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O ASSASSINATO DE ANNIBAL THEOPHILO: HONRA LITERÁRIA E CONFLITOS ENTRE ESCRITORES NO RIO DE JANEIRO1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

ANNIBAL THEOPHILO’S MURDER: LITERARY HONOR AND CONFLICTS AMONG WRITERS AT RIO DE JANEIRO

Resumo

No dia 19 de junho de 1915, o poeta Annibal Theophilo foi morto, a tiros, pelo também escritor e deputado federal Gilberto Amado. O crime despertou imediato interesse no público carioca. Além do gosto por acontecimentos espetaculares, sobretudo para crimes, aquele evento estava recheado de elementos misteriosos. Ocorreu em um ambiente elegante, em plena luz do dia, envolveu dois escritores e aconteceu no final de um ilustrado evento social. Analisando alguns aspectos desse crime espetacular, este artigo argumenta ser este um crime de honra, mais precisamente, de honra literária. O trágico episódio envolvendo Annibal Theophilo e Gilberto Amado abre uma preciosa janela, pela qual se pode flagrar tanto os sentidos da distinção social construído pela via da elegância e civilidade, como expôs as diferenças entre os literatos.

Palavras-chave
Honra Literária; homens de letras; Rio de Janeiro; Assassinato; Conferência Literária

Abstract

On June 19th, 1915, the poet Annibal Theophilo was shot dead by the also writer and congressman Gilberto Amado. The crime aroused instant interest. Besides the taste for spectacular events, especially crimes, that fact was full of mysterious elements. It happened in an elegant place, during the day, it involved two writers and it happened at the end of an elegant social event. All those ingredients made the crime a subject for many articles on the daily press, occupying, for days, the public’s interest. Analyzing some aspects of that spectacular crime, this article argues that this was a crime of honor, literary honor, to be more accurate. The tragic episode involving Annibal Theophilo and Gilberto Amado opened a precious window, from which it is possible to capture not just the social meaning of the social distinction built from the notions of elegance and civility, but also expounded the differences between the writers themselves. Behind the harmony mantle that the men of letters strengthened to weave an extensive set of conflicts and tensions was hidden and became public by the tragic episode analyzed in this article.

Keywords
Literary Honor; writers; Rio de Janeiro; Murder; Literary Conference

“- E o assassino? - É o Amado? - De quem?” (Pingos e Respingos, Correio da Manhã, 21 de junho de 1915)

“Não tentei desfeitear, desfeiteei-o”

Figura 1

Quando o autor anônimo desse instantâneo captou os olhares atentos da plateia, sua intenção era ilustrar mais um bem-sucedido recital da “Hora Literária”. Organizada pela recém-fundada Sociedade Brasileira dos Homens de Letras3 3 Aquele foi um evento especial, do qual participaram nomes ilustres das letras pátrias, como Goulart de Andrade, Annibal Theophilo, Alberto Oliveira e Olavo Bilac. , a série de conferências literárias transcorria, até aquele momento, como esperado, sendo sucesso de público e de crítica. Devido ao ocorrido pouco após o final da sessão, os planos iniciais para a fotografia foram alterados.

Figura 2

A cruz branca quer revelar e marcar a presença, em meio à distinta audiência, de um assassino frio e cruel, que, em poucos instantes, iria praticar um crime terrível. Feito para mostrar todos os presentes, o retrato capturou apenas a testa e parte do rosto do suposto criminoso. Por isso, precisamos acreditar que a pessoa caprichosamente escondida atrás do grande chapéu escuro é o escritor e deputado federal recém-eleito Gilberto Amado. Ao final do evento, ele disparou, por seguidas vezes, sua pistola Mauser contra o poeta Annibal Theophilo. O crime aconteceu próximo ao saguão de entrada do luxuoso prédio do Jornal do Commercio, onde o poeta agonizou, vindo a falecer pouco depois.

O acontecido ganhou destaque na imprensa. Foi descrito nos menores detalhes, em tom crescentemente espetacular. Findada a conferência, Amado e Theophilo teriam, casualmente, se encontrado junto ao elevador do quinto andar. O poeta, então, teria dirigido um discreto aceno com a cabeça a uma dama que estava próxima ao congressista. Por equívoco, Amado entendera ter sido a gentiliza dirigida para si e retribuiu a cortesia. Contrariado, Theophilo teria se aproximado do romancista e dito calmamente: “Eu não o cumprimentei. Não se iluda. O meu cumprimento foi feito àquela senhora que ali está, atrás desse grupo”4 4 SOUZA, Leal de. O crime de Gilberto Amado. Careta, Rio de Janeiro, 17/07/1915, s/p . Em seguida, teria se afastado.

Pouco depois, quando saía do elevador no andar térreo, Paulo Hasslocher, amigo de Amado presente na cena anterior, teria interpelado bruscamente o poeta, por ele ter tentado desfeitear seu amigo. Um tanto nervoso, o autor de Rimas5 5 Foi este o único livro de Annibal Theophilo, tendo sido publicado em 1911. teria respondido: “Não tentei desfeitear, desfeiteei-o, e não tenho que lhe dar satisfações.”6 6 SOUZA, Leal de. “O crime de Gilberto Amado”. Careta, Rio de Janeiro, 17/07/1915 s/p. Irritado com a afronta, Hasslocher teria partido para briga corporal. Enquanto os dois se atracavam, Gilberto Amado teria se aproximado e disparado três vezes contra Annibal Theophilo, que caiu de imediato no chão. Durante a confusão, Amado tentara evadir-se da cena, sendo impedido pelo agente de segurança José Maria de Macedo e pelo guarda civil Octacilio dos Santos Carvalho. Apesar de o escritor alegar imunidade por ser deputado federal, o oficial permaneceu firme e prendeu Amado em flagrante, levando-o direto para a 1ª Delegacia de Polícia, onde foi instaurado inquérito criminal7 7 Para mais detalhes sobre o crime, consultar o site feito por Arnaldo da Silva Rodrigues, neto de Annibal Theopphilo: http://annibaltheophilo.weebly.com/a-morte-traacutegica.html. .

No calor da hora, muitas testemunhas deram seu depoimento. Entre elas, sempre mantendo a mais absoluta calma, e acompanhado por seu advogado, o conhecido criminalista Evaristo de Moraes, o réu trouxe seu ponto de vista sobre os acontecimentos, apresentando as supostas e reiteradas afrontas a ele dirigidas pelo poeta morto. Ao mesmo tempo, um intrincado jogo de versões invadiu as páginas do inquérito policial e da imprensa. Foram tantas e tão variadas as explicações, cada uma organizada por pontos de vista e intenções particulares, que não me sinto impelido a pedir desculpas pelo irritante uso do condicional dos parágrafos acima.

Um conjunto relativamente seguro de certezas, por outro lado, suporta o episódio e ajuda a dar forma a um problema histórico peculiarmente saboroso. Reunidos no prédio novo do Jornal do Commercio, um dos mais prestigiados palcos dos escritores na recém-remodelada capital da República, em uma festa organizada por literatos para divulgar e financiar sua recém-criada associação de classe, aquele desfecho parece, no mínimo, improvável. Afinal, trata-se de um crime público, ocorrido em plena luz do dia, diante da fina flor da sociedade fluminense. Surpreende, ademais, por envolver duas proeminentes figuras do prestigiado mundo das letras, ambos sócios fundadores da sociedade literária promotora do evento. Nesse sentido, não somente o crime causa estranheza a um observador do século XXI; também intriga o lugar e a forma como ele aconteceu. Afinal, não resta dúvida a respeito da autoria e é inequívoco que o crime vitimou, além de Annibal Theophilo, a classe dos homens de letras. Ao alvejar o poeta, Amado atingiu também a imagem pública dos escritores. Não por acaso, nos dias seguintes ao assassinato, Gilberto Amado foi impiedosamente atacado, suas credenciais de literato foram postas em questão. Annibal Theophilo, por sua vez, foi lembrado com saudade, homenageado pelos amigos como um “perfeito tipo de cavaleiro”, sendo a “modéstia e a generosidade” duas das mais “notáveis virtudes que o distinguiam”8 8 A tragédia da avenida, Fon-Fon, Rio de Janeiro, 26/06/1915, s/p. .

Pelo exposto até aqui, está evidente ser esse um dos raros casos em que o historiador se depara com uma “estrutura narrativa perfeita” (DAVIS, 1987, p. 09DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.). Um enredo bem urdido, recheado de versões apaixonadas que dão forma a uma trama enigmática, feita de acontecimentos curiosos e emocionantes. Ao mesmo tempo que são episódios nebulosos, povoados por incertezas, parcialidades e contradições, os relatos encerram um enredo fechado, com começo, meio e fim. Revelado por evidências imperfeitas, encerra perplexidades que abrem espaço para um conjunto rico de possibilidades históricas, aqui sintetizadas em duas perguntas: o que, afinal, motivou o crime? Por que ele foi cometido naquele lugar e de forma tão espetacular?

Travestido de historiador detetive, sonho acalentado por algum tempo, devo confessar, seguir as pistas desse crime permite desvendar algo a respeito da experiência dos homens de letras e da lógica das suas relações sociais ainda inexploradas pela historiografia. Aquele foi um momento de rupturas e incertezas sociais e políticas que atingiu, em cheio, os escritores. Enquanto a própria noção de literatura era posta à prova, não raro de forma acalorada, os escritores disputavam espaço e brigavam por prestígio. Em virtude disso, defendo aqui o argumento de que o assassinato pode ser corretamente definido como um crime de honra. Mas um tipo bem peculiar de honra: honra literária.

A grande roda elegante

No seu clássico A vida literária no Brasil – 1900(1975), Brito Broca constrói a imagem da literatura no Rio de Janeiro do início do século como o “sorriso da sociedade”. Para tanto, Broca expande a concepção de literário; além do produto do trabalho dos escritores, inclui sua vivência cotidiana, o que chama de vida literária. Trata-se de abordagem interessante e problemática. Por um lado, extravasa o aspecto estritamente textual da análise do texto literário e privilegia o contexto social no qual a literatura era produzida. Um – contexto – e outro – texto – se tornam assim indissociáveis. Ao mesmo tempo, traz para o cerne da cena literária aspectos importantes de uma realidade social que fazia dos escritores pessoas distintas; eles eram verdadeiras celebridades, pessoas que atraíam olhares, alvos de crescente curiosidade pública (LILTI, 2017LILTI, Antoine. The invention of celebrity – 1750-1850. Cambridge: Polity Press, 2017.).

Por outro lado, se o procedimento é exitoso e sugere instigantes caminhos de pesquisa, o sentido dele, no livro, é menos promissor. Em cada história contada – o livro é uma sequência de anedotas -, o autor privilegia um aspecto da construção do que denominou de “boemia dourada”. Para Broca, não apenas a atitude dos literatos, seus animados encontros em cafés e salões literários, mas o figurino aprumado, por vezes extravagante, e a crônica mundana davam o tom da novidade. Ao exaltar, dessa forma, os escritores, Broca torna a autoproclamada distinção dos literatos uma verdade histórica. E assim ajuda a dar corpo à ainda hoje difundida e problemática noção de belle époque. Aquele teria sido um tempo especial, marcado pela elegância e pela beleza, sendo os escritores sua expressão máxima, a síntese do tempo.

Ao operar com tal generalização, Broca deixa de explorar os muitos significados das tantas histórias narradas no livro. Unívoca, ajuda a consolidar uma versão sobre a relação entre os homens de letras e a alta sociedade, bem como dos homens de letras entre si. Na óptica deste tipo de explicação, formariam uma classe harmônica, que compartilhavam valores, hábitos e espaços. Além disso, fica a impressão de que toda a literatura produzida naquele instante era manifestação desse “sorriso” unificador da “sociedade”.

A historiografia já avançou muito desde a publicação do ainda hoje bastante útil livro de Broca. Muitos dos seus argumentos e, até mesmo, sua tese principal, já foram revistos, muitos refutados. Uma das vias de análise enfatizou os desafios e dilemas políticos enfrentados pelos literatos. Tanto as gerações que viveram intensamente as transformações sociais e políticas das duas últimas décadas do século XIX, com destaque para a Proclamação da República e a Abolição da Escravidão, como os que iniciaram sua atuação nos primórdios do século XX, experimentaram um dilema a respeito da atividade literária. Ela deveria ser a tecelã da nacionalidade, fazendo de seus pacientes artesãos os responsáveis pelo futuro do país, ou deveria ser ela simples entretenimento? Mais ainda, como o tecido nacional deveria ser criado? Quais materiais estavam disponíveis e qual seria a melhor forma de arranjá-los? Finalmente, quem estava à altura de desempenhar esta tarefa?

Questões como essas deram forma a trabalhos que mostraram que a literatura se imbricou de política de tal forma que, em não raros casos, passou a ser entendida como uma verdadeira missão. Esses estudos analisam os debates, nem sempre pacatos, entre os literatos, os divergentes pontos de vista em torno dos desafios do país e suas possíveis soluções, muitos diretamente relacionados ao passado escravista e à presença massiva de negros e mestiços. Nesse sentido, a literatura é travestida de função pedagógica, destinada a ser uma verdadeira escola de civilidade e cidadania. Apesar de ter a política como elo, os trabalhos que seguem essa linha mostram como os escritores nutriam concepções distintas sobre como fazer da literatura uma forma de educação cívica, revelando assim as diferenças e os conflitos dos homens de letras. A política, desta feita, tanto unificava, como dividia os escritos9 9 Conferir: (SEVCENKO, 1983), (CASTRO GOMES, 1999), (DUTRA, 2005) (PEREIRA, 2005) e PEREIRA, 2016.). .

Tanto assim era que, recorrentemente, divergências políticas explodiam em acaloradas polêmicas públicas (VENTURA, 1991VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.). Desde o final do século XIX, qualquer leitor dos tantos periódicos que circulavam no Município Neutro e na capital da República não teria dificuldade de encontrar disputas travadas entre os homens de letras nas páginas da imprensa. Concepções de literatura se chocavam em meio à opiniões conflitantes sobre os destinos da nação. Debatiam a forma de governo, o encaminhamento de uma solução para a escravidão, o problema racial, a própria ideia de literatura. Algumas questões emergiam: literatura deveria entreter ou instruir? Se era apenas entretenimento, deixava de ser arte? Se deveria formar o público, quais os temas principais a serem abordados? A forte presença negra, no modo mais do que racista de entender as coisas de muitos intelectuais do tempo, seria um destino incontornável ou havia soluções nos termos da ciência racial do tempo? Enquanto o racismo científico ganhava terreno, o campo das letras se formava junto com a crítica literária, imbricando, cada vez mais, literatura, ciência e política. As polêmicas abarcavam, ainda, a cena teatral, em particular o chamado gênero ligeiro do teatro10 10 Conferir (MENCARELLI, 1999) e (SUSSEKIND, 1986). . A criação de instituições de homens de letras ganhava destaque, em especial a Academia Brasileira de Letras (ABL)11 11 Conferir (EL FAR, 2000) e (RODRIGUES, 2001). . Os autoproclamados imortais tratavam não apenas da arte literária, mas da língua nacional, da política, da nação. Instituição fundamentalmente política, nela emergiam diferenças e polêmicas explodiam. A ABL era, ao mesmo tempo, um polo de atração para os literatos e uma arena, na qual suas diferenças ganhavam forma.

Pari passu às bem-sucedidas investigações preocupadas em avaliar os sentidos e impasses políticos do fazer literário, os dilemas vivenciados pelos homens de letras ganharam outras explicações. Alguns pesquisadores investiram esforços em desvendar os conflitos entre os escritores naqueles tempos percebidos como novos, não por acaso renitentemente descritos como modernos. Ocupados em acompanhar o ritmo acelerado das novidades, buscando ser parte dela, foram artífices de formas novas de fazer e dar sentido à literatura. Quer travestida de significado mais neutro, como técnica, ou voltada para encarnar a civilização e a elegância modernas, o fazer literário tornou-se algo indefinido. Nesse processo, revelam os estudiosos, disputavam um acirrado mercado editorial, procurando fazer das letras um meio de sustento, outra dimensão da atividade letrada12 12 Conferir (LUSTOSA, 1993), (SUSSEKIND, 1987), (NEEDELL, 1993) e (BALABAN, 2016) .

Esse conjunto robusto de estudos, como ressaltei pouco acima, se por um lado deitou por terra grande parte dos argumentos de Brito Broca, por outro não esgotou o potencial da noção de vida literária. Seguir mais uma vez essa trilha, agora buscando indícios a respeito da importância da imagem pública dos escritores para construir e consolidar suas carreiras, imagem em grande medida alicerçada pela noção de honra, abre espaço para um conjunto de questões ainda não explorado pela historiografia.

A ideia de honra, ainda que não trabalhada pela historiografia brasileira, já serviu para a análise de outra cena literária. Gregory Brown, em A Field of Honor, voltado para o contexto francês do século XVIII, estudou as estratégias de escritores, em particular autores teatrais, na busca de ser tornarem gens de lettres. Em um instante de transformações políticas e sociais intensas, observou as formas por meio das quais os aspirantes a escritor negociavam espaço naquele concorrido mundo das letras. Expectativas sociais e culturais limitavam o acesso de suas peças aos palcos – quer fosse pela censura, relações clientelísticas, elos com a corte, expectativas econômicas –, gerando um tipo de frustração relacionado a “imperativos psicológicos de autoafirmação” (BROWN, 2002, p. 16BROWN, Gregory Stephen. A Field of Honor: writers, Court Culture, and Public Theater in French Literary Life from Racine to the Revolution. New York: Columbia University Press, 2002.). As disputas estavam diretamente conectadas a uma certa noção de honra ou uma disputa de egos entre autores. Afinal, era preciso submeter seus escritos à avaliação, sendo a recusa um motivo de humilhação pública e particular. O argumento nos interessa por sublinhar uma espécie de desencontro entre a autoimagem dos escritores, em especial os não aceitos, e expectativas sociais e culturais. Nesse sentido, ele ajuda a mostrar como a literatura se realiza por meio de um conjunto complexo de expectativas contrárias, nas quais valores sociais e concepções estéticas, muitas vezes, se chocam.

Esse argumento, transplantado para o meio literário do Rio de Janeiro no início do século XX, nos leva diretamente ao cerne da questão: a aceitação social do homem de letras passava por um conjunto dinâmico de expectativas ligadas tanto à imagem pessoal, como ao comportamento público dos escritores. Aqueles homens de letras cavavam espaço em um mundo que também se transformava a passos largos. Buscavam aceitação junto ao público e entre seus pares, desejavam respeito, reconhecimento e notoriedade. Mas nem sempre alcançavam esse desiderato. Daí haver acirrada disputa ligada, de um lado, ao orgulho pessoal, de outro, à sua imagem pública. Isso, em boa parte dos casos, estava mais relacionado a valores sociais e relações pessoais, do que propriamente às qualidades das obras literárias. O homem de letras deveria ser pessoa de talento e espírito inegável, além de civilizado e ilustrado, predicados que o fariam ser admirado e respeitado e, mais do que isso, definiam uma qualidade fundamental: a honra literária. Ou, em outras palavras, a virtude e a distinção própria daqueles considerados homens de letras. Nesse sentido, poderiam travar acalorados debates de ideias nas páginas da imprensa, mesmo que os termos das discussões fossem constantemente ampliados para ataques pessoais. Por estranho que possa parecer a um leitor do século XXI, aqueles eram termos aceitos para a discussão de ideias naquele momento. Contudo, quando a disputa vazava das páginas dos periódicos e ganhava a forma de violência e crime, aí um limite era transposto, as honradas disputas de ideias eram extrapoladas e a tão cuidadosamente construída imagem dos homens de letras era arranhada.

Antes de prosseguir, uma breve explicação é necessária. A ideia de honra era importante na sociedade brasileira do XIX e do princípio do XX. Encampava sentidos variados. Nos termos longamente descritos em dicionários d’antanhos, honra era: respeito, estima, dignidade, boa fama, mérito, proceder virtuoso, honestidade, entre outros adjetivos13 13 Consultei, em especial, dois dicionários, a edição do Dicionário da Língua Portuguesa de 1789, de Antonio de Moraes Silva, e a de 1832 do Dicionário da Língua Brasileira, de Luís Maria da Silva Pinto, ambos disponíveis em formato digital em: https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/search/?q=honra#m929 . Honrar alguém era tecer-lhe elogio, exaltar suas virtudes. Esses valores, por subjetivos que fossem, e seguem sendo, adentravam na arena literária. A honra literária é também noção um tanto ampla, que pode servir para descrever um forte elogio às qualidades literárias de alguém, ou ainda se referir a uma premiação por obra de grande vulto. Neste artigo, ganha sentido específico: era uma das definições do homem de letras daquele tempo. Ser literato era, em si, uma honra, no sentido de uma qualidade distintiva. Um misto de predicados abonadores que, associadas à ideia de literatura, davam forma acabada à imagem dos nobres cultores da arte literária. Essa forma particular de honra, entre tantas outras existentes em sociedades do passado e do presente, era atributo conquistado a ser defendido com unhas e dentes. Era um conjunto de atributos intelectuais que faziam de alguém um tipo visto como superior, por vezes etéreo, admirado publicamente, exortado por seus atributos intelectuais e comportamento público. Não era conquista qualquer. E, mesmo não sendo garantia de bonança financeira, era algo muito valorizado, a ser alimentado e defendido. É disso que trata o crime investigado neste artigo.

Penetremos um pouco mais nos espaços públicos dos escritores:

A última recepção deste inverno, em casa do Sr. Dr. Coelho Lisboa, revestiu-se do brilho peculiar às grandes festas ali habitualmente realizadas. As grandes damas da nossa sociedade davam-lhe o seu encanto sem par e os mais brilhantes nomes das letras reuniram-se formando um brilhante cenáculo em que se representavam, moderadas e cheias de polidez, as tendências e orientações mais opostas. A jovem poesia, representada pelos Srs. Homero Prates e Olegario Mariano, ombreava com a venerabilidade rejuvenescida da Academia de Letras. Alberto Oliveira, o grande poeta, com a sua inimitável arte de dizer, recitou um dos seus belos poemas. O fato glorioso da noite consistia, na esperada, porém não anunciada, estreia literária da senhorita Rosalina Coelho Lisboa, que deveria dizer versos da sua lavra. No momento em que essa distinta senhorita pronunciou um título de soneto houve um ansioso palpitar de corações num prenuncio seguro de glória e, radiantes, cheios de graça, voando em triunfo, saíram-lhe dos lábios... os versos humorísticos de Bastos Tigre.14 14 Careta, Rio de Janeiro, 11/10/1913, s/p.

A descrição é rica, ainda que tenha ocupado lugar tímido no semanário, espremida entre um poema e dois reclames. A intenção não era, ao que tudo indica, conferir ao episódio maior destaque. Ainda assim, temos a notícia detalhada, e, decerto, adornada pelo estilo art nouveau do tempo, de uma daquelas festas promovidas pela alta sociedade da época, com o desfile dos melhores modelos das “grandes damas” e a presença de consagrados homens de letras, que deleitaram os convidados com sua presença e declamação de obras de própria lavra.

O trecho faz uma espécie de culto das artes em geral, e da arte literária em particular. Divulgar esses encontros, bastante comuns entre a alta sociedade do Rio de Janeiro, servia a propósitos diversos. O gosto pela alta cultura era vendido como elemento de distinção social; tal refinamento colocaria o Rio de Janeiro, e, por extensão, o país, em um lugar destacado no cenário latino-americano. A produção de tais imagens, portanto, se revestia de fortes significados políticos, constituindo elemento de distinção de classe e irrefutável critério para medir a civilização, o progresso social e nacional. No centro de tão grandiloquente cenário, luziam os homens de letras, figuras destacadas, personalidades ímpares. A passagem, de certo modo, cultua os escritores, os homenageia. De ingênuo, esse culto afetado pelas artes não tinha nada.

O trecho revela, ainda, uma qualidade importante dos literatos. Aquela era, em sua grande maioria, seara masculina. Tanto assim era que a jovem Rosalina decidiu iludir a plateia, apresentando versos de um conhecido poeta humorista no lugar das suas próprias rimas. Com isso, a sua maneira, dissimulava sobre seu fazer-se como poetisa. Com este recurso, brincava com a expectativa do público, que supostamente já aguardava há algum tempo para poder ouvir seus versos. Faz mesmo uso de uma, creio eu, cuidadosa estratégia de recato, uma timidez fingida, de certo apropriada para uma mulher honesta, como sugere a pose da fotografia abaixo.

Figura 3

Ao que tudo leva a crer, a jovem estaria fazendo uso dos versos de humor para ela mesma satirizar o evento e a expectativa existente em torno de sua obra desconhecida. Seria uma opção deliberada, feita com o propósito de alimentar, para, logo em seguida, frustrar a curiosidade existente em torno de sua obra. Desse modo, poderia valorizar ainda mais os seus escritos. Em um universo dominado por homens, no qual a aceitação de poetisas era motivo de reserva, constituindo as mulheres uma pequena minoria, o recato, a timidez fingida, poderia ser uma forma de se fazer aceita e, sobretudo, respeitada. Para isso, gerar expectativa seria estratégia virtuosa. Recorrendo a um poema humorístico, mantinha-se no papel social de uma mulher sem deixar de se afirmar poetisa, dada a sagacidade demostrada na escolha dos versos.

Seu comportamento, relacionado a um conjunto amplo e complexo de aspectos ligados às relações de gênero daquela sociedade que em muito extrapolam os limites e intenções deste artigo, contrasta com o de homens na mesma posição. Para eles, um comportamento tal seria impensável. A honra masculina se misturava, se confundia com a literária, sendo o comportamento esperado e apropriado do homem de letras incompatível com tal recato ou dissimulação. O aparecer social daqueles autoproclamados seres especiais pressupunha um tipo de código de conduta ligado àquilo que Alberto Oliveira realizou com perfeição. Ao contrário de Rosalina, ele atendeu às expectativas dos presentes quando “recitou um dos seus belos poemas”, encantando a audiência com a sua “inimitável arte de dizer”. O comportamento honrado, e esperado, de um homem de letras estava relacionado ao empenho de atender expectativas altas, abrilhantando, assim, o evento do qual era parte ilustre e ilustrada.

Além das festas promovidas pela alta sociedade carioca, havia, também, um outro tipo de evento que atraía o público elegante e endinheirado. Eram as conferências literárias, espécie de palestras proferidas, e, em muitos casos, promovidas, pelos homens de letras. Foi ao final de um desses encontros que o crime analisado neste artigo ocorreu. Ocupavam lugar de destaque nas páginas dos diários e semanários e eram anunciadas com antecedência. A propaganda desses eventos, não raro, enfatizava um sentido de distinção: “A esta palestra, que terá início às 4 horas da tarde, não faltará, por certo, o nosso culto e elegante mundo.”15 15 Sociais – Conferências, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 08/07/1914, p. 06. A simples presença nessas reuniões tornaria os frequentadores pessoas cultas e elegantes. Algumas poderiam, ainda, dar a sorte de ser flagrada por um fotógrafo e ter seu instantâneo publicado em alguma folha ilustrada.

Em 1913, uma nova série de conferências foi iniciada. A partir daquele ano, por volta do mês de julho, doze dos nomes mais em voga nas letras se revezaram no salão nobre do Jornal do Commercio. Cada um escolheu o tema com o qual iria entreter, durante pouco mais de uma hora, uma seleta e sempre numerosa plateia.

Figura 4

Entre os escritores deste quadro aparecem, na mesma coluna, separados apenas pelo escritor Lindolfo Collor16 16 Lindolfo Collor foi vítima de Gilberto Amado. Andando sempre armado, também alvejou o literato do Rio Grande do Sul, mas neste caso a vítima saiu ilesa. Muitos anos depois, Fernando Collor de Melo, neto do escritor que quase perdeu a vida pelas mãos de Amado, elegeu-se Presidente da República, tendo sofrido logo em seguida processo de impeachment. A respeito do atentado a Lindolfo Collor, ver: Leal de Souza. As razões do assassino. Careta, Rio de Janeiro, 01/01/1916, s/p. , os protagonistas do acontecimento analisado neste artigo. A composição sugere identidades diferentes de cada escritor. Todos muito elegantes, cada um exibe estilo próprio. Mais sóbrio do que os demais, Gilberto Amado veste um bem composto terno escuro e sustenta um olhar sério. Não encara diretamente a câmera; no entanto, parece dirigir sua visão para algo concreto, criando, assim, efeito prosaico. Annibal Theophilo, de sua parte, se posiciona de lado para a câmara e vira o rosto para encarar as lentes de frente. Com a face parte sombreada, parte iluminada, produz efeito mais romântico, com um olhar, ao mesmo tempo, terno, doce e sério.

Cada conferencista, portanto, constrói uma imagem de si, define uma personalidade literária por meio da fotografia. Colocadas lado a lado, as particularidades são unificadas em um mosaico feito para destacar e distinguir os palestrantes. Seriam todas pessoas de talento inquestionável, dotadas da honra – no sentido de glória – de poder figurar em quadro tão exclusivo. Esta galeria de escritores é uma expressão forte do destaque social dos literatos e de como a construção e a manutenção de uma imagem social constituía elemento essencial da carreira dos escritores, um patrimônio pessoal importante, cultivado e acalentado com cuidado.

Vale destacar ser esse quadro uma espécie de palco, no qual os escritores deveriam ser enaltecidos e admirados. Servem para saciar a curiosidade do público ao mesmo tempo que estimulam o culto das celebridades. Para que isso funcionasse, para que retratos como estes servissem ao propósito para o qual foram criados, as figuras ali pareadas deveriam necessariamente ser respeitadas. A admiração caminhava ao lado do respeito e da distinção dos escritores. Manter esse respeito, seguir sendo visto como um escritor honrado, era uma quase diuturna tarefa dos homens de letras. Honra e celebridade se misturavam no fazer-se do escritor no Rio de Janeiro da aurora do século XX. Afinal, como bem nos ensina Antoine Lilti, a celebridade fundamenta-se no interesse público pela vida privada dessas pessoas. O reconhecimento, algo, em tantos sentidos, frágil, sustenta a glória pela reputação (LILTI, 2017LILTI, Antoine. The invention of celebrity – 1750-1850. Cambridge: Polity Press, 2017.). E, acrescento, a reputação estava alicerçada, no Rio de Janeiro do início do século XX, na noção de honra, aqui travestida da ideia de um comportamento virtuoso.

Breve comentário para a presença, lado a lado, de Annibal Theophilo e Gilberto Amado. Em princípio, seriam homens reunidos por um propósito comum – difundir a literatura e a civilização – e uma característica igualmente irmã – eram homens de talento. O título da conferência de Amado foi A Chave de Salomão, o mesmo do livro que lançou no ano seguinte. Annibal Theophilo, por seu turno, permaneceu na sua seara, a poesia. Ambos, a julgar exclusivamente por este evento, eram, senão amigos, ao menos parceiros17 17 Vale destacar que Gilberto Amado afirmou, muitos anos depois do caso, não conhecer Annibal Theophilo, cujo “nome me era completamente desconhecido.” Certo que a afirmação é imprecisa sobre a data desse desconhecimento. No entanto, ao que tudo indica, é mais uma das contradições do episódio. (AMADO, 1960, p.316). . O estranhamento sublinhado no início do artigo ganha, assim, densidade. Por serem figuras públicas respeitadas, ícones da civilidade, imagens idealizadas da nação, o assassinato de Theophilo parece destoar do script, ser um tipo de ataque aos escritores como um todo, vitimando, até mesmo, o próprio Gilberto Amado. Afinal, o crime maculava a imagem criada pelos próprios escritores, uma vez que não era atitude honrada para um literato, ainda que pudesse ser aceita para uma pessoa comum.

Nesta altura, creio ter apresentado em detalhes o tipo de lugar e de evento no qual se desenrolou o crime de Gilberto Amado. Com esses detalhes, ele ganha contornos ainda mais misteriosos. Se o gosto por notícias sangrentas e episódios escabrosos era característico daquela sociedade, a curiosidade, certamente, seria maior quando nomes ilustres deixassem de assinar textos literários, ou de figurar nas colunas sociais, para protagonizar um escandaloso e sangrento episódio. Mais saboroso e enigmático se torna o evento em razão de ser a série de conferências na qual sucedeu o crime uma iniciativa da Sociedade Brasileira dos Homens de Letras. Aquela série de conferências foi organizada pelos próprios escritores com o propósito de angariar recursos para a recém-fundada associação da qual Amado e Theophilo eram integrantes, participando, inclusive, de comissões. O objetivo da nova sociedade era unir a classe, ser um espaço legítimo para reivindicar as demandas dos escritores. Ao invés de união, as diferenças entre os escritores foram expostas e acirradas após o crime, abalando a Sociedade recém-criada (BALABAN, 2016BALABAN, Marcelo. Estilo Moderno: humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre. Campinas: Editora da Unicamp, 2016.). Pelo exposto até aqui, cresce o mistério em torno do crime. Por que, afinal, manchar de sangue um dos palcos denotados dos escritores? O que afinal motivou o episódio?

Voltemos, então, à cena do crime.

“Coisas de literatos”

Após fracassar a tentativa de Amado de deixar as instalações do Jornal do Commercio, um tumulto tomou conta do lugar. A população avolumou-se próxima ao poeta, que foi levado às pressas para o Posto Central de Assistência. Apesar dos esforços do Dr. Monteiro Autran, “que lhe aplicara um balão de oxigênio, dando-lhe também uma injeção de óleo canforado.”,18 18 “Tragédia Emocionante”. O Paiz, Rio de Janeiro, 20/06/1915, p. 02. o poeta não resistiu, vindo a falecer ao chegar no Posto. Indignada, a população manifestava desejo de linchar o responsável por crime tão cruel. Em meio à tensão, Gilberto Amado, Paulo Hasslocher e Ignacio Valladares, também envolvidos no episódio, foram escoltados pelos agentes da polícia, que, em razão da delicadeza da situação, resolveram levá-los à delegacia em um automóvel de praça. Dentro do táxi, seguiram os esforços para convencer o oficial de polícia a não levar o deputado para a delegacia. Firme em sua posição, o oficial não cedeu e conduziu os três homens diretamente à primeira delegacia de polícia, na rua do Carmo. Uma vez no posto policial, o político-literato foi autuado em flagrante. Abriu-se, naquela mesma noite, um inquérito para apurar o ocorrido. Moto-contínuo, os testemunhos começaram a ser colhidos. Não foram necessários muitos dias para que Gilberto Amado fosse indiciado pela Procuradoria por crime de homicídio sem agravantes, nos termos do parágrafo 2º do artigo 294 do Código Penal19 19 O parágrafo 2º do artigo 294 do Código Penal de 1890 definia pena mínima e máxima para homicídios sem os agravantes. Entre os agravantes, matéria do artigo 1º, estava a premeditação. .

Figura 5

A partir do dia seguinte ao crime, detalhadas informações foram publicadas na imprensa, que teve acesso aos depoimentos praticamente ao mesmo tempo em que aconteciam. A fotografia reproduzida acima é expressiva da permissividade da relação entre a imprensa e a polícia, explicando, assim, o nível de detalhe sobre o caso publicado, quase instantaneamente, pelos jornais da capital da República. Iniciou-se, então, uma grande, e espetacular, série de reportagens sobre o crime.

A imprensa daquele tempo se alimentava de escândalos. Diria até, sem receio de causar polêmica, ser o sensacionalismo uma das principais características daquele periodismo20 20 Sobre os crimes na imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo conferir. (PORTO, 2009), Sobre o sensacionalismo nos jornais ver GALVÃO, 2019. . Eram comuns notícias de assassinatos preencherem as páginas dos principais diários da cidade. Quanto mais assustador fosse o crime, mais destaque ele ganhava21 21 A bibliografia sobre a imprensa do final do XIX e das primeiras décadas do século XX é relativamente vasta. Desde clássicos, como o livro de Nelson Werneck Sodré, passando por outros autores, como Tânia Regina de Luca e Marialva Barbosa, os estudos enfatizam a forças e os muitos sentidos políticos da imprensa daquele tempo. . Não havia economia de adjetivos e, quando possível, fotografias adornavam a cobertura do sanguinário evento22 22 Em uma busca rápida, em um importante diário do Rio de Janeiro de então, encontramos alguns títulos de notícias que ajudam a dar ideia da importância e destaque conferido aos crimes: Rixa antiga – O Sylvestre, palco de um cena de sangue, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27/12/1914, p. 03, O crime em São Paulo – um indivíduo degola, a navalhadas, sua ex-amante, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 05/01/1915, p. 02, A tragédia de todos os santos, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 07/01/1915, p. 03. .

Figura 6

Figura 7

Figura 8

Figura 9

Não espanta, portanto, o tom espetacular das chamadas das reportagens, todas publicadas na primeira página. O destaque conferido ao episódio, este sim merece nota. Nem todos os crimes despertavam tanto interesse, nem ocupavam tamanha quantidade de páginas e dias. As manchetes vinham em letras garrafais, com ênfase em adjetivos como “emocionante” e “revoltante”, indicando um julgamento prévio e uma espécie de frisson coletivo. A maioria dos jornais23 23 Vale notar que a cobertura da imprensa foi bastante dessemelhante. Alguns jornais, como o Correio da Manhã, dedicaram grande espaço e conferiram enorme destaque ao acorrido. Outros, como o Jornal do Commercio e o O Paiz – esta última folha na qual Gilberto Amando escrevia – foram mais discretas, dedicando muito menos espaço e descrevendo os acontecimentos de modo mais sóbrio. , além de apresentar o passo a passo do ocorrido, publicou trechos dos depoimentos, sequência dos fatos, reação de testemunhas, detalhes do velório e enterro, tudo fartamente ilustrado com desenhos e fotografias, produzindo um verdadeiro dramalhão perfeitamente adequado para integrar o enredo de qualquer bom folhetim daquele tempo, ou, quem sabe, também do nosso. A maioria, da mesma forma, apressou-se em condenar o cruel e frio assassino, qualidades fundamentais para definir a culpa de Amado.

O interesse dos leitores pelo ocorrido foi enorme. Além dos detalhes do crime, especialmente sangrento e enigmático, os protagonistas da trama despertavam atenção, sendo, em verdade, o motivo de tamanho destaque. Intrigas entre homens de letras, as circunstâncias do crime, a sequência do ocorrido, o testemunho de amigos do poeta morto, a autópsia – que estava pronta na primeira hora do dia seguinte ao crime – foram talhadas pela imprensa, de modo a dar forma a um bem urdido enredo de romance policial, capaz de alimentar a curiosidade do público por semanas a fio, conferindo ao caso aspectos de um crime épico:

A tragédia horrível vibrou todo o dia de ontem nos nervos da cidade. A opinião julgou-a logo, sob a impressão esmagadora do crime estupido e selvagem.

E o criminoso, ontem de relações mundanas, guindado pelos processos da politicagem caudilhesca, quase sem transição, de pedinte de emprego a deputado federal, não teve quem em público viesse justificar-lhe a ação cobarde, matando traiçoeiramente um moço indefeso, à saída de uma festa de arte.24 24 Um crime revoltante. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21/06/1915, p. 01.

Além do aspecto sinistro de um crime cometido em lugar público, ao final de um evento elegante, para o qual compareceram as mais destacadas damas da sociedade, muitas acompanhadas por seus maridos – como no caso do próprio Gilberto Amado, que estava acompanhado da esposa grávida – também o aspecto político servia de lenha para aquela já ardente fogueira. Afinal, Amado era apadrinhado do todo poderoso senador Pinheiro Machado25 25 Em sua alentada obra memorialística, Gilberto Amado, mais de uma vez, lembrou o padrinho político. Em A mocidade no Rio e primeira viagem à Europa, fala sobre sua proximidade com caudilho, revela ter conquistado amizades em razão dessa proximidade e conta algo sobre o estilo pouco literário do general. (Amado, 1956) Já em texto publicado em A dança sobre o abismo, definiu o líder político como “um verdadeiro homem de Estado, posto a serviço de uma obra política lucidamente, senão ideada, pelo seu próprio espírito, obra de efeitos duradouros(...)” (Amado, s/d, p. 165) , a quem era atribuída responsabilidade por seu êxito eleitoral. Não faltaram acusações, diretas e indiretas, a respeito de possível intervenção do temido líder político para livrar seu protegido da cadeia. Mas isso é picuinha de menor monta. Importa mais, para os propósitos deste artigo, observar as qualidades atribuídas ao autor confesso do crime. Por ser cobarde e traiçoeiro, cometera um “crime estúpido e selvagem”, dando forma a uma “tragédia horrível”. A Amado foram atribuídas qualidade de pessoa incivilizada, alguém movido antes por instintos do que pela razão, pessoa que ascendeu socialmente pela via do favor, da “politicagem caudilhesca”, não pela força de seu talento e empenho pessoal. Toda a aura que cercava a figura diáfana e superior dos homens de letras é negada a Amado, descrito como o avesso da imagem apresentada em detalhes na sessão anterior desse artigo. De homem honrado e respeitado devido a sua reputação ilibada e talento inconteste, Amado passa a figurar como pessoa selvagem e desqualificada. A honra do escritor, desta feita, era composta de dois aspectos complementares: o talento, qualidade pessoal, quem sabe inata, aliada à muita dedicação. A honra literária era também liberal, pois fundada no mérito, talento e virtude do self-made man que deveria conquistar seu lugar ao sol através de muito trabalho.

Por tudo isso, os “nervos” da cidade, tornada sujeito nos textos da imprensa, estariam pulsando intensamente26 26 Bastante comuns naquele tempo, narrativas metonímicas como esta buscavam atrair a atenção dos leitores produzindo uma sensação de totalidade, como se todos os habitantes da cidade fossem iguais. enquanto o processo de desqualificação de Amado seguia firme:

A calma fria e sinistra do assassino só não desconcerta aqueles que se dedicam aos estudos da criminologia moderna. Ele próprio, um medíocre professor de direito criminal, numa escola superior da República, conseguiu dar, com a sua enfezada pessoa, este magnífico exemplo de criminoso tarado para a documentação social. Foi esse o único serviço que Gilberto prestou aos seus alunos durante o seu tirocínio apagado pelo magistério público.27 27 Um crime revoltante. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21/06/1915, p. 01.

Informadas pela “criminologia moderna”, muitas das notícias ressaltaram a tendência natural, até mesmo inata, do literato para o crime. Prova cabal seria a autópsia, que indicava terem sido os disparos feitos nas costas do morto, confirmando que Amado agira “à traição”. O “exemplo de criminoso tarado”, que, até a data do crime cometido, podia ser visto em companhia de homens de letras, sendo, até mesmo, festejado por alguns, como acontecera em setembro 1914 em um banquete em sua homenagem no Teatro Municipal. Nomes ilustres estavam presentes, como Emilio de Menezes, Gregório da Fonseca, Olavo Bilac, entre outros. Logo após o crime, Amado passou quase imediatamente à categoria de “medíocre professor”, amigo ingrato, criminoso patológico; tornou-se um proscrito. Se fora, até então, capaz de enganar as pessoas comuns, os especialistas familiarizados com as modernas descobertas da ciência criminal não se deixariam ludibriar pela máscara civilizada daquele homem. Assim, além de pessoa incapaz de ascender socialmente por talentos próprios, Amado passa a figurar no rol dos criminosos patológicos, os capazes de cometer crimes por razões mesquinhas, senão pelo simples gosto pela violência. Passou, do dia para a noite, a ser descrito por meio de qualidades opostas àquelas que o fizeram ser parte do seleto e prestigiado grupo dos homens de letras. De festejado literato, passa a assassino tarado e covarde. Se lhe era negada a honra de homem de letras, ou seja, de pessoa racional, distinta pela capacidade intelectual, o mesmo movimento afirmava que Amado não possuía honra masculina, dada a inquestionável covardia do crime.

De tão espetaculares, processos como esses não são fáceis de explicar. Uma infinidade de detalhes legais, de técnica forense, intricadas relações pessoais e sociais, políticas, valores e formas de conceber o mundo tornam tais acontecimentos tão enigmáticos quanto fascinantes. Por isso, não podemos, nem tenho a intenção de responder, nas poucas páginas deste artigo, a todas as questões factuais sobre os motivos do crime, a relação entre os protagonistas, entre tantas outras. Elas resumem a polêmica gerada pelo caso. Para dar conta de tão delicada tarefa, seria necessário proceder a pesquisa mais exaustiva. O assassinato de Annibal Theophilo, certamente, dá matéria para um livro que, quem sabe, um dia, eu me empenhe em escrever.

Por ora, pesquemos alguns pedaços dessa história. Um guia dos mais profícuos, por ser detalhado e explicitamente parcial, é a série de crônicas publicadas na revista Careta pelo escritor Leal de Souza. Nela, o autor não esconde sua revolta e condena reiteradamente o autor do crime. Souza, no espaço que tinha no semanário, se empenhou em refutar todo e qualquer argumento em favor do réu. Um primeiro aspecto dizia respeito aos acontecimentos daquele fatídico dia 19 de junho. Circulavam, ao menos, duas versões. Na primeira, apresentada pelo próprio Amado em seu depoimento, e apresentada em detalhes pelo O Paiz, folha da qual era colaborador, dizia ter sido vítima de mais uma das recorrentes injúrias proferidas por Annibal Theophilo. Segundo Amado, sua presença ao evento deveu-se exclusivamente à insistência de amigos. Disposto a não sofrer constrangimentos, o deputado evitou entrar no salão nobre do Jornal do Commercio, onde acontecia o recital. Apenas por força da insistência do “Dr. Alberto de Oliveira, cônsul de Portugal”, entrara no salão, no qual seu desafeto declamava suas rimas28 28 Na versão que Amado apresentou, anos depois, em um livro de memórias, disse não ter entrado na sala da conferência. Na fotografia que abre este artigo, ele supostamente foi flagrado, mas a imagem é inteiramente inconclusiva, como ressaltei. (Amado, 1960, p. 318) . Na sequência, ainda movido pela honesta intenção de evitar quaisquer incidentes, saíra do salão quando: “De lá, da porta que dá para o tablado, Annibal Theophilo, havendo lobrigado o depoente, começou a sua encenação habitual.”29 29 Tragédia Emocionante. O Paiz, Rio de Janeiro, 20/06/1915, pp. 01-02. O poeta, nessa versão, teria se desgarrado do grupo de amigos com a intenção deliberada de “continuar as suas provocações”. Aproveitando-se de um instante em que o deputado estava só, Theophilo “empurrou o depoente de encontro à porta de entrada do salão fronteiro”. Tamanha teria sido a força empregada que “o vidro do relógio se partira na algibeira.”30 30 Vale ressaltar que, na versão de Amado, o episódio ocorreu sem a presença de testemunhos, tornando-o impossível de ser aferido.

Mais uma vez, o romancista fizera enorme e bem-sucedido esforço para se controlar e, com isso, evitar confrontos. No entanto, ainda segundo seu relato, não pararam aí as provocações. Pouco depois do incidente do relógio, enquanto aguardava o elevador no quinto andar, estando em companhia da esposa e sem o pince-nez, respondera por equívoco o cumprimento que Theophilo dirigira a uma mulher que estava próxima do romancista. Por esta estranha versão, Amado apenas respondera ao cumprimento por não reconhecer, devido a sua miopia, o autor do aceno. Foi quando Annibal Theophilo, novamente, se aproximou de Amado para dizer que não fora a ele dirigido o cumprimento, palavras ditas “em tom de escarnio”. A situação, então, ficou tensa. A esposa de Amado, conhecendo a índole do marido, teria pedido a ele que ficasse calmo, enquanto outros presentes aconselhavam que deixasse o local por outra saída. Foi quando “a alma generosa e ardente” de Paulo Hasslocher, “o mais entusiasta de todos os amigos”, surpreso com a “atitude de passividade” do amigo lhe disse: “-Seu Gilberto, um homem não suporta isso! Meta a bengala neste bandido!”, ao que Amado retorquira: “-Paulo, estou acompanhado da minha família. Que posso fazer? De resto, não brigarei nunca com este homem. Devo desprezá-lo sempre. Que fiz eu?”

Com este espírito, seguiu seu caminho para deixar o recinto. Porém, ao chegar ao térreo, observou que Theophilo havia “deixado em cima os seus companheiros” e desceu com “o fim de o maltratar ainda mais”. A situação ganhou contornos mais dramáticos e o depoente foi ficando crescentemente alterado pela perseguição. Sem conseguir deixar o local, viu seu amigo Paulo Hasslocher seguir na direção do poeta, que tentou desferir-lhe um soco. “Tonto, turvo, fatigado, aflito”, Amado, finalmente, sucumbira às ameaças e às repetidas provocações, e, fora do seu estado normal, “no momento de alucinação em que estava”, no qual “sentiu dentro de si qualquer coisa de estranho, de confuso, que lhe tomou a consciência”, cometera, involuntariamente, o crime. O nobre deputado não viu necessidade de explicar porque estava armado.

Essa narrativa está inteiramente balizada pela noção de honra; tanto a masculina, como a de homem de letras. Apesar de seguidamente humilhado, de sofrer repetidas afrontas em público e, pior, diante da sua família, mesmo assim Amado teria mantido a calma. O pressuposto desta versão é a de que um homem não conseguiria, nem deveria, se controlar diante de situação com aquela. O suposto fato de ter se controlado, de ter sofrido quieto a humilhação, era prova inconteste de suas boas intenções e de sua superior qualidade de homem ilustrado. Afinal, Amado tinha motivos suficientes e legítimos para reagir. E, se o fizesse, estaria no seu direito. Desse modo, ele conseguiria a simpatia de alguns leitores homens, estes também imbuídos dos mesmos valores e sentimentos de macho ofendido. Afinal, como teria dito Hasslocher, “(...) um homem não suporta isso!” Como tudo nessa vida tem limites, Amado uma hora estourou. Justamente, neste instante, o argumento jurídico é construído: o crime fora cometido em privação de sentidos, de sorte que ele não poderia ser responsabilizado por suas ações no momento dos disparos. E assim, o assassino confesso virou a vítima31 31 Anos depois, Gilberto Amado escreveu sobre o episódio. Sem propriamente condenar o poeta morto, a quem afirmou “nunca [ter] ouvido falar”, retornou ao argumento da honra masculina: Annibal Theophilo não podia “imaginar que eu, por ser deputado, pai de família, ansioso de subir, me deixasse, sem reagir, lanhar a cara de bofetadas, ser sacudido por pescoções e ter as orelhas puxadas, como ameaçou fazer no primeiro encontro em que me estarreceu.” Ainda, completou seu raciocínio: “São raríssimos, ainda hoje, os exemplos do indivíduo que, voluntariamente, abdique da condição humana, se demita da sua dignidade de homem.” (Amado, 1960, p. 316) .

Foi esta a versão que a maioria das folhas, e em especial Leal de Souza, se empenhou em desmentir. Nela, a premissa machista da versão de Amado não muda; o que se altera são os fatos. O literato procurou mostrar, imbuído dos “espíritos honestos e às claras consciência dos justos”32 32 Leal de Souza. Os antecedentes de um crime. Careta, Rio de Janeiro, 10/07/1915, s/p. – a honestidade era outro atributo do homem honrado -, que os acontecimentos daquela tarde foram outros e que os eventos que antecederam o crime foram, da mesma forma, inteiramente distintos. No lugar da vítima de uma terrível humilhação moral, do homem cuja honra pessoal e de representante da nação fora seguidamente vilipendiada, justificando, assim, o estado de inconsciência em que o crime teria sido cometido, temos um Gilberto Amado frio e vingativo. Os “costumes e antecedentes de Gilberto Amado demonstram os seus pendores para a violência. Andava sempre armado. Falava muito em matar.”33 33 Idem. Ibidem. Seguindo a lógica da moderna ciência criminal, Souza procurou demonstrar que haviam partido do assassino as provocações a Annibal Theophilo, iniciadas meses antes, quando romperam relações. Afirmou até que, por mais de uma oportunidade, ele jurara o poeta de morte.

Para sustentar sua versão, Leal de Souza apresenta outra sequência de acontecimentos do dia do crime. Com encadeamento semelhante, o protagonista das provocações muda, passa a ser o deputado. Da mesma forma, tenta refutar a versão apresentada por Amado sobre a origem dos desentendimentos entre os envolvidos na tragédia. Antes daquele dia, como citou Amado no seu depoimento, aconteceram dois encontros, um deles na redação da Careta. Este é episódio repetido em muitas narrativas sobre o crime. Segundo Amado, Theophilo recusara cumprimentá-lo na redação da revista Careta e, para piorar, ainda ameaçara cuspir-lhe na cara, tendo-o feito no chão.

No dia seguinte, impressionado com a cena que presenciara, o Sr. Schmidt, diretor do semanário, perguntara ao deputado se ele se acovardara e indagou porque “aquele rapaz o odiava tanto”. Amado não soube responder, levando Schmitd a concluir tratar-se de “coisas de literatos”, ou seja, idiossincrasias de homens de espírito.

Outro episódio tivera como palco a Avenida Central. Pouco depois de mais uma eleição para a Academia Brasileira de Letras, na qual Amado fora um dos concorrentes derrotados, em um encontro casual, Theophilo lhe teria dito: “A Academia não quer, dentro dela, covardes e bandidos!”. Para evitar um novo confronto físico, teria, então, o deputado procurado refúgio na perfumaria Bazin.

Leal de Souza apresentou as mesmas histórias sob óptica diversa. Na sua versão, o amigo morto “não sabia odiar, nem guardar rancores.” Seu “coração pulsava ao ritmo de poéticos sentimentos cavalheirescos”. Lembra que, durante os 16 anos de “fraternal intimidade”, não conhecia sequer uma história de briga em que se envolvera, tampouco “uma vítima da sua forte musculatura.” Invocou o testemunho de Olavo Bilac, que afirmara “perante a justiça” nunca ter visto Theophilo portar arma, nem se envolver em conflitos. Seria, pois, o extremo oposto do assassino que, após o incidente na Careta, passara a nutrir intenso sentimento de vingança contra o desafeto:

Quando Annibal Theophilo deixou de estender a mão à que lhe oferecia Gilberto Amado, este não tinha assento na Câmara, e, em nome da família e das letras, declarou esquecer o incidente, porém, um ano depois, começou a falar em desforço, embora nada houvesse agravado o remoto fato antigo.34 34 Os antecedentes de um crime. Careta, Rio de Janeiro, 10/071915, s/p.

Souza, portanto, inverte o sinal do que afirmara Amado. Seguiu a linha apresentada por alguns jornais, em especial a versão apresentada pelo Correio da Manhã no dia seguinte ao crime. Narrando o mesmo episódio, reproduz a suposta resposta de Annibal Theophilo: “Perdão, eu não aperto a mão de toda a gente. E só faço isso com pessoa honrada,”35 35 Um crime revoltante, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20/06/1915, p. 01. Difícil saber a fonte para citação tão precisa. Teria o autor do texto presenciado a cena ou a versão correria a boca pequena no meio letrado, ou trata-se de pura obra de ficção? Minha aposta é que há boa dose de invenção nessa descrição. De qualquer forma, a noção de honra organiza a história e é apresentada como autoexplicativa.

Assim, parece inconteste ter o episódio na redação da Careta ocorrido, mas a maneira e, em especial, o seu sentido seriam outros. Na história contada por Souza e pelo Correio da Manhã, Theophilo é a própria definição de pessoa honrada, que, de forma cortês, recusa a mão estendida por Amado devido ao seu caráter. Faz isso de forma ao mesmo tempo firme e cordata. Curiosa é a razão alegada por Souza para Amado não recorrer à violência: a família e as letras. Noutras palavras, para Leal de Souza, a imagem de bom chefe de família e ilibado homem de letras impediu, naquele momento, a “natural” reação de Amado. A fama de homem honrado era patrimônio valioso demais. Assim, o crime ocorrido meses depois deveu-se a dois fatores, segundo Souza: à índole violenta do romancista e ao posto de deputado recém-conquistado. Com as “costas quentes”, como se costuma dizer, Amado sentiu-se autorizado a, finalmente, saciar sua sede de sangue, isto é, poderia, finalmente, matar o desafeto. De acordo com o Correio da Manhã, ao lhe ser dada voz de prisão, Amado dissera: “Perdão, eu não posso ser preso, sou deputado.”36 36 Idem.ibidem,

Tivessem ocorrido as ofensas a Amado, o crime seria justo e o assassino deveria ser libertado. Amado era um assassino frio e calculista ou um homem injustamente atacado em sua honra? A depender da resposta a esta pergunta, a vítima poderia ser tanto o assassino, quanto o morto. De qualquer modo, nesse controverso jogo de versões, emergem elementos que expõem as diferenças e divergências entre os homens de letras. Questões pessoais geraram uma indisposição entre dois literatos, culminando em um crime. Por virar caso de polícia, as histórias envolvendo os dois homens de letras passaram a ser abertamente debatidas nas páginas dos jornais. Em artigos seguidos, Leal de Souza defende o poeta morto e constrói a versão do cruel e frio assassino. Nesse processo, apresenta Amado como um homem ingrato, destituído de talento, que se tornou importante por força da influência política de Pinheiro Machado, acusado de ter tentado defender o apadrinhado, impedindo que fosse lavrado flagrante37 37 A tragédia da Avenida, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20/06/1915, p. 03. . Fosse essa uma opinião anterior ao crime, ou não, o fato foi que o ocorrido movimentou o meio dos escritores, e expôs suas diferenças. Os deuses de casaca passaram a figurar como homens comuns, como simples mortais.

Leal de Souza seguiu determinado em sua missão de retrucar argumentos favoráveis a Amado. Empenhado em concorrer para que se fizesse justiça em uma terra em que as leis, segundo repetiram tantos jornais, somente se aplicavam aos mais fracos, publicou uma crônica comparando o crime de Amado com outro ocorrido meses depois. Pinheiro Machado foi morto por Paiva Coimbra. Neste texto, ressaltou ser a principal diferença entre os crimes a motivação; uma política, a outra, sem razão aparente:

Em todos os terrenos, sob todos os aspectos, a situação do arrogante parlamentar que matou por ódio e frio cálculo, é inferior à do mísero desclassificado que matou por delirante exaltação política.

Na defesa amoral de Gilberto e na perseguição feroz a Coimbra, esses pinheiristas, desenvolvendo a chicana, exercem a cabala e atiram à justiça atrevidas ameaças de vingança.38 38 Leal de Souza, Paiva Coimbra e Gilberto Amado. Careta, Rio de Janeiro, 06/11/1915, s/p.

Fazendo, mais uma vez, eco ao argumento cientificista, e sustentado pela noção de que as classes menos educadas da população agiam motivadas por “delirante exaltação política”, Souza expressa um modo de entender as coisas muito caro àqueles que se viam como pessoas acima das demais. De certo modo, ele inocentava Paiva Coimbra, dado ser uma pessoa do povo, sem instrução, que agia movido por instintos, não pela razão. Logo, não tinha consciência de suas ações, era um incapaz. Nesse sentido, além da revolta pelo crime cometido contra um amigo, o empenho de Souza estava associado à defesa de um princípio civilizacional. Distinguir Amado, ao contrário do assassino de Pinheiro Machado, era afirmar que ele estava de posse de suas faculdades mentais, logo, que cometera o crime de forma consciente. Por isso deveria ser condenado e imediatamente se tornar um proscrito, sendo afastado do círculo fechado e exclusivo dos homens de letras. Nesse sentido, ao condenar Amado, Souza defendia a classe dos escritores.

Logo, a defesa da classe dos literatos, da honra de ser literato, era a pedra de toque do debate. Se, de maneira geral, os escritores choraram a perda do poeta e renderam-lhe homenagens, não houve unanimidade na condenação do assassino, nem a respeito dos atributos literários de Amado. João do Rio, pseudônimo que notabilizou Paulo Barreto, em entrevista publicada no Pirralho...no Rio do dia 18 de setembro de 1915Pirralho...no Rio, São Paulo, 1915, Hemeroteca Digital Brasileira., afirmou ser Gilberto Amado uma “expressão de talento” do jornalismo carioca que, pela “fatalidade de um tiro”, passou a ser alvo de “tanto ódio (...) como em torno de um criminoso”39 39 “O estado atual das letras no Rio de Janeiro”, O Pirralho...no Rio, Rio de Janeiro, 18/09/1915, p. 01. . Souza ficou furioso. Não tardou em partir para o ataque. Dedicou sua crônica do dia 09 de outubro daquele ano para responder João do Rio. Para tanto, centrou sua artilharia menos nos argumentos de colega das letras e mais em suas qualidades pessoais e atributos físicos. O “anafado cultor de lugar nenhum” seria “incapaz de dedicação”. Sem amigos, era uma “infeliz criatura dotada de enganosa aparência de homem”. O “epiceno mestiço” espalhara inverdades a respeito do episódio “pela insídia de um despeito africano”. “A indecorosa mentira de João do Rio” traduzia o “despeito de um literato decaído”, de uma “relaxada bola de carne parda a rolar nos braços mórbidos do vício às plantas da gente honesta”40 40 Leal de Souza. Resposta a João do Rio. Careta, Rio de Janeiro, 09/10/.1915, s/p. .

Leal de Souza baba ódio, exprimindo, de forma precisa e flagrantemente aberta, um conjunto amplo de conceitos e preconceitos sociais e raciais próprios do contexto do pós-abolição brasileiro. Sem rebuço, resume, de forma lapidar, o debate. Não deixou nada de fora. Sua estratégia foi desqualificar João do Rio, isto é, atingir sua imagem pública. Mostrar aos leitores que Paulo Barreto não era pessoa confiável. Afinal, não era dado ao trabalho, era gay, gordo e mestiço. Com estas credenciais, não poderia ser definido como homem de letras, mesmo porque, para Souza, João do Rio não era propriamente um homem. Assim, não importava o que fora dito por João do Rio; importante mais quem estava dizendo. A mesma lógica se aplicava a Gilberto Amado, definido como um homem irracional, talhado para a violência, um criminoso nato. Um perfeito exemplar a ser estudado pelos adeptos de ideias de Lombroso. A morte de Annibal Theophilo expôs feridas, deu oportunidade para que ataques pessoais fossem tornados públicos, revelando ser antes as qualidades inatas das pessoas, não suas ideias ou textos, o critério definidor do literato.

Ainda que, nos dias de hoje, siga existindo aqueles que pensam como Souza, gente capaz de desqualificar pessoas pela aparência, escolhas sexuais e pela raça, tamanha desfaçatez ao explicitar esse tipo de conteúdo causaria revolta e muita polêmica. Naquele tempo, a fúria de Leal de Souza, o desfile de absurdos enfileirados no artigo revela um ideal de escritor. Deveria ser homem, branco, de boa aparência física, heterossexual e trabalhador. O conjunto dessas “qualidades” seria requisito necessário para distinguir os “talentosos” cultores da palavra escrita, os escribas responsáveis por tecer o complexo tecido da nacionalidade. Leal de Souza parece ter apresentado, pelo seu avesso, o tipo ideal do homem de letras, definindo, assim, a noção de honra literária.

Como disse na abertura desse artigo, estamos diante de um raro caso de uma “estrutura narrativa (...) perfeita” (DAVIS, 1987, p. 09DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.). A história, desse modo, teve um desfecho, e imagino que o leitor possa estar curioso sobre ele. No dia 28 de junho de 1916, após um ano de prisão, período no qual não faltaram denúncias de privilégios desfrutados pelo preso41 41 Leal de Souza. Regimens de Prisão. Careta, Rio de Janeiro, 25/12/1915, s/p. , o caso foi finalmente julgado. Apesar do empenho dos promotores, venceu a tese da defesa: o crime teria sido cometido em “completa privação de sentidos e inteligência”. Das 9 perguntas feitas ao júri, este considerou haver circunstâncias atenuantes ao homicídio. No entanto, entendeu-se também que o réu não cometera “o crime com surpresa” e que ele possuía “superioridade em arma de modo que o ofendido não se podia defender com probabilidade de repelir a ofensa”42 42 Um crime sensacional. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30/06/1916, p. 03. . No mais importante quesito, relativo ao domínio das faculdades mentais, Gilberto Amado foi considerado inocente por placar apertado; quatro votos a três. O breve lapso de razão, além de servir de motivo para inocentar Amado, servia também para lhe garantir o lugar de literato. Não era, ao menos aos olhos da justiça, o criminoso tarado desenhado por Leal de Souza.

O caso marcou e maculou a carreira de Gilberto Amado. Também arranhou a imagem dos escritores dado um limite ter sido ultrapassado. Se a troca de ofensas pessoais eram aceitas em polêmicas literárias, um crime cometido por um escritor contra um par sem motivo aparente não era aceitável. Os tiros de Gilberto Amado, além de acertar Annibal Theophilo, atingiram, em cheio, a imagem pública dos homens de letras. Feriram sua honra, macularam uma espécie de código de conduta interno e não escrito dos escritores, tirando eles de uma espécie de zona de conforto. O que estava em disputa, ao fim e ao cabo, era a distinção daqueles excelsos artífices das belas letras. Mesmo que divisões e diferenças fossem elementos marcantes e conhecidas dos literatos, sendo, até mesmo, consideradas marcas do espírito vibrante e distinto deles, nem sempre elas eram expostas em letra de forma do modo como figuraram nas páginas da imprensa naquele 1915. Suas ideias podiam ser contrapostas em público, mas suas figuras, sua personalidade, não. Por isso, quando os escritores deixaram de ser autores dos textos dos jornais e revistas para se tornaram personagens de um crime, uma certa aura foi rompida momentaneamente. Neste decerto curto interregno, os escritores tornaram-se homens comuns, perderam sua honra literária.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    Aquele foi um evento especial, do qual participaram nomes ilustres das letras pátrias, como Goulart de Andrade, Annibal Theophilo, Alberto Oliveira e Olavo Bilac.
  • 4
    SOUZA, Leal de. O crime de Gilberto Amado. Careta, Rio de Janeiro, 17/07/1915, s/p
  • 5
    Foi este o único livro de Annibal Theophilo, tendo sido publicado em 1911.
  • 6
    SOUZA, Leal de. “O crime de Gilberto Amado”. Careta, Rio de Janeiro, 17/07/1915 s/p.
  • 7
    Para mais detalhes sobre o crime, consultar o site feito por Arnaldo da Silva Rodrigues, neto de Annibal Theopphilo: http://annibaltheophilo.weebly.com/a-morte-traacutegica.html.
  • 8
    A tragédia da avenida, Fon-Fon, Rio de Janeiro, 26/06/1915, s/p.
  • 9
    Conferir: (SEVCENKO, 1983SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultura na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983.), (CASTRO GOMES, 1999CASTRO GOMES, Angela Maria de. Essa gente do Rio...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.), (DUTRA, 2005DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes Literatos: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.) (PEREIRA, 2005) e PEREIRA, 2016PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Coelho Netto: um antigo modernista. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016..).
  • 10
    Conferir (MENCARELLI, 1999MENCARELLI, Fernando. Cena Aberta: A absolvição de um bilontra e o teatro de revista de Arthur Azevedo. Campinas: Editora da Unicamp, 1999) e (SUSSEKIND, 1986SUSSEKIND, Flora. As revistas de ano e a invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.).
  • 11
    Conferir (EL FAR, 2000EL FAR, Alessandra. A Encenação da Imortalidade: uma análise da Academia Brasileira de Letras nos primeiros anos da República. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000.) e (RODRIGUES, 2001RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. A dança das cadeiras: literatura e política na Academia Brasileira de Letras (1896-1913). Campinas: Editora da Unicamp, 2001.).
  • 12
    Conferir (LUSTOSA, 1993LUSTOSA, Isabel. Brasil pelo método confuso: humor e boemia em Mendes Fradique. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993.), (SUSSEKIND, 1987SUSSEKIND, Flora. Cinematografo de Letras: literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.), (NEEDELL, 1993NEEDELL, Jeffrey D.. Belle Époque Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.) e (BALABAN, 2016BALABAN, Marcelo. Estilo Moderno: humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre. Campinas: Editora da Unicamp, 2016.)
  • 13
    Consultei, em especial, dois dicionários, a edição do Dicionário da Língua Portuguesa de 1789, de Antonio de Moraes Silva, e a de 1832 do Dicionário da Língua Brasileira, de Luís Maria da Silva Pinto, ambos disponíveis em formato digital em: https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/search/?q=honra#m929
  • 14
    Careta, Rio de Janeiro, 11/10/1913, s/p.
  • 15
    Sociais – Conferências, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 08/07/1914, p. 06.
  • 16
    Lindolfo Collor foi vítima de Gilberto Amado. Andando sempre armado, também alvejou o literato do Rio Grande do Sul, mas neste caso a vítima saiu ilesa. Muitos anos depois, Fernando Collor de Melo, neto do escritor que quase perdeu a vida pelas mãos de Amado, elegeu-se Presidente da República, tendo sofrido logo em seguida processo de impeachment. A respeito do atentado a Lindolfo Collor, ver: Leal de Souza. As razões do assassino. Careta, Rio de Janeiro, 01/01/1916Careta, Rio de Janeiro, 1913-1916, Hemeroteca Digital Brasileira., s/p.
  • 17
    Vale destacar que Gilberto Amado afirmou, muitos anos depois do caso, não conhecer Annibal Theophilo, cujo “nome me era completamente desconhecido.” Certo que a afirmação é imprecisa sobre a data desse desconhecimento. No entanto, ao que tudo indica, é mais uma das contradições do episódio. (AMADO, 1960, p.316AMADO, Gilberto. Presença na Política. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1960.).
  • 18
    “Tragédia Emocionante”. O Paiz, Rio de Janeiro, 20/06/1915, p. 02.
  • 19
    O parágrafo 2º do artigo 294 do Código Penal de 1890Código penal dos Estados Unidos do Brasil, 1890, consultado em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049
    http://legis.senado.gov.br/legislacao/Li...
    definia pena mínima e máxima para homicídios sem os agravantes. Entre os agravantes, matéria do artigo 1º, estava a premeditação.
  • 20
    Sobre os crimes na imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo conferir. (PORTO, 2009), Sobre o sensacionalismo nos jornais ver GALVÃO, 2019GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora: a guerra de Canudos nos jornais. Recife: Cepe Editora, 2019..
  • 21
    A bibliografia sobre a imprensa do final do XIX e das primeiras décadas do século XX é relativamente vasta. Desde clássicos, como o livro de Nelson Werneck Sodré, passando por outros autores, como Tânia Regina de Luca e Marialva Barbosa, os estudos enfatizam a forças e os muitos sentidos políticos da imprensa daquele tempo.
  • 22
    Em uma busca rápida, em um importante diário do Rio de Janeiro de então, encontramos alguns títulos de notícias que ajudam a dar ideia da importância e destaque conferido aos crimes: Rixa antiga – O Sylvestre, palco de um cena de sangue, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27/12/1914, p. 03, O crime em São Paulo – um indivíduo degola, a navalhadas, sua ex-amante, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 05/01/1915, p. 02, A tragédia de todos os santos, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 07/01/1915, p. 03.
  • 23
    Vale notar que a cobertura da imprensa foi bastante dessemelhante. Alguns jornais, como o Correio da Manhã, dedicaram grande espaço e conferiram enorme destaque ao acorrido. Outros, como o Jornal do Commercio e o O Paiz – esta última folha na qual Gilberto Amando escrevia – foram mais discretas, dedicando muito menos espaço e descrevendo os acontecimentos de modo mais sóbrio.
  • 24
    Um crime revoltante. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21/06/1915, p. 01.
  • 25
    Em sua alentada obra memorialística, Gilberto Amado, mais de uma vez, lembrou o padrinho político. Em A mocidade no Rio e primeira viagem à Europa, fala sobre sua proximidade com caudilho, revela ter conquistado amizades em razão dessa proximidade e conta algo sobre o estilo pouco literário do general. (Amado, 1956AMADO, Gilberto. A mocidade no Rio e primeira viagem à Europa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.) Já em texto publicado em A dança sobre o abismo, definiu o líder político como “um verdadeiro homem de Estado, posto a serviço de uma obra política lucidamente, senão ideada, pelo seu próprio espírito, obra de efeitos duradouros(...)” (Amado, s/d, p. 165)
  • 26
    Bastante comuns naquele tempo, narrativas metonímicas como esta buscavam atrair a atenção dos leitores produzindo uma sensação de totalidade, como se todos os habitantes da cidade fossem iguais.
  • 27
    Um crime revoltante. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21/06/1915, p. 01.
  • 28
    Na versão que Amado apresentou, anos depois, em um livro de memórias, disse não ter entrado na sala da conferência. Na fotografia que abre este artigo, ele supostamente foi flagrado, mas a imagem é inteiramente inconclusiva, como ressaltei. (Amado, 1960, p. 318AMADO, Gilberto. Presença na Política. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1960.)
  • 29
    Tragédia Emocionante. O Paiz, Rio de Janeiro, 20/06/1915, pp. 01-02.
  • 30
    Vale ressaltar que, na versão de Amado, o episódio ocorreu sem a presença de testemunhos, tornando-o impossível de ser aferido.
  • 31
    Anos depois, Gilberto Amado escreveu sobre o episódio. Sem propriamente condenar o poeta morto, a quem afirmou “nunca [ter] ouvido falar”, retornou ao argumento da honra masculina: Annibal Theophilo não podia “imaginar que eu, por ser deputado, pai de família, ansioso de subir, me deixasse, sem reagir, lanhar a cara de bofetadas, ser sacudido por pescoções e ter as orelhas puxadas, como ameaçou fazer no primeiro encontro em que me estarreceu.” Ainda, completou seu raciocínio: “São raríssimos, ainda hoje, os exemplos do indivíduo que, voluntariamente, abdique da condição humana, se demita da sua dignidade de homem.” (Amado, 1960, p. 316AMADO, Gilberto. Presença na Política. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1960.)
  • 32
    Leal de Souza. Os antecedentes de um crime. Careta, Rio de Janeiro, 10/07/1915, s/p.
  • 33
    Idem. Ibidem.
  • 34
    Os antecedentes de um crime. Careta, Rio de Janeiro, 10/071915, s/p.
  • 35
    Um crime revoltante, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20/06/1915, p. 01.
  • 36
    Idem.ibidem,
  • 37
    A tragédia da Avenida, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20/06/1915, p. 03.
  • 38
    Leal de Souza, Paiva Coimbra e Gilberto Amado. Careta, Rio de Janeiro, 06/11/1915, s/p.
  • 39
    “O estado atual das letras no Rio de Janeiro”, O Pirralho...no Rio, Rio de Janeiro, 18/09/1915, p. 01Pirralho...no Rio, São Paulo, 1915, Hemeroteca Digital Brasileira..
  • 40
    Leal de Souza. Resposta a João do Rio. Careta, Rio de Janeiro, 09/10/.1915, s/p.
  • 41
    Leal de Souza. Regimens de Prisão. Careta, Rio de Janeiro, 25/12/1915, s/p.
  • 42
    Um crime sensacional. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30/06/1916, p. 03Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1915-1916, Hemeroteca Digital Brasileira..

Referências Bibliográficas

Referências Bibliográficas1 – Fontes
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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2020
  • Aceito
    15 Jul 2021
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