Resumos
Este artigo apresenta uma reflexão teórica sobre a metodologia da pesquisa-ação enquanto estratégia alternativa ao modelo convencional de investigação científica. Contextualiza a metodologia a partir de dois estudiosos da temática, que propõem modelos estruturais distintos: o ciclo de investigação-ação e o modelo de fases flexíveis. Aponta exemplos de utilização da pesquisa-ação a partir de estudos realizados por enfermeiros. Considera-se modalidade que vem sendo cada vez mais adotada nos espaços do cuidado, bem como no processo educativo, apontando para a necessidade de maior aprofundamento teórico, a fim de que a estratégia possa ser ferramenta útil na prática investigativa do enfermeiro.
Metodologia; Pesquisa qualitativa; Pesquisa em enfermagem
The present paper shows a theoretical reflection on action research methodology as an alternative strategy to the conventional model of scientific investigation. Methodology is discussed from the perspective of two scholars who propose two different structural models: actioninvestigation cycle and flexible stage model. We provide examples of the use of action research from studies carried out by nurses. Action research is an emergent model which is being more and more adopted in educational and nursing fields, reflecting the necessity of deeper theoretical knowledge and revealing itself as a useful instrument in nursing research.
Methodology; Qualitative research; Nursing research
El artículo presenta una reflexión teórica acerca de la metodología de la investigación - acción en cuanto a la estrategia alternativa del modelo convencional de la investigación científica. Contextualiza la metodología a partir de dos especialistas de la temática, que proponen modelos estructurales distintos: el ciclo de investigación-acción y el modelo de fases flexibles. Apunta ejemplos de la utilización de la investigación-acción a partir de estudios realizados por enfermeros en áreas de desarrollo profesional. Se considera una modalidad que viene siendo cada vez más adoptada en las áreas del cuidado, así como en el proceso educativo, apuntándole a la necesidad de mayor profundización teórica, a fin de que la estrategia pueda ser una herramienta útil en la práctica investigativa del enfermero.
Metodología; Investigación cualitativa; Investigación en enfermería
ARTIGO DE REFLEXÃO
Pesquisa-ação: contribuição para prática investigativa do enfermeiroa a Metodologia de pesquisa utilizada pelas autoras no Projeto "Intervenções terapêuticas em saúde mental: uma proposta para redução do estigma", desenvolvido na Universidade Federal do Piauí (UFPI), Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.
Investigación-acción: contribución en la práctica investigativa del enfermero
Research-action: contribution of investigator of nurse in practice
Claudete Ferreira de Sousa MonteiroI; Maria Rosilene Cândido MoreiraII; Edina Araújo Rodrigues OliveiraIII; Maria Edileuza Soares MouraIV; Jonhatan Veloso CostaV
IDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Curso de Graduação e do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem da UFPI, Cidade, Piauí, Brasil
IIEnfermeira Especialista em Saúde da Família e em Saúde Mental, Mestranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Professora Auxiliar do Curso de Enfermagem da UFPI, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros, Bolsista do Projeto "Intervenções terapêuticas em saúde mental: uma proposta para redução do estigma" (CNPq/UFPI), Cidade, Piauí, Brasil
IIIEnfermeira Especialista em Saúde da Família, Professora Auxiliar do Curso de Enfermagem da UFPI, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros, Bolsista do Projeto "Intervenções terapêuticas em saúde mental: uma proposta para redução do estigma" (CNPq/UFPI), Cidade, Piauí, Brasil
IVEnfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí, Cidade, Piauí, Brasil
VGraduando em Enfermagem da UFPI, Bolsista Iniciação Científica/CNPq, Cidade, Piauí, Brasil
Endereço da autora Endereço da autora: Maria Rosilene Cândido Moreira Rua Cicero Eduardo, s/n, Bairro Junco 64600-000, Picos, PI E-mail: rosilene@ufpi.edu.br
RESUMO
Este artigo apresenta uma reflexão teórica sobre a metodologia da pesquisa-ação enquanto estratégia alternativa ao modelo convencional de investigação científica. Contextualiza a metodologia a partir de dois estudiosos da temática, que propõem modelos estruturais distintos: o ciclo de investigação-ação e o modelo de fases flexíveis. Aponta exemplos de utilização da pesquisa-ação a partir de estudos realizados por enfermeiros. Considera-se modalidade que vem sendo cada vez mais adotada nos espaços do cuidado, bem como no processo educativo, apontando para a necessidade de maior aprofundamento teórico, a fim de que a estratégia possa ser ferramenta útil na prática investigativa do enfermeiro.
Descritores: Metodologia. Pesquisa qualitativa. Pesquisa em enfermagem.
RESUMEN
El artículo presenta una reflexión teórica acerca de la metodología de la investigación acción en cuanto a la estrategia alternativa del modelo convencional de la investigación científica. Contextualiza la metodología a partir de dos especialistas de la temática, que proponen modelos estructurales distintos: el ciclo de investigación-acción y el modelo de fases flexibles. Apunta ejemplos de la utilización de la investigación-acción a partir de estudios realizados por enfermeros en áreas de desarrollo profesional. Se considera una modalidad que viene siendo cada vez más adoptada en las áreas del cuidado, así como en el proceso educativo, apuntándole a la necesidad de mayor profundización teórica, a fin de que la estrategia pueda ser una herramienta útil en la práctica investigativa del enfermero.
Descriptores: Metodología. Investigación cualitativa. Investigación en enfermería.
ABSTRACT
The present paper shows a theoretical reflection on action research methodology as an alternative strategy to the conventional model of scientific investigation. Methodology is discussed from the perspective of two scholars who propose two different structural models: actioninvestigation cycle and flexible stage model. We provide examples of the use of action research from studies carried out by nurses. Action research is an emergent model which is being more and more adopted in educational and nursing fields, reflecting the necessity of deeper theoretical knowledge and revealing itself as a useful instrument in nursing research.
Descriptors: Methodology. Qualitative research. Nursing research.
INTRODUÇÃO
Fruto da consolidação da Enfermagem como saber científico a partir dos constructos de Florence Nightingale, denominada Enfermagem Moderna, as práticas profissionais dos enfermeiros fundaram-se em conceitos e teorias específicas da profissão, exigindo-se que esses profissionais adotassem postura crítica e reflexiva, utilizando o raciocínio crítico para a tomada de decisões(1).
Tal exigência fez despontar, no âmbito da comunidade de Enfermagem, pressupostos diversos, cuja contribuição significou a elaboração do corpus teórico da profissão, favorecendo ao enfermeiro o fazer articulado ao pensar, sendo esse binômio ressignificado e ampliado constantemente pelo conhecimento produzido através da pesquisa(1).
Sob este prisma, a produção do conhecimento em Enfermagem tem se apropriado do método científico como eixo estruturante, a partir do qual os problemas do cotidiano de trabalho são explorados, buscando-se solucioná-los. O processo investigativo ocorre, então, como elemento cada vez mais essencial, na práxis do enfermeiro.
Considerada área integrante das Ciências Sociais, a Enfermagem se apropria de alguns métodos de pesquisa social para investigar fenômenos pertinentes a prática profissional. Dentre as abordagens utilizadas (qualitativa e quantitativa), a qualitativa tem sido amplamente adotada pelo fato de permitir ao enfermeiro vislumbrar a realidade, sem a interferência dos cálculos estatísticos. Consiste na investigação dos aspectos subjetivos, que incluem os significados, as crenças e as atitudes humanas(2), conferindo sua característica primordial de compreender o fenômeno a partir dos sujeitos nele envolvidos. Assim, a abordagem qualitativa permite ao enfermeiro a descoberta dos campos empíricos fenomenológicos, a adoção de estratégias metodológicas específicas, utilização de técnicas e instrumentos de pesquisa, através dos quais é mantidos o rigor científico e os resultados da investigação podem ser evidenciados.
As pesquisas são também classificadas em virtude do objetivo ao qual se propõem em exploratórias, descritivas e explicativas. Dentre as pesquisas realizadas pelos enfermeiros, destacam-se a do tipo exploratória, que tem como escopo aproximar o pesquisador do objeto de estudo, possibilitando maior familiaridade em relação ao fenômeno; e a do tipo descritiva, que visa descrever com exatidão a realidade estudada a partir das variáveis estabelecidas, favorecendo a compreensão da mesma pelas características apresentadas e sua relação com o problema proposto(3). Alguns estudos são desenhados considerando-se simultaneamente as duas classificações, caracterizando o tipo exploratório-descritivo, através do qual o pesquisador consegue tornar o fenômeno conhecido, estabelecer hipóteses e ainda perceber a dinâmica relacional existente entre as variáveis emergentes e o problema investigado.
Nesse contexto, o método adotado, juntamente com o tipo de pesquisa escolhido e os procedimentos empregados para operacionalizar a coleta e a análise das informações permite definir o delineamento do estudo. Assim, tem-se a pesquisa bibliográfica, documental, ex-post-facto e participante como exemplos de delineamentos utilizados.
Uma estratégia alternativa de pesquisa, denominada pesquisa-ação, tem sido empregada nos estudos desenvolvidos no campo da saúde, bem como na Enfermagem, como uma proposta que se adequou ao método qualitativo, proporcionando uma interação entre o pesquisador e o sujeito investigado. Nesse método o conhecimento trazido pelo sujeito torna-se ponto de partida para a reflexão e reconstrução desse conhecimento por meio do processo participativo.
A pesquisa-ação é, pois um tipo de pesquisa aplicada no campo das Ciências Sociais significando um processo simultâneo de investigação e ação, cuja intenção primordial é o conhecimento e a resolução do problema coletivo a partir dos fatos observados, culminando na transformação dos pesquisadores e dos participantes envolvido no contexto social, sítio do problema(4). É uma estratégia metodológica para as pesquisas aplicadas, pois se direciona para a identificação de problemas e respectivas soluções(5), constituindo elemento favorável e útil nas investigações da área de Enfermagem.
Este estudo se propõe a apresentar uma reflexão teórica sobre a metodologia da pesquisa-ação, destacando seu planejamento e elaboração, bem como sua aplicabilidade na prática investigativa do enfermeiro.
Pesquisas sociais: do método convencional para uma proposta alternativa
No contexto da investigação científica, o método quantitativo tem sido tradicionalmente adotado em estudos da área de saúde, a fim de evidenciar sua importância na generalização dos fatos inferidos. Contudo, nas pesquisas qualitativas, diversos temas têm sido explorados, conferindo igual relevância, por meio da riqueza de informações e da abrangência que esses estudos propiciam.
A Enfermagem busca ampliar o corpus teórico da profissão por meio da realização de pesquisas tanto quantitativas quanto qualitativas, viabilizadas por estratégias metodológicas que melhor se adequem ao tipo escolhido. Dentre essas estratégias está a pesquisa-ação, que é utilizada quando há interesse coletivo na resolução de problemas(6).
A origem deste tipo de pesquisa ainda é incerta, no entanto atribui-se a autoria do termo a Kurt Lewin, psicólogo alemão que na década de 40 utilizava essa estratégia em seu trabalho de treinamento de grupos de mães norte-americanas, denominados T-groups (grupos de treinamento)(3,7,8). Essas mulheres eram investigadas quanto aos seus hábitos e preferências alimentares no intuito de modificá-los(9).
Cronologicamente, a trajetória dessa metodologia de pesquisa está ancorada em dois períodos, sendo o marco referencial do primeiro período as concepções de Kurt Lewin (1940-1960), após o qual se inicia o segundo período, chegando aos dias atuais(10).
Um aspecto desta modalidade de pesquisa é que a investigação geralmente decorre da relação estabelecida entre um grupo de pesquisadores e um grupo de sujeitos da investigação, através de momentos de vivência e discussão entre ambos, atingindo assim, dois tipos de objetivos: os práticos, por meio de levantamento de propostas de ação a fim de solucionar o problema posto; e os de conhecimento, proporcionando a ampliação do conhecimento de determinadas situações que seriam difícil acesso pela metodologia convencional(4).
Convém estabelecer alguns aspectos que melhor exibem a diferenciação entre pesquisa convencional e pesquisa-ação. No primeiro tipo de pesquisa, são valorizados os aspectos individuais, a partir da coleta de opiniões, atitudes, motivações e comportamentos, que podem ser obtidos pela aplicação de questionários, entrevistas ou escalas de valores, não ocorrendo à busca de transformação da situação real. Porém, na pesquisa-ação, estudam-se dinamicamente os problemas, decisões, conflitos e tomadas de consciência que se fazem durante o processo de transformação da realidade encontrada. Nessa pesquisa, adotam-se o seminário, as reuniões e, quando pertinentes, a entrevista e a documentação, bem como as técnicas para diagnóstico situacional, resolução de problemas, mapeamento de representações e técnicas de divulgação e/ou comunicação, conforme a finalidade básica do estudo.
Evidencia-se, portanto, que a pesquisa-ação apropria-se de métodos e técnicas da pesquisa social, tornando-se uma estratégia complexa e abrangente, de caráter coletivo, participativo e ativo na obtenção de informações e na tomada de decisões para transformação da realidade.
Alguns autores utilizam o termo pesquisa participante e pesquisa-ação como expressões sinônimas, porém, percebe-se que há uma sutil diferença entre esses dois modos de investigação, requerendo maior aprofundamento nesses conceitos.
Na pesquisa-ação entende-se que, além da participação dos atores sociais, existe uma forma de ação planejada que pode assumir aspecto social, educacional, técnico ou outro, que nem sempre ocorre nas pesquisas do tipo participante(4). Porém, ambas pertencem ao tronco das ciências sociais e, portanto, podem ser vistas com mesma origem metodológica, constituindo alternativa ao padrão de pesquisa convencional.
Assim, pode-se admitir que toda pesquisa-ação é, por excelência, participante, mas o contrário não ocorre, pois a segunda utiliza a observação participante como técnica básica do estudo, enquanto que, na pesquisa-ação, o foco principal situa-se na realização de reuniões e seminários formados por pesquisadores e sujeitos envolvidos.
Para dar maior singularidade a esse tipo de pesquisa, três elementos são mencionados pelos autores frente à definição do termo: a participação dos sujeitos, a democracia no processo e a contribuição dada às ciências sociais e à mudança social. O caráter participativo é condição fundamental para a pesquisa-ação; demanda que os sujeitos envolvidos percebam a necessidade de mudança e queiram exercer papel ativo nesta. A democracia usualmente requer que os participantes sejam vistos como iguais ao pesquisador. Como resultado deste tipo de pesquisa tem-se sua capacidade de influenciar positivamente a prática dos sujeitos investigados no decorrer do estudo, que será compartilhada com um público mais amplo, refletindo seu caráter social(4).
Compreende-se então que um estudo adotará a metodologia da pesquisa-ação quando houver necessidade de mudanças no contexto social, evidenciadas pelo estudo e discussão do problema observado, conseqüente às reuniões dos atores envolvidos (pesquisadores e participantes), consistindo numa ação não-trivial(4), sendo capaz de transformar o cenário atual.
PLANEJAMENTO E ELABORAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO
A elaboração de uma pesquisa-ação segue modelo essencialmente flexível. Embora contenha fases ordenadas, seu planejamento pode dar-se de maneira sequencial ou simultânea, dependendo da dinâmica relacional do grupo de pesquisadores com a situação problematizadora a ser investigada.
Um modelo para descrever a metodologia da pesquisa-ação consiste no diagrama de representação em quatro fases(8). Através do desenho proposto, pesquisas que visam investigar o campo empírico e agir sobre este formam dois pólos extremos: pólo investigação e pólo ação, que se encaixam nas características do ciclo: planejar agir descrever avaliar, denominado "ciclo da investigação-ação".
Em linhas gerais, o diagrama tem em um de seus lados o pólo investigação, no qual se identifica o problema social e suas possíveis soluções, e no lado oposto o pólo ação, onde decorre todo o processo de intervenção. Limitados por esses pólos, o ciclo apresenta-se em 4 fases, sendo a fase 1 (planejar) o momento em que são estabelecidas as metas para mudança da realidade; na fase 2 (agir) as ações planejadas são executadas; na fase 3 (descrever) há o acompanhamento do alcance dessas ações e na fase 4 (avaliar) ocorre a avaliação dos resultados atingidos, iniciando-se novo ciclo.
Didaticamente, o ciclo da pesquisa-ação está disposto em três fases, denominadas fases de ação, assim consideradas para dar um encadeamento mais ordenado e clarificar as fases da investigação-ação anteriormente mencionada(8).
Assim, o ciclo da pesquisa-ação contempla todas as atividades do ciclo básico de investigação-ação e utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática, contendo técnicas que atendam aos critérios exigidos em outros tipos de pesquisa acadêmica, tais como significância, originalidade e validade(8).
Sob outro prisma, outro estudo da temática também estabelece fases no planejamento da pesquisa-ação, porém reconhece que as mesmas também são flexíveis, não seguindo obrigatoriamente uma ordenação rígida(4). Assim, existem diversos caminhos para sua organização e execução, considerando também a existência de pólos extremos, denominados ponto de partida e ponto de chegada(4,6), que devem ser rigorosamente preservados para validar o método.
O ponto de partida ou primeira fase da pesquisa-ação, proposta no estudo citado anteriormente (fase exploratória), representa a descoberta do campo empírico, no qual se situam os sujeitos da investigação e os problemas existentes. Esse é o momento dedicado ao estabelecimento dos primeiros contatos com esses sujeitos, dos quais os pesquisadores passam a identificar expectativas e problemas específicos, estabelecendo um diálogo situacional, enquanto os demais membros da equipe de pesquisa coletam informações relacionadas à temática do estudo (literatura e documentação pertinentes). Nessa fase, estabelecem-se os objetivos da pesquisa, considerando-se os problemas prioritários, o campo empírico, os participantes e as ações planejadas(4).
A segunda fase consiste em concretizar o tema da pesquisa e sua delimitação. Divergente dos métodos convencionais, na pesquisa-ação esta etapa realiza-se a partir de um processo de discussão promovidos entre pesquisadores e participantes. Tem-se, portanto, a formulação do tema e sua delimitação, que se apresenta com característica descritiva, pelo fato de pormenorizar a realidade fenomênica, bem como normativa(4), pois a melhoria que se busca pela transformação da realidade sempre supõe um ideal de realidade elaborado pelos sujeitos do estudo.
Após a definição do tema delimitado, o próximo passo (fase 3: colocação dos problemas) consiste em especificar os problemas para os quais a investigação será direcionada. Estes problemas são, no caso da pesquisa-ação, a priori, de ordem prática. Significa que a pesquisa irá buscar soluções para transformar uma situação observada(4).
Outro ponto fundamental da pesquisa-ação (fase 4: o lugar da teoria) consiste em adotar um referencial teórico que dê sustentação às discussões e interpretações emergentes das reuniões e seminários realizados e fundamente o raciocínio do grupo. Pesquisadores e participantes devem utilizar a referência teórica em todas as fases da pesquisa por ser útil na formulação dos argumentos que devem ser considerados no percurso investigativo, além de conferir cientificidade ao método(3,6).
Também o uso de hipóteses (fase 5) se faz pertinente nesta modalidade de pesquisa. Todavia, a formulação das hipóteses diverge daquela elaborada nas pesquisas convencionais, pelo fato de não pretender estabelecer relação causal entre variáveis. A hipótese qualitativa na pesquisa-ação pretende estabelecer que uma variável tenha relação com outra, porém, com implicações não-causais, cuja verificação se dá unicamente no contexto social alvo da ação(4).
Em seguida (fase 6), inicia-se a realização de seminários, compostos por pesquisadores e sujeitos da investigação, onde os assuntos debatidos em cada sessão devem ser registrados em atas e analisados posteriormente. Sob esse aspecto, o campo de observação a ser investigado e transformado deve ser específico (fase 7: campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa), principalmente se seu tamanho for muito grande(4).
Não há consenso sobre a necessidade de utilização dos critérios de amostragem e representatividade na pesquisa-ação, pois alguns autores consideram que o resultado satisfatório da mudança coletiva só será alcançado se contemplar a totalidade da população envolvida; porém, outros estudiosos são favoráveis ao uso de técnicas estatísticas de seleção dos participantes que representarão o conjunto da população. Há ainda uma terceira posição em que se sugere o uso de critérios qualitativos de escolha dos participantes, consistindo na seleção intencional daqueles considerados informantes-chave, que exercem papel especial no campo empírico(4).
Definidos os atores (sujeitos participantes), esses passarão a se reunir com os pesquisadores para discutirem os problemas vislumbrados e tomarem decisões. Durante essas reuniões (seminários), a coleta de dados (fase 8) é efetuada, através da utilização de procedimentos e instrumentos diversos, tais como a entrevista coletiva, entrevista individual e anotações em diário de campo, observação participante, histórias de vida, sociodrama e outras técnicas consideradas antropológicas, além dos instrumentos adotados nos estudos convencionais, como o questionário(4). Nessa proposta, é também usuais o emprego de técnicas documentais, como jornais, filmes e outros materiais audiovisuais relacionados.
Fruto das discussões e tomada de decisão fundamentada pelo referencial teórico visitado, a aprendizagem do grupo (fase 9) consolida-se, formando um corpus teórico-prático, em que há combinação entre o conhecimento teórico dos pesquisadores com o saber dos participantes. Nesse ínterim, todos os envolvidos apropriam-se do saber produzido, havendo a fusão saber formal/saber informal (fase 10), a fim de combater a prevalência de um sobre o outro(4).
De posse do novo saber e com vistas ao alcance das metas estabelecidas no ponto de partida da investigação, o próximo passo consiste na elaboração de um plano de ação (fase 11), através do qual, pesquisadores e participantes elaboram o que precisa ser feito ou transformado para solucionar o problema investigado. Diversos são os tipos de ação que emanam desse tipo de pesquisa: educativa, comunicativa, técnica, política, cultural, de caráter individual ou coletivo(4). Necessário se faz que seja especificado o tipo de ação proposta, para que todos os envolvidos no processo possam raciocinar em sentido único e possam avaliar posteriormente essas ações.
Como última etapa da pesquisa-ação ou ponto de chegada (fase 12), ocorre à divulgação externa dos resultados da pesquisa aos participantes, bem como em encontros de natureza científica e nos meios de comunicação acadêmica (revistas, jornais e demais publicações seriadas)(6). Confere-se o resultado satisfatório da pesquisa a partir da transformação da realidade ou da conscientização por parte dos envolvidos no estudo. Especificamente nas pesquisas de ação comunicativa, na qual se intenciona elaborar um material próprio de comunicação (panfleto, cartilha, jornal, vídeo) sua criação ou funcionamento significam o resultado positivo da investigação(4).
A PESQUISA-AÇÃO NA PRÁTICA INVESTIGATIVA DO ENFERMEIRO
Inicialmente aplicada nas áreas de educação, comunicação social, serviço social, organização e tecnologia, a pesquisa-ação encontra-se agregando valor a partir de sua utilização numa variedade de disciplinas baseadas na prática(5). Analise-se o fato de que sua utilização tem sido crescente nas pesquisas em saúde, especialmente no tocante ao processo de cuidado humano, podendo ser visualizada na medicina preventiva, medicina do trabalho e no campo da saúde mental(4), bem como nos diversos espaços do exercício profissional do enfermeiro, seja na saúde coletiva, assistência hospitalar ou docência(6). Isto contribui para que a metodologia alternativa seja um método bastante eficaz e apropriado para a produção do conhecimento científico do enfermeiro, além de propiciar a combinação de conhecimentos técnicos e sociais entre pesquisadores e participantes.
Especificamente no âmbito da Enfermagem, diversos são as questões de pesquisa que podem ser investigadas, esclarecidas e/ou resolvidas por intermédio da pesquisa-ação. O envolvimento dos profissionais nesse processo garante não apenas maiores possibilidades de solucionar os problemas rotineiros encontrados na prática profissional, mas também a obtenção de diferentes conhecimentos que tenham maior significância para os sujeitos envolvidos no processo(5).
Embora considerada uma metodologia em uso crescente é ainda escassa nas publicações de Enfermagem e entre os estudos publicados. Todavia, é possível observar que a pesquisa-ação tem sido adotada em algumas situações que envolvem a assistência direta ao cliente, nas atividades de educação em saúde e na prática docente, denotando a abrangência do método na prática investigativa do enfermeiro.
A assistência de enfermagem pode ser investigada por intermédio da modalidade denominada investigação convergente-assistencial, através da qual o enfermeiro, ao estabelecer a relação terapêutica na prestação do cuidado, identifica problemas de saúde, lista prioridades para solucioná-los e avalia o alcance de suas ações na transformação da situação do cliente sob seus cuidados. Esse tipo de modalidade, pela sua característica primordial, que é a coleta de dados freqüente realizada pelo enfermeiro para conduzir sua prática assistencial, constitui um tipo de pesquisa-ação(3), aplicável em qualquer situação que exija cuidado de Enfermagem, uma vez que tem estreita relação com o processo assistencial, viabilizado pelo processo de Enfermagem.
Na esfera do gerenciamento, a pesquisa-ação teve alcance positivo em estudo realizado por um grupo de professoras do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), que buscou analisar o processo e reestruturar o instrumento de avaliação de desempenho profissional de Enfermagem do Hospital Universitário (HU) da referida Universidade(11).
No campo da educação em saúde, outro estudo desenvolvido com um grupo de gestantes que freqüentavam o ambulatório do mesmo hospital universitário, teve o objetivo de verificar a percepção das integrantes sobre a metodologia da pesquisa-ação, sendo considerada estratégia positiva pelas entrevistadas(12).
Como atividade comunicativa, a pesquisa-ação realizada por enfermeiros e docentes de cursos de enfermagem pode concretizar-se com a elaboração de material didático ou outras formas de comunicação (jornais, panfletos, cartilhas, vídeos), com a finalidade de desencadear transformações não somente dos participantes, mas de outros grupos, essencialmente sob o aspecto discursivo.
Outro campo de atuação dessa modalidade de pesquisa é no ensino superior. As escolas de enfermagem encontram, pelo uso da pesquisa-ação, soluções relativas ao processo ensino-aprendizagem, não somente na relação entre professor e aluno, mas também entre professores das diversas disciplinas.
Em estudo desenvolvido por professoras do curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina, Paraná, ministrantes da disciplina Fundamentos de Enfermagem, permitiu verificar que, embora utilizando a denominação de pesquisa participante, essa metodologia permitiu um melhor planejamento das atividades didáticas da disciplina, a partir de reuniões semanais nas quais os problemas identificados eram postos em discussão entre os membros, e as propostas para solucioná-los acatadas por todos(13).
Também tem sido aplicada para criar espaço para empowerment de mulheres, como foi o estudo desenvolvido com um grupo de mulheres brasileiras imigrantes em Melbourne, Austrália. Nesse Neste estudo, por meio da pesquisa-ação criou-se um pessoal e político capaz de acionar o empowerment das participantes, através da filiação em grupo, dos laços comunitários e da ação coletiva(14).
Evidencia-se, portanto, a adequação da pesquisa-ação nas investigações em Enfermagem, independente do modelo estrutural adotado, em virtude da sua aplicabilidade versátil e abrangente no cotidiano de trabalho do enfermeiro. Seja no delineamento assistencial executado em ambientes de prestação do cuidado, em atividades educativas ou de gerenciamento de serviços, a pesquisa-ação tem sido utilizada pelo enfermeiro-pesquisador e os resultados positivos emergem desse processo em escala crescente, fato que vem despontando nas publicações da categoria.
Necessário se faz que, ao optar pela metodologia alternativa, que o enfermeiro execute suas etapas com o rigor do método(6), validando seus achados fenomênicos, transformando o contexto social estudado e corroborando assim para fortalecer o reconhecimento social da Enfermagem e socializando o conhecimento produzido, pois "produzir e divulgar o conhecimento com o objetivo de apresentar à comunidade científica a construção do saber e fazer, em enfermagem, é hoje uma necessidade, tendo em vista a importância, no cenário mundial, dos méritos da profissão que são destacados cada vez mais por meio das publicações dos enfermeiros"(15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta central do presente artigo foi propor uma reflexão sobre a pesquisa-ação como um tipo de metodologia de pesquisa empregada por estudiosos de diversos campos do saber e que vem sendo adotada progressivamente por pesquisadores enfermeiros quando da necessidade de realizar o processo investigativo na práxis de enfermagem. Essa metodologia, por ser uma estratégia de pesquisa composta por ciclo ou fases, permite ao enfermeiro adotá-la nos estudos que possuam maior período de tempo para serem desenvolvidos. Por se tratarem de passos flexíveis, suas etapas podem ser alteradas à medida que a realidade empírica modifica seu contexto.
Considera-se que o enfermeiro tem decisivo papel a desempenhar no processo de produção do conhecimento científico de sua profissão, a partir do exercício investigativo que pode, e deve abranger metodologias alternativas para melhor instrumentalizar o raciocínio crítico desse profissional nos campos de atuação, quer seja na assistência de enfermagem, no processo de educação em saúde ou no exercício da docência.
Assim, a metodologia da pesquisa-ação proposta nessa reflexão pode contribuir para potencializar resultados de pesquisas em enfermagem nas quais os sujeitos envolvidos fazem parte do contexto coletivo dos problemas evidenciados, e são capazes, com a utilização desse método, de explorar, agir, avaliar e consequentemente transformar o contexto do grupo de participantes, contribuindo para a conscientização coletiva no processo de mudança.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento do Projeto "Intervenções Terapêuticas em Saúde Mental: uma proposta para redução do estigma" (processo n° 5752012008-8), do qual se originou o presente estudo.
Recebido em: 06/04/2009
Aprovado em: 21/12/2009
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Out 2010 -
Data do Fascículo
Mar 2010
Histórico
-
Recebido
06 Abr 2009 -
Aceito
21 Dez 2009