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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DAS CRISES* * Este artigo é uma versão modificada do texto por mim apresentado para a prova de erudição do concurso para Professor Titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) realizado em março de 2018. Toda a bibliografia empregada é citada no artigo, não publicado em plataforma preprint.

HISTORY AND HISTORIOGRAPHY OF CRISES

Resumo

Partindo da experiência contemporânea das crises econômicas e políticas, determinadas por fatores percebidos como incontroláveis, este artigo retoma algumas das mais importantes perspectivas historiográficas do século XIX ao XXI sobre o fenômeno. As teorias de colapso e de tempo cíclico são examinadas de um ponto de vista que busca estabelecer não só o conteúdo dos conceitos envolvidos como também a modalidade de sua ocorrência. Trata-se de apreender como cada teoria explica se a ocorrência das fases de um ciclo ou da derrocada de um sistema social resulta de condições casuais ou necessárias.

Palavras-chave:
Crises; colapso; ciclos; fatalidade ; necessidade relativa; acasos

Abstract

Taking as its starting-point the current experience of economic and political crises worldwide determined by elements seen as uncontrollable, this article resumes some of the main historiographical perspectives from the XIX-XXI century on the phenomenon. Theories of collapse and cyclical time are examined from a point of view that seeks to grasp not only the content of concepts but also their logical modality, i.e. how each theory explains the occurrence of the alternating phases in a cycle or of the debacle of a social system results from casual or necessary conditions.

Keywords:
Crisis; collapse; cycles ; fatality; relative necessity; chance

A consciência de viver um momento especial da história, no qual termina uma era e começa outra, não é privilégio da modernidade. Em muitas épocas houve essa sensação e o tempo foi concebido na forma de um círculo ou de uma espiral. De fato, a concepção cíclica do tempo predomina em várias sociedades do passado, em geral associada aos ritmos da natureza e às atividades econômicas baseadas neles, como a agricultura e a pecuária. Daí foi só um passo para que fossem imaginados pontos de inflexão mais ou menos violentos nesses ciclos. É o caso do Apocalipse cristão ou do Pachacúti peruano, quando a inflexão é atribuída à vontade divina ou a cataclismos cósmicos. Ou ainda, o caso das transmutações políticas (metabolai politeion) de Platão e Políbio, e, mais tarde, das revoluções, quando a inflexão é atribuída aos mecanismos do próprio acontecer humano. A princípio, tratava-se disso mesmo: de um mecanismo, comparável às órbitas das esferas celestes. Não é outro o significado da palavra “revolução” no título da obra capital de Copérnico, como nos informa Hannah Arendt.1 1 “The word ‘revolution’ was originally an astronomical term which gained increasing importance in the natural sciences through Copernico’s De revolutionibus orbium coelestium” (ARENDT, 1990, p. 42). Antes dessa referência, Arendt falava do conceito de metabolé politeion de Platão e de Políbio (ARENDT, 1990, p. 21-22). Só muito depois, esses pontos de inflexão no destino das sociedades passaram a ser chamados de “crises” (KOSELLECK, 1982KOSELLECK, Reinhart et al. Geschichtliche Grundbegriffe. Bielefeld: Klett-Kotta, 1982., p. 617-651). Mas tão logo isso aconteceu, a própria concepção de história foi transformada.

Neste artigo, examino as formas assumidas pelo conceito de crise na historiografia de matriz europeia, aqui representada por autores e correntes de pensamento que considero emblemáticas na experiência singular pela qual a história passou a ser vivida como modernidade. Pontuada pelas crises, a história parece romper com tradições e instituir constantemente o novo, nem sempre de acordo com a vontade e a consciência dos agentes, e sim por uma dinâmica misteriosa que os historiadores vêm tentando explicar, de modo mais ou menos explícito, desde a Renascença italiana.2 2 Penso aqui no famoso conceito de fortuna de Maquiavel (1468-1527), que baliza o não menos famoso conceito de virtú tanto em Il Principe, de 1513, quanto nos Discorsi sulla prima deca di Tito Livio, de 1521. Penso também nas Storie fiorentine escritas em 1509 por Francesco Guicciardini (1483-1540), autor que discorda de Maquiavel sobre o caráter do condicionamento histórico, mas que também coloca em primeiro plano as ações dos governantes como sinal da capacidade de transformar condições adversas imponderáveis. Nas crises, o mecanismo do acontecer humano parece muito mais próximo do arbitrário da vontade divina ou do acaso das catástrofes naturais do que de algo controlável e inteligível; parece uma fatalidade tão definitiva quanto a dos heróis nos mitos e nas tragédias teatrais da Antiga Grécia.

Deixarei de lado, portanto, as concepções de crise para as quais, como em certos conflitos políticos, todos os problemas poderiam ter sido aparentemente evitados se fossem outras as circunstâncias ou as atitudes dos envolvidos. Esses casos não correspondem à experiência moderna do mal-estar ou do estranhamento diante do controle da vida por forças externas e implacáveis. Concentrado nessa experiência específica da atualidade, começo pela definição mesma de “crise” tal como surge e se modifica historicamente de acordo com Reinhart Koselleck; a seguir, faço considerações inspiradas na obra de Karl Marx sobre a modalidade das crises - modalidade tanto no sentido da forma temporal quanto no do caráter necessário ou casual que as crises adquirem para esse autor; desenvolvo o tema, apresentando as reflexões da história social e da história econômica de tradição francesa, inglesa e alemã do século XX, para concluir com aspectos recentes, tanto do debate historiográfico quanto da situação econômica e política. Num momento em que o mundo passa por uma crise econômica profunda como a que se iniciou oficialmente com a falência do Banco Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, creio não ser preciso acrescentar outras justificativas para tais escolhas e definições.

Origens da crise

Em Crítica e crise: patogênese do mundo burguês, de 1954, Reinhart Koselleck (1923-2006) afirma existir um nexo estreito entre as duas palavras que compõem o título do livro, decorrente da origem comum no verbo grego krino, que pode ser traduzido por “separar”, “distinguir”, “julgar”, “decidir”, “sentenciar” (KOSELLECK, 1999KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999., p. 202-203). Em linhas gerais, tanto no caso da “crítica” quanto no da “crise”, o sentido remete a uma distinção, tal como a de uma sentença pronunciada por um tribunal que decide entre a culpa e a inocência, o errado e o certo. Koselleck registra o desenvolvimento desse sentido no conceito cristão de Juízo Final, que permanece no pensamento europeu por séculos, de modo consciente ou não. A “crise” corresponderia ao tribunal escatológico no qual os virtuosos são separados dos pecadores e premiados com a vida eterna; a “crítica” corresponderia ao próprio veredito divino. A partir da Renascença, cada termo assume um sentido distinto, e a “crítica” passa a se referir à política, enquanto a “crise” conserva ainda o caráter médico que possuía no latim romano e medieval. A “crise” continua a designar o estágio decisivo no curso de uma doença, quando se define se haverá restabelecimento da saúde ou piora seguida de morte. É com as guerras civis-religiosas da Inglaterra do século XVII, tema inicial do livro de Koselleck, que a “crise” ganha, enfim, um sentido político - metáfora do sentido médico, como uma doença que aflige o “corpo do Estado”. Depois disso, ela reaparece em textos do Iluminismo francês do século XVIII, em especial em Diderot;3 3 “C’est l’effet d’un malaise semblable à celui qui précède la crise dans le maladies: il s’élève un mouvement de fermentation secrète au dedans de la cité” (RITTER; GRÜNDER, 1071, p. 1236). e vários panfletos e discursos parlamentares durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos chamam a luta e a ruptura da colônia com a metrópole de crisis (KOSELLECK, 1999, p. 229-230).

Para Koselleck nada disso é casual. Sua obra mostra que, nessa época, o conceito de crise associa-se ao amadurecimento da consciência dos agentes históricos de viverem um momento de tensão e de decisão política. É a tese que o levará à “história dos conceitos” (Begriffsgeschichte) alguns anos mais tarde. Em Crítica e crise, trata-se de compreender a formação da modernidade europeia, nos séculos XVII e XVIII, como transição de um conflito político e religioso para um conflito apenas político; trata-se de compreender uma forma de crítica muito específica, que define “crítica” como oposição da consciência moral privada a toda ação na esfera pública. Assim teria sido delineado o quadro de uma crise ainda não concluída, que permanece e evolui na Europa e no mundo desde 1789.

De certa forma, ao pretender reconstituir o que chama de “patogênese do mundo burguês”, nas palavras do subtítulo de Crítica e crise, Koselleck responde à “sociogênese” e à “psicogênese” de O processo civilizador, publicado em 1939 por Norbert Elias (1897-1990). Para Elias, os termos “sociogênese” e “psicogênese” têm a função de explicar o objeto e o método de sua análise. As “transformações no comportamento e nas estruturas da personalidade” da sociedade europeia como um todo e de suas “camadas superiores” em particular, bem como as mudanças que levaram à passagem do feudalismo ao Estado moderno, são consideradas como o resultado do conflito entre aristocracia e burguesia, assim como do conflito entre as frações de cada uma dessas classes e delas com a monarquia centralizadora. Tais conflitos constituem a “sociogênese” da qual deriva a “psicogênese”.4 4 O subtítulo de O processo civilizador (Über den Prozess der Zivilisation) de Elias é justamente Investigações sociogenéticas e psicogenéticas (Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen). O primeiro tomo da obra se intitula Mudanças de comportamento nas camadas superiores do mundo ocidental (Wandlungen des Verhaltens in den weltlichen Oberschichten des Abendlandes), deixando claro que a “sociogênese” diz respeito a uma análise das classes ou “camadas” sociais. Já no prefácio desse primeiro tomo, Elias afirma: “Por isso, não se pode entender a psicogênese do habitus adulto da sociedade civilizada, se a considerarmos separada da sociogênese da nossa ‘civilização’” (ELIAS, 1997, p. 78). Ao estudar mais ou menos o mesmo tema e o mesmo período, a saber, a formação do Estado absolutista na Europa dos séculos XV a XVIII, Koselleck propõe ter ocorrido aí uma “patogênese” relacionada às estruturas políticas na própria raiz da sociedade.

O elemento “patológico” consistiria na separação - daí “crise” - entre os âmbitos da consciência política e de sua prática, que está na base da forma absolutista de Estado. O monarca passa a deter todo o poder, excluindo o súdito de qualquer possibilidade de decisão política, relegando-o de modo tão cabal à esfera da privacidade, que até a consciência do súdito restringe-se a uma moral puramente privada. A crítica política direta é reprimida e pode ocorrer só de maneira indireta, como crítica moral ao soberano. O isolamento da esfera pública, então, consuma-se, a ponto de o soberano, por sua vez, poder exercer o governo isento de “culpa”, julgado apenas por sua “responsabilidade”. Contudo, surge aí uma dialética perversa, na qual toda ação política é sempre condenada pelos súditos como “imoral”. Se a condenação se apresenta na Guerra Civil inglesa do século XVII ainda com uma conotação religiosa, gerando a revolta dos puritanos contra o rei anglicano, na Revolução Francesa de 1789, ela aparece já com um caráter exclusivamente civil e moral. Nesse momento, a condenação ética da política institui um novo conceito de “crise”, de caráter essencialmente social e não mais divino ou natural, que redefine a própria história como fruto de conflitos inevitáveis.

Essa conclusão angustiante de Koselleck, que ele confessa ter sido inspirada no conceito de “estado de exceção” de Carl Schmitt,5 5 Ver a Introdução de Antonio Gómez Ramos à tradução espanhola do verbete “história” da Geschichtliche Grundbegriffe (RAMOS, 2004, p. 13). foi revisada cerca de vinte anos mais tarde, no verbete “crise” de Geschichtliche Grundbegriffe (Conceitos históricos fundamentais), obra que organizou em conjunto com os historiadores Otto Brunner (1898-1982) e Werner Conze (1910-1986). Nessa época, quando fazia parte da chamada Escola de Bielefeld, Koselleck já possuía uma visão clara dos objetivos de sua história dos conceitos e estendeu o estudo do campo semântico da “crise” para os séculos XIX e XX. Ele registrou que, depois de surgir no contexto da Guerra de Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa de 1789, o termo foi consagrado como diagnóstico da modernidade e teve seu emprego expandido para outras conjunturas políticas, para a economia e para outras áreas da vida social, como a psicologia e a sociologia da cultura. Koselleck admite que a crise como “patogênese do mundo burguês” deixa de ter o sentido eminentemente político registrado em seu primeiro livro e que adquire, nos séculos XIX e XX, um caráter quase sempre econômico.6 6 Em uma passagem do verbete “crise” no Geschichtliche Grundbegriffe, Koselleck diz: “Certamente, nosso conceito [de crise - JG] jamais teria se tornado uma divisa, se a ele não se tivesse acrescentado um significado que descobre uma experiência cada vez mais própria da vida cotidiana: as crises econômicas” (KOSELLECK, 1982, p. 641). Por isso, ele dedica uma seção inteira do verbete “crise” do Geschichtliche Grundbegriffe à obra de Karl Marx (1818-1883). Para Koselleck, Marx continua designando como “crise” tanto um momento decisivo específico quanto uma ruptura latente, um caso crônico de “patogênese”, mesmo que não use o termo e que aborde fenômenos fundados no âmbito da economia.

Koselleck tem razão. No entanto, apesar de definir com precisão os conceitos pelos quais Marx analisa as crises econômicas, ele deixa escapar um aspecto decisivo que deve ser objeto de consideração particular, à qual passo a seguir.

As modalidades da crise em Marx

Sem dúvida, o emprego da palavra “crise” na crítica da modernidade só se generaliza quando ocorre em contexto econômico, percebido a partir do século XIX como constitutivo de um campo próprio e fundamental da experiência social. Antes mesmo de Marx, autores como David Ricardo (1772-1823), Jean Charles de Sismondi (1773-1842) e Johann Rodbertus (1805-1875) apontaram tendências de crise decorrentes da queda dos lucros na economia moderna (RICARDO, 1951RICARDO, David. On the principles of political economy and taxation. Cambridge: Cambridge University Press, 1951.; SISMONDI, 1819SISMONDI, Simonde. Nouveaux principes d’économie politique. Paris: Delaunay, 1819.). Ricardo, porém, atribuiu essa queda à elevação dos salários por causa do encarecimento dos produtos agrícolas consumidos pelos trabalhadores, encarecimento decorrente, por sua vez, da extensão da área cultivada para terrenos menos férteis; no fundo, a crise teria causas naturais. Sismondi e Rodbertus vão além. Para ambos, como o salário dos trabalhadores é menor do que o valor do que produzem, cria-se uma insuficiência crônica, determinante de ciclos de expansão e contração da economia. Portanto, a crise teria causas basicamente sociais, ligadas ao chamado subconsumo. De modo geral, em diferentes versões, foi esse conceito de subconsumo que prevaleceu nas teorias sobre as crises econômicas dos séculos XIX e XX, mesmo entre alguns seguidores das ideias de Marx, como se verá adiante.

Contudo, Marx não é um adepto da teoria subconsumista. Sua explicação para as crises é bem mais complexa.7 7 O raciocínio que segue foi exposto em meu primeiro livro (GRESPAN, 2012) Apesar de reconhecer em algumas passagens de sua obra que a capacidade de consumo dos trabalhadores é inferior tanto à massa de bens quanto ao valor do que produziram, Marx considera que as crises decorrem de uma sobreprodução. Mercadorias sobram não porque o consumo seja baixo, e sim porque, mais do que de atender a necessidades sociais, elas são produzidas com a finalidade de criar lucro para o capitalista. Ou seja, o momento essencial é o da produção do excedente de valor; a venda subsequente importa, mas apenas como realização do valor que a mercadoria contém desde o início. É nesse início que se encontra o fundamento da contradição determinante das crises, a saber, a oposição entre capital e força de trabalho. A disposição à crise, para Marx, está sempre presente em todos os momentos da existência do capital, mesmo em uma época de expansão econômica, quando a crise é apenas potencial. Por isso, a verdadeira crítica de Marx ao capitalismo consiste em explicar a crise, evidenciando que o sistema possui um problema crônico de funcionamento, um problema que pode ser contornado de modo provisório, mas que sempre acaba por voltar.

Essa concepção de crise acrescenta um elemento importante à definição tradicional advinda das raízes etimológicas gregas anotadas por Koselleck. No verbete “crise” de Geschichtliche Grundbegriffe, ele próprio cita um texto crucial de Marx a esse respeito, sem se dar conta de suas implicações para a definição do conceito. Marx escreve: “Crise nada mais é do que o violento fazer valer da unidade de fases do processo de produção que se autonomizaram umas das outras” (MARX, 1967MARX, Karl. Theorien über den Mehrwert. Berlin: Dietz, 1967., p. 510).8 8 “Krise ist nichts als die gewaltsame Geltendmachung der Einheit von Phasen des Produktionsprozesses, die sich gegeneinander verselbständigt haben”. Em outras palavras, a crise não consiste na mera separação de duas dimensões sociais, por exemplo, compra e venda, mas na separação resultante da autonomização das referidas dimensões. Ela é, portanto, um processo. O próprio processo, a relação que une e diferencia permanentemente suas fases, é o que determina, como unidade dessas fases, a sua separação. Por isso, é impossível que as fases do processo se separem em definitivo: a própria separação é produto da relação que as une e, assim, as autonomiza. Em outra passagem, Marx complementa: “Não ocorreria nenhuma crise sem essa unidade interior daqueles que são, na aparência, indiferentes um ao outro” (MARX, 1967, p. 511).9 9 “Es fände keine Krise statt ohne diese innere Einheit der scheinbar gegeneinander Gleichgültigen”. Mais do que mera separação, uma crise implica a impossibilidade da separação completa daquilo que, necessariamente, tem de estar também unido.

É essa lógica complexa que permeia a análise das crises do capitalismo e da modernidade para Marx. Ela comparece em todos os momentos nos quais a definição de crise é gradativamente enriquecida, de acordo com o projeto de exposição de O capital. Se, no começo desse livro, uma crise implica apenas a possibilidade de interrupção do fluxo de compra e venda, isto é, a dificuldade de comprar depois de vender, mais tarde a crise passa a se definir pela dinâmica do próprio capital, que nem sempre consegue combinar compras e vendas entre os diversos setores da economia, e chega, por fim, à tendência declinante da taxa geral de lucro. Essas várias definições se complementam, mas a forma intricada com que são expostas em O capital gerou muita polêmica entre os autores que procuraram interpretar o conceito de crise de Marx. Alguns atribuíram a crise ao “caráter anárquico” da produção capitalista, como se fosse mera coincidência que os diversos ramos da divisão social do trabalho pudessem atender suas necessidades recíprocas de matérias-primas e equipamentos. Outros autores entenderam que o caráter crônico da crise daria a ela a forma de um colapso final inevitável. Outros, ainda, derivaram do jogo de tendências e contratendências, descrito no Livro III de O capital, uma teoria dos ciclos econômicos, nos quais as crises representariam um momento positivo de rearticulação para iniciar nova fase de crescimento econômico.

Desse debate central para o desenvolvimento da teoria marxista surgiram outras tantas explicações para o fenômeno das crises. De fato, como Marx não chegou a redigir a versão definitiva dos livros II e III de O capital, muitas questões ficaram em aberto, resultando em ambiguidades incontornáveis. Por isso, baseados nos manuscritos publicados recentemente pela Edição Completa de Marx-Engels [MEGA, na sigla alemã], alguns comentadores atuais chegam a afirmar que não há uma teoria sistemática das crises em Marx, e sim um conjunto de definições parciais (HEINRICH, 1990HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert. Münster: Westfälisches Dampfboot, 2011., 1995HEINRICH, Michael. Gibt es eine Marxsche Krisentheorie? In: HECKER Rolf et al. Beiträge zur Marx-Engels Forschung: Neue Folge. Berlin: Argument, 1995, p. 130-150.; KRÄTKE, 1998KRÄTKE, Michael. Kapitalismus und Krisen. Geschichte und Theorie der zyklischen Krisen in Marx’ ökonomischen Studien 1857/58. In: HECKER Rolf et al. Beiträge zur Marx-Engels Forschung: Neue Folge . Berlin: Argument, 1998, p. 5-45.). Não concordo com essa leitura, mas reconheço que a forma de exposição adotada por Marx em sua crítica ao capitalismo enseja dois tipos de problema.

Em primeiro lugar, as explicações propostas sobre as crises em O capital correspondem a momentos distintos da exposição, nos quais o conceito de crise tem seu significado gradativamente enriquecido. Ao final, no Livro III, a crise aparece como sobrevalorização, isto é, o momento em que o capital atinge um nível de acumulação tão intenso que impede sua valorização: a taxa de lucro menor não compensa o investimento produtivo. Essa última definição não anula as formas anteriores de crise descritas por Marx, mas as combina e sintetiza. Em geral, os comentadores divergem porque se apegam a uma das definições parciais e não chegam a compô-las na forma mais completa da sobrevalorização.

Em segundo lugar, mais do que uma teoria de ciclos econômicos, o que o movimento pendular das tendências e das contratendências explica é o modo complexo das disposições contraditórias do capital. Ambas, tendências e contratendências, são igualmente derivadas de cada um dos lados da contradição do capital com o trabalho e, assim, igualmente intrínsecas ao sistema capitalista. Sua ocorrência não é mera possibilidade, no sentido de um acaso ou de uma contingência, e sim uma necessidade. Mas nenhuma das duas disposições opostas consegue se impor à outra, porque ambas decorrem das dimensões contraditórias que constituem o capital. As tendências à desvalorização não existem sem as contratendências que atuam para recobrar a taxa de lucro, e vice-versa. Pode-se dizer que elas são igualmente necessárias, mas que nenhuma é absoluta, porque sempre tem de conviver com a tendência oposta. Por isso, defino essa necessidade como “relativa”, pela relação inescapável entre as duas tendências. O resultado é que não se pode prever com certeza qual delas prevalecerá em momento algum. Quando uma crise ocorre, ela ocorre necessariamente, mas o mesmo pode ser dito de quando uma crise acaba e uma nova fase de acumulação de capital começa. O que as várias intepretações da teoria das crises de Marx não admitem é essa indeterminação que impede de prognosticar algo como um colapso do capitalismo ou um ciclo definido perfeitamente. No entanto, o próprio Marx rompe com qualquer determinismo econômico, abrindo as portas para outras dimensões cruciais da sociabilidade, sem as quais ele não poderia explicar a dinâmica do sistema capitalista. A economia, de todo modo, não obedece a leis absolutas nem a meras possibilidades.

Ciclos e tendências

Grande parte do debate no século XX sobre as crises econômicas, mesmo entre autores marxistas, seguiu caminho inverso ao dessa abertura. No amplo espectro dos autores e ideias, acredito que três linhas se destacam. De acordo com uma delas, o capitalismo fatalmente chegaria ao colapso sistêmico devido à sua inviabilidade econômica radical. Seus representantes clássicos são Rosa Luxemburgo (1870-1919) (LUXEMBURGO, 1985LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação de capital. São Paulo: Nova Cultural, 1985.), para quem o colapso decorreria de uma propensão ao subconsumo, e Henryk Grossmann (1881-1950) (GROSSMANN, 1929GROSSMANN, Henryk. Das Akkumulations- und Zusammenbruchsgesetz des kapitalistischen Systems (Zugleich eine Krisentheorie). Leipzig: C. L. Hirschfeld, 1929.), para quem o colapso seria resultado da queda da taxa média de lucro. Para uma segunda linha, as crises são entendidas como eventos apenas possíveis, resultantes da eventual desproporção entre os ramos da produção social. Seu representante clássico é Mikhail Tugan-Baranovsky (1865-1919) (TUGAN-BARANOVSKY, 1913TUGAN-BARANOVSKY, Mikhail. Les crises industrielles en Angleterre. Paris: Giard & Brière, 1913.). Na última linha, por fim, desenvolveram-se concepções de tempo cíclico que acabaram por se tornar dominantes entre os historiadores, em especial a partir da Primeira Guerra Mundial e da crise desencadeada com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929. Nela se situa, em particular, o estatístico russo Nikolai Kondratiev (1892-1938) (KONDRATIEV, 2010KONDRATIEV, Nikolai. The long waves in economic life. New York: Kessinger Publishing, 2010.), que lançou a ideia das “ondas longas” ou ciclos de longa duração, com extensão de cinquenta anos. Sua obra, escrita a partir de 1922, exerceu enorme influência nas décadas seguintes e não só nos círculos marxistas. Ela propunha que, afora os ciclos curtos, já tratados por Marx, ocorreriam ciclos extensos caracterizados por uma fase inicial de vinte ou trinta anos de inovações técnicas e expansão do investimento, seguidos por uma fase de vinte ou trinta anos de contração, após uma perda aguda da rentabilidade do capital investido na primeira fase. Esse momento de perda seria a crise, definida como mera parte de um processo maior.

Além de se basear em Marx, Kondratiev retomou pesquisas feitas no final do século XIX por vários autores fora do campo marxista, como Clément Juglar (1819-1905) (JUGLAR, 1862JUGLAR, Clément. Des crises commerciales et leur retour périodique en France, en Angleterre et aux États-Unis. Paris: Guillaumin et Cie., 1862.), estatístico francês que havia elaborado cálculos sobre os ciclos industriais com duração de sete a onze anos, justamente aqueles cuja existência Marx também percebera. De fato, Juglar participa do interesse geral pelo estudo dos ciclos da indústria e do comércio que se manifesta entre o fim do século XIX e o começo do XX, interesse que pareceu se justificar com a crise de 1929 e a subsequente Grande Depressão. Tais eventos consolidaram o tipo de investigação iniciado por sua obra e levado adiante por Kondratiev, dando origem a todo um conjunto de pesquisas de orientação metodológica e política próxima a Marx, mas não comprometida em sentido estrito com seu pensamento.

Dentre essas pesquisas, é preciso destacar, em primeiro lugar, a de Ernest Labrousse, que publica em 1933 o livro Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIIIe siècle (Esboço do movimento dos preços e das rendas na França do século XVIII), seguido, em 1944, por La crise de l’économie française à la fin de l’Ancien Régime et au début de la Révolution (A crise da economia francesa no fim do Antigo Regime e no início da Revolução). Labrousse pratica uma história econômica baseada em estatísticas de preço e de população que pretende continuar a tradição de Émile Levasseur (1828-1911) e de Henri Sée (1864-1936), comprovada pelos fatos ocorridos na década de 1930. Mais tarde, em 1970, na introdução de Histoire économique et sociale de la France (História econômica e social da França), Labrousse faz um balanço de sua obra e reconhece o quanto os “eventos: crise, guerra”, foram cruciais para “relançar o marxismo econômico e sociológico”, bem para como lançar “a voga […] da revolução keynesiana, sem dúvida nascida depois da crise, mas antes da guerra, e cuja difusão depois da guerra subverte as ciências econômicas” (LABROUSSE, 1970, p. V-VI).10 10 “Vinrent les événements: crise, guerre […] la relance du marxisme économique et sociologique […]. D’où la vogue de la révolution keynésienne, née sans doute après la crise, mais avant la guerre, et dont la diffusion après la guerre bouleverse les sciences économiques”. É importante perceber aqui que o conceito de crise presente já no título do livro de 1944 (La crise de l’économie française) tem a ver com as flutuações cíclicas da produção nos seus vários âmbitos temporais, desde o sazonal até o da longa duração, que abrange dezenas de anos. Para o autor, uma crise marca tanto “um acidente do ciclo” quanto uma época de “regressão econômica” mais extensa, como aquela vivida nas décadas finais do século XVIII e verificada pela reconstituição paciente das tabelas de preço e de distribuição da renda agrícola (LABROUSSE, 1990, p. VIII-IX).11 11 “La crise n’est précisément qu’un accident du cycle, qu’un phénomène cyclique” e antes “[…] une régression économique couvre ainsi toute la fin du XVIIIe siècle”.

De todo modo, ao propor “relançar o marxismo econômico e sociológico”, Labrousse revela uma intenção mais ambiciosa. Já no livro de 1944, tratava-se de tornar inequívoca a relação entre as variáveis econômicas e as variáveis sociais e políticas, para resolver o paradoxo das condições que levaram à Revolução de 1789. Labrousse pretendia encerrar a polêmica de Jean Jaurès (1859-1914) com Jules Michelet (1798-1874). Enquanto Michelet apontava a miséria e a fome como causas básicas do descontentamento da população francesa às vésperas da Revolução, Jaurès apresentou dados sobre a prosperidade de vários grupos sociais no reinado de Luís XVI. Labrousse concorda com Michelet quanto ao papel da miséria e da fome e afirma que o fenômeno chamado de “prosperidade” por Jaurès é, de fato, o índice de uma concentração maior da riqueza. A opulência de alguns poucos dependeria da miséria de muitos outros. Ele assinala, no entanto, que a incorporação de elementos econômicos na esfera social e política se dá por defasagens temporais. A esse respeito, diga-se de passagem, Jean-Claude Perrot (1928-)12 12 Perrot foi orientando de Labrousse na elaboração da tese de doutorado Genèse d’une ville moderne: Caen au XVIIIe siècle, em 1975. Ele escreveu o comentário citado no seu prefácio à nova edição da La crise de l’économie française, de 1990. lembra que Labrousse gostava de sublinhar o atraso do político em relação ao social e do social em relação ao econômico.

Assim, Labrousse coincide com Kondratiev na definição de crise antes como ponto de inflexão no ciclo econômico, em especial no de longa duração, do que como colapso fatal. Além disso, é possível perceber, em sua observação das defasagens temporais entre as esferas sociais, uma perspectiva que mantém a primazia da esfera econômica, mas que matiza sua preponderância. A propósito, um de seus orientandos, Alain Corbin (1936-),13 13 A tese de doutorado de Corbin, defendida em 1975, chamava-se Archaïsme et modernité en Limousin au XIXe siècle, 1845-1880. recorda a maneira com que Labrousse dividia o trabalho de pesquisa entre seus alunos: “tratava-se de aplicar o esquema ‘labroussiano’ de estudar as estruturas sociais, depois o movimento dos preços, da renda, do lucro e dos salários, para deduzir daí os comportamentos políticos e as atitudes mentais das populações” (CORBIN apud DELACROIX et al., 2007DELACROIX, Christian et al. Les courants historiques en France: XIXe-XXe siècle. Paris: Gallimard, 2007., p. 326).14 14 “Is s’agissait, bien entendu, d’appliquer le schéma ‘labroussien’, d’étudier les structures sociales, puis les mouvements des prix, de la rente, du profit e des salaires pour en déduire les comportements politiques et les attitudes mentales des populations”. Os vários planos da sociabilidade deveriam se articular de maneira complexa, mais em função do tempo em que cada plano descreve ciclos e em que novos eventos emergem, do que por uma hierarquia inscrita desde sempre na própria realidade histórica. A divisão de tarefas proposta por Labrousse a seus orientandos era, evidentemente, de caráter metodológico.

A observação das defasagens temporais entre os vários âmbitos da vida social aproxima Labrousse de Fernand Braudel (1902-1985),15 15 No prefácio de um livro de 1974 que reúne artigos de vários historiadores em homenagem a Labrousse, Braudel diz sobre o homenageado que “relire ses ouvrages, c’est en découvrir le multiples directions”. (BRAUDEL, 1974, p. 9). No entanto, em artigo escrito em 1958, Braudel criticou a história feita por Labrousse, embora sem o citar nominalmente: “A nova história econômica e social coloca no primeiro plano de sua investigação a oscilação cíclica e aposta na sua duração: deixou-se iludir pela miragem - e também pela realidade - dos aumentos e quedas cíclicas dos preços”. Em seguida, o texto nomeia Labrousse, objetando que seu conceito de ciclo e de interciclo não chega a ser, de fato, a longa duração. (BRAUDEL, 1990, p. 9, 12-14). com quem colaborou no amplo projeto da Histoire économique et sociale de la France, já citado. Mais ainda do que para Labrousse, para Braudel a defasagem temporal é uma questão decisiva. Ela atravessa sua obra, na qual cada âmbito da vida decorre em uma temporalidade própria - o político na curta duração, o econômico na média e na longa duração, o clima e a geografia apenas na longa etc. Na definição de crise, porém, Braudel é ambíguo, talvez devido ao diálogo com as ciências sociais, em especial com a sociologia de François Simiand (1873-1935) e a antropologia de Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Ao tentar oferecer um equivalente histórico do conceito de estrutura, Braudel enfatiza em demasia a longa duração, a ponto de afirmar que “ciclos, interciclos e crises estruturais a encobrem”; a tais ciclos, ele prefere a “história lenta, cuja visão nos é encoberta por suas espetaculares modificações e crises” (BRAUDEL, 1974BRAUDEL, Fernand. Conjoncture économique, structures sociales: hommage à Ernest Labrousse. Paris: Mouton, 1974., p. 16, 46). Desse ponto de vista, com seus movimentos abruptos e visíveis, as crises só disfarçariam a longa duração que, invisível na prática, seria a temporalidade mais importante para a nova história proposta pelos Annales. Em contrapartida, não há dúvida de que Braudel também admite a importância de crises e ciclos: “ainda mais significativos do que as estruturas profundas da vida são os seus pontos de ruptura, a sua deterioração brusca ou lenta sob efeito de pressões contraditórias” (BRAUDEL, 1974BRAUDEL, Fernand. Conjoncture économique, structures sociales: hommage à Ernest Labrousse. Paris: Mouton, 1974., p. 30). Braudel sabe que mesmo “uma crise estrutural social deve ter pontos de referência no tempo, através do tempo e localizar-se com exatidão […] em relação aos movimentos das estruturas concomitantes” (BRAUDEL, 1974BRAUDEL, Fernand. Conjoncture économique, structures sociales: hommage à Ernest Labrousse. Paris: Mouton, 1974., p. 35). No entanto, não é possível saber se a crise ocorre nessa dimensão “estrutural social” ou nos “pontos de ruptura”, que seriam os “pontos de referência no tempo” da estrutura, marcando eventos de curta duração. Não é possível saber se a economia se articula com as demais esferas - as “estruturas concomitantes” - apenas na dimensão estrutural, atuando como base para o social e o político, ou se essa articulação se dá também na dimensão do acontecimento.

De todo modo, Braudel avança em relação a Labrousse nesse ponto. Ele se aproxima de uma interpretação mais fértil e instigante do legado de Marx quando não fixa de antemão a suficiência da esfera econômica na determinação do movimento histórico. Mesmo a economia está imbricada por outras “estruturas concomitantes”. Essa elaborada disposição daquilo que na sua grande obra, Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV a XVIII, Braudel chama de “ordens” da economia-mundo define a própria temporalidade da história. Ele distingue a “ordem econômica”, o “poder político” e a “ordem cultural”, assinalando “ser um erro imaginar a ordem da economia-mundo governando a sociedade inteira, determinando sozinha as outras ordens da sociedade” (BRAUDEL, 1979BRAUDEL, Fernand. Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XVe-XVIIIe siècle, v. 3: Le Temps du Monde. Paris: Armand Colin, 1979., p. 42).16 16 Utilizei aqui a edição original. A tradução brasileira foi publicada em 1995 pela editora WMF Martins Fontes. Com essas formulações, Braudel abriu ou, pelo menos, fortaleceu um campo de pesquisa. É a chamada “história social”, expressão presente já no título da obra editada em conjunto com Labrousse.

História social e sistema-mundo

A partir de seu reduto francês, a proposta de história social atingiu outras partes do mundo. Em particular, são interessantes os casos da New Left inglesa e da Escola de Bielefeld na Alemanha, sobre as quais, contudo, não será possível fazer aqui mais do que um breve comentário.

Ambos os movimentos se inspiram na tradição de pensamento de Marx. No caso inglês, historiadores como Edward P. Thompson (1924-1993) e sua monumental A formação da classe operária inglesa, de 1963 (THOMPSON, 2013THOMPSON, Edward P. The making of the English working class. London: Penguin, 2013.), ou Christopher Hill (1912-2003), com seus estudos sobre a relação entre revolução e religião no século XVII (HILL, 1958HILL, Christopher. Puritanism and revolution. London: Penguin, 1958., 1970HILL, Christopher. God’s Englishman. London: Penguin, 1970., 1972HILL, Christopher. The world turned upside down. London: Penguin, 1972.), além de Eric Hobsbawm (1917-2012) e Perry Anderson (1938-), buscam claramente um tipo de história em que as várias instâncias sociais se relacionam sem hierarquia fixa. A adesão ao marxismo não implica, para eles, aceitar incondicionalmente o axioma base-superestrutura. O mesmo ocorre com os historiadores alemães da Universidade de Bielefeld entre os anos 1970 e 1980, como Hans-Ulrich Wehler (1931-2014) (WEHLER, 1969WEHLER, Hans-Ulrich. Bismarck und der Imperialismus. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 1969., 1973WEHLER, Hans-Ulrich. Das Deutsche Kaiserreich, 1871-1918. Göttingen: Vandenhoek & Ruprecht, 1973., 1980WEHLER, Hans-Ulrich. Historische Sozialwissenschaft und Geschichtsschreibung. Göttingen: Vandenhoek & Ruprecht, 1980.), Jürgen Kocka (1941-) (KOCKA, 1986KOCKA, Jürgen. Sozialgeschichte. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1986., 1987KOCKA, Jürgen. Interdisziplinarität. Frankfurt: Suhrkamp, 1987.) e o próprio Koselleck, comentado no começo deste artigo. Em geral, suas propostas de diálogo consciente e interdisciplinar entre história e ciências sociais têm como correlato uma concepção multifacetada da história. Wehler examina as determinações mútuas entre a industrialização e a formação do Império Alemão no fim do século XIX, para discutir a eventual pertinência da chamada excepcionalidade (Sonderweg) da Alemanha. Kocka, por sua vez, se aproxima do projeto de E. P. Thompson, estudando a composição e o movimento das classes sociais na Alemanha durante as várias fases da industrialização, sempre de um ponto de vista amplo, que contempla várias dimensões da história social, como as distintas formas de família, de religiosidade, de vida urbana etc. Koselleck, por fim, vai mais longe e propõe um novo ramo para a história, a já referida história dos conceitos, cuja finalidade é ir além da mera etimologia ou da história cultural, para estabelecer como os sucessivos significados dos conceitos expressam práticas sociais e, inversamente, como as diversas práticas, condicionadas por tais conceitos, alteram o significado dos conceitos mesmos. De acordo com Koselleck, o historiador não pode desconsiderar a acepção precisa e específica dos conceitos pelos quais os agentes históricos em cada época orientam sua ação e sua percepção.

Essas perspectivas da história social tratam as crises como fenômenos econômicos, mas também como fenômenos políticos e culturais. Assim, Koselleck, chama de “crise” a ruptura ou o momento de decisão dentro das estruturas de Estado e de governo. Também uma mudança de mentalidade pode assumir a forma de uma crise, como no caso já mencionado do estudo de Norbert Elias. Não é por outro motivo que, para Koselleck, a “patogênese” dos comportamentos sociais na Europa moderna se associou de modo íntimo ao que Elias chamava de “sociogênese” do Estado absolutista e da nova classe aristocrática. Assim, Koselleck define as alternâncias mais bruscas nessas “gêneses” como uma crise propriamente cultural.

Autores mais recentes, como Immanuel Wallerstein (1930-2019) e Giovanni Arrighi (1937-2009), avançam ainda na caracterização do entrelaçamento profundo das instâncias estudadas pela história social, para falar de “sistemas históricos” e de “sistemas-mundo”. Bons discípulos de Braudel, Wallerstein e Arrighi tematizam os ciclos econômicos, em especial os de longa duração. Trabalhando a partir de 1976 e 1979, respectivamente, no Fernand Braudel Center for the Study of Economies, Historical Systems and Civilizations, em Nova Iorque, eles cooperaram na elaboração do conceito de “sistema-mundo”, que supera o marco limitado dos Estados nacionais e procura dar conta dos períodos extensos de tempo e dos espaços amplos nos quais se estabeleceram sociedades integradas por seus sistemas de troca e produção. É o tema de Wallerstein desde 1974, quando lançou o primeiro dos quatro volumes intitulados O sistema mundial moderno (WALLERSTEIN, 1980WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world system. New York: Academic Press, 1980-2011. 4 v., 1989, 2011).17 17 O volume I traz o subtítulo A agricultura capitalista e as origens da economia-mundo europeia no século XVI; o volume II foi publicado originalmente em 1980 com o subtítulo Mercantilismo e a consolidação da economia-mundo europeia, 1600-1750; o volume III, publicado em 1989 e ainda sem tradução para o português, com o subtítulo The Second Great Expansion of the Capitalist World-Economy, 1730-1840’s (A segunda grande expansão da economia-mundo capitalista); por fim, o volume IV, publicado em 2011 e também não traduzido ao português. Mais tarde, o fenômeno da crise nos Estados Unidos do final dos anos 1970 reuniu os dois autores na preparação do livro Dynamics of global crisis (Dinâmica da crise global) editado em 1983 junto com Samir Amin e André Gunder Frank (AMIN et al., 1982AMIN, Samir et al. Dynamics of global crisis. New York: Macmillan, 1982.). Arrighi publicou em 1994 o primeiro e mais conhecido volume de sua própria trilogia: O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nossos tempo, no qual expõe a perspectiva de que o capitalismo teria se constituído através de quatro ciclos de longa duração, determinados pela hegemonia sucessiva de Gênova, entre os séculos XV e XVI; da Holanda, entre os séculos XVII e XVIII; da Inglaterra, entre os séculos XIX e XX; e dos Estados Unidos, desde meados do século XX. Cada um desses ciclos teria se encerrado com uma crise em que a potência hegemônica do momento não conseguiu mais controlar os fluxos de riqueza e de poder no sistema-mundo do qual ela era o eixo (ARRIGHI, 1996ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Tradução Vera Ribeiro. São Paulo: Contraponto, 1996.).

Uma crítica preliminar a essa perspectiva é que, apesar de engenhosa, ela aproxima condições históricas muito diferentes e sintetiza fenômenos econômicos complexos em sua forma de manifestação financeira. Para Arrighi, o começo e o fim de cada ciclo dominado por uma das quatro potências hegemônicas teria se caracterizado pela primazia das finanças sobre o comércio e a produção, em clara referência ao diagnóstico que faz da situação econômica dos anos 1990. Ele procura explicar essa situação traçando um paralelo com momentos históricos passados, assim como explica, inversamente, as grandes crises de séculos anteriores como casos nos quais se manifestaram os mesmos elementos da atualidade. Embora considere a singularidade de cada situação, Arrighi enfatiza a recorrência das situações e chama para elas a atenção do leitor.

Wallerstein tem uma perspectiva um pouco diferente, conforme a qual as crises capitalistas aparecem não tanto na esfera financeira, e sim na da produção de mercadorias. Porém, a visão que ele apresenta das crises se aproxima muito mais da teoria subconsumista do que do conceito mais rico e fértil de Marx de que as crises seriam expressão de um excesso de acumulação de capital produtivo. As “contradições” do capitalismo de que fala Wallerstein em um importante livro de 2001, Unthinking Social Science, são de dois tipos: a falta de “demanda efetiva”, porque os empresários almejam aumentar lucros reduzindo salários, mas depois não conseguem vender o que produziram; e a “anarquia da produção capitalista”, porque o “interesse do empresário como competidor tende a ir na direção oposta do seu interesse como membro de uma classe” (WALLERSTEIN, 2001WALLERSTEIN, Immanuel. Unthinking social science. Philadelphia: Temple University Press, 2001., p. 24).18 18 “the anarchy of production, which has as its consequence the fact that the interests of any given entrepreneur as a competitor tend to run in the opposite direction from his or her interests as a member of a class”. O resultado é que a tendência a transformar todos os bens em mercadoria seria estrangulada pela crescente dificuldade do sistema em obter lucro. Cabe aqui, uma primeira observação: de fato, ambas as “contradições” haviam sido identificadas por Marx, mas são, para ele, formas de manifestação de uma contradição mais ampla e profunda, a saber, a tendência à sobrevalorização do capital.

Entretanto, além do estrangulamento (squeeze) na economia, Wallerstein aponta dois novos estrangulamentos - na política e na esfera que ele chama de “ideológica”, mas que reduz, na prática, à ciência. Junto com o econômico, esses outros estrangulamentos compõem o “triplo estrangulamento” na base da crise atual do sistema-mundo comandado pelos Estados Unidos. Wallerstein admite certa precedência da economia, mas afirma que ela não é uma esfera isolada, de modo que seu estrangulamento só passaria a ameaçar realmente o sistema ao se revestir de expressão política e ideológica. No campo político, o problema seria a competição entre as classes sociais beneficiadas pelo sistema, que, apesar de favorecidas, veriam cada vez mais restringidas as oportunidades de acesso ao poder e à riqueza. No campo do que Wallerstein chama de ideologia, o problema se refere à visão de mundo calcada no tipo de ciência, universalista e racionalizante, entronizada pelo capital desde os séculos XVII e XVIII e baseada em variáveis consideradas naturais e externas umas às outras, tais como o tempo e o espaço. De certo modo, então, o “triplo estrangulamento” expressaria a “divisão da análise social em três arenas, três lógicas, três ‘níveis’ - o econômico, o político, o sócio-cultural”; uma divisão, porém, que Wallerstein critica como “o mais duradouro (e enganoso) legado da ciência social do século XIX” (WALLERSTEIN, 2001WALLERSTEIN, Immanuel. Unthinking social science. Philadelphia: Temple University Press, 2001., p. 4),19 19 “It still has not been able to find a way to surmount the most enduring (and misleading) legacy of the nineteenth century social science - the division of social analysis into three arenas, three logics, three ‘levels’ - the economic, the political, and the socio-cultural”. que deve ser superado por uma visão de mundo inteiramente nova. Assim, o desafio aberto para a teoria dos sistemas-mundo seria descobrir o melhor modo para realizar essa superação.

Por fim, o “triplo estrangulamento” alcançaria o ponto em que a crise do capitalismo apareceria como o que é, a saber, não um grupo de “dificuldades conjunturais dentro do sistema, e sim uma tensão estrutural tão grande, que a única saída possível seria a desaparição do sistema como tal”; por isso, “nesse sentido, uma crise, por definição, é uma transição” (WALLERSTEIN, 2001WALLERSTEIN, Immanuel. Unthinking social science. Philadelphia: Temple University Press, 2001., p. 23).20 20 “By crisis in a historical system I shall mean not conjunctural difficulties within a system but a structural strain so great that the only possible outcome is the disappearance of the system as such […] In this sense, a crisis is by definition a transition”. A diferença entre “conjuntura” e “estrutura” como marco da crise remete claramente a Braudel. Como o autor francês, Wallerstein reconhece que nem sempre é fácil distinguir com nitidez os dois níveis da análise e as duas formas do tempo histórico, mas mantém a distinção e a definição de crise como “transição estrutural” produzida por um “estrangulamento” persistente no sistema. Insinua-se, assim, a percepção da crise como colapso: a determinação econômica da crise não poderia ser atenuada ou revertida pela determinação política e ideológica; como ponto assintótico a que tende o “estrangulamento”, a crise seria inexorável. E também nas “arenas, lógicas ou níveis” do político e do ideológico configura-se um “estrangulamento” que reverbera a “contradição” econômica (WALLERSTEIN, 2001WALLERSTEIN, Immanuel. Unthinking social science. Philadelphia: Temple University Press, 2001., p. 260-261).

Essa avaliação de Wallerstein foi produzida em 2001, e muito dela refere-se aos movimentos sociais chamados à época de “antissistêmicos”, que envolviam uma forte crítica à globalização, isto é, ao desdobramento daquilo que Wallerstein denominou “sistema-mundo”. Até que ponto, no entanto, tais conceitos e perspectivas se mantêm diante do quadro aberto pela crise atual? E não só em relação a Wallerstein, mas também em relação aos autores e às correntes de pensamento examinados anteriormente, pode-se perguntar como a crise atual permite retomar diagnósticos e prognósticos clássicos, ou, ao contrário, obriga a corrigi-los e substitui-los por novos? Essas questões devem guiar as considerações finais deste artigo.

Lições da crise atual

A crise de 2008, tal como a de 1929, foi o “evento” crucial para mais uma vez “relançar o marxismo econômico e sociológico”, relembrando as palavras de Labrousse citadas acima. Na década de 1990LABROUSSE, Ernest. La crise de l’économie française à la fin de l’Ancien Régime et au début de la Révolution. 2ª edição. Paris: PUF, 1990., assim como na de 1920, os entusiastas do capitalismo proclamavam a eternização desse sistema, considerando a continuidade do crescimento econômico como um fato inelutável. De acordo com as observações que fiz no segundo item deste artigo, ao tratar do problema modal em Marx, esses entusiastas confundiram a necessidade apenas “relativa” da acumulação de capital com uma necessidade absoluta. Contudo, depois de 2008 houve uma inversão: não eram mais os entusiastas que se confundiam e sim boa parte dos próprios críticos do capitalismo, baseados em uma visão fatalista da teoria das crises de Marx. Muitos pensam ainda estar diante do colapso definitivo desse modo de produção, proclamando a crise como uma necessidade absoluta. Pode-se considerar que dois tipos de explicação da crise atual assumem essa posição.

Uma das explicações encontradas para a crise fundou-se no novo papel que a esfera financeira adquiriu dentro do capitalismo atual, configurando o que se chamou de “regime de acumulação com dominância financeira”. Em especial, a partir dos livros de François Chesnais, publicados nos anos 1990 (CHESNAIS, 1994CHESNAIS, François. La mondialisation du capital. Paris: Syros, 1994., 1996CHESNAIS, François. La mondialisation financière. Paris: Syros, 1996.),21 21 Desde essa época até seu recente livro Finance capital today, de 2016, Chesnais vem enfatizando a autonomização das formas financeiras do capital como resultado da tendência à queda da taxa média de lucro, mas também como elemento que a reforça. Outros autores se posicionam praticamente do mesmo modo na explicação da crise atual, como Costas Lapavitsas, Makoto Itoh, Paul Boccara ou ainda Leo Panitsch. Embora nenhum deles apoie a teoria do colapso, suas análises podem muito bem dar subsídio a essa interpretação. cunhou-se esse termo para expressar o que seria uma mutação na própria forma de reprodução social do capital. O sistema de crédito à produção e ao consumo teria adquirido importância central e feito do capital a juros uma alavanca indispensável para obter lucro ou uma alternativa à obtenção de lucros autênticos, quando a rentabilidade dos investimentos produtivos caía e as aplicações financeiras prometiam ganhos seguros. Assim, os vinte anos que precederam a crise de 2008 teriam testemunhado o intenso desenvolvimento de uma forma econômica já definida por Marx, de cuja posterior relevância, no entanto, ele não suspeitara - o capital “fictício”. De uma simples projeção de rendimentos futuros, a forma “fictícia” teria passado ao domínio da vida econômica por inteiro, capitalizando fundos de aposentadoria e outras formas de poupança privada como base para aplicações especulativas em títulos de propriedade e em mercadorias ainda por produzir. A essa explicação da crise se associa a tradição francesa da chamada Escola da Regulação, que explica como se originaram instituições sociais e políticas reguladas pelo capital fictício, bem como outras tantas reguladoras de seu funcionamento.22 22 A Escola da Regulação originou-se na França dos livros de Aglietta (AGLIETTA, 1976; 1982), que recentemente escreveu com Sandra Rigot, Crise et rénovation de la finance (AGLIETTA; RIGOT, 2009). Outros autores importantes do grupo são Robert Boyer, Alain Lipietz e André Orléan. Muito sumariamente, a Escola da Regulação enfatiza os fatores institucionais extraeconômicos como responsáveis por criar contextos políticos e sociais definidores dos padrões nos quais o capital pode se mover e se reproduzir durante um período e em um país determinado. Apenas dentro desses contextos é que seria possível analisar os mecanismos efetivos de funcionamento da economia capitalista.

Alguns autores vão além dessa explicação e, embora não discordem dela, acrescentam às mazelas da preponderância do capital financeiro outras que extrapolam o campo estrito da economia. É o caso da crise de representação política e da destruição do meio ambiente com a exploração da natureza pelo capital. Elmar Altvater (1938-2018) é um bom exemplo desta tendência. Seu livro O fim do capitalismo tal como o conhecemos apontou, já em 2005, o vínculo entre a especulação com commodities pela alta finança e o colapso das fontes de energia fósseis (ALTVATER, 2005ALTVATER, Elmar. Das Ende des Kapitalismus wie wir ihn kennen: eine radikale Kapitalismuskritik. Münster: Westfälisches Dampfboot, 2005.).23 23 Tradução brasileira: O fim do capitalismo como o conhecemos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. Depois de 2008, Altvater confirmou o diagnóstico em outro livro: Der große Krach, oder die Jahrhundertkrise von Wirtschaft und Finanzen, von Politik und Natur (O grande crash. Ou a crise do século na economia e nas finanças, na política e na natureza) (ALTVATER, 2010ALTVATER, Elmar. Der große Krach, oder die Jahrhundertkrise von Wirtschaft und Finanzen, von Politik und Natur. Münster: Westfälisches Dampfboot, 2010.). Por sua vez, Wolfgang Streeck (1946-), em especial no livro How will capitalism end? Essays on a failing system (Como o capitalismo vai acabar? Ensaios sobre um sistema falido), de 2016, enfatiza não tanto os fatores ambientais, mas sim os políticos, na análise que faz da crise de 2008. Para ele, além de três problemas econômicos crônicos - baixo crescimento do PIB, ampliação da desigualdade de renda e aumento da dívida pública - dois problemas políticos definem a crise: a transformação dos cidadãos em consumidores e a consequente atrofia da esfera pública (STREECK, 2016STREECK, Wolfgang. How will capitalism end?: Essays on a failing system. London: Verso, 2016.).24 24 Trata-se de palestras proferidas e de ensaios escritos entre 2011 e 2015 originalmente em inglês e publicados em diversas revistas. Streeck havia publicado, em 2013, Gekaufte Zeit: Die vertagte Krise des demokratischen Kapitalismus (Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático).

Considero verdadeiras todas as transformações do capitalismo atual apontadas pelos autores mencionados, mas acredito que o problema da explicação que oferecem reside principalmente na modalidade a ela associada, ou seja, no caráter necessário ou possível dos fatores apontados como condicionantes da desvalorização maciça de capital ocorrida no mundo desde 2007-2008. Já as primeiras palavras de Streeck na introdução do seu livro são sintomáticas de uma interpretação desses fatores como uma necessidade absoluta:

O capitalismo sempre foi uma formação social improvável, cheia de conflitos e contradições e, por isso, permanentemente instável e em fluxo, bem como altamente suscetível a eventos e a instituições historicamente contingentes que lhe fornecem uma base precária e também limitadora. (STREECK, 2016STREECK, Wolfgang. How will capitalism end?: Essays on a failing system. London: Verso, 2016., p. 1)25 25 “Capitalism has always been an improbable social formation, full of conflicts and contradictions, therefore permanently unstable and in flux, and highly conditional on historically contingent and precarious supportive as well as constraining events and institutions”.

A frase apresenta várias expressões modais. De início, o capitalismo é classificado como sistema “improvável”; por isso, mais do que suas crises, o que deveria ser explicado seria sua sobrevivência, apesar da instabilidade “permanente” que o acomete. Em seguida, ao descobrir que a “base” de funcionamento do sistema repousa em certos “eventos e instituições”, Streeck sugere que são “precários” e, em termos propriamente modais, “contingentes”. Assim, ele registra, por um lado, a “permanência” da crise, a “improbabilidade” do capitalismo, e, por outro lado, a “contingência” da base sobre a qual se sustenta a existência desse sistema. Os elementos que determinam a necessidade apenas relativa da crise aparecem aqui como constitutivos de uma necessidade absoluta, rebaixando os elementos determinantes da necessidade relativa oposta - a acumulação normal - à condição de mera casualidade, “contingência”. Mesmo que Streeck leve em conta dimensões extraeconômicas da sociabilidade, ele descreve, por exemplo, a crise de representatividade como um limite intransponível para a retomada da reprodução de capital. Em vez de atenuar a necessidade das determinações econômicas, parece que a política a reforça e a converte em fatalidade.

Não há dúvida de que o sistema capitalista se apresenta como um conjunto de forças e determinações estruturais. Nos momentos históricos em que ele consegue se afirmar, sua pretensão formal é compor um todo fechado, coeso e indestrutível. Assim, o próprio sistema colabora para criar e manter a situação na qual uma necessidade apenas relativa aparece como destino inexorável e, daí, o “progresso” parece eterno. Inversamente, nos momentos históricos em que o sistema não consegue se afirmar, quando ocorre uma crise profunda, um “colapso” parece bater à porta. A consideração de que as duas tendências opostas são necessárias, mas, em sua oposição, apenas relativas, deveria servir de antídoto para o que pode ser chamado de exagero modal, no qual recaem também explicações que tratam da inevitável financeirização, como a de Chesnais.

Além disso, assim como o “progresso” e a crise não resultam de fatalidades implacáveis, tampouco é fatal a alternância de um e de outro, a saber, os ciclos que marcariam a vida econômica e social. Também os muitos autores que aperfeiçoaram teorias de história cíclica, desde Juglar e Kondratiev, foram afetados pelas circunstâncias históricas particulares de sua época, quando se encerrava um momento de crise e se verificava uma retomada dos negócios ou uma nova estabilização das relações de poder entre grupos sociais antigos e novos. Tais autores imaginaram que a passagem de um momento ao outro era uma necessidade absoluta; imaginaram que, de modo inevitável, a prosperidade seria seguida por uma crise e a crise, por uma nova prosperidade, e tudo de modo tão certo e previsível, que a alternância poderia ser objeto de ciência. Mas, também aqui, a fatalidade dos ciclos é mera expressão de estruturas vistas como fechadas, coesas e indestrutíveis, sem espaço para a intervenção dos sujeitos da ação histórica. Também aqui a necessidade relativa da alternância é confundida com uma necessidade absoluta.

Sucessões entre alta e baixa conjuntura são reais, empiricamente observáveis na história dos preços, da agricultura e das populações, como pensavam Labrousse e seu grupo de pesquisa, além de Braudel e de outros historiadores. Contudo, não passam de recorrência que, uma vez constatada, pode ser explicada como evento pretérito, mas não prevista com certeza, porque não acontece de modo regular e calculável. A transição de uma etapa a outra daquilo que pode ser caracterizado como um ciclo econômico depende de fatores não inteiramente incluídos na estrutura da etapa anterior.

Isso também não quer dizer, entretanto, que a sequência de crise e restabelecimento do sistema capitalista seja simples obra do acaso. Os crashs e os ciclos pretéritos podem ser explicados justamente porque os elementos que os determinam estão presentes na estrutura anterior e constituem, por isso, um processo necessário. O fato de essa necessidade ser relativa não dá a ela a forma de uma contingência, mas também não lhe dá a forma de uma fatalidade que, como tal, possa ser plenamente prognosticada. Nem todos os elementos para um prognóstico pleno estão contidos na explicação de um momento qualquer do processo histórico, de modo a permitir que a explicação tenha a mesma forma de uma previsão de evento futuro. Mas muitos desses elementos já estão ali, permitindo a explicação do que aconteceu e a previsão probabilística do que poderá acontecer. Essa necessidade é relativa porque relaciona as condições por ela determinadas àquelas que independem de seu poder, ou seja, porque a realização de suas disposições requer circunstâncias externas para ocorrer de modo pleno, circunstâncias que ela mesma não controla nem previne. Ou ainda, essa necessidade é relativa porque se relaciona, se refere à tendência oposta, tão necessária quanto ela. Aqui retomo a interpretação de Marx que expus acima, sobre as tendências opostas do capitalismo - crise e reprodução -, que atuam impedindo a realização absoluta de uma delas em separado.

Em geral, os partidários da ideia de ciclo consideram as crises como simples fases, sem dúvida penosas, mas pelas quais o sistema tem de passar em seu crescimento. Eles defendem uma concepção “civilizadora” das crises, atenuando a ameaça potencial que elas representam para o sistema. Por sua vez, os partidários de que as crises são manifestações de tendências mais ou menos lineares, não cíclicas, persistentes, quase sempre as consideram como algo inevitável, como um colapso ao qual fatalmente chegará o capitalismo. Desse modo, mesmo sem saber, eles se vinculam às antigas concepções de tempo estudadas por Koselleck, marcadas pela escatologia e pela crise definida como Juízo Final.

A crise econômica mundial só será fecunda do ponto de vista intelectual e prático se propiciar a superação dessas concepções tradicionais. É preciso desenvolver uma interpretação mais aberta do tempo histórico capitalista, para a qual tanto o crescimento econômico quanto as crises não sejam mera contingência, nem sua necessidade sistêmica seja encarada como uma fatalidade incontornável. Se essas alternativas forem pensadas como tendências que criam por si mesmas contratendências, sua necessidade abrirá o campo de relações com outras esferas da vida, nas quais as tendências também se determinam como necessidades relativas. Em outras palavras, é fundamental pensar que entre todas as formas de relação social se estabelecem laços necessários, mas relativos, que criam espaços de autonomia para cada esfera e que estão em permanente mudança devido à dinâmica mesma dessa necessidade relativa.

Talvez assim seja possível responder ao desafio que Wallerstein admite não ter resolvido em sua teoria do sistema-mundo, a saber, explicar por que até hoje persiste a divisão da análise social nos “três níveis”, econômico, político e cultural. De fato, enquanto se considerar a crise como um “estrangulamento” que implicitamente tem sua origem no “nível” econômico, o acontecer histórico será um campo fechado, condicionado por fatalidades que articulam determinações unilaterais. Entretanto, existe sempre um espaço de indeterminação entre as esferas da vida, constituído pelo próprio caráter relativo de suas determinações.

Uma nova concepção das temporalidades sociais, que se combinam, repelem e redefinem de modo constante deve ser a grande lição da crise atual. Em vez dos vínculos estritos que unem as esferas sociais como totalidades nos moldes propostos por alguns autores; e em vez da ampla autonomia de cada uma dessas esferas como propõem outros, agora se trata de pensar as crises, as transições e o próprio tempo como produto de interconexões abertas, mas, nem por isso, frouxas. Afinal, como disse Perrot no seu prefácio à obra de Labrousse, “a incerteza do presente é a melhor aliada da percepção do passado” (PERROT, 1990, p. 1)PERROT, Jean-Claude. Preface. In : LABROUSSE, Ernest. La crise de l’économie française à la fin de l’Ancien Régime et au début de la Révolution . 2ª edição. Paris: PUF, 1990, p. 1-30..

  • *
    Este artigo é uma versão modificada do texto por mim apresentado para a prova de erudição do concurso para Professor Titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) realizado em março de 2018. Toda a bibliografia empregada é citada no artigo, não publicado em plataforma preprint.
  • 1
    “The word ‘revolution’ was originally an astronomical term which gained increasing importance in the natural sciences through Copernico’s De revolutionibus orbium coelestium” (ARENDT, 1990, p. 42). Antes dessa referência, Arendt falava do conceito de metabolé politeion de Platão e de Políbio (ARENDT, 1990ARENDT, Hannah. On revolution. London: Penguin, 1990., p. 21-22).
  • 2
    Penso aqui no famoso conceito de fortuna de Maquiavel (1468-1527), que baliza o não menos famoso conceito de virtú tanto em Il Principe, de 1513, quanto nos Discorsi sulla prima deca di Tito Livio, de 1521. Penso também nas Storie fiorentine escritas em 1509 por Francesco Guicciardini (1483-1540), autor que discorda de Maquiavel sobre o caráter do condicionamento histórico, mas que também coloca em primeiro plano as ações dos governantes como sinal da capacidade de transformar condições adversas imponderáveis.
  • 3
    “C’est l’effet d’un malaise semblable à celui qui précède la crise dans le maladies: il s’élève un mouvement de fermentation secrète au dedans de la cité” (RITTER; GRÜNDER, 1071RITTER, Joachin. Historisches Wörterbuch der Philosophie. Basel: Schwabe & Co., 1971., p. 1236).
  • 4
    O subtítulo de O processo civilizador (Über den Prozess der Zivilisation) de Elias é justamente Investigações sociogenéticas e psicogenéticas (Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen). O primeiro tomo da obra se intitula Mudanças de comportamento nas camadas superiores do mundo ocidental (Wandlungen des Verhaltens in den weltlichen Oberschichten des Abendlandes), deixando claro que a “sociogênese” diz respeito a uma análise das classes ou “camadas” sociais. Já no prefácio desse primeiro tomo, Elias afirma: “Por isso, não se pode entender a psicogênese do habitus adulto da sociedade civilizada, se a considerarmos separada da sociogênese da nossa ‘civilização’” (ELIAS, 1997ELIAS, Norbert. Über den Prozess der Zivilisation: Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen. Frankfurt: Suhrkamp, 1997., p. 78).
  • 5
    Ver a Introdução de Antonio Gómez Ramos à tradução espanhola do verbete “história” da Geschichtliche Grundbegriffe (RAMOS, 2004RAMOS, Antonio. Koselleck y la Begriffsgeschichte: cuando el lenguaje se corta con la historia. In: KOSELLECK, Reinhart. historia/Historia. Madrid: Trotta, 2004, p. 9-23., p. 13).
  • 6
    Em uma passagem do verbete “crise” no Geschichtliche Grundbegriffe, Koselleck diz: “Certamente, nosso conceito [de crise - JG] jamais teria se tornado uma divisa, se a ele não se tivesse acrescentado um significado que descobre uma experiência cada vez mais própria da vida cotidiana: as crises econômicas” (KOSELLECK, 1982KOSELLECK, Reinhart et al. Geschichtliche Grundbegriffe. Bielefeld: Klett-Kotta, 1982., p. 641).
  • 7
    O raciocínio que segue foi exposto em meu primeiro livro (GRESPAN, 2012GRESPAN, Jorge. O negativo do capital. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2012.)
  • 8
    Krise ist nichts als die gewaltsame Geltendmachung der Einheit von Phasen des Produktionsprozesses, die sich gegeneinander verselbständigt haben”.
  • 9
    “Es fände keine Krise statt ohne diese innere Einheit der scheinbar gegeneinander Gleichgültigen”.
  • 10
    “Vinrent les événements: crise, guerre […] la relance du marxisme économique et sociologique […]. D’où la vogue de la révolution keynésienne, née sans doute après la crise, mais avant la guerre, et dont la diffusion après la guerre bouleverse les sciences économiques”.
  • 11
    “La crise n’est précisément qu’un accident du cycle, qu’un phénomène cyclique” e antes “[…] une régression économique couvre ainsi toute la fin du XVIIIe siècle”.
  • 12
    Perrot foi orientando de Labrousse na elaboração da tese de doutorado Genèse d’une ville moderne: Caen au XVIIIe siècle, em 1975. Ele escreveu o comentário citado no seu prefácio à nova edição da La crise de l’économie française, de 1990.
  • 13
    A tese de doutorado de Corbin, defendida em 1975, chamava-se Archaïsme et modernité en Limousin au XIXe siècle, 1845-1880.
  • 14
    “Is s’agissait, bien entendu, d’appliquer le schéma ‘labroussien’, d’étudier les structures sociales, puis les mouvements des prix, de la rente, du profit e des salaires pour en déduire les comportements politiques et les attitudes mentales des populations”.
  • 15
    No prefácio de um livro de 1974 que reúne artigos de vários historiadores em homenagem a Labrousse, Braudel diz sobre o homenageado que “relire ses ouvrages, c’est en découvrir le multiples directions”. (BRAUDEL, 1974BRAUDEL, Fernand. Conjoncture économique, structures sociales: hommage à Ernest Labrousse. Paris: Mouton, 1974., p. 9). No entanto, em artigo escrito em 1958, Braudel criticou a história feita por Labrousse, embora sem o citar nominalmente: “A nova história econômica e social coloca no primeiro plano de sua investigação a oscilação cíclica e aposta na sua duração: deixou-se iludir pela miragem - e também pela realidade - dos aumentos e quedas cíclicas dos preços”. Em seguida, o texto nomeia Labrousse, objetando que seu conceito de ciclo e de interciclo não chega a ser, de fato, a longa duração. (BRAUDEL, 1990BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. 6ª edição. Lisboa: Presença, 1990., p. 9, 12-14).
  • 16
    Utilizei aqui a edição original. A tradução brasileira foi publicada em 1995 pela editora WMF Martins Fontes.
  • 17
    O volume I traz o subtítulo A agricultura capitalista e as origens da economia-mundo europeia no século XVI; o volume II foi publicado originalmente em 1980 com o subtítulo Mercantilismo e a consolidação da economia-mundo europeia, 1600-1750; o volume III, publicado em 1989 e ainda sem tradução para o português, com o subtítulo The Second Great Expansion of the Capitalist World-Economy, 1730-1840’s (A segunda grande expansão da economia-mundo capitalista); por fim, o volume IV, publicado em 2011 e também não traduzido ao português.
  • 18
    “the anarchy of production, which has as its consequence the fact that the interests of any given entrepreneur as a competitor tend to run in the opposite direction from his or her interests as a member of a class”.
  • 19
    “It still has not been able to find a way to surmount the most enduring (and misleading) legacy of the nineteenth century social science - the division of social analysis into three arenas, three logics, three ‘levels’ - the economic, the political, and the socio-cultural”.
  • 20
    “By crisis in a historical system I shall mean not conjunctural difficulties within a system but a structural strain so great that the only possible outcome is the disappearance of the system as such […] In this sense, a crisis is by definition a transition”.
  • 21
    Desde essa época até seu recente livro Finance capital today, de 2016, Chesnais vem enfatizando a autonomização das formas financeiras do capital como resultado da tendência à queda da taxa média de lucro, mas também como elemento que a reforça. Outros autores se posicionam praticamente do mesmo modo na explicação da crise atual, como Costas Lapavitsas, Makoto Itoh, Paul Boccara ou ainda Leo Panitsch. Embora nenhum deles apoie a teoria do colapso, suas análises podem muito bem dar subsídio a essa interpretação.
  • 22
    A Escola da Regulação originou-se na França dos livros de Aglietta (AGLIETTA, 1976AGLIETTA, Michel. Régulations et crises du capitalisme. Paris: Calmann-Levy, 1976.; 1982AGLIETTA, Michel. La violence de la monnaie, Paris: PUF, 1982.), que recentemente escreveu com Sandra Rigot, Crise et rénovation de la finance (AGLIETTA; RIGOT, 2009AGLIETTA, Michel & RIGOT, Sandra. Crise et rénovation de la finance. Paris: Odile Jacob, 2009.). Outros autores importantes do grupo são Robert Boyer, Alain Lipietz e André Orléan. Muito sumariamente, a Escola da Regulação enfatiza os fatores institucionais extraeconômicos como responsáveis por criar contextos políticos e sociais definidores dos padrões nos quais o capital pode se mover e se reproduzir durante um período e em um país determinado. Apenas dentro desses contextos é que seria possível analisar os mecanismos efetivos de funcionamento da economia capitalista.
  • 23
    Tradução brasileira: O fim do capitalismo como o conhecemos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
  • 24
    Trata-se de palestras proferidas e de ensaios escritos entre 2011 e 2015 originalmente em inglês e publicados em diversas revistas. Streeck havia publicado, em 2013, Gekaufte Zeit: Die vertagte Krise des demokratischen Kapitalismus (Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático).
  • 25
    “Capitalism has always been an improbable social formation, full of conflicts and contradictions, therefore permanently unstable and in flux, and highly conditional on historically contingent and precarious supportive as well as constraining events and institutions”.

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Editado por

Editores responsáveis pela publicação: Júlio Pimentel Pinto Filho e Fávio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2018
  • Aceito
    16 Maio 2019
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