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AS CULTURAS DA CARIDADE DAS BEGUINAS DE MARSELHA FRENTE AOS DESAFIOS DA ECONOMIA MERCANTIL DA BAIXA IDADE MÉDIA1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

THE CULTURES OF CHARITY OF THE BEGUINES OF MARSEILLE FACING THE CHALLENGES OF THE MERCANTILE ECONOMY IN THE LATE MIDDLE AGES

Resumo

Neste artigo, o Instituto das Damas de Roubaud de Marselha, fundado por Doucelina de Digne (1214-1274), é analisado a partir de seu envolvimento com a devoção penitencial leiga, que agitava as cidades da Provença e da Itália, na Baixa Idade Média, e de seu compromisso com as culturas da caridade, que inspiravam políticas de assistência social e de promoção de mulheres no cenário urbano. A partir da delimitação da experiência religiosa das beguinas de Marselha, discutem-se suas diferenças e semelhanças com o movimento beguino do norte europeu e sua relação com a renovação da vida religiosa e da piedade leiga no século XIII.

Palavras-chave
Beguinas; Cidades Medievais; Culturas da Caridade; Devoção Feminina; Hospitais

Abstract

In this paper, the Institute of the Ladies of Roubaud of Marseille, founded by Douceline of Digne (1214-1274), is analyzed from its involvement with lay penitential devotion, which agitated the cities of Provence and Italy in the Late Middle Ages, and its commitment to the cultures of charity, which inspired policies of social assistance and women empowerment in the urban arena. From the delimitation of the religious experience of the beguines of Marseille, we discuss their diferences and similarities with the Northern European beguine movement and their relationship to the renewal of religious life and lay piety in the thirteenth century.

Keywords
Beguines; Medieval Cities; Cultures of Charity; Female Devotion; Hospitals

As beguinas: o nome e a coisa

Como parte das multiformes expressões de renovação espiritual e eclesial, que caracterizaram o século XII, o movimento beguino não conhece uma data exata de nascimento e/ou um nome específico de fundador ou fundadora. O que dá para dizer é que as mais antigas comunidades beguinas surgiram nos Países Baixos, mais particularmente no território da diocese de Liège, que era, naquele século, um principado episcopal. O monge cronista da abadia famenga de Trois-Fontaines, chamado Alberico (m. c. 1251), afirmava que, em 1177, Liège estava tomada por um tipo novo de vida religiosa [nove religionis], que ele associava à pregação de um sacerdote secular, cujo nome era Lamberto o Gago (ou Le Bègue) (SCHEFFER-BOICHORST, 1874, p. 856SCHEFFER-BOICHORST, Paul (ed.). Albrici monachi Triumfontium Chronicon. In: PERTZ, Georgius Heinricus (ed.). Monumenta Germaniae Historica. Hanover: Impensis Bibliopolii Aulici Hahniani, 1874. p. 631-950. (Serie Scriptorum, v. 23).).

A menção a Lamberto, relevante como ponto de referência cronológica e inspiracional, precisa ser contrabalançada por outra observação que o cronista Alberico apresenta, e que podemos reduzir ao seguinte: as comunidades beguinas incorporavam, então, um estilo novo de vida religiosa fundamentalmente entrelaçado ao contexto urbano. Se a isso acrescentarmos alguns dos primeiros nomes associados ao movimento, como Maria de Oignies (m. 1213), Odília de Liège (m. 1220), Ivete (ou Jueta) de Huy (m. 1228), Christina Mirabilis de Sint-Truiden (m. 1228), Ida de Nivelles (m. 1231), entre outros exemplos, podemos notar que a nova religio, de que falava Alberico, dizia respeito principalmente a mulheres (SIMONS, 2001SIMONS, Walter. Cities of ladies: beguine communities in the Medieval Low Countries, 1200-1565. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2001.), como também assegura o cronista Mateus Paris (m. 1259), em sua Chronica Majora (LUARD, 1872, p. 278LUARD, Henry Richards (ed.). Mathaei Parisiensis, monachi Sancti Albani, Chronica Majora. Londres: Longman, 1872. v. 4.).

Nos primeiros textos em língua latina, que descrevem e definem a instituição beguinal, autores como Jacques de Vitry (m. 1240) e Tomás de Cantimpré (m. 1272) usaram locuções vagas, tais como mulieres religiosae e sanctae feminae que, como se nota, não conseguem nomear exclusivamente aquela experiência espiritual feminina que começou nos Países Baixos e que se espalhou pela cristandade latina durante o século XIII. Talvez por essa razão, o vocábulo ‘beguina’, cuja etimologia é muito incerta, acabou tornando-se mais usual, porque é mais preciso.

No capítulo intitulado De Beguinorum multiplicatione [sobre a proliferação de beguinos], da Chronica Majora, o monge Mateus Paris oferece alguns bons indícios de como essas mulheres e homens (porque o movimento beguino não era só de mulheres) experimentavam a sua particular condição eclesial, abraçando uma inusitada forma de consagração religiosa:

Por este tempo [isto é, 1243], principalmente na Alemanha, surgiram religiosos, de ambos os sexos, porém, sobretudo de mulheres, que vestiam hábito religioso, se bem que [sob uma forma] mais leve, e professavam votos privados de celibato e de simplicidade de vida; eles não estavam ligados à regra de nenhum santo nem habitavam claustro algum. O número dessas mulheres, em pouco tempo, se multiplicou bastante: na cidade de Colônia e nas regiões vizinhas elas atingiram a cifra de duas mil [beguinas]. (LUARD, 1872, p. 278LUARD, Henry Richards (ed.). Mathaei Parisiensis, monachi Sancti Albani, Chronica Majora. Londres: Longman, 1872. v. 4.)3 3 A cifra pode parecer desmedida, porém encontra respaldo em estudos específicos (MILLER, 2007, p. 65; SIMONS, 2001, p. 60).

Os estudiosos mais recentes, como Walter Simons, costumam definir as beguinas como mulheres leigas, justamente porque, como afirmava Mateus Paris, elas não obedeciam a nenhuma regra, não se encerravam em mosteiros, não faziam votos solenes, nem eram consideradas freiras pela Igreja Católica (SIMONS, 2006, p. 66SIMONS, Walter. Beguines. In: SHAUS, Margaret (org.). Women and gender in Medieval Europe: an encyclopedia. Londres: Routledge, 2006. p. 66-69.). Todavia, o cronista, ao descrever esse movimento, em hora nenhuma deixou de usar o termo técnico ‘religioso’ para nomear as mulheres e os homens a quem chama de beguinos, ou para designar a vestimenta específica que portavam. Além disso, leigos não professavam voto de celibato, mesmo em regime privado, sem que, com essa profssão, eles fossem reconhecidos como religiosos non regulariter viventes [que não viviam sob uma regra], distinguindo-se, portanto, dos religiosos estritos, isto é, os regulariter viventes (BONI, 2002, p. 118BONI, Andrea. As Três Ordens Franciscanas. Tradução Ary E. Pintarelli. Petrópolis: FFB, 2002.); à época, costumava-se chamar de poenitentes [penitentes]4 4 A vida de penitência, bem entendida, podia incluir também não celibatários, como sucedia aos membros das irmandades penitenciais, principalmente na Itália; porém, os exemplos de penitentes socialmente mais aclamados eram aqueles em que o celibato, a renúncia aos bens e níveis moderados de separação do século eram evidentes, como demonstrado no caso de Umiliana dei Cerchi de Florença (1219-1246), Margarida de Cortona (1247-1297), Rosa de Viterbo (1233-1251) e Ângela de Foligno (1248-1309) (THOMPSON, 2005, p. 182-183). aos religiosos regulariter non viventes, e a historiografia tem atribuído o título de “vida semirreligiosa” a essa realidade eclesial (ELM, 2005, p. 407-422ELM, Kaspar. Vita regularis sine regula: significato, collocazione giuridica e autocoscienza dello stato semireligioso nel Medioevo. In: ANDENNA, Cristina; MELVILLE, Gert (org.) Regulae – Consuetudines – Statuta: studi sulle fonti normative degli ordini religiosi nei secoli centrali del Medioevo. Münster: LIT, 2005. p. 407-422.).

Apesar de ser moderna, a expressão vida semirreligiosa permite que o leitor organize mentalmente o enorme caleidoscópio de institutos religiosos (ordens, congregações, confrarias, sodalícios) que, de acordo com o direito eclesiástico do século XII, dividiam-se em, pelo menos, três formas (todas incluindo homens e mulheres): eremitas, monges e cônegos. No século XIII, surgiram novos tipos de associações religiosas, que não se enquadravam no âmbito de um mosteiro, ou que não se identificavam com os institutos ditos de vida monástica. Uma boa amostra foi o instituto dos frades Humilhados, reconhecidos canonicamente por Inocêncio III, em 1201.

Constituído por três ordens (ordines), o instituto dos Humilhados acolhia, em sua ordem primeira, os irmãos e as irmãs de profssão religiosa solene, que podiam dispor de oratórios próprios (a essa ordem, agregavam-se os clérigos que pediam entrada na comunidade); a segunda ordem era formada por leigos celibatários, que viviam em comum, e cuja profssão concedia-lhes o estatuto jurídico de religiosos, sem torná-los, por isso, monges ou cônegos; a terceira ordem, por sua vez, constava de irmãos e irmãs não celibatários, que seguiam habitando com suas famílias, na qualidade de irmãos penitentes, sem alteração de seu estado laico (PASCHINI, 1937PASCHINI, Pio. Umiliati. Enciclopedia italiana. Roma: Treccani, 1937. Disponível em: htps://www. treccani.it/enciclopedia/umiliati_%28Enciclopedia-Italiana%29/. Acesso em: 27 jan. 2021.
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).

Tamanha variação de instituições de vida consagrada causava embaraço no clero, habituado às formalidades jurídicas, e no laicado, que nem sempre conseguia distinguir devidamente os professos reconhecidos pela autoridade canônica e aqueles que, apesar da veste religiosa e do modo de vida, não contavam com a aprovação eclesial oficial. Ranulphe de la Houblonnière, bispo de Paris entre 1280 e 1288, chegou a afirmar que as beguinas causavam confusão entre o povo, pois, apesar de serem evidentemente mulheres de vida austera, a liberdade institucional de suas comunidades, a espontaneidade de sua organização comunitária e até mesmo o fato de que seus votos não eram obrigatoriamente definitivos faziam o povo confundir os “sinais do paraíso” com os “sinais do inferno” (MILLER, 2007, p. 72MILLER, Tanya. What’s in a name: clerical representations of Parisian beguines, 1200-1328. Journal of Medieval History, Londres, v. 33, p. 60-86, 2007.).

Os séculos XII e XIII conheceram tamanha proliferação de gêneros de vida religiosa, a maioria mesclando clérigos e leigos, homens e mulheres, estabilidade e itinerância, pregação e eremitismo, que, de fato, as autoridades eclesiásticas, como o bispo de Paris, não podem ser acusadas simplesmente de obtusidade, pois antes que o direito eclesiástico desse conta de estabelecer critérios seguros para a normalização das novas formas de vida religiosa, o clero e os féis não dispunham de muitos elementos para distinguir entre formas válidas e não válidas e, principalmente, para acolher e apoiar materialmente a essas comunidades tantas vezes giróvagas.

O problema de ontem segue sendo um problema para hoje. Não é incomum que os atuais estudos sobre o movimento beguino o considerem como um tipo de contestação institucional religiosa e como parte de uma antiga militância de gênero; parte dessa convicção surge dos atropelos ao direito eclesiástico, causados por tais comunidades – não exclusivamente beguinais – e pelos discursos enviesados, como o de Ranulphe de la Houblonnière; todavia, os investigadores, ainda que prefiram ressaltar a contestação de seus investigados, precisam levar em conta a normatividade com que a vida religiosa se apresentava no passado, e a partir da qual operava socialmente. Os testemunhos históricos não são neutros, e o que é contestação, num caso, é colaboração, em outro. As beguinas podiam não ser popularmente vistas como religiosas de iure, mas o direito eclesiástico, em plena atualização, no século XIII, já canonizava aquele estilo de vida e dava-lhe plena cidadania na comunidade cristã.

As beguinas costumavam ser viúvas, mas não exclusivamente, e a viver do trabalho das próprias mãos; podiam habitar nas dependências de suas casas familiares ou em residências preparadas para uma comunidade maior; como não se tratava de uma ordem centralizada, e como as casas costumavam ser autônomas, o modo de vida beguino podia variar muito: havia comunidades dedicadas ao trabalho caritativo ou assistencial, junto a leprosários, hospitais ou albergues, e comunidades especializadas em uma vida contemplativa estrita, em que as mulheres se dedicavam à oração em tempo integral, habitando pequenas celas ao redor de igrejas ou mosteiros. O século XIII, sem dúvida, é o período de maior efervescência do movimento, quando cidades de médio e grande porte passaram a contar com comunidades beguinas estáveis, como Aachen (1230), Cambrai (1233), Leuven e Ghent (1234), Namur (1235) e Valenciennes (1239) (SIMONS, 2006, p. 67SIMONS, Walter. Beguines. In: SHAUS, Margaret (org.). Women and gender in Medieval Europe: an encyclopedia. Londres: Routledge, 2006. p. 66-69.).

A partir de 1240, as comunidades espalharam-se também para o oeste e para o sul da cristandade latina, e é nessa expansão que o movimento beguino chegou à Provença, graças à obra de Doucelina de Digne (1214-1274), fundadora das Damas de Roubaud. Se compararmos o grupo beguino meridional, ligado à Doucelina, com as beguinas setentrionais, estudadas por Walter Simons (2001, p. 85-86)SIMONS, Walter. Cities of ladies: beguine communities in the Medieval Low Countries, 1200-1565. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2001. e Tanya Miller (2007)MILLER, Tanya. What’s in a name: clerical representations of Parisian beguines, 1200-1328. Journal of Medieval History, Londres, v. 33, p. 60-86, 2007., podemos obter resultados interessantes. Seja em Liège, Paris ou em Marselha, as mulieres religiosae dedicavam-se ao trabalho social, tanto em hospitais ou casas de acolhida de pessoas economicamente vulneráveis, quanto em casas de ensino infantil; Sharon Farmer (1998, p. 366)FARMER, Sharon. Down and out and female in Thirtheenth-Century Paris. The American Historical Review, Oxford, v. 103, n. 2, p. 345-372, 1998. identifica, em Paris, uma comunidade de beguinas dentro do Quartier Latin, o bairro universitário, e Tanya Miller demonstra que essa proximidade geográfica era intencional, e pretendia facilitar que as beguinas interagissem com os mestres das faculdades: estes, por sua vez, nem sempre apreciavam a intromissão dessas mulheres, a quem reconheciam as habilidades intelectuais e comunicativas, e procuravam afastá-las de um campo de trabalho que eles reivindicavam só para si, o que nos permite entender que as beguinas não ensinavam apenas crianças, não pelo menos em Paris (MILLER, 2007, p. 68-69MILLER, Tanya. What’s in a name: clerical representations of Parisian beguines, 1200-1328. Journal of Medieval History, Londres, v. 33, p. 60-86, 2007.).

Em ambas as regiões, as beguinas podiam conservar a posse de seus bens pessoais e administrá-los, visando o sustento da comunidade; para elas, a pobreza evangélica era interpretada numa outra chave de leitura: em vez de uma renúncia absoluta dos bens materiais, as beguinas tornavam a posse de dinheiro um meio para maximizar o trabalho assistencial e social. E o mais importante aqui: tanto as beguinas de Paris ou Liège, quanto as de Marselha, eram, como afirma Isabel Genecin, “profundamente integradas à fábrica urbana” (GENECIN, 2015, p. 38GENECIN, Isabel. In the world but not of the world?: Doucelina, Felipa, and the Beguines of Marseille. Dissertação de mestrado, História, Department of History, Columbia University, 2015.). Sentindo-se chamadas a agirem sobre as realidades sociais, marcadamente urbanas, as beguinas exerciam seu apostolado fora dos limites de suas residências religiosas, muitas vezes, sem nem sequer estarem ligadas a uma residência coletiva: em Marselha, por exemplo, havia o grupo das beguinas de vida comunitária, integradas a uma espécie de convento, porém, sem clausura, e aquelas chamadas de “enbeguinidas en la car r i e r a”, literalmente, beg uinas da rua, mulheres consagradas dispostas a contribuir diretamente com a população da cidade, ainda mais próximas da vida secular.

No entanto, as diferenças entre as comunidades do norte e do sul também podiam ser grandes. As beguinas de Liège dedicavam-se prioritariamente à manufatura têxtil, dirigindo oficinas que colocaram a comunidade (ou comunidades) em uma grande posição econômica e social (SIMONS, 2010, p. 627SIMONS, Walter. Holy women of the Low Countries: a survey. In: MINNIS, Alestair; VOADEN, Rosalynn (org.). Medieval holy women in the Christian tradition c. 1100-c. 1500. Turnhout: Brepols, 2010. p. 625-662.); a atividade artesanal, sem dúvida, era muito bem-vista socialmente, e as mulheres, por meio desse ofício, podiam desenvolver trabalhos próprios sem ofender os tabus sociais urbanos. Os mosteiros femininos operavam da mesma maneira, pois a Regra de São Bento impunha o trabalho manual e considerava-o parte irrenunciável do modo de vida monástico; porém, havia uma diferença básica entre as monjas e as beguinas: aquelas trabalhavam de acordo com uma lógica claustral, enquanto estas, segundo a lógica urbana. Em Marselha, acontecia algo totalmente diferente: as beguinas de Roubaud – como Doucelina as preferia chamar, praticavam um tipo de atividade econômica que, em termos culturais, talvez não contasse com a mesma aprovação: o empréstimo de dinheiro. No caso setentrional, os rendimentos econômicos advinham do trabalho manual direto; no caso marselhês, não vinham do trabalho, mas da concessão de crédito, uma prática que, certamente, não podia ser considerada um trabalho religioso em si mesmo (GENECIN, 2015, p. 40GENECIN, Isabel. In the world but not of the world?: Doucelina, Felipa, and the Beguines of Marseille. Dissertação de mestrado, História, Department of History, Columbia University, 2015.). Simons (2010, p. 67)SIMONS, Walter. Holy women of the Low Countries: a survey. In: MINNIS, Alestair; VOADEN, Rosalynn (org.). Medieval holy women in the Christian tradition c. 1100-c. 1500. Turnhout: Brepols, 2010. p. 625-662. também destaca a característica pauperista das beguinas nortenhas, que enfatizavam o trabalho manual e tendiam a evitar as transações monetárias.

E as diferenças entre os tipos de vida beguina não paravam por aí. No Norte, as comunidades beguinas eram ligadas diretamente às igrejas diocesanas (tanto em Liège quanto em Paris), ou seja, estavam sob a autoridade dos bispos e relacionavam-se com os cônegos e demais membros do clero secular. No Sul, as comunidades dependiam menos da igreja diocesana e mais da Ordem dos Frades Menores (franciscanos). No século XIII, os religiosos franciscanos da Provença eram ardentes militantes da reforma da Ordem, uma corrente interna que ficou conhecida como os espirituais franciscanos; religiosos espirituais provençais, como Pedro de João Olivi (c. 1248-1298), tendiam a apontar problemas inclusive no governo universal da Igreja católica e costumavam interpretar a história à luz das forças do anticristo (GENECIN, 2015, p. 15GENECIN, Isabel. In the world but not of the world?: Doucelina, Felipa, and the Beguines of Marseille. Dissertação de mestrado, História, Department of History, Columbia University, 2015.); outra diferença é que, no Norte, as beguinas quase sempre pertenciam a famílias aristocráticas de alta nobreza (BYNUM, 1982, p. 180BYNUM, Caroline. Jesus as mother: studies in the spirituality of the High Middle Ages. Berkeley: University of California Press, 1982.), enquanto no Sul, é possível encontrar mulheres menos aristocráticas ou não aristocráticas, como a própria Doucelina de Digne.

Quem era Doucelina de Digne

Quase tudo o que sabemos de Doucelina e dos primeiros anos da fundação de seu instituto vem de um relato hagiográfico, intitulado Vida de la Benaurada Sancta Doucelina mayre de las Donnas de Robaut (ALBANÈS, 1879ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.), e preservado em um único manuscrito, hoje, na Bibliothèque Nationale de France (BnF, MS fr. 13503). Esse texto foi primeiramente redigido por volta de 1297 e, recebeu, depois, uma versão definitiva, em 1314 – desde sua edição crítica e publicação, no século XIX, acredita-se que a obra foi escrita por uma mulher, certamente uma beguina da comunidade de Marselha, e há boas razões para supor que se tratava de Felipa de Porcelet (1260-1312), a sucessora de Doucelina como prioresa da comunidade e sua primeira discípula. É um texto em vernáculo provençal escrito segundo os usos de Marselha, e que segue o modelo da chamada Legenda Maior de São Francisco, composta por Boaventura de Bagnorégio, em 1260: na Vida, a autora, por exemplo, empenha-se em provar que Doucelina era um alter Franciscus, de modo muito semelhante aos argumentos que Boaventura usou para demonstrar que São Francisco de Assis havia sido um alter Christus.

Diferentemente das beguinas setentrionais, como Margarida Porete, Hadewijch de Brabante e Mechthild de Magdeburgo, Doucelina é bem pouco conhecida para além das fronteiras da Provença, onde fica a cidadezinha de Digne (hoje, Digne-les-Bains), na qual nasceu, provavelmente em 1214, e Marselha, onde faleceu, em 1274. Filha de ricos e devotos pais comerciantes, ela também era irmã do frade franciscano mais famoso do sul da França, Hugo de Digne (m. 1285), que entrou para a história como um ardoroso franciscano espiritual, defensor de ideias joaquimitas5 5 Relativo às ideias teológicas de Joaquim de Fiore (1135-1202), monge reformador e exegeta bíblico, cuja intepretação da história influenciou diversos autores e teólogos, sobretudo dentro da Ordem franciscana, que enxergavam na obra de Joaquim uma chave hermenêutica para explicar a urgência dos últimos tempos e a transformação integral da sociedade cristã. e apocalípticas. Criada desde cedo para uma vida de intensa devoção e cuidado para com os pobres – exemplo aprendido de seu pai –, Doucelina deixou-se tocar pelo espírito de renovação espiritual que estava provocando uma viva mudança nas práticas sociais, econômicas, religiosas e políticas dos habitantes das cidades da Provença.

Os historiadores costumam interpretar essa “renovação espiritual” a partir de uma chave de oposição entre clérigos e leigos e, consequentemente, defendem que o despertar eclesial dos leigos constituiu um movimento de contestação ao suposto monopólio clerical do sagrado6 6 Para essa discussão, os autores mais célebres – e que inauguraram uma tendência explicativa – são Raoul Manselli, Jacques Le Gof, André Vauchez e Brenda Bolton. . Quando aplicada ao sul da França, essa forma de analisar a vida religiosa dos leigos maximizou ainda mais a intensidade da contestação, pois os historiadores associaram a “renovação espiritual” à escalada da heresia, sobretudo, a heresia dita cátara, localizada tanto na Provença-Languedoc quanto no norte italiano.

Importante destacar que a vocação dos irmãos Hugo e Doucelina nasceu dentro de uma família de ricos comerciantes que, apesar do ofício – e talvez por causa dele – praticavam uma espiritualidade muito intensa, caracterizada pela prática da caridade com os pobres e que, de resto, não era coisa rara entre leigos, nem no sul da França nem em outro lugar da cristandade latina. É preciso notar que os religiosos e religiosas adeptos do extremo pauperismo e de rígida ascese foram gestados dentro de famílias como a de Doucelina (São Francisco de Assis talvez seja o exemplo mais f a m o s o) ; é insustentável afirmar que os leigos casados fossem menos entusiasmados pela renovação espiritual, quando notamos, pela Vida de Santo Homobono de Cremona, Santa Margarida de Cortona, Santa Ângela de Foligno ou Santa Doucelina, que os leigos muitas vezes é que deram os primeiros passos para as transformações da vida religiosa regular.

De fato, Doucelina até que tentou encaixar-se num desses institutos femininos renovados, as monjas clarissas de Gênova, entre as quais passou uma pequena temporada. Mas justamente ali, ela descobriu que a sua vocação não era a vida enclausurada, muito embora buscasse, como as clarissas, a extrema pobreza. Aproveitando as condições canônicas que favoreciam a opção por uma vida celibatária e pauperista sem a entrada num mosteiro e, inspirada por Hugo, Doucelina consagrou-se exclusivamente a Deus num modo de vida que, para muitos, é propriamente uma vida monástica, mas, para ela, era bastante diferente: tratava-se da vida penitencial na condição de leiga consagrada. O cronista Salimbene de Parma (1221-1290), que conheceu Doucelina quando de sua visita a Provença, em 1247, afirma que ela “nunca entrou numa ordem religiosa, mas viveu sempre, casta e religiosamente, no século” (SCALIA, 2007, p. 1532SCALIA, Giuseppe (ed.). Salimbene de Adam, cronica. Traduzione di Berardo Rossi. Parma: Monte Università Parma Editore, 2007.). A ênfase no aspecto secular da vida de Doucelina significa que ela continuou a ser vista, pela Igreja, como leiga, apesar de consagrada, e é essa condição que lhe facultou a possibilidade de engajar-se nos dramas de sua cidade.

No seguimento de seu irmão Hugo de Digne, Doucelina assumiu a prática ascética franciscana, que era compatível com a vida das clarissas italianas, porém optou por um caminho bem diferente daquele das Damas Pobres (nome oficial das clarissas): renunciando a um mosteiro formal, ela constituiu uma comunidade feminina autônoma, marcada por uma vida regular semiconventual e por trabalhos assistenciais prestados à população da cidade. Doucelina também se distinguiu de Clara de Assis ao não obrigar suas discípulas ao voto de pobreza radical, como ela mesma havia feito: as consagradas mantinham os bens pessoais, que eram investidos para o sustento econômico da própria comunidade, como ocorria entre as beguinas do Norte.

Essa decisão de deixar as irmãs possuírem bens é bastante curiosa: Doucelina reconhecia tanto o valor espiritual da pobreza consentida quanto o perigo moral da acumulação de dinheiro; além disso, ela era discípula de Hugo de Digne, ninguém menos do que o pivô de uma intensa disputa pela pobreza radical dentro Ordem franciscana. É justamente aqui que, a meu ver, reside a novidade da instituição beguinal como um todo, e a proposta das beguinas provençais, de modo particular: trata-se, sim, de uma forma vitae inspirada pelo movimento de reforma da vida religiosa que, desde meados do século XII, já arrebatava todo gênero de religiosos e muitíssimos leigos; porém, diferentemente de grande parte das novas comunidades, marcadas pelo pauperismo radical ou moderado e pela pregação itinerante, as beguinas optaram por um uso pragmático dos bens, sem tornar a pobreza uma condição de perfeição espiritual; nisso, elas compartilhavam o entendimento professado pelas casas monásticas mais antigas, sem, contudo, abrirem mão da autonomia em relação às tendências conventuais e religiosas do século XIII.

Desafiando os tradicionalistas e os radicais inovadores da pobreza absoluta, as beguinas mostraram-se muito bem adaptadas para lidar com a sociedade urbana que, no século XIII, complexificava-se ao mesmo tempo em que se enriquecia: a cidade de Marselha, por exemplo, mesmo com seu porto bem estruturado, estava longe de mobilizar as riquezas que circulavam por Gênova, Pisa ou Barcelona, porém seu crescimento econômico e populacional, a partir de 1250, é evidente, e foi muito bem sentido na discrepância entre pobres e ricos.

Doucelina de Digne levou seu instituto para Marselha justamente quando a cidade atingia a maior cifra de habitantes de toda a Idade Média, reunindo cerca de 20 mil pessoas; esse auge populacional foi seguido de um outro, a inaudita proliferação de instituições eclesiais, sejam leigas, na forma de irmandades e confrarias, sejam regulares, sob inspiração das Ordens mendicantes: até 1250, instalaram-se na cidade praticamente todos os tipos de comunidades religiosas mendicantes, já presentes na Itália e na França, bem como fundaram-se diversas confrarias, particularmente envolvidas com prestação de serviço à saúde: no Testamento do Bispo de Marselha, chamado Bento de Alignan (Benoît d’Alignan), de 27 de agosto de 1260, são mencionados oito hospitais – para uma cidade de 20 mil habitantes –, além de um leprosário (MICHAUD, 2009, p. 34MICHAUD, Francine. Le pauvre transformé: les hommes, les femmes et la charité à Marseille, du XIIIe siècle jusqu’à la Peste Noire. Revue Historique, Paris, v. 650, n. 2, p. 243-290, 2009.).

A linguagem da extrema pobreza agradava, de fato, os espíritos devotos, porém era inalcançável para a grande maioria de uma comunidade civil. Os índices de leigos engajados em confrarias penitenciais, em Marselha, que podiam chegar a 54% da população feminina7 7 A autora chega a essa cifra com base num inventário de 436 testamentos, entre 1248-1348 (MICHAUD, 2009, p. 254). , apontam para o quanto os féis daquele período eram sensíveis a uma vida religiosa qualitativamente mais intensa, mas, sendo pessoas civis, optaram por atuar no campo da caridade assistencial e na acolhida aos enfermos. O comedimento das beguinas, em matéria de pobreza, correspondia à via média das confrarias penitenciais leigas e, a bem da verdade, o diferencial das beguinas em relação às mulheres devotas residia mais na opção pelo celibato e pela vida em comum do que na prática da ascese, do serviço aos pobres e da meditação da Paixão de Cristo, coisas pelas quais as mulheres devotas e as confrarias penitenciais nutriam grande afeto. No entanto, Doucelina assumiu o papel de mestra de mulheres, dentro e fora de sua comunidade; a nova teologia do Cristo Crucificado, que ela aprendeu com os franciscanos espirituais, tornou-se a matéria de seu magistério, o traço mais forte de sua espiritualidade e seu principal conteúdo doutrinário. E foi esse magistério que, a despeito de similaridade de intenções com outros movimentos, particularizou as beguinas de Marselha e colocou-as em evidência.

As beguinas de Roubaud: o que eram?

É no capítulo II da Vida de la Benaurada Sancta Doucelina (doravante chamada apenas de Vida) que encontramos a única narrativa sobre as origens do movimento penitencial e assistencial de Doucelina de Digne. Nele, Felipa de Porcelet procura ressaltar que os principais objetivos de sua comunidade – o socorro dos pobres e dos enfermos – já eram perseguidos pela fundadora desde sua adolescência, pois ela teria aprendido a servir os necessitados, a acolhê-los em sua própria casa e a procurar minorar seus sofrimentos com seus genitores, particularmente, com seu pai, a quem Felipa descreve como um rico comerciante totalmente devotado à caridade e aos atos de solidariedade. Em outras palavras, Doucelina não precisou, como São Francisco ou Santa Clara de Assis, passar por um processo de conversão – correspondente à entrada na vida religiosa – para encontrar o pobre e para descobrir o caminho da santidade pela prática da misericórdia. Ela já cresceu numa família em que o comércio não era oposto nem à fé nem à espiritualidade. Segundo a hagiógrafia, quando o pai de Doucelina voltava para a casa, trazia consigo algum pobre, a quem oferecia hospedagem, alimento e cuidado; nessas ocasiões, ele costumava dizer à santa: “minha filha, eis que te trago o lucro” (ALBANÈS, 1879, p. 7ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.).

Independentemente dos níveis de veracidade desse diálogo, importa frisar que Felipa, que descreve a sua própria adesão à causa de Doucelina, era também uma mulher rica, que empenhava seus recursos para ajudar os pobres, partilhava os mesmos ideais que animavam o pai de Doucelina e, tal como este, ela traduzia a linguagem do lucro pelo idioma da caridade e da devoção. Isso corresponde bem ao clima espiritual de Marselha, como demonstrado por Francine Michaud, que estudou os testamentos de leigos congregados em confrarias da cidade: lucrar dinheiro para gastar com os pobres era o modo como os féis confrades participavam do movimento espiritual pauperista, que varreu a cristandade latina, desde o século XII, intensificando-se no XIV. Seja na Provença ou na Itália setentrional, os leigos encontraram uma espiritualidade própria no congregacionismo penitencial, confrarial, solidarístico, totalmente dependente da ideia de lucro mercantil investido em obras de caridade, o que levou Nicholas Terpstra (2013)TERPSTRA, Nicholas. Cultures of charity. women, politics, and the reform of poor relief in Renaissance Italy. Cambridge/MA: Harvard University Press, 2013. a falar em “culturas da caridade”.

Terpstra cunhou a expressão culturas da caridade para analisar o pioneirismo das mulheres italianas, particularmente as de Bolonha, na formulação de projetos e soluções para o alívio dos problemas derivados da extrema pobreza, da violência, da discriminação e da economia elitista, que predominavam no norte do país. Congregadas numa irmandade chamada Opera Pia dei Poveri Mendicanti, as mulheres estudadas por Terpstra decidiram promover iniciativas sociais que acabaram interferindo no debate político dominado por homens, e por homens da elite, que geriam um sistema republicano que nada tinha de inclusivo. Em Marselha, na época de Felipa de Porcelet, não era muito diferente, como apontam os estudos de Francine Michaud: mulheres organizadas em instituições devocionais totalmente leigas ou semirreligiosas, como é o caso das beguinas provençais, gerenciavam recursos monetários para a manutenção de uma dezena de hospitais e casas de acolhida à população vulnerável.

Foi no ano de 1244 que Doucelina de Digne organizou suas discípulas numa comunidade estável, a que deu o nome de as Damas de Roubaud. Como vimos anteriormente, “Damas Pobres” era o nome pelo qual Clara de Assis chamava a sua comunidade de eremitas urbanas mendicantes, as clarissas de São Damião, que, naquele momento, nem sequer tinham ainda a sua Forma de Vida aprovada pela cúria romana, o que veio a ocorrer apenas em 1252.

Ainda é cedo para concluir qualquer coisa nesse sentido, mas creio que Doucelina pode ter lançado mão do título de damas não só porque a sua comunidade era majoritariamente formada por mulheres bem-nascidas e aristocráticas, mas para demarcar o seu lugar na constelação das comunidades que apelavam para a memória de São Francisco de Assis – no caso de Clara, as Damas Pobres eram virgens enclausuradas, que se viam como esposas de Cristo; no caso de Doucelina, as Damas de Roubaut eram viúvas, virgens e solteiras, que seguiam rigidamente o franciscanismo, porém, engajadas no trabalho civil e abertas às praças e ruas da cidade de Marselha. Em outras palavras, temos que considerar a possibilidade de Clara de Assis não ter sido a intérprete feminina predominante do carisma franciscano e, ao mesmo tempo, considerar que o eremitismo enclausurado, vivido por ela, não foi uma imposição da Igreja em vista de ser impossível às mulheres viverem fora de uma clausura, mas tão somente a escolha de Clara por essa via, nem mais nem menos legítima do que aquela escolhida por Doucelina de Digne.

Na Vida, ocorrem dois vocábulos muito elucidativos da condição da comunidade das Damas de Roubaut: estamen (instituto) e religion (religião, no sentido de ordem religiosa). Esses vocábulos são definidos no capítulo 3 dessa hagiografia, e ambos remetem para o aspecto religioso do modo de vida proposto por Doucelina; sob o risco de redundância, é preciso destacar isso, pois na historiografia das beguinas, é muito comum encontrar a enfática defesa de que elas eram leigas, em nada semelhantes às monjas tradicionais, e isso não corresponde totalmente nem ao caso setentrional e muito menos ao meridional, pois Doucelina, se quisesse ter fundado um instituto leigo, não teria tido dificuldade alguma em o fazer, já que a Provença, no século XIII, estava infestada de fundações leigas, altamente espirituais, devocionais e missionárias. A escolha pelo estamen (instituto) religioso é deliberada, e respeita os propósitos de vida comunitária alimentados pela própria fundadora, donde o espaço narrativo que Felipa de Porcelet reserva para descrever como Doucelina idealizou o hábito religioso que as beguinas deviam vestir: esposas de Cristo e discípulas de sua Mãe, as beguinas provençais deviam ser reconhecidas nas ruas como portadoras do hábito da Paixão de Cristo, separadas de uma vida mundana, dedicadas à meditar as chagas de Cristo e a aliviar essas mesmas chagas presentes, então, nos pobres da cidade (CAROZZI, 1974CAROZZI, Claude. Une béguine joachimite: Douceline, soeur d’Hugues de Digne. Cahiers de Fanjeaux, Toulouse, v. 10, p. 169-201, 1974.).

Do começo ao fm da Vida, o movimento de Doucelina apresenta-se muito dependente dos resultados da pregação dos franciscanos provençais, sobretudo Hugo de Digne, que incutia nas populações urbanas do sul da França o desejo de seguirem “um caminho de penitência e de honestidade” [via de penedensa e de honestat], o que tornava as beguinas de Marselha, nada mais nada menos, do que simplesmente as primeiras cumpridoras deste ideal que era proposto a todos, não só aos religiosos. Os pregadores despertavam o desejo de engajamento religioso entre as mulheres, e estas respondiam assumindo o projeto da penitência dentro da instituição de Roubaut, seguindo o estamen e la bona doctrina de Doucelina.

Foi Doucelina, decididamente, quem nomeou as suas discípulas de ‘beguinas’ porque, segundo a Vida, ‘beguina’ é a mulher que segue o exemplo da Mãe de Jesus, a primeira beguina – trata-se de uma leitura toda particular do significado do termo, bem como da inspiração teológica do movimento. No Testamento de Felipa de Porcellet (de 24 de novembro de 1312), a instituição beguinal de Roubaut é chamada de Congregatio dominarum beguinarum (Congregação das Damas Beguinas). Seu propositum vitae era: conservar a vida honesta e casta no estado da penitência (in statu penitentie vitam honestam et castam conservando), lembrando que, como vimos no início, o status penitentie, juridicamente, não era a mesma que a vita regularis, significando mais propriamente a vida semirreligiosa.

No capítulo 4 da Vida, o costume das beguinas de Marselha é assim definido: “[o] modo de vida delas era todo angelical, pois elas viviam a vida dos anjos entre as pessoas, de modo que, em suas palavras e ações, a pureza delas não parecia coisa de mulheres” (ALBANÈS, 1879, p. 26ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.). Linhas atrás, Felipa afirmara que Doucelina havia dito que “uma beguina foi feita para chorar e não para cantar”: tanto num caso como no outro, a Vida procura destacar a especificidade da comunidade de Doucelina, não em face do movimento beguino mais amplo, aquele do Norte, mas, em face das irmandades femininas leigas de Marselha, nas quais as mulheres praticavam, sim, a penitência, porém num nível de ascetismo muito mais leve do aquele que uma beguina douceliniana esperava praticar. A “vida angélica” ou a “experiência do choro” podem ser expressões demarcadoras do distanciamento que Doucelina tomava frente a formas mais mitigadas de ascese, ainda que as práticas externas ou públicas dessa ascese coincidissem com aquelas das irmandades leigas femininas; dito de outro modo, a beguina douceliniana distinguia-se mais pelo que diz ser do que pelo que pratica.

Na “Fórmula de profssão das beguinas de Marselha”, como anotada por Felipa de Porcelet (ALBANÈS, 1879, p. 257ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.), explicitam-se os compromissos assumidos pelas Damas: a beguina consagra a Deus, por todo o tempo de sua vida, a sua virgindade, dentro de uma comunidade estável de damas igualmente consagradas. Além da virgindade, o ato de profssão também inclui a promessa de obediência à superiora da casa e a todas as demais sucessoras; por fm, a beguina promete “guardar e observar o estament de Roubaut de Marselha, segundo a confirmação do Papa João (XXII)”. Por essa fórmula de profissão, não restam dúvidas de que as beguinas de Marselha, com o ato livre e público de sua promessa, deixavam o estado propriamente civil e abraçavam um estado de vida consagrada, dentro de uma comunidade reconhecida pela máxima autoridade católica, o romano pontífice.

O termo estament, que antes traduzi por instituto, pode também ser entendido aqui como modo de vida, ou até como regra, se não pensarmos a regra como unicamente um texto normativo. O estament das Damas de Roubaut incluía a casa, a instituição beguinal e seu modo de vida, com todos os valores professados pelas discípulas de Doucelina. Em Marselha, as beguinas assumem muito mais o modo de viver das mulieres religiosae do que das mulheres leigas, contrariando, com isso, o modelo das beguinas setentrionais e germânicas. Isso não significa que as beguinas marselhesas levassem uma vida claustral, como vimos; a Vida ressalta que as Damas viviam entre as pessoas, se bem que organizadas em dois tipos de grupos: as beguinas de vida comum (residentes na casa de Roubaut) e as beguinas externas, isto é, as que continuavam a residir em suas próprias casas familiares, num registro ainda muito próximo ao das congregadas leigas, donde a confusão entre os gêneros de vida. De todo modo, a casa de Roubaut estava longe de ser um claustro ou mesmo um eremitério urbano, como aquele de Clara. Sejam as beguinas de vida comum, sejam as “beguinas de rua”, todas tinham uma vida de contato direto com a população, mormente aquela parte da população com a qual o grupo beguinal esperava servir: os mais pobres da cidade.

Na Vida, mencionam-se as obras de caridade feitas pelas beguinas de Roubaut, dando ênfase ao trabalho com os doentes, aqueles caídos pelas ruas e os que eram recolhidos em hospitais, mantidos, nesse caso, por outras instituições pias. Afirma Felipa: “[Doucelina] fazia as [beguinas] se cansarem de servir os doentes; e nesse serviço não queria que elas atendessem apenas os religiosos [fraires], mas os pobres enfermos, até mesmo nos hospitais [espitals]” (ALBANÈS, 1879, p. 52ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.). Ao não transformar a residência da comunidade num verdadeiro hospital, as beguinas de Marselha resguardavam-se das enormes despesas que uma instituição hospitalar demandava; por outro lado, afirmavam a sua autonomia em relação às irmandades hospitalares que, controlando os proventos, controlavam também os congregados. Doucelina abria-se ao serviço comum aos pobres, executado pelos leigos, mas não se submetia ao regime laico de administração das organizações caritativas, nem ao regime eclesiástico dos cônegos e do bispo, e essa autonomia, que tentava a duras penas equilibrar-se entre ambos os regimes, pode ter custado o fm da comunidade de Roubaut, em 1407, quando a última das casas do instituto foi doada aos franciscanos (BLUMENFELD-KOSINSKI, 2010, p. 245BLUMENFELD-KOSINSKI, Renate. Holy women in France: a survey. In: MINNIS, Alastair; VOADEN, Rosalynn (org.). Medieval holy women in the Christian tradition, c. 1100-c.1500. Turnhout: Brepols, 2010. p. 241-265.).

As beguinas e a cidade: a cultura da caridade

A Vida de la Benaurada Sancta Doucelina é um texto hagiográfico, composto segundo a mais estrita cartilha da oratória sacra edificante; por essa razão, os meandros mais prosaicos da instituição beguinal são obviamente silenciados, para a nossa tristeza. Por exemplo, a Vida omite que as beguinas de Marselha estavam envolvidas nas atividades comerciais da cidade, e que, com seu dinheiro – que não era pouco – elas investiam em contratos marítimos arriscados. Ao “falar” muito de Doucelina, a Vida “fala” pouco das beguinas.

Mesmo assim, a Vida nos permite inferir várias conclusões: a comunidade beguinal de Marselha era um centro de atividades caritativas, atestado pelas grandes autoridades da região, que frequentavam a casa, como o conde de Anjou, Carlos I, Jacques Vivaud de Cuges e Raymond de Puy. Essa casa, além disso, servia como ponto de acolhida para necessitados, seja em termos sanitários, seja no sentido espiritual, demonstrando que as beguinas tinham inclusive uma função de formação e instrução religiosa. Também é possível inferir que a casa de Roubaut desempenhava papel semelhante aos hospitais e albergues da cidade, de modo que as beguinas estavam bastante integradas à vida urbana de Marselha (GENECIN, 2015, p. 25GENECIN, Isabel. In the world but not of the world?: Doucelina, Felipa, and the Beguines of Marseille. Dissertação de mestrado, História, Department of History, Columbia University, 2015.).

Quanto a isso, podemos conseguir ainda mais informações nos documentos mercantis editados por Louis Blancard (1884, p. 371-380). Entre 1280 e 1288, as beguinas doucelinianas aparecem em oito contratos de empréstimo de dinheiro, que foram firmados pelos membros da comunidade e por habitantes da cidade. Desses oito contratos, cinco eram commenda, isto é, um tipo de relação de empréstimo de capital mediante o qual um commendator transferia bens para um trac tator, que deveria investir o capital em atividades por ele definidas no próprio contrato. No caso das beguinas, a commenda era unilateral, ou seja, o commendator (isto é, as beguinas) mantinha a total responsabilidade pela possível perda de capital, porém podia exigir até três quartos de todo o rendimento obtido pelo tractator: a operação era arriscada, mas, em dando tudo certo, o lucro era verdadeiramente assombroso. Isso tornava as beguinas marselhesas mulheres ricas e influentes, o que poderia parecer um contrassenso diante da opção pela pobreza, característica da fundadora. Felipa de Porcelet, que também dirigiu a comunidade após o falecimento de Doucelina, procurou justificar o acúmulo de dinheiro no capítulo VIII da Vida, no qual se pode ler o seguinte:

Sua caridade [isto é, de Doucelina] voltava-se sobretudo para os pobres e os enfermos, a quem ela servia com uma maravilhosa afeição socorrendo a todos que ela podia. Quando não era possível solucionar os problemas temporais, ela dava todo o seu coração voluntariamente e submetia seu corpo a todos os serviços que podia fazer. (ALBANÈS, 1879, p. 66-67ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.)

Doucelina queria que suas beguinas gastassem tudo o que tinham com o cuidado dos pobres. Na Vida, consta que ela enviava as consagradas pelas ruas das cidades à procura dos pobres para trazê-los para a residência das Damas. O texto provençal de Felipa emprega dois termos técnicos para indicar onde esses pobres se concentravam, e onde as beguinas os deviam servir: hostals e alberc. É difícil precisar o quanto a casa das Damas se diferenciava desses centros de acolhida. O texto permite associá-los à comunidade, como também os diferenciar. Seja como for, as beguinas tanto abrem suas casas para os pobres como habitam em casas destinadas a acolhida dos pobres. Nesse mesmo capítulo VIII, sob a grafia espital, aparece o sanatório de enfermos, que era igualmente um local de trabalho para as beguinas, um centro de tratamento de doentes. Felipa insiste que todos os pobres da cidade tinham direito a uma cama na residência das beguinas, e que elas não recusavam a ninguém.

No levantamento prosopográfico realizado por Isabel Genecin, observa-se que as beguinas citadas na Vida pertenciam, todas, a famílias politicamente bem estabelecidas na cidade ou na região, como a família Porcelet (Felipa, Maragda e Felipa), os senhores de Puget (Madame Ricssend) e os senhores de Fos (Huga) (GENECIN, 2015, p. 40GENECIN, Isabel. In the world but not of the world?: Doucelina, Felipa, and the Beguines of Marseille. Dissertação de mestrado, História, Department of History, Columbia University, 2015.). Por outro lado, as beguinas nomeadas nos contratos de Marselha não provinham de famílias conhecidas ou bem estabelecidas (com exceção de Mabilia de Fos), mas eram mulheres de posses. Somando os dois grupos, fica claro que a comunidade de Roubaut congregava mulheres da aristocracia e da burguesia urbanas, e que, justamente pela característica socioeconômica dos membros, pode-se dizer que as beguinas de Marselha se comportavam autonomamente em relação à administração de seus bens, dirigindo-os segundo a sua própria cultura da caridade.

Nesse mister, destacou-se Felipa de Porcelet, principal companheira de Doucelina, sua benfeitora e mais evidente representante. Ela era viúva quando se acercou do movimento e, conforme o direito vigente em Marselha, tinha toda a liberdade jurídica de lidar com seu patrimônio. Sob a inspiração de Doucelina, foi ela quem implementou as políticas de geração de renda que permitiam que as beguinas investissem nas instituições de socorro social, na cidade. A opção pela pobreza, obviamente, foi interpretada numa chave, digamos, menos franciscana, porém bastante criativa: o desapego do dinheiro tornou-se um mecanismo de geração de renda em vista das atividades da comunidade. Assim, as beguinas mostravam ser penitentes, como quaisquer outros penitentes, porém penitentes altamente empreendedoras.

Felipa pode ser vista como um contraponto da própria fundadora, que optou por uma vida de pobreza radical. Ao contrário de Doucelina, Felipa mitigou a pobreza pessoal, deu-lhe uma finalidade econômica e fez com que se tornasse um meio de socorrer aqueles que eram pobres verdadeiramente, sem opção alguma. Felipa atuava como investidora nos espaços públicos de Marselha; ela tinha representantes legais que, em seu nome, faziam negócios, preferencialmente comprando e vendendo terras e imóveis. Isabel Genecin e Martin Aurell notam que, em pelo menos um dos contratos de compra de terras, Felipa camufou, na verdade, uma transação monetária que devia lhe render juros, uma prática certamente incompatível com o estado de beguina, daí a necessidade de disfarçar a transação.

Essas evidências documentais demonstram, pelos menos, dois dados interessantes: por um lado, Felipa realmente se preocupava com a sobrevivência material de sua comunidade e, por outro, que as beguinas de Marselha eram hábeis negociadoras, mulheres de vida prática, apesar de formarem uma comunidade que, sob a condução espiritual de Doucelina, buscava a vida contemplativa. Os documentos listados por Martin Aurell (2001)AURELL, Martin. Actes de la Famille Porcelet d’Arles (972-1320). Paris: Éditions du Comité des Travaux Historiques et Scientifques, 2001. (sobretudo os documentos de número 464, 558 e 567) dão conta de nos apresentar uma mulher extremamente precavida nos negócios, enérgica e ciosa de seus direitos; ela jamais deixava passar o saldo devedor de seus credores, mesmo quando estes morriam antes da quitação, o que levava Felipa a protestar a dívida junto aos tribunais, forçando os herdeiros do devedor a pagar o que lhe era devido. Além do investimento em terras e vinhas, Felipa aplicava seu dinheiro nos negócios artesanais e comerciais de Marselha, bem como mantinha fortes relações com os grandes investidores da cidade.

A julgar pelo testamento que Felipa legou, em 24 de novembro de 1312, vê-se que a vida que ela levou como beguina estava longe de ser dura ou restrita: as doações que fez a dezenas de igrejas e conventos da cidade e região atestam sua imensa riqueza. O testamento menciona uma mulher chamada Huga de Caprerio, que trabalhou como sua servente até o dia de sua morte; para esta serviçal, Felipa legou 15 libras e alguns acessórios de tecido luxuosos (ALBANÈS, 1879, p. 272ALBANÈS, Joseph. La Vie de Sainte Douceline fondatrice des Béguines de Marseille. Marselha: Étienne Camoin/Libraire-Éditeur, 1879.); ela constituiu herdeiras universais de suas propriedades fundiárias e imobiliárias a suas duas sobrinhas, Maragda e Felipa, filhas de seu irmão Bertran Porcelet, que também herdaram suas baixelas de prata, bem como os cômodos que ela possuía na residência das beguinas de Marselha. A soma de todas as suas doações totaliza 500 libras, montante suficiente para fazer dela uma mulher, de fato, muito rica, porém igualmente empreendedora, característica marcante das culturas da caridade, de que falava Nicholas Terpstra.

O caso das beguinas de Marselha, pouquíssimo conhecido e pouco estudado, instiga-nos a rever diversos pressupostos enraizados em nossa imaginação histórica: mulheres “medievais” bastante autônomas, econômica e espiritualmente, uma vida religiosa feminina adaptada às urgências de uma cidade mercantil em pleno boom populacional, com mais dinheiro circulando e mais pobres caídos nas ruas. Uma sociedade monetarizada, urbanizada, conectada, em que mulheres e homens se associavam para preservação e aumento de direitos. Os diversos movimentos confrariais, laicos ou semirreligiosos, dão conta de demonstrar a adaptabilidade das comunidades eclesiais ao seu entorno.

Se Caroline W. Bynum (1982, p. 15)BYNUM, Caroline. Jesus as mother: studies in the spirituality of the High Middle Ages. Berkeley: University of California Press, 1982. tem razão, quando afirma que o movimento beg uino era uma v ida atrativa e alternativa por ser contrastante com o monasticismo tradicional, temos que reconhecer que também é verdade que as beguinas não miravam unicamente o modelo monástico, pois também mantiveram uma fecunda tensão com as associações devocionais leigas, mais espontâneas, que muito se pareciam com as comunidades beguinais. Ambos os movimentos mostravam que a religião nunca foi nem será monopólio exclusivo de sacerdotes, ainda que puros e espirituais.

Uma leitura espiritualizante da vida religiosa, devedora, certamente, de uma mística negativa surgida no século XIII, tem ainda iludido os historiadores e historiadoras do século XXI. Porque geralmente se analisa a vida religiosa pelo critério da fuga mundi, olha-se para as beguinas como rebeldes, contestatárias, propensas à heresia, mas isso depende do ponto a partir do qual nós as observamos. Elas, por sua vez, enxergavam-se dentro das cidades, no Quartier Latin, em Paris, ou nos arrabaldes de Marselha; tanto lá como aqui, as beguinas foram inventivas não porque beguinas, mas beguinas justamente porque inventivas. É o monge que faz o hábito! E as beguinas inventaram suas comunidades para responder à cidade e às suas urgências. Portanto, as beguinas precisam urgentemente serem consideradas desde a situação das sociedades urbanas e das condições econômicas dos séculos XIII e XIV.

Neste texto, procurei mostrar como as beguinas de Marselha, inovando dentro da tradição, responderam aos desafos da cidade. Não foram nem mais nem menos religiosas por terem interpretado a opção pela pobreza com maior ou menor radicalidade. As mulheres do Ocidente latino medieval talvez nunca tenham tido, como durante os séculos XIII a XV, tanta condição de moldarem a sua participação na vida política e espiritual quanto tiveram por meio das culturas da caridade. Estas culturas, sempre abertas a novas interpretações, permitiam que a cada cidade ou região, a cada confraria ou movimento, outras formas de vida comunitária aparecessem e outras formas de assistência social afirmassem-se. As beguinas de Marselha demonstraram que era possível acumular dinheiro na terra sem perder o tesouro nos céus. Estavam muito bem preparadas para os desafos de uma sociedade mercantil (TODESCHINI, 2004, p. 159TODESCHINI, Giacomo. Ricchezza francescana: dalla porvertà volontaria alla società di mercato. Bolonha: Il Mulino, 2004.) cada vez mais integrada com as grandes redes de comércio internacional (EPSTEIN, 1996EPSTEIN, Steven. Genoa and the Genoese, 958-1528. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996.).

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    A cifra pode parecer desmedida, porém encontra respaldo em estudos específicos (MILLER, 2007, p. 65MILLER, Tanya. What’s in a name: clerical representations of Parisian beguines, 1200-1328. Journal of Medieval History, Londres, v. 33, p. 60-86, 2007.; SIMONS, 2001, p. 60SIMONS, Walter. Cities of ladies: beguine communities in the Medieval Low Countries, 1200-1565. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2001.).
  • 4
    A vida de penitência, bem entendida, podia incluir também não celibatários, como sucedia aos membros das irmandades penitenciais, principalmente na Itália; porém, os exemplos de penitentes socialmente mais aclamados eram aqueles em que o celibato, a renúncia aos bens e níveis moderados de separação do século eram evidentes, como demonstrado no caso de Umiliana dei Cerchi de Florença (1219-1246), Margarida de Cortona (1247-1297), Rosa de Viterbo (1233-1251) e Ângela de Foligno (1248-1309) (THOMPSON, 2005, p. 182-183THOMPSON, Augustine. Cities of God: the religion of the Italian communes. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2005.).
  • 5
    Relativo às ideias teológicas de Joaquim de Fiore (1135-1202), monge reformador e exegeta bíblico, cuja intepretação da história influenciou diversos autores e teólogos, sobretudo dentro da Ordem franciscana, que enxergavam na obra de Joaquim uma chave hermenêutica para explicar a urgência dos últimos tempos e a transformação integral da sociedade cristã.
  • 6
    Para essa discussão, os autores mais célebres – e que inauguraram uma tendência explicativa – são Raoul Manselli, Jacques Le Gof, André Vauchez e Brenda Bolton.
  • 7
    A autora chega a essa cifra com base num inventário de 436 testamentos, entre 1248-1348 (MICHAUD, 2009, p. 254MICHAUD, Francine. Le pauvre transformé: les hommes, les femmes et la charité à Marseille, du XIIIe siècle jusqu’à la Peste Noire. Revue Historique, Paris, v. 650, n. 2, p. 243-290, 2009.).

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2021
  • Aceito
    29 Abr 2022
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