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O "ACONTECIMENTO 1968" BRASILEIRO: REFLEXÕES ACERCA DE UMA PERIODIZAÇÃO DA CULTURA DE CONTESTAÇÃO ESTUDANTIL1 1 Artigo não publicado em plataforma de preprint. Sua primeira versão foi apresentada no “Colloque Un moment 1968 en Amérique Latine? Dialogues comparatistes”, realizado em março de 2018, no Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine, Paris - França. Os documentos, escritos e orais, utilizados no artigo pertencem ao acervo do projeto Memória do Movimento Estudantil-Museu da República. As demais bibliografias empregadas encontram-se todas referenciadas. A autora agradece a leitura e as sugestões de Maurício Parada, Alexandre Avelar e Marieta Moraes de Ferreira, bem como dos pareceristas anônimos da Revista de História. Igualmente agradece às agências CNPq e Faperj pelos auxílios que possibilitaram o trabalho de pesquisa.

THE BRAZILIAN "1968 EVENT": REFLECTIONS ON A PERIODIZATION OF THE STUDENT'S CONTESTATION CULTURE

Resumo

Ao longo das décadas de 1960 e 1970 pôde ser vista em escala mundial a eclosão de movimentos de contestação, oriundos de uma juventude engajada, cuja circulação de referências, atores e repertórios foi reinterpretada de acordo com as diferentes conjunturas nacionais, abrindo, dessa maneira, diferentes possibilidades de atuação para os movimentos estudantis, a saber, dentre outras: as guerras revolucionárias de libertação nacional; a rejeição da política tradicional; a defesa das universidades; a inclusão dos valores da contracultura e a emergência de novos movimentos sociais. A partir da produção historiográfica sobre o tema e utilizando documentos de naturezas diversas, o artigo reflete sobre a periodização da "época 68" do movimento estudantil brasileiro, analisando-a a partir de seu acontecimento, que possibilitou a ampliação do repertório de contestação contra a ditadura militar, mostrando como essas diferentes influências aparecem no caso brasileiro através das suas rupturas e continuidades.

Palavras-chave
Época 1968; movimento estudantil; acontecimento; repertório; ditadura militar

Abstract

Throughout the 1960s and 1970s, it was possible to see on a global scale the outbreak of protest movements, originating from an engaged youth, whose circulation of references, actors and repertoires was reinterpreted according to the different national contexts, thus opening different possibilities of action for student movements, namely, among others: the revolutionary wars of national liberation; the rejection of traditional politics; the defense of universities; the inclusion of counter-cultural values and the emergence of new social movements. Based on the historiographic production on the theme and using documents of various natures, the article reflects on the periodization of the "68s" of the Brazilian student movement, analyzing it from its event, which made it possible to broaden the repertoire of contestation against the military dictatorship, showing how these different influences appear in the Brazilian case through its ruptures and continuities.

Keywords
1968 Era; Student Movement; Event; repertoire; military ditactorship

O longo ano de 1968 pode ser entendido por meio da ideia de um mundo em movimento: como um momento de contestação mundial em que sobretudo os estudantes e o movimento estudantil (ME) tiveram papel central. Em escala mundial desencadeou-se uma cultura de contestação contra "a burocracia dominante", como disse a filósofa alemã Hannah Arendt (1994)ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.. Foram diversos os fatores que levaram às contestações, muitos deles respostas a problemas referentes a conjunturas locais. Entre as questões mais importantes e visíveis estavam as guerras revolucionárias de libertação nacional (no caso do Vietnã, Cuba e Argélia); a rejeição da política tradicional, incluindo os paradigmas tradicionais da esquerda e seus modelos de comando verticais - lembrando aqui a importância da questão da autogestão, tema fundamental do maio francês; a defesa das universidades, bandeira defendida por estudantes latino-americanos, em especial argentinos, chilenos e uruguaios; a inclusão no repertório estudantil dos valores da contracultura e a emergência de novos movimentos sociais, referência maior do caso americano.

Mas é possível traçar paralelos entre o 68 brasileiro e o "global"? É possível pensar uma "duração estendida" para o 68 brasileiro? Que repertório de ação o ME adquiriu e utilizou durante esse tempo? Ou seriam repertórios? E mais: podemos fixar uma baliza temporal para essa época? Minha ideia é apontar alguns elementos para pensar essas questões. Nesse sentido, este artigo pretende refletir, a partir da produção historiográfica sobre o tema e com base em documentos de naturezas diversas, sobre a época 1968 do movimento estudantil brasileiro, entendendo-a a partir do conceito de acontecimento. O objetivo principal é mostrar que a cultura de contestação do ME durante e contra a ditadura militar foi pautada por diferentes repertórios de ação coletiva (Tilly, 1984TILLY, Charles. Les origines du répertoire d'action collective contemporaine en France et en Grande-Bretagne. Vingtième Siècle, n. 4, p. 89-108, oct.1984.; Tilly, Tarrow, 2008TILLY, Charles; TARROW, Sidney. Politique(s) du conflit: de la grève à la révolution. Paris: SciencesPo, 2008.) que também puderam ser vistos, de acordo com as conjunturas e temporalidades, em diferentes partes do mundo.

A historiografia brasileira, nos últimos 40 anos, não cansa de demonstrar as especificidades do nosso ano de 1968.3 3 Um livro recente que aponta nesta direção é o de Rafael Hagemeyer (2016). Outras referências serão indicadas ao longo do texto. Marcado por uma conjuntura histórica ditatorial, o "momento 68" tem suas balizas definidas, sobretudo, pela política, cuja escalada da violência (Valle, 2008VALLE, Maria Ribeiro. 1968: o diálogo é a violência: movimento estudantil e ditadura militar no Brasil.Campinas: Editora da Unicamp, 2008.) é um de seus resultados mais visíveis. Os eventos que marcaram o chamado "ano mágico" são bastante conhecidos e foram muito estudados: no Rio de Janeiro, a morte do estudante secundarista Edson Luís, o episódio da quinta e sexta-feira sangrenta, a passeata dos cem mil; a invasão da UnB, em Brasília; o Conflito da Rua Maria Antônia, em São Paulo, o trágico Congresso de Ibiúna; e o grand finale, com a decretação do Ato Institucional n.5, o AI-5. Para vários estudiosos do tema, a ditadura completa nesse momento seu ciclo de militarização (Codato, 2004CODATO, Adriano. O golpe de 64 e o regime de 68. História: Questões e Debates, v. 40, p. 11-36, 2004.; Napolitano, 2014NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.). Para algumas leituras mais liberais, começa ali o regime (Gaspari, 2002GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. As ilusões armadas. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.; Reis, 2014REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil.Rio de Janeiro: Zahar, 2014.).

Nos últimos 20 anos falou-se que reduzir 68 a um único ano é não reconhecer o processo que o precede e aquele que lhe sucede. O "tempo de 68" não pode ser reduzido somente aos 365 dias daquele ano calendário. Assim, falar dos anos de 68 é inscrevê-los dentro de uma cronologia mais ampla. O historiador francês Robert Frank (2008, p. 55)FRANK, Robert. Les temps de 68. In: FRANK, Robert. Les années 68, un monde en mouvement: nouveaux regards sur une histoire plurielle. Paris: Syllepse, 2008. afirma que os "anos 68" podem ser entendidos como um período de mudanças sociais, um período que conjuga mutação cultural e contestação política, o que pôde ser visto em escala mundial.

O sociólogo brasileiro Marcelo Ridenti (2009)RIDENTI, Marcelo. A época de 1968: cultura e política. In: FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria Paula (Org.). 1968, 40 anos depois: história e memória. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 81-90., corroborando essa visão, indica que talvez seja mais pertinente tratar como "épocas" aqueles anos em que certas maneiras de ver o mundo e de agir sobre ele ganharam força inusitada e, por isso, não podem ser aprisionadas em datas precisas. Assim, segundo Ridenti, tratar de 1968 significa entender a época em que os acontecimentos desse ano se inserem e dos quais ele é símbolo; época cujos limites cronológicos são relativamente móveis. Para tanto, propõe uma cronologia que vai do final dos anos 1950 - sobretudo a partir da Revolução Cubana, em 1959 -, até o fim do ano de 1968, podendo ser prolongada até o final dos "anos de chumbo" do governo Médici (1969-1974) e o extermínio da luta armada. Esse é um momento, em escala mundial, de urbanização crescente, que traz a consolidação dos modos de vida metropolitanos e uma ampliação da participação da juventude na composição etária da população; esse grupo também passou a ter maior acesso ao ensino superior (Ridenti, 2009RIDENTI, Marcelo. A época de 1968: cultura e política. In: FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria Paula (Org.). 1968, 40 anos depois: história e memória. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 81-90., p. 83).

A proposta de Ridenti, e de boa parte da historiografia, para marcar a "época 68" brasileira, leva em conta, sobretudo, o caráter revolucionário (e o seu peso), presente nas esquerdas que resistiram à ditadura militar. Essa visão chancela a disputa de memória iniciada pelos próprios militantes por ocasião da Anistia, como bem observaram Daniel Aarão Reis (2000REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000., 2014)REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil.Rio de Janeiro: Zahar, 2014., Denise Rollemberg (2006)ROLLEMBERG, Denise. Esquecimento de memórias. In: MARTINS FILHO, João Roberto (Org.). O golpe de 1964 e o regime militar: novas perspectivas. São Carlos: EdUFSCar, 2006. p. 81-91. e Carlos Fico (2012)FICO, Carlos. Brasil: a transição inconclusa. In: FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria Paula; GRIN, Mônica. Violência na história: memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012. p. 25-38..

No entanto, para o caso do ME brasileiro, podemos entender uma "época 68" ainda mais fluida e de duração prolongada, marcada pelo próprio momento 68, a saber: por sua cronometria (seu ano calendário). Grosso modo, o ano calendário é um "divisor" de referenciais distintos do 68 global que, mesmo se entrecruzados, marcaram o ME dos anos 1960 e dos anos 1970, mostrando as mudanças e continuidades no seu repertório de ação, além de diferentes percepções sobre o tempo. Assim, a ideia deste artigo é refletir sobre uma "época 68 do ME brasileiro" que não é simplesmente constituída dos fatos históricos aparentes da cronometria (nem da sua cronografia), mostrando as continuidades e rupturas, organizadas, certamente, na sua ordem de sucessão. Portanto, a partir do seu lado visível, que são os fatos e seus desdobramentos, são estabelecidas ligações entre o visível e aquilo que está subsumido, "inacessível à visão" num primeiro momento. Em suma, este artigo propõe o entendimento dessa "época 68" do ME por meio do conceito de acontecimento,4 4 Interessante observar, não por acaso, que o conceito de événement – aqui traduzido como acontecimento –, passou a ser debatido com intensidade nas ciências humanas, em particular na filosofia francesa, com Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michel Foucault, entre outros, a partir de 1968. Na história, Braudel foi um dos pioneiros. com tudo aquilo que o precede, mas, sobretudo, com tudo que lhe sucede, porque é aí que se pode mensurar sua força mobilizadora.

1968 pode ser considerado um événement porteur, pela perspectiva de abertura de novos horizontes e, consequentemente, novas possibilidades para o repertório de ação do ME. Acontecimento aqui compreendido como promotor de transformação do seu contexto por fornecer novas chaves de sentido para sua modificação. Acontecimento, segundo interpretado pelo filósofo francês Claude Romano, como aquele que "perturba" seu próprio contexto. Mais do que isso: o acontecimento não é gerado simplesmente como um horizonte de sentido para compreensão do presente. De fato, o acontecimento concebe um novo mundo, abre um novo tempo para quem dele se apercebe, instaurando, assim, a possibilidade de construção de futuro (Romano, 2012ROMANO, Claude. L'événement et le temps. Paris: Presses Universitaires de France, 2012., p. 147). Dessa forma, o acontecimento 68 pode ser compreendido pela experiência de transformação de mundo que proporcionou e que, não sendo compreensível num determinado presente, pode ser ressignificado depois de passado. Nesse sentido, o acontecimento não é necessariamente temporal, mas "temporalisante". A época 68 do ME brasileiro normalmente foi lida por meio da chave de restrição de horizontes que carregava: a ideia de uma cultura revolucionária. O propósito aqui, no entanto, é mostrar o que ela também aportou como possibilidades: a contracultura e a cultura democrática como forma de contestação ao regime vigente.

Assim, a intenção deste artigo é também analisar, a partir de um 68 global, as especificidades do nosso caso e como e em quais momentos a época 68 brasileira foi se desenrolando. Não se trata de pensar propriamente numa "cronosofia de 68", ao estilo de um tempo linear progressivo hegeliano, porém, aproveitar as categorias de espaço e tempo para verificar como (e quando) as questões centrais de uma época 68, numa escala mundial, entraram e saíram do caso brasileiro.

Igualmente, utilizarei como figura de representação a ideia de um tempo global definido como cíclico, apresentada por Krzysztof Pomian (1984)POMIAN, Krzysztof. L'ordre du temps. Paris: Gallimard, 1984., cujo lugar do presente e cuja posição face ao passado e ao futuro próximos ainda não estão determinados de maneira unívoca, pois diversos elementos e eventos podem acontecer uma única vez ou retornar, ainda que de maneira indefinida. O presente - período intermediário e transitório onde coexistem aspectos positivos e negativos - autoriza, segundo Pomian, duas conclusões sobre a direção do tempo. Assim, para o filósofo e historiador francês, todo ciclo comporta duas fases: ascendente e descendente. Se o presente está situado na fase ascendente, o tempo é vivido e pensado como localmente progressivo (crescente): o futuro próximo é objeto de esperança e o passado, supostamente obsoleto, é visto com um sentimento de superioridade. Em outras palavras: o futuro verá o florescimento das virtudes do presente, mostrando que o passado carrega consigo um fardo negativo. Ao contrário, quando acreditamos atravessar uma fase descendente, o tempo é apreendido como localmente regressivo, o futuro próximo suscita medo, pois apresenta especialmente as virtudes negativas do presente e é então no passado que buscamos modelos para reproduzir (Pomian, 1984POMIAN, Krzysztof. L'ordre du temps. Paris: Gallimard, 1984., p. VII; 28-29).

O caso brasileiro parece ter o formato de um "U", cuja curva começa descendente, para, a partir do final da cronometria 68, começar sua ascendência. Cabe, ainda, ressaltar que não se trata de apresentar (ou construir?) uma nova periodização, mesmo porque considero que a baliza final dessa época é mais difícil de precisar, e dela podemos encontrar até hoje alguns ecos. Afinal, 1968 não é simplesmente um ano. É um tema. Abre uma agenda de ação para os atores (e de pesquisa para os historiadores).

A curva descendente

O lado mais visível, conhecido e analisado do 68 brasileiro é o caráter revolucionário de grande parte das esquerdas. O paradigma revolucionário que marcou a primeira época 1968, e definiu a fórmula apresentada por Ridenti, sustentou por mais de um decênio boa parte da esquerda dissidente ou contrária à política do "partidão".5 5 O Partido Comunista do Brasil (PCB), a partir da cisão na sua direção, ocorrida em 1962, mudou seu nome para Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla. Essas correntes aderiram à ideia de revolução armada entendendo-a como parte de um projeto de combate às ordens política e econômica vigentes antes mesmo de 1964. No início dos anos 1960, a entidade máxima dos estudantes brasileiros, a União Nacional dos Estudantes (UNE), ganhou destaque a partir das discussões sobre a reforma universitária percorrendo as universidades de norte a sul do país. Nesse momento, a Ação Popular (AP), tendência derivada da Juventude Universitária Católica (JUC), assumiu a presidência da UNE, garantindo sua estabilidade na cabeça do movimento ao longo dos anos 1960. Ademais, nesse momento foi criado o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE,6 6 Um dos melhores trabalhos sobre o CPC da UNE é o de Miliandre Garcia (2007). trazendo para o seio do ME as propostas de uma arte engajada de cunho nacional-popular, então elaboradas por artistas e intelectuais cujas principais influências estavam no próprio PCB, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), no Teatro de Arena e no Movimento de Cultura Popular (MCP), de Pernambuco.

Com o golpe civil-militar de 1964, a UNE e as demais entidades estudantis foram colocadas na ilegalidade, o que não impediu que se reestruturassem e passassem a atuar não mais somente pela defesa da universidade como também na resistência contra a ditadura militar. A AP contou com uma oposição bem organizada em torno das dissidências do Partido Comunista. Essas eram ligadas, sobretudo, ao foquismo cubano, enquanto a primeira foi caminhando rumo ao maoísmo. Assim, o modelo de um passado próximo - de uma Cuba revolucionária - embalado ainda pelas notícias da guerra do Vietnã que chegavam ao Brasil, tornou-se o horizonte de parte importante da resistência diante de um futuro que se apresentava preocupante e cada vez mais autoritário.

Essas duas propostas acirraram a disputa pelas entidades estaduais e pela UNE, que atingiu seu ápice no 30º Congresso de Ibiúna, em 1968. Nesse sentido, a primeira época 1968 do ME no Brasil, ou sua curva descendente, foi muito marcada pela estrutura hierarquizada das entidades tradicionais do ME (a UNE, cada União Estadual dos Estudantes [UEE], e cada Diretório Central dos Estudantes [DCE] e Centro Acadêmico [CA]), que, mesmo estando na ilegalidade, organizaram o movimento sustentado pelas diferentes correntes políticas.

A ideia de revolução como via para libertação nacional preponderou, deixando obsoletas as ideias firmadas pelo Partido Comunista, cujo fio caminhou pela legalidade e pela busca da democracia. O caso cubano, sem dúvida, era o mais sensível, aliás, para toda juventude latino-americana, e as posições de Régis Débray, que acompanhou Che Guevara na selva boliviana, uma inspiração. Uma política de teorização da experiência revolucionária e a sua divulgação em toda América Latina contribui para isso.7 7 Outro caso da influência cubana no continente pode ser visto no processo de construção do MIR Chileno. Ver: Palieraki (2017). Ponto importante nesse processo, em 1967, foi a realização da Assembleia da Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas), em Cuba, que levou o líder do PCB Carlos Marighella a ser expulso do partido, criando, posteriormente, a Aliança Libertadora Nacional (ALN). A forte inspiração cubana, apesar de a ALN não defender a implantação da guerrilha a partir de um foco isolado (Malin, 2010MALIN, Mauro. Carlos Marighella. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010.), ficou clara em textos posteriores como "Algumas questões sobre as guerrilhas no Brasil", publicado no Jornal do Brasil em setembro de 1968, momento em que alguns grupos armados, caso da ALN, começaram a atuar de maneira mais consistente. No entanto, a apropriação do caso cubano não foi direta e apresentou nuances e estratégias peculiares, como mostra a própria trajetória da ALN.

O ME organizado em torno da UNE se reestruturou para fazer uma resistência política nos primeiros anos da ditadura, que ainda tentava sustentar "ares democráticos" (uma vez que esse foi seu mote), se unindo a muitos intelectuais e artistas que também resistiram frontalmente ao regime. Aproveitando a experiência do CPC, a resistência cultural ganhou enorme espaço, inclusive na mídia e com destaque para a música: a Música Popular Brasileira (MPB), que virou sinônimo de engajamento e de música de qualidade (Napolitano, 2018NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: A vida cultural brasileira sob o regime militar, 1964 a 1985. Ensaio Histórico. São Paulo: Intermeios, 2018.) levando multidões aos estádios durante os festivais da canção que, a partir de 1965, eram televisionados para todo país (Napolitano, 2004NAPOLITANO, Marcos. Os festivais da canção como eventos de oposição ao regime militar (1966-1968). In: REIS FILHO, Daniel; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. p.203-216.). Quando, em 1967, começaram a aparecer os primeiros sinais da contracultura no Brasil, através da música de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes, esses foram "desconsiderados" por boa parte da juventude engajada e revolucionária por apresentarem traços contraculturais como o uso da guitarra elétrica, considerada uma importação do imperialismo ianque. Nesse momento, parece que as ideias contraculturais podem ser entendidas como o futuro que ainda não havia chegado ao presente do ME. Estavam, portanto, fora do repertório de ação do ME, uma vez que aqui as ideias contraculturais foram entendidas/percebidas como estando em tensão com os valores revolucionários.

Não por acaso, boa parte dos grupos políticos revolucionários, críticos dos valores contraculturais, eram (em geral) machistas, homofóbicos e, em alguns casos, contrários ao uso de drogas (caso do Partido Comunista do Brasil [PCdoB], que proibia seus militantes de fumar maconha). Como no campo da política em geral, cujos valores e regras são masculinos por excelência, a presença de jovens universitários nas fileiras da UNE foi maciçamente de rapazes (Müller, 2013MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos "anos 68". In: DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Márcia (Org.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Unesp, 2013. p. 299-333., p. 324). Mesmo porque, o sistema universitário até então era constituído, em sua grande maioria, por homens. No entanto, esse foi o momento em que as mulheres passaram a ingressar em maior escala nas universidades, em busca de uma profissão que não se restringisse especificamente ao universo educacional feminino, como era costume até então.

Marcelo Ridenti (2010, p. 197-198.)RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Unesp, 2010., analisando os números apresentados pelo projeto Brasil Nunca Mais constata que, dos 4.124 processados por envolvimento com organizações de esquerda, 3.464 eram homens, ou seja 84%. Já nos grupos armados, a parcela feminina aumentava um pouco, chegando acerca de 18,3%. O sociólogo destaca que esse percentual era próximo da parcela de mulheres economicamente ativas da população que, em 1970, estava na casa de 21%, segundo os dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A historiadora Cristina Scheibe Wolff (2009, p. 129)WOLFF, Cristina Scheibe. Narrativas da guerrilha no feminino (Cone Sul, 1960-1985). História Unisinos, v. 13, n. 2, p. 124-130, 2009., mostra que a identificação das qualidades imprescindíveis aos guerrilheiros, como coragem e audácia, estava espelhada na figura viril de Che Guevara e, de maneira geral, pode ser relacionada à virilidade e à masculinidade. Essa definição do "guerrilheiro ideal" fez com que os membros das organizações relacionassem essas características mais aos homens, dificultando a atuação das mulheres na guerrilha. Esse fato é atestado por Ignez Maria Serpa Ramminger, a única mulher entre os membros da coordenação da VAR-Palmares no Rio Grande do Sul, que relembra os percalços impostos pelos companheiros e a sua rejeição ao protótipo uniforme (masculinizado) de militância - a "calça de brim" e camiseta:

Apesar de toda a dedicação à causa revolucionária, existia uma clara intolerância dos companheiros com pequenas vaidades femininas, tais como usar minissaia, salto alto, passar rímel nos cílios e pintar os lábios. Para minha surpresa, meu comportamento, considerado por eles como "pequeno burguês", foi pauta de uma de nossas reuniões. Sinceramente não gostei nenhum pouco e disse a eles que, mesmo na trincheira, não deixaria de usar batom. Estava na guerra com batom! (Ramminger, 2010RAMMINGER, Ignez Maria Serpa. Na guerra com batom. In: PADROS, Enrique Serra; BARBOSA, Vânia M.; LOPEZ, Vanessa Albertinence et al. (Org.). Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): história e memória. 2. ed., rev. e ampl. Porto Alegre: Corag, 2010. p. 135-158., vol. 2, p. 141-142)

Já o homossexualismo era visto, então, com muitas reservas. Herbert Daniel, militante de organizações guerrilheiras como a Política Operária (Polop) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foi um desses que, em nome da sua aceitação no grupo e das suas práticas revolucionárias, negou sua sexualidade durante anos. Em seu livro, Meu corpo daria um romance (1984), Herbert fala de sua vida duplamente clandestina:

Quis extirpar o sexo antigo. Aos poucos, adotei um sexo futuro, novo, que naquele instante se tornava pura abstinência. A última vez que trepei com alguém deve ter sido em meados de 67. Abstinente passei toda a clandestinidade. Sete anos. (Não posso deixar de escrever o prometido elogio à punheta, senão dificilmente poderei fazer alguém compreender a minha clandestinidade. Porque creio que se tivesse apagado meu sexo nunca teria acreditado na militância. Um militante sem sexo é um totalitário perigoso. Um punheteiro é apenas um confuso ingênuo e esperançoso.) [Daniel, 1984DANIEL, Herbert. Meu corpo daria um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1984., p. 164].

A fala de Ignez demonstra como uma esquerda revolucionária, apesar de lutar pela construção de uma sociedade mais justa e solidária, por uma nova humanidade, reproduziu relações machistas com suas mulheres, principalmente quando relegaram a posição feminina simplesmente à "companheira do fulano" - uma parte escolhida da herança do patriarcado (Müller, 2013MÜLLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos "anos 68". In: DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Márcia (Org.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Unesp, 2013. p. 299-333., p. 332). Da mesma maneira podemos entender a fala de Herbert Daniel com relação ao comportamento homossexual. Eram visões de mundo presentes no repertório desempenhado por parte da militância revolucionária. Temas tão importantes quanto esses já estavam sendo defendidos em outras partes do globo, notadamente nos Estados Unidos, e, por lá, seus movimentos sociais já estavam atuantes. No Brasil, ainda demorou um pouco para que esses movimentos fossem organizados.

Ascendência da curva

O ano de 1968, na metáfora apresentada, pode ser entendido como o ponto baixo da curva do "U", momento em que se encontram e se cruzam diversas orientações. Os confrontos violentos e a violência do AI-5, que estabeleceu a censura e retirou a possibilidade de habeas corpus para os crimes considerados políticos, modificaram a conjuntura política, tornando o Estado brasileiro ainda mais autoritário e repressivo. É nessa curva que o repertório do ME passou a contar com novos horizontes, embora os antigos ainda estivessem presentes.

No entanto, boa parte da historiografia, por anos, não analisou (até mesmo pela falta de documentação) ou simplesmente desconsiderou a participação da resistência pacífica protagonizada pelo ME contra a ditadura durante os anos de chumbo (1969-1974). João Roberto Martins Filho (1987, p. 203)MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968). Campinas: Papirus, 1987., observa uma acentuada "exaustão" com o "refluxo da massa estudantil" no pós AI-5, além da "adesão de numerosos quadros a outras formas de luta que construíram um epílogo".8 8 Reforça-se que o trabalho do sociólogo não pretendia analisar mais detidamente o período subsequente. Maria de Lourdes Fávero (1995, p. 71)FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A UNE em tempos de autoritarismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995. conclui que o decreto n.477 de 1969 fechou toda e qualquer possibilidade de diálogo entre estudantes e governo, cessando quase todas as manifestações reivindicadoras no ME, que ressurgiria lentamente em 1979. No entanto, pesquisas recentes apontam a continuidade do movimento, apesar da ampliação da vigilância dentro das universidades, além da repressão, como demonstrou Rodrigo Patto Sá Motta (2014)MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.. Em minha tese de doutorado procurei evidenciar que a alegação dos autores que analisaram o tema esteve centrada, em linhas gerais, na sentença de que boa parte dos estudantes engajados entrou para a luta armada, e os demais partiram para o exílio, sendo excluídos, assim, dos movimentos sociais de resistência política que existiram naquele momento (Müller, 2016MÜLLER, Angélica. O movimento estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979). Rio de Janeiro: Garamond, 2016. , p. 18). Grande parte das análises entende que o ME retornou à cena pública somente na segunda metade dos anos 1970, reocupando as ruas e lutando pelas liberdades democráticas a partir de 1977. Isso pode ser lido, por exemplo, no clássico trabalho O poder jovem, de Arthur Poerner, cuja primeira edição data de 1968, e a quinta, de 2004.

Aqui, mais uma vez, nota-se o peso do paradigma revolucionário demonstrado na leitura tanto dos memorialistas quanto dos historiadores. Todavia, segundo Daniel A. Reis (2008)REIS, Daniel Aarão. Entre passado e futuro: os 40 anos de 1968. (mimeo), 2008., foi evidente que o nacionalismo revolucionário dos anos de 1960 e 1970, que então parecia tão promissor, perdeu rapidamente sua capacidade de sedução política e de mobilização social. Apresentando-se como inovador na época, segundo o historiador, "tinha mais âncoras no passado do que se poderia imaginar. E foi no passado que estas revoluções de libertação nacional se aninharam, sem abrir perspectivas de futuro" (Reis, 2008REIS, Daniel Aarão. Entre passado e futuro: os 40 anos de 1968. (mimeo), 2008., p. 5). Coadunando com Reis, o paradigma revolucionário representa o fio que conduz a curva descendente do 68 do ME brasileiro.

De fato, durante os "anos de chumbo", coexistiram duas formas de resistência que foram empregadas no repertório do ME. Concomitantemente à luta armada, que foi exterminada pelos militares até 1974, o ME procurou realizar uma resistência pacífica nas universidades, voltada para seus problemas internos9 9 A reforma universitária de 1968, realizada a partir de um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) proposto pelo consultor Rudolph Acton (1961) para as universidades latino-americanas, tinha como um dos seus principais pontos a questão do ensino pago, que se tornou a principal bandeira do ME brasileiro no início dos anos 1970. Ao longo da década, podemos verificar que a mesma questão mobilizou estudantes de outros países latino-americanos como nos casos da Argentina, do Uruguai e do Chile. Sobre a reforma no Brasil ler Motta (2014). Para um panorama dessa questão nos outros países consultar: Bonavena e Millán (2018). (Müller, 2016MÜLLER, Angélica. O movimento estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979). Rio de Janeiro: Garamond, 2016. , p. 18), em um momento em que os valores contraculturais começaram a angariar adeptos nesse ambiente. Paralelamente, começou a organização de exilados em prol da resistência à ditadura no exterior, mesmo momento de uma produção autocrítica sobre o caráter revolucionário da luta armada e de uma mudança de tática buscando apoiá-la em valores democráticos.10 10 Para um aprofundamento do assunto recomenda-se a leitura de A utopia fragmentada (Araújo, 2000) particularmente os capítulos 2 e 4. Esses exilados entraram em contato com os novos movimentos sociais, já consolidados nos Estados Unidos (como o feminismo, o movimento negro e o movimento gay) e que ganharam força também, somente naquele momento, na França de Simone de Beauvoir. O ambiente externo e o contato com outras culturas e outras realidades contribuíram para a elaboração de novas análises sobre a conjuntura brasileira. E, sem dúvida, essas chegaram aos estudantes organizados, que procuraram novas formas de ação.

A conjuntura do período não permitiu o funcionamento de grandes organizações e manifestações e os estudantes que se engajavam viviam na ameaça de prisões e torturas. Além disso, muitas organizações dividiam seus militantes entre o ME e a luta armada.11 11 Marcelo Ridenti aponta que os limites do ME estavam na sua própria estruturação, “no sentido de reivindicação de direitos, o que lhe poderia dar um ‘conteúdo reformista’”. Para o sociólogo, “ao procurar superar esses limites, muitas organizações esqueceram que as lutas reivindicatórias, são, por vezes, passo necessário para a formação de uma consciência transformadora e acabaram por abandonar o ME em nome de algo mais profundo” (Ridenti, 2010, p. 133). Isso foi o que ocorreu, por exemplo, com José Genoíno, diretor da UNE, que saiu do Ceará para organizar o ME em São Paulo juntamente com Honestino Guimarães e acabou deixando a entidade em julho de 1970, para ingressar na Guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).12 12 Para mais informações sobre a Guerrilha do Araguaia, ver Sales (2007) e Campos Filho (1997). Nessa ocasião, algumas organizações viram o ME como "fonte" de recrutamento de militantes para a luta armada. Outras incentivaram as duas frentes de resistência, caso do PCdoB que, mesmo preparando sua guerrilha, continuou a manter suas bases nas universidades. Nesse caso, observa-se que havia uma ponte entre as diferentes formas de resistência.

Dentre as diferenças de repertório, vale apontar que os estudantes procuraram outras formas de estruturação. Um documento da gestão da UEE/SP de 1971 apresenta uma configuração inspirada claramente nos "moldes" dos grupos clandestinos, pois o trabalho de seus quadros orgânicos era distribuído por setores estanques e autônomos, que não se relacionavam.13 13 O documento narra em uma página o processo de organização da UEE/SP naquele período, típica organização dos grupos que atuavam na clandestinidade, seja na luta armada, seja na resistência praticada dentro das universidades (Documentos e Informes n. 3. UEE Gestão “Nova UEE”, maio 1971. Acervo MME 002 – 1.2). Pode-se pensar que, por conta da conjuntura política, o ME procurou meios para sua autogestão. Com a eliminação da UNE e das entidades estudantis, por parte do governo, os estudantes procuraram formas autogestionárias de continuar resistindo ao regime. Foram instituídas maneiras variadas de organização, atuação em grupos, sem líderes, sem nomes aparentes, buscando maior horizontalidade. A conjuntura, pouco favorável às esquerdas, acabou por promover essas outras estruturas, mais horizontais, em confronto com o modelo até então vertical das organizações estudantis (UNE, UEE, DCE, CA). E, nesse contexto, surgiram outras forças políticas no seio do ME: as novas esquerdas, como observa Maria PaulaAraújo (2000)ARAÚJO, Maria Paula. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000., tais quais a trotskista Liberdade e Luta (Libelu), que carregou consigo fortes valores contraculturais e foi contrária às guerras de guerrilha.

Claro que a implantação de diferentes propostas para além da verticalidade das tradicionais entidades estudantis dependeu da maior ou menor possibilidade de atuação dentro de uma determinada universidade. No entanto, parece aqui que essa experiência, que estou chamando de autogestionária, tem uma influência muito maior da própria conjuntura derivada da clandestinidade e do viés revolucionário, do que uma ligação propriamente dita com as propostas sobre o tema que foram discutidas no contexto francês, onde a questão da autogestão14 14 Um dos clássicos é a obra de Rosanvallon (1976). foi central entre as esquerdas da época. Lá, a ideia de uma gestão partilhada entre os diferentes agentes e níveis hierárquicos de uma mesma instituição (ou de uma empresa) foi tema, nos anos que seguiram às manifestações de maio de 68, de incansáveis discussões e tentativas de implementação por parte dos sindicatos operários e estudantis e entre os partidos de esquerda e os intelectuais.

Enfim, esses exemplos permitem observar a ligação entre os diferentes repertórios de resistência no período, bem como a ação das correntes políticas atuantes no movimento. Portanto, foi possível observar no início dos anos 1970 o desenvolvimento de outras formas de contestação no repertório estudantil, cujo epicentro esteve na luta política contra o modelo educacional praticado pelo governo.15 15 Pellicciotta (1997) concentra sua análise nas ações estudantis durante os anos de chumbo. O capítulo 1 do meu livro (Müller, 2016) detalha uma série de lutas contra a política educacional do governo. Essa resistência se apresentou, principalmente, por meio da cultura e da arte em suas diversas expressões: teatro, música, cinema, além da produção de jornais.

Posta a dificuldade de mobilizar um grande número de estudantes diante da luta contra os problemas políticos pelos quais o país estava passando (por conta da vigilância e repressão militar), o domínio da cultura se apresentou como um meio para reunir forças para a resistência. E, seguidamente, a resistência cultural foi entendida como um dos "processos alternativos de experiência e formação universitária ou, ainda, como uma prática importante para a renovação e criação de novas práticas políticas" (Pellicciotta, 1997PELLICCIOTTA, Mirza Maria Baffi. Uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 70. Dissertação (Mestrado em História) − Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,1997., p. 166). Aqui, os valores contraculturais começaram a entrar na agenda do ME. Junto com eles, o fio de ascendência da curva.

Essa é a época dos cineclubes, da intensa produção teatral, da elaboração de jornais clandestinos que circularam de uma universidade à outra, permitindo, através da expressão artística, apresentar conteúdos contestatórios, ainda que, muitas vezes, utilizando metáforas. A música continuou com espaço especial. Muitos dos artistas já consagrados realizaram concertos nas universidades. Não por acaso, após o exílio dos dois artistas, Chico e Caetano passaram a cantar juntos e a Tropicália passou a ser vista como MPB. Os estudantes também produziram suas músicas e seus atos.

Adriano Diogo, estudante de geologia na Universidade de São Paulo (USP), lembra de uma discussão propondo a organização de uma apresentação cultural para quebrar a ligação que a televisão propunha estabelecer com os jovens. Decidiram, então, fazer algo diferente. Foi assim que os estudantes de psiquiatria, que tinham uma banda de heavy metal, foram convidados para se apresentarem na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo durante uma "calourada". A ideia do show, segundo Adriano, era que servisse como forma de protestar contra a guerra do Vietnã, mas de uma maneira mais "lúdica":

Vocês que estão na faculdade de Medicina, e que utilizam bastante cobaias, nós podemos comprar ratinhos brancos e soltá-los durante o show. Depois Breno falou: eu tenho uma ideia melhor. Vamos até o Mercado de Pinheiros comprar uma cabra branca e simular um sacrifício [...] no meio dos estudantes. Seria um show de rock normal, no Salão Caramelo, a fim de juntar todas as meninas da Comunicação e Belas Artes, às 14h. Quando eles começaram a tocar a bateria e nós abrimos as caixas com cobaias que correram para todos os lados... Então pegamos a cabra e todo mundo teve medo e correu. Por conta disso, todos foram suspensos... Portanto, graças a isso, nós pudemos distribuir muitas informações sobre o Vietnã, sobre os atentados aqui...16 16 Entrevista de Adriano Diogo concedida ao projeto Memória do Movimento Estudantil, São Paulo em 11 de novembro de 2004.

Esse é o momento também de crescimento da poesia marginal. Incentivada na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) pelo professor Affonso Romano de Sant'Anna, os estudantes organizaram, em 1973, a I Exposia, que deveria durar uma semana e acabou se estendendo por quinze dias, obtendo grande repercussão, revelando poetas como Geraldo Carneiro. A marginalidade, como nos apresenta Heloísa Buarque de Hollanda (1980, p. 68)HOLLANDA, Heloísa Buarque. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde, 1960/70. São Paulo: Brasiliense, 1980., foi utilizada não como uma saída alternativa, mas com um sentido de ameaça ao sistema; ela foi valorizada exatamente como uma opção ao uso da violência por meio de suas possibilidades de agressão e transgressão. A contestação foi assumida conscientemente. O uso de tóxicos, a bissexualidade, os comportamentos descolonizados foram vividos e sentidos como gestos perigosos, ilegais e, portanto, assumidos como contestação de caráter político.

Cultura e política, binômio existente em qualquer caracterização sobre 1968. Contestação contracultural praticada pelo movimento estudantil. O futuro não visível de um passado próximo virou presente e abriu novas possibilidades de (re)ação por parte dos estudantes organizados que buscavam novos horizontes para a continuidade da resistência.

A arte passou a ser vista não apenas como uma forma, uma cultura de contestação à ditadura, mas também foi entendida como vetor para a mudança de cultura no interior das universidades e para a evolução social do país. A "invenção" de uma forma de ação ancorada em parâmetros culturais, como apresentou Pellicciotta (1997, p. 145)PELLICCIOTTA, Mirza Maria Baffi. Uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 70. Dissertação (Mestrado em História) − Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,1997. resultou em experiências novas, tanto para o indivíduo/estudante, como para o coletivo ME, que se beneficiou dessa atuação, sem que o respeito às "individualidades" fosse comprometido por imposição partidária ou compromisso com ortodoxias.

O uso da arte como protesto político não foi uma "novidade" para o ME. Basta lembrar da experiência do CPC, no início dos anos 1960. E, nesse aspecto, a resistência estudantil dos anos 1970 se diferenciou das propostas do CPC, movimento do qual foi herdeira. Enquanto os comunistas da década anterior propuseram uma arte engajada e comprometida com a revolução, que geraria uma arte autêntica e independente da dominação estrangeira, que era responsável pela importação e cópia de produtos culturais, o ME se valeu não só da política, mas também da cultura como forma de resistência à ditadura, e acabou se destacando como ator importante na luta pelas liberdades democráticas (Müller, 2016MÜLLER, Angélica. O movimento estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979). Rio de Janeiro: Garamond, 2016. , p. 87).

Na solidão do engajamento político nessa época, típica daqueles que resistem, a arte serviu de meio para realizar ações coletivas criando, assim, um ambiente favorável que permitiu compartilhar valores, discutir a situação nacional e propor alternativas quanto ao uso da linguagem artística. Nesse caso, as diferentes formas artísticas serviram também para iluminar os desafios políticos a serem enfrentados, permitindo aos estudantes que não eram necessariamente militantes certo tipo de engajamento, fazendo da produção artística um domínio de resistência contra a ditadura.

Com o advento do governo Geisel (1974-1979), o ME preconizou a reorganização de suas entidades e a luta aberta pelas liberdades democráticas. Os estudantes foram os primeiros atores a retornarem às ruas desde 1968. Contrariamente a 1968, o ME de 1977 não buscou nenhum líder. O exemplo de 1968 e dos grandes líderes como Vladimir Palmeira e outros era negativo desse ponto de vista. Aquele passado, em alguns pontos, passou a ser obsoleto. Não por acaso, o DCE da USP foi reconstruído em 1976 a partir de um conselho de dirigentes e não com um presidente. A nova geração de estudantes descontinuou algumas das práticas daquele repertório estudantil, depois da experiência dos anos de chumbo, aproveitando os novos valores gestados em prol de uma resistência em favor das liberdades democráticas.

O horizonte de expectativa passou a ser outro. Na curva ascendente, o tempo passou a ser sentido e vivido de maneira progressiva. O futuro portava a esperança: a reorganização pública do ME, os novos movimentos sociais e até parcelas sensivelmente liberais da sociedade encamparam a bandeira das liberdades democráticas com a esperança de um fim próximo da ditadura militar. Maria Paula Araújo (2000, p. 97)ARAÚJO, Maria Paula. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000. aponta estes novos personagens políticos que carregam consigo uma herança e uma ruptura17 17 “Basicamente são dois os pontos de ruptura: a rejeição à violência e a valorização da diferença, da singularidade e da alteridade” (Araújo, 2000, p. 97). com 1968: negros, mulheres, homossexuais, índios, imigrantes, loucos, deficientes físicos etc.

A partir de 1977, o ME começou a atuar com outros movimentos sociais em formação, caso dos movimentos de mães de periferia, feminista, gay, negro e, sem dúvida, do movimento operário. Houve uma união, grosso modo, entre os setores progressistas e de esquerda na luta pelo fim da ditadura militar e pela Anistia,18 18 Vários trabalhos fazem referência à participação do ME nos movimentos pela Anistia. O mais recente deles é de Fagundes (2019), especialmente o capítulo 2. sob a bandeira da redemocratização. Um ponto importante, que problematiza um fechamento dessa periodização, em minha opinião, está justamente no trabalho do ME com os movimentos feminista, gay (hoje LGBTQ) e negro, que ganharam maior força no país apenas nos anos 2000. Isso nos faz pensar que parte de uma agenda da época de 1968 pode ser identificada, até recentemente, na atuação do ME.

Voltando ao contexto de 1977, os movimentos sociais cresceram e o ME buscou, sobretudo, reorganizar sua entidade nacional: a UNE, cuja eleição direta para diretoria, em 1979, foi constituída por mais de 250 mil votos de estudantes (no universo de pouco mais de um milhão na época). Se essa periodização não apresenta necessariamente um ponto final, aqui me parece que ao menos temos um ponto e vírgula. Final de 1978, os militares extinguiram o AI-5. 1979, "concederam" a Anistia. Também em 1979, o governo acabou com o bipartidarismo, o que permitiu o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) no ano seguinte e de outras siglas. A UNE passou a ser reivindicada pelo seu histórico e reconstruída para, em nome dos estudantes, lutar contra a ditadura.

É nesse contexto, de fim dos anos 1970, que antigos militantes dos grupos armados passaram a publicar suas memórias,19 19 O clássico de Fernando Gabeira, O que é isso companheiro (1979) é um dos mais conhecidos. o que contribuiu para a valorização da imagem de uma juventude revolucionária, heroica e, às vezes, ingênua, gerando verdadeiros deslocamentos de sentido, como afirma Daniel Aarão Reis (2014, p. 133)REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil.Rio de Janeiro: Zahar, 2014. e que acabou por vencer as "batalhas de memória" contra a ditadura. Mas a batalha não ficou restrita ao campo inimigo. A historiadora Gislene Lacerda (2018)LACERDA, Gislene. As gerações de 1968 e 1977: memórias da resistência estudantil durante a ditadura militar brasileira. In: MÜLLER, Angélica (Org.). 1968 em movimento.Rio de Janeiro: FGV, 2018. p. 139-156. aponta também que, nesse mesmo período, houve uma batalha entre os militantes da "geração 68" contra a "geração da redemocratização", que ainda reivindica seu espaço nas lutas de resistência por ter sido ela quem, definitivamente, derrubou a ditadura. Segundo Lacerda, essa geração, fruto de uma descontinuidade no processo de resistência realizado pela geração anterior, adquiriu uma nova identidade social e uma atuação mais ampla conjuntamente com outros movimentos na luta pelas liberdades democráticas que, nos anos 1980, derrubou a ditadura. No entanto, aquela versão da "geração 68" foi responsável por traçar grandemente a cronografia sobre "os anos 68" e acabou sendo preponderante nas narrativas sobre a resistência estudantil durante a ditadura.

Essas narrativas foram reafirmadas pelos primeiros trabalhos históricos de análises das esquerdas escritos por ex-militantes (Gorender, 1988GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1998.; Reis, 1990REIS, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro: os comunistas no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.) que, mesmo realizando uma (auto)crítica, acentuaram a questão das guerras de guerrilha como único projeto encampado pelas esquerdas na "época 68". Assim, a historiografia que aborda desde os anos 1980 a princípios dos anos 2000 reforçou o caráter revolucionário do ME como marca hegemônica da cultura de contestação da "época 68", analisando, dessa maneira, apenas sua curva descendente e não valorizando o acontecimento que essa cultura aportou. Por fim, após o congresso de reconstrução da UNE, em 1979, houve uma nítida reordenação do ME, com "novas" e "velhas" influências. Foi esse momento que, em minha opinião, fechou um ciclo na história do ME, abrindo uma nova fase.

Considerações finais

Para finalizar, é importante reforçar a existência de um longo e multifacetado 68 para o caso brasileiro. Apresentando suas especificidades, sobretudo por conta da conjuntura política imposta, é possível observar que alguns traços do 68 global aqui apresentados apareceram no repertório de resistência dos estudantes contra a ditadura durante essa "época 68". Não se trata de simples "importação" de ideias, modelos, símbolos e imagens e influências vindas do norte ou do sul: o engajamento do ME brasileiro no início dos anos 1960 se fortalece na defesa da universidade. E esse mote atravessa as décadas analisadas e se volta fortemente para a luta contra a ditadura militar.

Essa época tem sido lida muito mais pelo que a antecede, pelo seu projeto revolucionário de poucos horizontes, representado aqui pela sua curva descendente, do que pelo que a precede, ou seja, pelos novos valores que foram, depois, revisitados e que permitiram a continuidade da resistência contra a ditadura, remetendo a ascendência da curva. Assim, pode-se afirmar que o acontecimento 68 do ME brasileiro não é linear. As percepções de futuro em cada tempo presente foram diferentes (o futuro próximo que suscitava medo, com a guerrilha e a repressão; e o futuro próximo que representava esperança, com a luta pelas liberdades democráticas), e, assim, os elementos que compuseram o repertório se modificaram, foram trocados, retornaram e alguns permaneceram. Na época 68 do ME, analisada em sua duração prolongada, puderam ser vistas diferentes influências que também pautaram o 68 em escala mundial, com destaque para a ideia de revolução como projeto das esquerdas, mas também através da contracultura como forma de contestação, a formação dos novos movimentos sociais e a luta pelas liberdades democráticas, além da luta constante pelas questões de ensino. Localmente, essas influências passaram a ter um significado: o combate à ditadura militar.

Mostrar os estudantes em movimento na pós-cronometria 1968 é mostrar como novos valores foram sendo agregados a sua organização, como seu repertório foi mudando. É mostrar sua trajetória na curva ascendente, cujo futuro próximo foi objeto de esperança com o término da ditadura. É mostrar como o acontecimento 68 se desenvolveu no caso do ME brasileiro, cuja cultura de contestação da ditadura atravessou as duas décadas aqui analisadas, exibindo uma plasticidade maior do que comumente se apresentava. É, enfim, contribuir para reflexão e revisão de um trabalho de memória apresentado em boa parte da cronografia 68.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma de preprint. Sua primeira versão foi apresentada no “Colloque Un moment 1968 en Amérique Latine? Dialogues comparatistes”, realizado em março de 2018, no Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine, Paris - França. Os documentos, escritos e orais, utilizados no artigo pertencem ao acervo do projeto Memória do Movimento Estudantil-Museu da República. As demais bibliografias empregadas encontram-se todas referenciadas. A autora agradece a leitura e as sugestões de Maurício Parada, Alexandre Avelar e Marieta Moraes de Ferreira, bem como dos pareceristas anônimos da Revista de História. Igualmente agradece às agências CNPq e Faperj pelos auxílios que possibilitaram o trabalho de pesquisa.
  • 3
    Um livro recente que aponta nesta direção é o de Rafael Hagemeyer (2016)HAGEMEYER, Rafael Rosa. Caminhando e cantando: o imaginário do movimento estudantil brasileiro de 1968. São Paulo: Edusp, 2016.. Outras referências serão indicadas ao longo do texto.
  • 4
    Interessante observar, não por acaso, que o conceito de événement – aqui traduzido como acontecimento –, passou a ser debatido com intensidade nas ciências humanas, em particular na filosofia francesa, com Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michel Foucault, entre outros, a partir de 1968. Na história, Braudel foi um dos pioneiros.
  • 5
    O Partido Comunista do Brasil (PCB), a partir da cisão na sua direção, ocorrida em 1962, mudou seu nome para Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla.
  • 6
    Um dos melhores trabalhos sobre o CPC da UNE é o de Miliandre Garcia (2007)GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à música engajada: a experiência do CPC da UNE. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007..
  • 7
    Outro caso da influência cubana no continente pode ser visto no processo de construção do MIR Chileno. Ver: Palieraki (2017)PALIERAKI, Eugénia. De Pékin à la Havane: la gauche radicale chilienne et ses révolutions, 1963-1970. Monde(s),n.11, p. 119-138, 2017..
  • 8
    Reforça-se que o trabalho do sociólogo não pretendia analisar mais detidamente o período subsequente.
  • 9
    A reforma universitária de 1968, realizada a partir de um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) proposto pelo consultor Rudolph Acton (1961) para as universidades latino-americanas, tinha como um dos seus principais pontos a questão do ensino pago, que se tornou a principal bandeira do ME brasileiro no início dos anos 1970. Ao longo da década, podemos verificar que a mesma questão mobilizou estudantes de outros países latino-americanos como nos casos da Argentina, do Uruguai e do Chile. Sobre a reforma no Brasil ler Motta (2014)MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.. Para um panorama dessa questão nos outros países consultar: Bonavena e Millán (2018)BONAVENA, Pablo Augusto; MILLÁN, Mariano (Comp.). Los '68 latinoamericanos: movimientos estudiantiles, política y cultura en México, Brasil, Uruguay, Chile, Argentina y Colombia. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires/Instituto de Investigaciones Gino Germani, 2018..
  • 10
    Para um aprofundamento do assunto recomenda-se a leitura de A utopia fragmentada (Araújo, 2000ARAÚJO, Maria Paula. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000.) particularmente os capítulos 2 e 4.
  • 11
    Marcelo Ridenti aponta que os limites do ME estavam na sua própria estruturação, “no sentido de reivindicação de direitos, o que lhe poderia dar um ‘conteúdo reformista’”. Para o sociólogo, “ao procurar superar esses limites, muitas organizações esqueceram que as lutas reivindicatórias, são, por vezes, passo necessário para a formação de uma consciência transformadora e acabaram por abandonar o ME em nome de algo mais profundo” (Ridenti, 2010RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Unesp, 2010., p. 133).
  • 12
    Para mais informações sobre a Guerrilha do Araguaia, ver Sales (2007)SALES, Jean Rodrigues. Partido Comunista do Brasil: definições ideológicas e trajetória política. In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão. (Org.). História do marxismo no Brasil: partidos e movimentos após os anos 1960. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. v. 6, p. 63-103. e Campos Filho (1997)CAMPOS FILHO, Romualdo. Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas. Goiânia: Editora da UFG, 1997..
  • 13
    O documento narra em uma página o processo de organização da UEE/SP naquele período, típica organização dos grupos que atuavam na clandestinidade, seja na luta armada, seja na resistência praticada dentro das universidades (Documentos e Informes n. 3. UEE Gestão “Nova UEE”, maio 1971. Acervo MME 002 – 1.2).
  • 14
    Um dos clássicos é a obra de Rosanvallon (1976)ROSANVALLON, Pierre. L'Âge de l'autogestion ou la politique au poste de commandement.Paris: Seuil, 1976..
  • 15
    Pellicciotta (1997)PELLICCIOTTA, Mirza Maria Baffi. Uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 70. Dissertação (Mestrado em História) − Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,1997. concentra sua análise nas ações estudantis durante os anos de chumbo. O capítulo 1 do meu livro (Müller, 2016MÜLLER, Angélica. O movimento estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979). Rio de Janeiro: Garamond, 2016. ) detalha uma série de lutas contra a política educacional do governo.
  • 16
    Entrevista de Adriano Diogo concedida ao projeto Memória do Movimento Estudantil, São Paulo em 11 de novembro de 2004.
  • 17
    “Basicamente são dois os pontos de ruptura: a rejeição à violência e a valorização da diferença, da singularidade e da alteridade” (Araújo, 2000,ARAÚJO, Maria Paula. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 97).
  • 18
    Vários trabalhos fazem referência à participação do ME nos movimentos pela Anistia. O mais recente deles é de Fagundes (2019)FAGUNDES, Pedro Ernesto. Anistia: das mobilizações das mulheres na ditadura militar às recentes disputas sobre o passado. Vitória: Milfontes, 2019., especialmente o capítulo 2.
  • 19
    O clássico de Fernando Gabeira, O que é isso companheiro (1979) é um dos mais conhecidos.

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Editado por

Editores Responsáveis
Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    11 Ago 2020
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