge das demais. A apresentação visual da CHD ocorre em dendograma, que apresenta a relação entre as classes encontradas6Camargo BV, Justo AM. Tutorial para o uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. Florianopólis: UFSC, Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição; 2013 [cited 2020 May 01]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais
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.

Cabe destacar que o corpus textual analisado, no presente estudo, teve seu processamento pertinente de ser realizado no IRaMuTeQ, pois possuiu 5106 palavras, em 46325 ocorrências, que foram subdivididas em 1310 segmentos, com aproveitamento de 91,6% do conteúdo a ser processado, que resultou em cinco classes temáticas.

Os princípios éticos de anonimato, fidedignidade das informações e utilização dos achados para fins exclusivamente científicos foram seguidos. Assim, as informações contidas nos comentários foram coletadas, analisadas e divulgadas sem necessidade de solicitação e autorização prévia das pessoas que comentaram nesse ambiente virtual, tendo em vista que oinstagram, facebook e twittersão ferramentas disponíveis em espaço público, aberto e acessível a qualquer pessoa interessada na temática.

Para identificação das falas transcritas, utilizou-se o código “C”, que significa “comentário”, seguido do numeral ordinal conforme ordem cronológica dos comentários.

RESULTADOS E DICUSSÕES

Os 2823 comentários resultaram em cinco classes: “dificuldades nas etapas para capacitação”, “aspectos financeiros envolvidos na convocação”, “condições trabalhistas no enfrentamento à pandemia”, “obrigatoriedade de capacitação x possível convocação”, “visibilidade e valorização da odontologia no combate à COVID-19”. A relação entre as referidas classes encontra-se detalhada no dendograma (Figura 1).

Figura 1 -
Dendograma com as classes obtidas a partir da Classificação Hierárquica Descendente. Pesqueira, PE, Brasil. 2020

Classe 1: “Dificuldades nas etapas para capacitação”

Na classe 1, observou-se que os comentários abordavam dúvidas e informações sobre o fluxo para operacionalização da capacitação, que envolve o cadastramento, o recebimento de e-mail, para posterior acesso ao curso de capacitação acerca da COVID-19. Os internautas relataram já ter realizado o cadastro, mas não terem recebido ou terem demorado para receber o e-mail para continuidade do processo.

Eu já fiz o cadastro, depois do primeiro cadastro, demora para receber o e-mail? (C445)

Me cadastrei e ainda não recebi nenhum formulário, até agora não recebi o e-mail para ter acesso ao curso de capacitação (C641).

Eu fiz a inscrição tem 2 dias, porém não recebi e-mail de confirmação (C1268).

O meu demorou 12 horas e mais umas 12 para conseguir acesso (C1335).

Vou tentar amanhã de novo, me inscrevi, só falta receber o link. O link congestionou por muitos acessos, mas vai funcionar (C1742).

No Brasil, o MS adotou estratégias de enfrentamento à pandemia, por meio da disponibilização do aplicativo Coronavirus-SUS, para viabilizar a informação e atendimento da população, além de direcionar ações voltadas à capacitação dos profissionais de saúde7Oliveira WK, Duarte E, França GVA, Garcia LP. How Brazil can hold back COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(2):e2020044. doi: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200023
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. Para tal capacitação, a ação estratégica intitulada “O Brasil conta comigo” versou sobre a convocação dos profissionais, para realizarem curso on-line acerca da COVID-195Ministério da Saúde (BR). Portaria MS/GM nº639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde", voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial União;2020 [cited 2020 May 15];158(64 Seção 1):76-7. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2020&jornal=515&pagina=76&totalArquivos=167
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. No entanto, os dados deste estudo demonstraram que muitos profissionais relatam dificuldade em compreender o processo de cadastro e acessar a capacitação proposta pelo programa.

Diante do exposto infere-se que as dificuldades apontadas pelos internautas podem constituir barreira para o acesso e adesão dos profissionais de saúde, no que tange ao cadastro e capacitação, ambos promovidos pelo MS. Dessa forma, observa-se a necessidade de solucionar os problemas elencados, viabilizar o acesso e melhorar a comunicação com os profissionais, referente aos possíveis atrasos e aos prazos para recebimento do link de acesso ao curso.

Em meio ao processo de trabalho durante uma doença ainda pouco conhecida e de propagação acelerada, em que profissionais de saúde precisarão estar na linha de frente, destaca-se que as capacitações têm importância, ao oferecerem aos profissionais, informações acerca do manejo clínico de pacientes contaminados pelo novo coronavírus, o que é necessário para contribuir e tornar mais seguro para os pacientes e profissionais, a prevenção, diagnóstico e tratamento da COVID-19. No entanto, é fundamental que a capacitação ocorra por processo menos burocratizado e de boa funcionalidade, com o uso de plataforma autoexplicativa, de fácil compreensão, para que não haja dificuldade no acesso, bem como suporte rápido para casos de dúvidas, caso contrário, pode acarretar falta de interesse e desistência do público alvo.

Há viabilidade de treinamento profissional, acerca da COVID-19, conforme foi observado na China, onde plataformas virtuais também foram utilizadas, com apoio do governo, para informar e educar os profissionais de saúde sobre o novo coronavírus. Inicialmente, os cursos não eram obrigatórios, o que levou a pouca adesão dos profissionais. As capacitações eram realizadas a partir de simuladores e tiveram relevante contribuição para enfrentamento da pandemia8Li L, Minjie L, Xifu W, Pinhong B, Ying L. Preparing and responding to 2019 novel coronavirus with simulation and technology-enhanced learning for healthcare professionals: challenges and opportunities in China [editorial]. BMJ Simul Technol Enhanc Learn. 20206(4):196-8. doi: https://doi.org/10.1136/bmjstel-2020-000609
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.

Classe 2: “Aspectos financeiros envolvidos na convocação”

A segunda classe, foi marcada pelo aspecto financeiro acerca da convocação para atuar na linha de frente, no enfrentamento à COVID-19. Destacaram-se os posicionamentos sobre a necessidade de clareza referente à cobertura de despesas com transporte, moradia e alimentação, além de opiniões contrárias ao trabalho voluntário.

Se formos convocados para outros estados, quem vai arcar com os custos de moradia e alimentação? (C84)

Temos que, pelo menos, receber alguma coisa para trabalhar na área, não seja voluntário sem receber pelo menos uma condição de trabalho digno (C233).

Eu estou tentando entender um país que pouco investe em educação, não tem vagas suficiente para estas profissões em instituições públicas, obrigando famílias, pagar os cursos dos filhos, agora querem que estes sejam voluntários (C956)

Aponta-se pertinência na preocupação dos profissionais, uma vez que, diante da dimensão continental do Brasil e da real possibilidade de demanda de apoio a outros Estados e regiões, tais deslocamentos culminariam na existência dos custos trabalhistas com deslocamento, alimentação e hospedagem. Cabe destacar que tais custos constituem, além de direito trabalhista, em investimento para viabilizar o reforço profissional, que impacta na qualidade da assistência prestada e, logo, na probabilidade de óbitos pela COVID-19. Tal fato é corroborado por revisão de literatura realizada na Indonésia, com 25 estudos, cujos resultados apontaram que melhores remunerações elevam desempenho, produtividade e a qualidade dos serviços de saúde, enquanto menores remunerações desencadeiam escassez de enfermeiros9Muthmainnah, Hamid AYS, Hariyati RTS. Improving nurses’ performance through remuneration: a literature review. Enferm Clin. 2018;Suppl 1:130-3. doi: https://doi.org/10.1016/S1130-8621(18)30052-4
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.

Outro aspecto financeiro presente nesta classe, foi a proporção do valor a ser recebido, diante do distanciamento da família, do risco de contrair a COVID-19 e de transmitir aos familiares. Os comentários mencionavam a baixa remuneração, ao considerar o risco de exposição do profissional e a condição de distanciamento familiar.

Acho um valor muito indigno para quem estará a frente, deixando família em casa e com risco de contrair a doença (C380).

Acho lindo esse patriotismo! Mas quem vai cuidar da nossa família? Tenho filho pequeno, sabia? Pois é, eu tenho dois e não estou disposta a deixar por 667 reais (C773).

Destaca-se que questões financeiras são relevantes para os profissionais da saúde que, para deixarem família e arriscarem infectar-se, transcendem os sentimentos positivos de ser profissional da saúde e contribuir para salvar vidas, mas precisam de incentivos e reconhecimento de diversas formas, dentre elas a financeira/salarial. Tal raciocínio dos profissionais é ancorado por referencial teórico oriundo da sociologia e antropologia, amplamente aplicado no contexto empresarial, a Teoria da Troca Social, segundo a qual a relação social entre funcionários e uma organização contratante é influenciada por uma relação custo-benefício10Ramos MP. [Social support and heath among seniors]. Sociologias. 2002;(7):156-75. Português. doi: https://doi.org/10.1590/S1517-45222002000100007
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. Nela, o comportamento humano não se limita a uma transação ou escolha realizada a partir de imperialismo econômico, mas parte de uma decisão na qual o cunho/contexto social e humano podem se sobrepor ao ganho financeiro(11). Nesse sentido, é preciso que o governo federal reconheça a magnitude da exposição dos profissionais de saúde no enfrentamento à pandemia, e, assim, possa oferecer salário digno e compatível com tal responsabilidade.

Ao considerar que a situação dos profissionais de saúde na pandemia é intrinsicamente associada a fatores estressantes, distanciamento familiar e medo de contaminação/transmissão viral, aponta-se que a soma destes à baixa remuneração eleva o contexto de fatores que interferem no adoecimento mental e podem contribuir com o absenteísmo e prejuízo à qualidade do desempenho dos profissionais.

Essa categoria apresentou ainda opinião dos internautas sobre a relação entre o amor à profissão e a necessidade de remuneração, de forma que ficou claro que amar exercer a atividade profissional não significa que o trabalho será exercido gratuitamente.

Difícil largar o emprego para ganhar menos. Amamos o que fazemos! mas, estudamos por anos para ganharmos tão pouco? Nos dê um piso salarial nacional (C154).

Vai ser no amor ou vão pagar? E os que tem um emprego fora da assistência, vão ter que abandonar pela missão? Ninguém vive de missão não (C1468).

Lembrando que não trabalho por amor e sim com amor, então preciso ser remunerado como qualquer outra profissão. Trabalho com amor, mas por dinheiro, eu não pago minhas contas com abraços e palmas na janela (C2003).

No saudável exercício profissional, os sentimentos positivos pela atividade laboral não substituem lacuna referente à remuneração. Pelo contrário, a remuneração satisfatória e compatível com a atividade desempenhada é transversal e influenciadora de tais sentimentos. Conforme observado em estudo histórico-social acerca do código de ética e contexto histórico da Enfermagem, a caridade e vocação foram marcantes nos primórdios da profissão, quando o cuidado era atrelado às instituições religiosas12Oguisso T, Takashi MH, Freitas GF, Bonini BB, Silva TA. First international code of ecthics for nurses. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180140. doi: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0140
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. Entretanto, urge a necessidade de quebra do paradigma que associa a assistência em saúde à caridade ou serviço de caráter gratuito.

Observa-se a necessidade e desejo dos profissionais da saúde, por melhores remunerações, não só nos resultados do presente estudo, mas ao observar a elevada concorrência em seleções e concursos públicos que possuem remunerações diferenciadamente maiores que a média do mercado. Enquanto as vagas que possuem baixa remuneração podem ser alvo de insatisfação trabalhista, maior evasão e rotatividade profissional, que refletem na qualidade assistencial.

Acerca da influência do aspecto financeiro na qualidade da assistência prestada, estudo realizado na Indonésia mostrou que a insatisfação salarial motivou a intenção de rotatividade de emprego, entre enfermeiros13Dewi NMUK, Januraga PP, Suarjana K. The relationship between nurse job satisfaction and turnover intention: a private hospital case study in Bali, Indionesia. In: Proceedings of the 4th International Symposium on Health Research (ISHR 2019); 2019 Nov 27-29; Bali, Indonesia. Paris: Atlantis Press; 2020. p. 599-603. doi: https://doi.org/10.2991/ahsr.k.200215.117
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. Assim, observa-se que a ausência de incentivo financeiro pode desmotivar a participação de muitos profissionais, que seriam importantes para contribuir com a assistência em saúde, no momento crítico de pandemia.

Ao considerar o momento de emergência epidemiológica, em que se confirma elevada quantidade de infecção/adoecimento e mortes de profissionais de saúde, na qual tais profissionais foram inseridos como grupo de risco de contato e contágio pela COVID-19, urge a necessidade de reflexão e ação governamental, acerca do estabelecimento de remuneração diferenciada, para os profissionais que atuem no combate à pandemia. Pois, compreende-se que apenas verbalizar reconhecimento sobre a importância dos profissionais de saúde não é suficiente para concretizar tal reconhecimento, que perpassa a remuneração.

Classe 3: “Condições trabalhistas no enfrentamento à pandemia”

A palavra mais frequente nessa categoria foi EPI. A falta do equipamento de proteção e a não confiança dos profissionais com a qualidade dos materiais foram apontadas, bem como o fato de profissionais de saúde precisarem comprar EPIs, para trabalharem com segurança. Além disso, a garantia dos mesmos foi abordada como condição mínima de trabalho, para atuação segura.

E os profissionais, contam com quem? Nem EPI esses profissionais tem! (C98)

Sem EPI para os profissionais, além de reza e palminhas, precisamos de condições de trabalho (C141).

Não confio na segurança dos equipamentos de trabalho (C796).

Que o servidor público não precise mais comprar seu próprio material para prestar um atendimento digno aos seus pacientes (C1178).

Querem que os profissionais arrisquem suas vidas sem as mínimas condições de trabalho, sem EPI, sem salário digno e com carga horária sobrecarregada! (C1662)

Se seremos obrigados a prestar atendimento o mínimo é nos darem EPI, ninguém pode ser obrigado a trabalhar sem os mesmos (C2547).

Nos apontamentos que remetem aos EPIs, percebe-se o medo e preocupação dos profissionais de saúde, quanto ao risco ocupacional relacionado ao novo coronavírus. Embora, o MS tenha lançado meios de atenção à produção, aquisição e distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI) para os trabalhadores da saúde7Oliveira WK, Duarte E, França GVA, Garcia LP. How Brazil can hold back COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(2):e2020044. doi: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200023
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, a contaminação e adoecimento dos profissionais de saúde pela COVID-19 tem sido expressiva em vários países14Grabois V. Como reduzir o risco de contágio e morte dos profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020 [cited 2020 May 30]. Available from: https://agencia.fiocruz.br/print/12425
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. Assim, para reduzir os riscos de exposição ao vírus, é essencial garantir a todos os profissionais de saúde o fornecimento de EPIs de maneira suficiente e contínua, bem como treinamento para o seu uso correto15Wang J, Zhou M, Liu F. Reasons for healthcare workers becoming infected with novel coronavirus disease 2019 (COVID-19) in China [letter]. J Hosp Infect. 2020;105(1):100-1. doi: https://doi.org/10.1016/j.jhin.2020.03.002
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).

Cabe destacar que a garantia dos EPIs é respaldada nas políticas para a saúde do trabalhador, como integrante de condições de trabalho digno para os profissionais que estão na linha de frente da pandemia. Dessa forma, aponta-se ainda que investir na segurança dos profissionais de saúde, tanto no momento da pandemia, bem como pós-pandemia, não limita-se ao direito trabalhista, preoconizado pela Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde (NR32), mas, envolve questões sanitárias, uma vez que os profissionais podem adoecer simultaneamente, o que poderá elevar a chance de infecção nosocomial e comprometer a qualidade da assistência à população.

Nesse sentido, compreende-se que investir em EPI’s é atitude responsável e sensata, no que tange a questão custo-benefício, pois reduzem o adoecimento do profissional, que pode ainda demandar afastamentos e contratações temporárias. Dessa forma, vale ressaltar que oferecer condições adequadas para o exercício profissional é responsabilidade dos gestores, que devem assumir esse compromisso em todos os níveis de saúde, com vistas garantir a proteção dos profissionais de saúde contra a COVID-1914Grabois V. Como reduzir o risco de contágio e morte dos profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020 [cited 2020 May 30]. Available from: https://agencia.fiocruz.br/print/12425
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.

Além do debate referente aos EPIs, as condições trabalhistas, elencadas como integrantes da valorização dos profissionais da saúde, foram presente nos comentários. Houve menção da necessidade de redução de jornada de trabalho para 30 horas semanais e oportunidade de primeiro emprego, como fatores de respeito aos profissionais.

Tá aí a hora de se valorizar todas as profissões da área da saúde. Todos nós merecemos respeito e melhores condições de trabalho (C40).

Espero que não só médico, mas todos os demais profissionais da saúde sejam mais valorizados, principalmente nos municípios e estados (C953).

Os profissionais da saúde contam com você na valorização do nosso trabalho, com diminuição da carga horária para 30 horas, oportunidade para o primeiro emprego, aposentadoria especial (C1330).

Elevadas cargas horárias semanais, aumentam o adoecimento ocupacional e reduzem a qualidade do trabalho. Contexto preocupante, ao considerar que as muitas horas trabalhadas pelos profissionais da saúde, já eram realidade antes da pandemia e foram intensificadas após seu início. Assim, destaca-se que, no decorrer do enfrentamento à COVID-19, o prejuízo acarretado à qualidade da assistência, devido à excessiva carga horária trabalhada, pode resultar no aumento de mortalidade.

A valorização profissional sempre foi tema que provocou angústia e reflexões aos profissionais de saúde, e foi acentuado mediante a pandemia. Conforme a OMS, tais profissionais estão na linha de frente da resposta ao surto de COVID-19 e, como tal, estão expostos não só ao riscos de contaminação pela exposição ao patógeno, mas também a longas horas de trabalho, sofrimento psicológico, fadiga, esgotamento profissional, estigma e violência física e psicológica2World Health Organization (CH) [Internet]. Geneva: WHO; c2021 [cited 2021 Jan 06]. Weekly epidemiological update - 5 January 2021; [about 1 screen]. Available from: https://www.who.int/publications/m/item/weekly-epidemiological-update---5-january-2021
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. Sobre essa questão, estudo realizado nos Estados Unidos, referente à importância de apoio aos profissionais de saúde, durante a pandemia da COVID-19, mostrou que o fornecimento de alimentos, descanso e folga adequados podem ser tão importantes quanto o fornecimento de protocolos e equipamentos de proteção, pois, com o passar do tempo, eleva-se a dificuldade e sobrecarga profissional16Adams JG, Walls RM. Supporting the health care workforce during the COVID-19 global epidemic [opinion]. JAMA. 2020;323(15):1439-40. doi: https://doi.org/10.1001/jama.2020.3972
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. Desta forma, acredita-se ser necessário que os gestores repensem as atuais condições laborais disponibilizadas aos profissionais de saúde, e, assim, impulsionem as merecidas e necessárias condições trabalhistas, não só durante a pandemia, mas após superação do contexto pandêmico.

É inegável que os profissionais de enfermagem atuam na linha de frente dos sistemas de saúde em todo o mundo, e essa realidade tem se tornado mais evidente no cenário da pandemia. Pesquisa realizada na Austrália, com o objetivo de refletir sobre a enfermagem no contexto do COVID-19, infere que, em meio à incerteza sobre o vírus e sobre o tempo necessário para retorno à rotina social, a enfermagem e a prestação de serviços de saúde se encontrarão mais fortalecidos e melhor preparados para enfrentar as futuras demandas de saúde17Jackson D, Bradburry-Jones C, Baptiste D, Gelling L, Morin K, Neville S, et al. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID-19 [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(13-14):2041-3. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.15257
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. Entretanto, cabe destacar que esse fortalecimento e melhor preparo, demandam legislação e políticas públicas que favoreçam e melhorem o investimento e incentivo no Sistema Único de Saúde (SUS), que, ao longo dos anos, foi alvo de negligência governamental e sucateamento progressivo.

Os posicionamentos dos internautas, nos comentários referentes às condições trabalhistas, consideraram também outro aspecto profissional: o acesso à oportunidade de emprego. Observou-se que houve preocupação dos profissionais de saúde recém-formados e dos que não tem experiência, em terem oportunidade de emprego após a pandemia.

Que após a pandemia os profissionais recém-formados e sem experiência tenham uma oportunidade no mercado de trabalho (C2641).

A dificuldade de inserção dos profissionais no mercado de trabalho já existia antes do contexto da COVID-19. Pesquisa realizada no Ceará, com o objetivo de analisar o mercado de trabalho de auxiliares e técnicos de enfermagem, apontou que 65,9% dos profissionais tiveram dificuldade de encontrar emprego, e que a falta de experiência profissional e de concursos públicos foram apontados como os principais motivos de dificuldade para ingresso dos recém-formados no mercado de trabalho18Silva RM, Vieira LJES, Garcia Filho C, Bezerra IC, Cavalcante AN, Borba Netto FC, et al. Labor market insecurity for nursing assistants and technicians in the State of Ceará, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):135-45. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28902019
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.

Tal contexto será agravado mediante o fim da pandemia, pois muitas vagas geradas durante a superlotação dos serviços de saúde, passarão a ser desnecessárias. Tal fato é ratificado pela Portaria nº639, que esclarece que as medidas adotadas para enfrentamento serão executadas enquanto for considerado o estado de emergência de saúde pública, em virtude da COVID-195Ministério da Saúde (BR). Portaria MS/GM nº639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde", voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial União;2020 [cited 2020 May 15];158(64 Seção 1):76-7. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2020&jornal=515&pagina=76&totalArquivos=167
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. Desta forma, compreende-se que os profissionais de saúde exercerão suas atividades laborais temporariamente, sem vínculo empregatício. Outro fator que torna legítima a preocupação dos internautas, acerca dessa temática, é que, diante da pandemia, dificuldades são potencializadas em vários setores, com destaque ao econômico, o que pode dificultar a geração de emprego em várias áreas, dentre elas a saúde.

Classe 4: “Obrigatoriedade de capacitação x possível convocação”

Observou-se, nos comentários, que alguns internautas demonstraram dúvida sobre a diferença entre a convocação para o curso de capacitação e a convocação para atuar na linha de frente, enquanto os comentários de outros internautas esclareceram as dúvidas apontadas. Tais esclarecimentos reforçaram a obrigatoriedade de realização do curso para os profissionais registrados nos conselhos profissionais.

Não sei como vai proceder, caso seja necessário fazer essa chamada emergencial (C498).

Você é obrigado a fazer o cadastro e capacitação se tiver registro no conselho profissional. Se você for inscrita em algum conselho de saúde, é obrigado a fazer o cadastro para capacitação (C502).

A princípio, esse cadastro obrigatório é para o curso de capacitação em combate ao coronavírus (C506).

Dependendo da sua resposta podem te chamar (C515).

Os códigos de ética e juramentos de formatura, proferidos pelos profissionais da saúde, contemplam seu compromisso com a vida. Tal compromisso, além de apresentar-se relevante para otimizar a redução de óbitos, consiste em condição para viabilizar a ampliação de oferta de leitos, deflagrada para enfrentamento à pandemia. Assim, ao considerar que a constante capacitação é inerente a atuação profissional, a crescente oferta de leitos culmina na necessidade de crescente realização de treinamento profissional que, no contexto de especificidades da COVID-19, ampliam sua relevância, diante da magnitude, elevada transmissibilidade, acometimento dos profissionais e crescente mortalidade, que ocorrem em escala global.

Diante da importância de capacitação, compreende-se a obrigatoriedade de participação dos profissionais, pois, a possibilidade de colapso súbito e geração de caos nos serviços de saúde, demandam que existam o máximo de pessoas treinadas, que possam contribuir para a resolução da problemática.

Nesse contexto, ao considerar a lamentável e criminosa existência de disseminação de falsas informações (fake news) e a possibilidade de notícias equivocadas sobre a COVID-19, é relevante que treinamento padronizado e com base em evidências científicas, seja ofertado por órgão oficiais, como o MS e que os profissionais não treinados por tais órgãos possuam cautela e analisem criticamente a credibilidade das fontes das informações que consultam.

Nesse contexto, o conteúdo das postagens apontou as fontes de informação consultadas pelos internautas, que foram a portaria da convocação, o website do Ministério da Saúde e entrevista com o ministro da saúde, divulgada na mídia.

O ministro da saúde foi bem claro na coletiva de hoje, se todas as pessoas que comentaram tivessem lido a portaria, não teríamos tantos argumentos e perguntas desnecessárias (C1360).

Como tem na portaria, que o profissional que não fizer o cadastro e o curso, que o conselho seria notificado (C1374).

Caso queira participar dá uma conferida no próprio site do Ministério da Saúde (C1379).

O diálogo dos internautas mostrou que houve interação entre os mesmos, a partir dos comentários, e que as fontes de informação citadas eram oficiais. À medida que alguns profissionais mostravam desconhecimento sobre o tema que envolve o seu exercício profissional, os autores dos comentários que esclareceram as dúvidas demonstraram conhecimento referente ao conteúdo da Portaria nº 639/2020, segundo a qual, todos os profissionais de saúde devem cadastrar-se para realizar a capacitação, o que não significa que serão convocados ou obrigados a atuarem em serviços de assistência a pacientes acometidos pela COVID-195Ministério da Saúde (BR). Portaria MS/GM nº639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde", voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial União;2020 [cited 2020 May 15];158(64 Seção 1):76-7. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2020&jornal=515&pagina=76&totalArquivos=167
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. Esse achado aponta a necessidade de maior empoderamento de parte dos profissionais, referente aos aspectos que envolvem sua relevante atuação na pandemia.

Classe 5: “Visibilidade e valorização da odontologia no combate à COVID-19”

Dentre todos os profissionais da equipe multidisciplinar, os comentários dos internautas destacaram os odontólogos. Houve demonstração de insatisfação, no tocante à ausência da categoria profissional em vídeo de campanha publicitária da convocação.

Pena que no vídeo que vocês fizeram nem sequer citaram a classe odontológica, cada vez mais desprezada nesse país (C248).

Estou indignada, em nome de toda a classe odontológica, com o vídeo que anda circulando nas redes sociais sobre a convocação dos profissionais da saúde. Citaram todos e se esqueceram dos cirurgiões dentistas? (C844)

Me inscrevi, mas venho aqui mostrar insatisfação ao assistir a propaganda ‘filho seu não foge à luta’ e não ver nem a minha classe citada. A maioria da população desconhece, dentista não vê só dente (C2309).

Mesmo sendo o profissional com mais risco de contaminação pelo vírus, não fomos nem mencionados do vídeo da campanha (C2455).

A reinvindicação dos internautas torna-se legítima, quando se observa que a campanha publicitária provavelmente objetivou expressar valorização e reconhecimento aos profissionais da saúde. Dessa forma, nenhuma das categorias atuantes poderia ser esquecida/negligenciada, inclusive, ao considerar que a visibilidade na mídia interfere na opinião da população e, logo, no reconhecimento e credibilidade dos profissionais.

Os autores dos comentários se identificaram como cirurgiões dentistas e listaram argumentos sobre a sua importância para enfrentamento à COVID-19. Alegaram que constituem categoria mais exposta ao risco, que atuam inclusive nos hospitais e que, mesmo durante a pandemia, continuam no atendimento de emergência odontológica da população.

Nós, cirurgiões dentistas, estamos no topo da cadeia de risco para a contaminação com o COVID-19 (C652).

Como cirurgiã dentista, lamento a não representação do cirurgião dentista como profissional de saúde no combate ao coronavírus, visto que estamos em prontidão, não paramos de atuar, atendendo às urgências e emergência de nossos pacientes (C906).

Realmente é impressionante a falta de reconhecimento, como profissional da saúde, que os dentistas têm das autoridades e da própria sociedade. Trabalhamos diretamente na boca da população, muito expostos a qualquer contaminação. Mas em toda essa situação que vivemos, em nenhum momento nem local foi citado o cirurgião dentista (C1544).

O meu protesto é pela minha classe respeite! Quantos cirurgiões bucomaxilos e dentistas hospitalares dão o sangue dia a dia nos hospitais para nem se quer serem lembrados nesse momento (C2283).

Nesse contexto, é oportuno considerar que, em virtude da transmissão por gotícula, do novo coronavírus, e contágio viral pelas mucosas orais e nasais, os profissionais de odontologia são considerados com grande potencial de risco de contaminação, pelo contato próximo e manipulação direta na cavidade oral dos pacientes19Peng X, Xu X, Li Y, Cheng L, Zhou X, Ren B. Transmission routes of 2019-nCoV and controls in dental practice. Int J Oral Sci. 2020;12(1):9. doi: https://doi.org/10.1038/s41368-020-0075-9
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. Apesar dos atendimentos eletivos odontológicos encontrarem-se suspensos, os casos de urgência e emergência são atendidos, assim, diante da variedade sintomatológica dos pacientes acometidos pela COVID-19, e da possibilidade de portadores do vírus encontrarem-se assintomáticos, configura-se cenário desafiador para segurança do profissional cirurgião-dentista20Maia ABP, Reis VP, Bezerra AR, Conde DC. Dentistry during the COVID-19 pandemic: integrative review and proposed protocol for the Rio de Janeiro State Military Police Dental Care Units. Rev Bras Odontol. 2020 [cited 2020 Apr 12];77:e1812. Available from: http://revista.aborj.org.br/index.php/rbo/article/view/1812
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. Dessa forma, aponta-se que tais profissionais atuam nos cuidados à saúde bucal da população, e que, como integrantes da equipe multiprofissional de saúde, devem ser lembrados pelo Ministério da Saúde em campanhas publicitárias e ter acesso a capacitação voltada ao enfretamento da COVID-19.

CONCLUSÃO

Os comentários nas postagens de convocação de profissionais de saúde para enfrentamento à COVID-19 contemplaram dificuldades de acesso à capacitação, por demora ou ausência de recebimento de e-mail com o link para realização do curso; aspectos financeiros, referentes à cobertura de despesas com transporte, alimentação e hospedagem e ao valor da remuneração para atuação na assistência, frente ao risco de contaminação e distanciamento da família; condições trabalhistas, como jornada de trabalho, e disponibilização de EPIs; a obrigatoriedade para capacitação e possível convocação para atuar na linha de frente no combate à COVID-19; e a reinvindicação por maior valorização e visibilidade da odontologia, no combate à COVID-19.

O presente estudo possui como limitação o fato de ter ocorrido em três redes sociais, de forma que seus achados podem não corresponder à realidade encontrada em redes sociais distintas. Além disso, foram analisados os comentários na primeira postagem das redes sociais do MS, o que pode divergir do conteúdo dos comentários existentes em postagens posteriores, que contemplem a convocação para capacitação. Outra limitação refere-se ao fato de terem sido investigados comentários de públicos específicos, que utilizam as redes sociais, de forma que a realidade encontrada pode não corresponder à opinião dos profissionais de saúde que não fazem uso de redes sociais ou dos que não registram seus comentários em tais redes.

Os resultados desse estudo contribuem para desvelamento dos comentários, opiniões e das reações dos internautas, frente à convocação. Tais achados podem direcionar campanhas de esclarecimento e redirecionamento de condutas que envolvam nova convocação. Ademais, contribuem com o estado da arte acerca da atuação dos profissionais de saúde, no enfrentamento à pandemia da COVID-19.

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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