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CLIO E PSIQUE: LIMITES E PERSPECTIVAS DE DIÁLOGO1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografias utilizadas são referenciadas no artigo. Agradecemos a leitura crítica deste texto feita por nossos amigos psicanalistas David Léo Levisky e Osmar Luvison Pinto, ambos da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. As interpretações aqui apresentadas e as eventuais impropriedades são de responsabilidade única do autor.

CLIO AND PSYCHE: LIMITS AND PERSPECTIVES OF DIALOGUE

Resumo

Entre a história e a psicanálise seria de se esperar colaboração sistemática e constante, que não acontece devido a divergências próprias ao perfil de cada uma das áreas e a certa concorrência no interior do universo científico. Contudo, elas apresentam afinidades quanto ao propósito (compreensão do ser humano, social e individual), ao material utilizado (fragmentos do passado observado), ao método adotado (indutivo). Assim, o melhor conhecimento recíproco, proposto por este artigo, pode viabilizar a cooperação potencialmente favorável a ambas as disciplinas.

Palavras-chave
História; Psicanálise; divergências; convergências; perspectivas

Abstract

Between history and psychoanalysis, one would expect a systematic and constant collaboration that does not occur due to specifics differences to the profile of each of those fields and a particular competition within the scientific universe. However, on the other hand, they have affinities concerning the purpose (understanding the human, both social and individual), the material used (fragments of the past observed), and the method adopted (inductive). Thus, a better reciprocal knowledge, proposed by this article, can allow a potentially favorable cooperation between the two disciplines.

Keywords
History; Psychoanalysis; divergences; convergences; perspectives

Entre as situações merecedoras de reflexão no panorama das ciências humanas do final do século XIX ao princípio do século XXI, está certa indiferença ou, às vezes, mesmo certa desconfiança entre dois campos do conhecimento que, contudo, são muito próximos, a história e a psicanálise.

Do lado da primeira, se desde os anos 1930 a escola historiográfica francesa aceita a necessidade de uma psicologia histórica, tenta fazê-la sem a psicanálise, adotando uma postura “de rejeição tácita, até de ressentimento irracional” em relação a ela (DIDI-HUBERMAN, 2000, p. 46DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images. Paris: Minuit, 2000.). O grande medievalista Jacques Le Goff é ilustração disso. Depois de ter identificado “uma fronteira onde historiadores e psicólogos deverão um dia se encontrar e colaborar” e ter avaliado a definição de símbolo, proposta pelo freudiano Géza Róheim (“representante externo de um conteúdo latente reprimido”), como passível de “renovar o estudo do simbolismo medieval” (LE GOFF, 2011, p. 746; 1977, p. 252LE GOFF, Jacques. Culture ecclésiastique et culture folklorique au Moyen Âge: saint Marcel de Paris et le dragon [1970]. In: Idem. Pour un autre Moyen Age. Paris: Gallimard, 1977, p. 236-279.), manifestará receio de o historiador cair no “irracional e no psicanalítico, dominado pela ideologia suspeita dos arquétipos” e expressará relutância em cooperar com os psicanalistas que “levam à busca do intemporal e procuram esvaziar o passado” (LE GOFF, 1985, p. VI; 1988, p. 55 e 169LE GOFF, Jacques. L’imaginaire médiéval. Paris: Gallimard, 1985.). Se a psico-história norte-americana, nascida na década de 1950, sempre esteve próxima da psicanálise, foi por isso mesmo várias vezes rejeitada pelos historiadores tradicionais (HIMMELFARB, 1975HIMMELFARB, Gertrude. The New History. Commentary. Nova York, 59, 1975, p. 72-78.).

Do lado da segunda, Sigmund Freud ao apresentar seu Totem e Tabu manifestou desejo de estabelecer conexões entre psicanalistas de uma parte e “etnólogos, linguistas, folcloristas etc.” (FREUD, 2013, p. 5FREUD, Sigmund. Totem e tabu [1913]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2013.) de outra, ou seja, embora atue em várias passagens daquele livro como historiador, aparentemente inclui esse tipo de especialista apenas naquele largo et cetera, talvez por se sentir menos devedor em relação a ele. No entanto, poucos anos depois, ao prefaciar a obra de um discípulo, observou que a mitologia, a história da literatura e a história das religiões seriam “os domínios mais facilmente acessíveis” à psicanálise (FREUD, 1996, p. 213FREUD, Sigmund. Avant-propos à Theodor Reik, Problèmes de psychologie religieuse [1919]. In: OEuvres complètes, vol. XV, 1996, p. 209-216.), “cujas tentativas de invasão” conheciam seus primeiros sucessos já assinalados por ele em texto anterior (FREUD, 1965, p. 112FREUD, Sigmund. Leçons d’introduction à la psychanalyse [1916-1917]. In: OEuvres complètes, vol. XIV, 2000.).

O que se percebe pelos exemplos daqueles dois grandes eruditos é o surpreendente desconhecimento recíproco das áreas de atuação um do outro. Le Goff (1924–2014) alega o suposto risco de a aproximação com a psicologia direcionar o historiador para o irracionalismo, sem clarificar a qual corrente de pensamento ele se refere e sem justificar seu julgamento. A sequência de sua acusação não é melhor fundamentada, confundindo a psicanálise freudiana e a psicologia analítica junguiana (da qual faz parte o conceito – não se pode aqui falar de “ideologia” – dos arquétipos). Curiosamente, aquela “ideologia suspeita” não deixa de apresentar convergências com a definição que propõe para “mentalidades”. Tal noção, diz ele, é uma estrutura, é automática, escapa aos sujeitos particulares da história, revela o conteúdo impessoal de seu pensamento, emerge através da arqueopsicologia, trabalha com heranças e topoi, é uma força inercial, veicula formas e temas que não são da “consciência coletiva”, obedece a códigos, em certa medida, independentes das circunstâncias temporais (LE GOFF, 2011, p. 733-736 e 742LE GOFF, Jacques. Les mentalités. Une histoire ambiguë [1974]. In: LE GOFF & NORA, Pierre (dir.). Faire de l’histoire. Paris: Gallimard, 2011, p. 728-751.).

As limitações e hesitações não são menores do lado de Freud (1856–1939). Ele não reconhece explicitamente a cooperação com a história, no entanto compulsando o índice de matérias dos vinte volumes das suas obras completas em francês, verificamos que frente às quatro referências à etnologia, quatro à antropologia, sete à linguística, dezesseis ao folclore, ocorrem dezenove à história. Mas enquanto os historiadores tentam discernir a evolução social, ainda que deixando à sombra a psique e sua muito lenta mutação, os primeiros psicanalistas faziam o inverso. Para eles as neuroses do passado longínquo seriam idênticas às da modernidade, apenas com alguma mudança de roupagem. É verdade que hoje muitos herdeiros sentem não poder acompanhar nesse ponto o legado do fundador da psicanálise, porém a densidade do tempo e a diversidade de culturas continuam a não ser examinadas por eles no peso que lhes atribui a história e outras ciências humanas, que percebem, e essa é uma questão central, que se determinados processos mentais revelam-se invariáveis, ou quase, outros nitidamente se transformaram e seguem se transformando. Como já se observou com razão, no pensamento freudiano poucas questões “são tão obscuras e intricadas quanto a do estatuto do tempo” (MEZAN, 1986, p. 578MEZAN, Renato. Freud, pensador da cultura [1985]. 4a ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.).

Há, portanto, incompreensões mútuas, mas também concordâncias tácitas ou explícitas entre as duas áreas. O objetivo do presente trabalho é apontar – mais do que isso demandaria limites bem superiores aos de um artigo – algumas dessas divergências e convergências, na esperança de alimentar eventuais reflexões sobre novas etapas do intercâmbio entre história e psicanálise. Os passos já percorridos nessa direção não constituem o foco deste texto, pois já os esboçamos recentemente (FRANCO JÚNIOR, 2020FRANCO JÚNIOR, Hilário. Só irmãos não basta ser, melhor é sermos amigos. As relações entre história e psicanálise. Revista de Teoria da História. Goiânia, 2020 (2), p. 11-40 (disponível em: https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/65243/36661
https://www.revistas.ufg.br/teoria/artic...
). E, sobretudo, para a história desse diálogo contamos com a antologia na qual Alain Besançon (1974)BESANÇON, Alain. L’histoire psychanalytique. Une anthologie. Paris / La Haye: Mouton, 1974. reuniu catorze autores na encruzilhada das duas disciplinas, além de termos o ensaio de Peter Gay (1985) a respeito.

Divergências

A existência de certa distância receosa entre história e psicanálise é inegável, apesar de as generalizações serem problemáticas, dado que ambas estão fragmentadas em diversas correntes. Lembremos apenas dois exemplos. Seria expectável o cruzamento metodológico profícuo no grande livro de Jean-Noël Biraben sobre a peste. Médico, demógrafo e estudioso de uma doença que se revelou devastadora nas suas diversas vagas ao longo de séculos (a de 1347–1353 matou cerca de um terço da população europeia), ele preferiu evitar hipóteses de cunho psicológico apesar de ter reservado várias páginas ao exame das interpretações antigas sobre aquela epidemia e as modalidades de luta contra ela, umas e outras carregadas de magia e religião (BIRABEN, 1976, vol. II, p. 7-84BIRABEN, Jean-Noël. Les hommes et la peste en France et dans les pays européens et méditerranéens. Paris / La Haye: Mouton, 1976, 2 volumes.). Georges Duby, apesar de ter colaborado em uma revista de psicanálise (1977), insistirá que é “insensato transpor a prática psicanalítica para o método histórico” (1980, p. 106).

Também não é fortuito que nas décadas seguintes um dos mais brilhantes historiadores da sua geração, dono de obra vasta e criativa, Jean-Claude Schmitt, trabalhe temas propícios à colaboração com a psicanálise (ou alguma outra corrente psicológica), sem sentir necessidade de fazê-lo – superstições, sonhos, fantasmas, demônios, comemoração de aniversário, ritmos temporais (por exemplo, SCHMITT, 1994SCHMITT, Jean-Claude. Les revenants: les vivants et les morts dans la société médiévale. Paris: Gallimard, 1994. e 2001). Poder-se-ia alegar que os historiadores em geral esbarram na dificuldade de se servir da psicanálise devido à sua tecnicidade, porém também é possível suspeitar que se trata de mais do que isso, de uma desconfiança epistemológica.

As razões são variadas. Antes de tudo, a condição da natureza humana, que é objeto das duas ciências: há 25 séculos a velha história pensa no coletivo (com eventuais incursões no biográfico), há pouco mais de cem anos a vocação da jovem psicanálise privilegia o olhar sobre o indivíduo (com esporádicas visitas ao social). É verdade que o criador da disciplina não separa psicologia individual e psicologia coletiva: uma é a outra “ao mesmo tempo e desde o início”, tendo em conta o desenvolvimento do Eu “sob a influência do mundo externo” (FREUD, 1955b, p. 69FREUD, Sigmund. Group psychology and the analysis of the ego [1921]. In: Standard Edition, vol. XVIII, 1955b, p. 69-143.), a constituição do indivíduo nas relações com o outro (pais, irmãos, etc.), o que “pode ser considerado como fenômenos sociais” (FREUD, 1964, p. 145FREUD, Sigmund. An outline of psycho-analysis [1938]. In: Standard Edition, vol. XXIII, 1964, p. 144-207.) semelhantes aos da psicologia coletiva, dos quais se diferencia apenas por um “fator numérico” pouco pertinente do ponto de vista das estruturas psíquicas (FREUD, 1955a, p. 185-186FREUD, Sigmund. The claims of psycho-analysis to scientific interest [1913]. In: Standard Edition, vol. XIII, 1955a, p. 165-190.).

Porém, desde seus princípios a psicanálise identifica na natureza humana uma instância inconsciente que apresenta um traço por definição oposto à história – é atemporal. Porque o historiador procura o específico das sociedades e dos fenômenos sociais, resiste à ideia freudiana desse “patrimônio hereditário que a cada nova geração tem somente que ser despertado, não adquirido” (FREUD, 1986, p. 237-238FREUD, Sigmund. L’homme Moïse et la religion monothéiste [1939]. Tradução Cornélius Heim. Paris: Gallimard, 1986.). A hipótese de ações humanas não motivadas e não registradas pela documentação criou nos historiadores uma barreira em relação à psicanálise, que só começou a ser superada, em parte, décadas depois graças à psico-história norte-americana e à história das mentalidades francesa, apesar das grandes diferenças entre elas. Desde então o psicanalista aceita que as formações do Inconsciente, apesar de inalteradas pelo tempo, conhecem exteriorizações que não ficam imunes aos influxos históricos, bem como o historiador admite que a mentalidade e seus imaginários são interpretáveis e devem ser interpretados (FRANCO JÚNIOR, 2010FRANCO JÚNIOR, Hilário. O fogo de Prometeu e o escudo de Perseu. Reflexões sobre mentalidade e imaginário [2003]. In: Idem. Os três dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval. São Paulo: Edusp, 2010, p. 49-91.).

Assim como para escrever uma história efetiva e solidamente total falta ao historiador melhor domínio dos mecanismos inconscientes, cujas emergências na documentação ele não se dá conta ou não sabe como interpretar, para o psicanalista bem apreender a dialética Inconsciente-Consciente é necessário incorporar conhecimentos históricos de longa duração (produtos e produtores de material inconsciente) e de curta duração (com os quais o Consciente está em diálogo constante). A título de ilustração, atribuir apenas ao “narcisismo das pequenas diferenças” as rivalidades existentes entre espanhóis e portugueses, alemães do norte e do sul ou ingleses e escoceses (FREUD, 2011, p. 60FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização [1929]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2011.), revela-se generalização frágil que descura as convivências históricas seculares entre esses povos, as quais comportaram tanto inúmeros pequenos eventos como grandes conflitos de ordem territorial, dinástica, econômica, religiosa, linguística.

Quando Freud afirma (1922, p. 298)FREUD, Sigmund. Psychopathologie de la vie quotidienne [1901]. Tradução Samuel Jankélévitch. Paris: Payot, 1922. “creio no acaso exterior (real), mas não creio no acaso interior (psíquico)”, ele tende a não ser acompanhado pelo historiador, cujo papel é elucidar aquilo que a outros pode parecer fortuito, pois ele pensa, como Voltaire (1766, p. 9)VOLTAIRE. Le philosophe ignorant. Genebra: Cramer, 1766., que o acaso é o efeito conhecido de uma causa desconhecida. Habituado por muito tempo a estudar mais os fenômenos de ruptura (crises, guerras, invasões) do que os de continuidade (sentimento religioso, formas sociais, estruturas econômicas), o historiador inclina-se a recusar a sugestão de que a mente humana seria intemporal ou, ao menos, pouco influenciável pelas vicissitudes históricas. Ele não concorda que eventos como guerras e revoluções sejam apenas manifestações das pulsões agressivas da natureza humana e critica a psicanálise por desvalorizar os agentes sociais, políticos, econômicos ou religiosos, que aceleram e modelam a reemergência daquelas pulsões.

A forma diferente pela qual as duas áreas abordam o texto e o contexto constitui-se em mais um ponto de desacordo. O historiador estabelece entre ambas uma ponte percorrida inúmeras vezes nos dois sentidos durante a reconstituição empreendida, ao passo que o psicanalista tende a usar menos o contexto global do paciente (a sociedade da qual ele é produto e agente), do que o discurso emitido por ele em situação clínica (depoimentos, sonhos, atos falhos, gestual, etc.). Por exemplo, Freud aceita a importância da mitologia, mas por subvalorizar a situação contextual, acusa Jung de empregar com demasiada amplitude material mitológico que a rigor, argumenta, “só pode ser usado desse modo quando aparece na forma original e não nos seus derivativos”. Para alcançar as supostas “formas originais”, Freud propõe “um método comparativo que elimine as distorções a que foram submetidas no decorrer da história” (McGUIRE, 1993, p. 476 e 480McGUIRE, William (ed.). A Correspondência completa de Sigmund Freud e Carl G. Jung [1974]. Tradução Leonardo Fróes e Eudoro Augusto Macieira de Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1993.), sem aparentemente se interessar pela gênese, recepção e significado das “distorções”. Ora, se estas ocorreram na história, ponderaria um historiador, comportam a carga social e psicológica de todos intervenientes nesse processo, não podendo, então, ser menosprezadas.

Contudo, Freud alega existir uma memória filogenética que explica comportamentos espontâneos sem relação com fatos vividos pelo sujeito, já que os vínculos entre gerações se dariam, segundo ele, por identificação inconsciente. É esse material filogenético, ele defende, que se manifesta nos costumes mais antigos, nos mitos (“vestígios deformados de fantasias de desejo de nações inteiras, sonhos seculares da jovem humanidade”: FREUD, 2007a, p. 170FREUD, Sigmund. Le poète et l’activité de fantaisie [1908]. In: OEuvres complètes, vol. VIII, 2007a, p. 159-171.) e nos sonhos (“fonte apreciável de informações sobre a pré-história humana”: FREUD, 1964, p. 167FREUD, Sigmund. An outline of psycho-analysis [1938]. In: Standard Edition, vol. XXIII, 1964, p. 144-207.). O historiador refuta a hipótese, visto que a transmissão dos estados psíquicos de uma geração a outra (processo transgeracional, na terminologia mais recente) fica enfraquecida se restringida aos dados propriamente psíquicos, já que toda geração, sendo inevitavelmente histórica, não deixa de ser contagiada pelo mundo exterior contemporâneo.

Em algum momento da genealogia pessoal ou comunitária há, em maior ou menor grau, comunicação do universo psíquico com os fenômenos históricos coevos. A menos que se aceite a ideia platônica, de fundo místico, de que todo conhecimento é reconhecimento, como em certa medida faz a psicanálise ao partir do pressuposto de que o sujeito sabe o que o perturba, embora ainda não tenha tomado consciência disso (o que lhe será permitido justamente pela intervenção psicanalítica) por intuir que a plena consciência do mundo torna o mundo inabitável. Enfim, como avalia um psicanalista contemporâneo, “as relações da vida pulsional com o desenvolvimento sócio-histórico” não foram claramente explicadas nem por Freud nem por seus sucessores (GREEN, 1993, p. 1032GREEN, André. Culture(s) et civilisation(s), malaise ou maladie ? Revue française de psychanalyse. Paris, 57, 1993, p. 1029-1056.).

Associadas a essas diferenças, algumas vezes as possibilidades de colaboração entre as duas disciplinas ficam prejudicadas por certa concorrência no universo científico. A história tal qual pensada pelos Annales desde 1929 já foi acusada de estender seu território por disciplinas vizinhas, de praticar imperialismo acadêmico. A psicanálise desde Freud poderia receber acusação similar. Em 1910, ele admite o anseio de que sua criação pudesse fornecer elementos para a filosofia e a sociologia. Nessa passagem privada, em carta a Jung (McGUIRE, 1993, p. 354McGUIRE, William (ed.). A Correspondência completa de Sigmund Freud e Carl G. Jung [1974]. Tradução Leonardo Fróes e Eudoro Augusto Macieira de Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1993.), ele comete um expressivo ato falho quando pretende dizer que a psicanálise tem valor (Wert), mas escreve Welt (mundo), denunciando sua aspiração de ela ser uma totalidade englobando outras disciplinas. É o que ele explicita mais tarde, de forma pública, ao afirmar que nas suas relações com a mitologia, a linguística, a etnologia, a psicologia dos povos e a ciência das religiões, a psicanálise “dá mais do que recebe” (FREUD, 2000, p. 173FREUD, Sigmund. Leçons d’introduction à la psychanalyse [1916-1917]. In: OEuvres complètes, vol. XIV, 2000.). Anos depois foi mais enfático: “a rigor, só existem duas ciências, a psicologia, pura ou aplicada, e a história natural” (FREUD, 1954, p. 179FREUD, Sigmund. The Question of a Weltanschauung [1933]. In: Standard Edition, vol. XXII, 1954.).

O mais importante motivo do afastamento recíproco das duas áreas é o jeito distinto de receber, definir, manejar e interpretar as fontes de informação. O historiador lida com um passado amplo, que em parte está nele próprio tanto quanto nas suas fontes. Também o psicanalista, evidentemente, é refém do seu passado social, porém no consultório trabalha com os passados pessoais dos analisandos, cujos passados sociais são, contudo, grosso modo, o do analista. Este supostamente recorre apenas ao material levado pelo paciente à situação clínica, enquanto o historiador procura fontes diretas e indiretas de seu objeto de estudo, estabelecendo entre elas um diálogo que possa controlar as informações obtidas.

Mais significativo, por lidar com um passado terminado o historiador pretende apenas descrevê-lo e entendê-lo, sem nele interferir, ainda que de forma inconsciente (às vezes consciente…) isso aconteça com certa frequência. Ao contrário do historiador que deseja ver os homens do passado com os olhos deles, o psicanalista, por trabalhar com um passado muito atuante no seu paciente, busca compreendê-lo, não por exercício intelectual e sim para transformar o portador desse passado. Enquanto a história volta-se para o passado com a intenção, explícita e constitutiva da disciplina, de descobri-lo para conservá-lo e entendê-lo, a psicanálise lida com o passado do analisando para trazê-lo à tona a fim de que ele possa ser superado, incorporado, sublimado ou esquecido. Isso estabelece relações díspares quanto ao tempo, que está no centro do trabalho e da atenção do historiador. Não é o caso do psicanalista, como adverte um deles: “do tempo, os analistas, que nele estão perpetuamente mergulhados, têm espantosamente pouco a dizer. Paradoxo surpreendente porque o objeto mesmo da análise, ‘predição do passado’, é a busca do tempo perdido” (GREEN, 1975, p. 104GREEN, André. Le temps mort. Nouvelle revue de psychanalyse. Paris, 11, 1975, p. 103-110.).

Ademais, no interior de cada área o entendimento sobre o tempo varia, ampliando ou restringindo a distância em relação à concepção que tem a outra. Por exemplo, o filósofo da história Michael Oakeshott pensa que como o futuro e o passado emergem de uma certa leitura do presente, o conhecimento histórico (não o tempo histórico) é de dois tipos. O passado prático é composto por um passado “encapsulado” no presente (o conjunto vivencial e genético que constitui parte do indivíduo e que por isso não depende de rememoração), o passado lembrado (a continuidade de consciência na qual a pessoa se reconhece) e o passado consultado (resgatável quando parece apropriado às circunstâncias atuais). Sendo vivo, o passado prático não é efetivamente passado, é o presente de objetos que sobreviveram. Por contraste, o passado histórico é inferido (não deduzido, porque os eventos não são diretamente observáveis) das fontes consultadas e submetidas a determinadas técnicas, o que permite identificar diacronias inter-relacionadas, e não causas, pois “eventos históricos são convergências circunstanciais de eventos históricos antecedentes” (OAKESHOTT, 2003, p. 126OAKESHOTT, Michael. Sobre a história e outros ensaios [1983]. Tradução Renato Rezende. Rio de Janeiro: Topbooks / Liberty Fund, 2003.).

Mesmo que não se acompanhe a reflexão do pensador inglês, há sem dúvida uma discrepância concreta entre a apreciação do tempo feita pelo historiador e pelo psicanalista, decorrência do tipo de material de que dispõem e do trato que dão a ele. O passado apresenta-se geralmente sobre suportes materiais relativamente duráveis (pedra, metal, pergaminho, papel, etc.) no caso do historiador, suportes imateriais e efêmeros (voz, gestos) no caso do psicanalista. Os suportes do primeiro tipo às vezes denunciam o desejo de diálogo entre o presente, que o construiu (e que é passado para o historiador), e o futuro, ao qual se dirige (e que é o presente do historiador). Mas quase sempre aquele material foi elaborado para seu próprio tempo, é o historiador que invade a privacidade do passado. Os suportes do segundo tipo permitem expressão mais espontânea e imediata entre contemporâneos, um dos quais convida o outro a entrar na sua intimidade. As relações geradas nos dois casos são, portanto, diferentes, se não opostas.

Em função das condições do discurso recebido, varia o conteúdo e o ritmo das perguntas que lhe são colocadas pelos dois especialistas. A escuta do psicanalista é direta e impartilhável, a do historiador indireta e concomitante a outras. Assim, o que a primeira ganha em intensidade, a segunda ganha em controlabilidade. É eloquente que o tempo psicológico seja distinto do cronológico: “a contemporaneidade do não contemporâneo é a característica mais essencial do tempo” (RIEFF, 1963, p. 25RIEFF, Philip. The meaning of history and religion in Freud’s thought. In: MAZLISH, Bruce (ed.). Psychoanalysis and History. Englewood Cliffs (New Jersey): Prentice-Hall, 1963, p. 23-44.). Toca-se aí um ponto capital (CERTEAU, 1993, p. 86-87): o psicanalista trata a relação temporal como imbricação (o passado no interior do presente), substituição (um no lugar do outro), repetição (um reproduz o outro sob outra forma), equivocidade (o que está no lugar de quê?).

O historiador diferencia passado e presente, vendo neste o locus do seu trabalho, de suas técnicas e seus conceitos, e naquele, o do seu material, encontrado em bibliotecas, arquivos, museus, monumentos. Há uma fronteira entre a historiografia, que fabrica representações, e a história, cujas peças são objeto daquelas representações. Diante disso, o estudioso define passado e presente como sucessão (um após o outro), correlação (proximidade mais ou menos grande), efeito (um segue o outro) e disjunção (ou um ou outro, nunca ambos juntos).

Em certa medida, talvez possamos dizer que as divergências entre as duas áreas aqui examinadas são consequência de duas modalidades diferentes de conhecimento, tal como Isaiah Berlin entende um fragmento do poeta grego Arquíloco (sec. VII a.C.) – “a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante”. Ou seja, os pensadores e os literatos do primeiro tipo “perseguem muitas pontas, frequentemente não relacionadas e até contraditórias […], alimentam ideias centrífugas”, movem-se em muitos níveis, trabalham com “uma vasta diversidade de experiências e objetos por aquilo que eles são”. Os do segundo tipo “associam tudo a uma visão única central, um sistema mais ou menos coerente ou articulado, a partir de cujos termos compreendem, pensam e sentem um princípio organizador único, universal, sobre o qual o significado de tudo o que são e dizem assenta em exclusivo” (BERLIN, 2020, p. 17-18BERLIN, Isaiah. O ouriço e a raposa [1951]. Tradução Maria João Madeira. Lisboa: Guerra e Paz, 2020.). Logo, trata-se de maneiras diferentes de lidar com a realidade, embora tendo igual valor, o que impede qualquer hierarquização, mas não os desacordos de pensamento entre as raposas descendentes de Heródoto e os ouriços sucessores de Freud.

Convergências

Apesar disso tudo, o saber historiográfico e o saber psicanalítico têm importantes pontos em comum, nem sempre reconhecidos ou valorizados. O primeiro deles quanto ao objeto, que é a reconstrução imaginária do passado, da sociedade e do indivíduo, feita no presente pelo historiador, e pelo psicanalista a partir dos fragmentos narrativos recebidos dos testemunhos históricos e dos analisandos. Relatos de acontecimentos externos e internos ao sujeito, cada um dos quais, diz Paul Veyne, não é substância, não tem unidade natural, é um “cruzamento de itinerários possíveis”, um “aglomerado de processos”, um “nó de relações” (VEYNE, 1971, p. 57VEYNE, Paul. Comment s’écrit l’histoire. Essai d’épistémologie. Paris: Seuil, 1971.), que ambos especialistas buscam destrinçar, cada um ao seu modo.

Nessa tarefa, o historiador depara-se com a inevitável limitação de receber com a cultura da sua própria geração os testemunhos vindos de um passado mais ou menos remoto. No caso do psicanalista tal dificuldade é menor, visto que de forma geral lida com testemunhos contemporâneos a ele. Heródoto e Tucídides também trabalharam com testemunhos vivos, mas à medida que seus sucessores foram acumulando material, o fosso entre este e seus investigadores foi ganhando a distância de décadas, séculos ou mesmo milênios. Devido à vastidão dos eventos históricos, alguns estudiosos buscaram descobrir constantes na evolução da humanidade, como fez Arnold Toynbee (1889–1975). Constatando a existência de certos padrões no comportamento humano, ele advoga que ao lado da escrita da história propriamente dita, há a meta-história, que estuda a natureza, o significado e o sentido da história, o que comporta, porém, o risco de determinismo exagerado, limitador da liberdade humana de escolha e de ação, fenômeno comum em épocas de convulsão social, como as que viram o surgimento do cristianismo e do marxismo (TOYNBEE, 1986, p. 506-511TOYNBEE, Arnold. Um estudo da história [1934-1961, edição abreviada 1972]. Tradução Isa Silveira Leal e Miroel Silveira. Brasília / São Paulo: Editora Universidade de Brasília / Martins Fontes, 1986.).

Há reflexões comparáveis em Freud, que devido à imensidão das funções psicológicas tentou identificar algumas leis dos mecanismos mentais, alguns padrões psíquicos que permitissem “traduzir a metafísica em metapsicologia” (FREUD, 1922, p. 299FREUD, Sigmund. Psychopathologie de la vie quotidienne [1901]. Tradução Samuel Jankélévitch. Paris: Payot, 1922.). Daí por que ao estudar o sistema totêmico, ele assegura que sua compreensão “deve ser, ao mesmo tempo, histórica e psicológica” (FREUD, 2013, p. 110FREUD, Sigmund. Totem e tabu [1913]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2013.). Ao exaltar, mais tarde, a psico-história como método superior ao da história tradicional, um de seus adeptos argumentará que ela oferece melhor compreensão do ser humano, porque este é a um só tempo histórico e psicológico (MAZLISH, 1971MAZLISH, Bruce. What is psychohistory? Transactions of the Royal Historical Society. Cambridge, 21, 1971, p. 79-99.). Apesar de os métodos continuarem distintos, a psicanálise reencontra a historiografia quando substitui a situação clínica pela investigativa, como fez Freud com as lembranças de Schreber, Descartes, Leonardo da Vinci ou Goethe.

Em célebre passagem, Freud comenta que o homem sempre almeja a felicidade, isto é, a ausência da dor e do desgosto e a obtenção do prazer, encontrando contudo três obstáculos a esse projeto: seu corpo, constantemente passível de sofrimento e destinado ao enfraquecimento e ao desaparecimento; o mundo externo, conjunto de forças superpoderosas, inexoráveis e destruidoras que o ser humano jamais controlará completamente; as relações sociais, a fonte de sofrimento talvez mais dolorosa de todas (FREUD, 2011, p. 20 e 30FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização [1929]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2011.). Com inevitáveis limitações, do primeiro obstáculo ocupa-se a medicina, do segundo a ciência e a tecnologia, do terceiro a psicanálise. A essa aguda reflexão faltou, contudo, perceber que a análise historiográfica reúne os três planos.

A história da medicina não é mera descrição de descobertas, fracassos e avanços de uma época superados pela época seguinte; ela é condição dos progressos nessa área. Algo comparável ocorre com a história dos fenômenos naturais (epidemias, terremotos, enchentes, eclipses) e das espécies animais e vegetais (adaptação aos meios geográficos, ritmos sazonais, produtividades e infertilidades): foi conhecendo melhor suas manifestações no passado que o homem, sem dominá-las, pôde minimizar ou potencializar seus efeitos, conforme os casos. O último ponto freudiano, “os vínculos humanos na família, no Estado e na sociedade”, constitui a essência dos estudos históricos. Freud constatou a rejeição da cultura em alguns fenômenos de massa, entretanto confessou não ser “erudito o bastante para seguir o seu encadeamento muito longe na história da humanidade”. Em outras palavras, ele assume que a história deve ser parceira na tentativa de compreender a rejeição civilizacional por parte de “nossa constituição psíquica” e exemplifica com um tema que lhe era caro: o indivíduo torna-se neurótico por não conseguir suportar as privações impostas pela sociedade, construída “sobre a renúncia instintual” (FREUD, 2011, p. 30-32 e 43FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização [1929]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2011.).

Quanto ao material utilizado, as duas áreas realizam reconstruções do passado com fragmentos necessariamente comprometidos por terem chegado ao observador, historiador ou psicanalista, por meio dos sujeitos que os elaborou. No vasto rol de informações assim disponíveis, os dois saberes mantêm relação privilegiada com a literatura e a arte. Tradicionais fontes primárias do historiador, para o psicanalista elas passaram a ser vistas como manifestações da psique que ele busca compreender. Freud dedicou-se à análise de algumas obras de arte (sobretudo de Michelangelo e de Leonardo da Vinci) e sentiu-se particularmente vinculado a obras literárias com preocupações filosóficas (como as de Shakespeare e Goethe) ou sociais (caso de Balzac). Tais fontes possuem valor evidentemente desigual para cada especialidade, mas algumas revelam-se úteis a ambas.

É o caso da autobiografia redigida, em 1116, pelo abade de Nogent (GUIBERTO, 1981)DE NOGENT, Guiberto Autobiographie. Edição e tradução Edmond-René Labande. Paris: Les Belles Lettres, 1981.. Um historiador adepto da psicanálise aplicada à sua área viu naquele relato uma preciosa fonte de informação sobre duas ocorrências medievais de psicose, uma esquizoide (a mãe do monge), outra neurótica (o próprio monge), com o mosteiro funcionando como “um equivalente medieval de manicômio, no qual Guiberto (e outros) poderia escapar para seu mundo interiorizado” (KANTOR, 1976, p. 290KANTOR, Jonathan. A psychohistorical source: the Memoirs of abbot Guibert of Nogent. Journal of Medieval History. Amsterdam, 2, 1976, p. 281-303.). Um psicanalista com abertura para a história constatou na autobiografia de Guiberto uma manifestação particular do complexo de Édipo. Tendo o futuro monge perdido seu pai biológico quando tinha apenas oito meses de idade e não existindo um tio materno, que na sociedade medieval frequentemente exercia a função paterna, esta foi transferida para Deus, o que se coadunava bem com a identificação que o menino estabeleceu entre sua mãe e a Virgem (LEVISKY, 2007LEVISKY, David. Um monge no divã: a trajetória de um adolescer na Idade Média Central. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.).

Apesar das diferenças entre os métodos interpretativos da história e da psicanálise, eles não deixam de apresentar certas semelhanças. Por exemplo, ao lidar com seus respectivos materiais os dois profissionais devem se abandonar àquilo que a teoria psicanalítica chama de “atenção flutuante”. Justificando esse procedimento, Freud alega que quando o analista fica atento a um ponto em especial este se fixará em sua mente à custa de outros, negligenciados. Tal seleção terá inevitavelmente por critério suas expectativas e inclinações pessoais, de maneira que pouco descobrirá além daquilo que já sabe ou deturpará aquilo que acaba de receber. Algo comparável ocorre com o historiador no contato com suas fontes. Se ele vai em busca de determinada coisa, provavelmente a encontrará, talvez mais por adulteração inconsciente do que como resultado de uma leitura livre. A atenção focada tende a deixar em segundo plano informações que poderiam se revelar estimulantes. Tanto o psicanalista como o historiador não devem tomar os dados recebidos como absolutamente verdadeiros, devido às distorções operadas por seus informantes. O que lhes deve interessar são as lacunas, os contrastes, as contradições.

Também comum às duas áreas é a prática de decodificar o discurso construído pelo material de arquivo ou de consultório, é a leitura das entrelinhas, é ir além da superfície literal do afirmado em busca do que seria a essência da mensagem emitida. Para Jules Michelet (1959, vol. I, p. 378)MICHELET, Jules. Journal. Edição Paul Viallaneix. Paris: Gallimard, 1959, vol. I., “é preciso fazer falar os silêncios da história”. Para Marc Bloch (1993, p. 108)BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier de l’historien [1949]. Edição Étienne Bloch. Paris: Armand Colin, 1993., o objeto de atenção do historiador não deve ser tanto aquilo que um documento diz expressamente, e sim “aquilo que ele nos deixa entender sem ter desejado dizê-lo”. Para Jacques Le Goff (1988, p. 302)LE GOFF, Jacques. Histoire et mémoire. Paris: Gallimard, 1988., importam os lapsos, os esquecimentos, os silêncios das fontes, as coisas que elas tinham condição de dizer e não disseram. Essa linhagem historiográfica não se relaciona com as fontes como objetos inertes, e sim como interlocutores com perfis particulares aos quais se colocam questões em função do objetivo pretendido. Ou seja, procedimentos muito próximos aos utilizados pelo psicanalista.

Se o texto lido pelo historiador ou o depoimento ouvido pelo psicanalista fala ocultando ou oculta falando, é preciso que o intérprete leve em conta as figuras de linguagem utilizadas. A frequência e o peso dos tropos na psicanálise (sobretudo a metáfora, conforme ARLOW, 1979ARLOW, Jacob. Metaphor and the psychoanalytic situation. Psychoanalytic Quarterly. Nova York, 48, 1979, p. 363-385.) estão intimamente ligados ao método da associação livre, fundado na relação com o conjunto de produção psíquica (representações, lembranças, fantasmas, afetos, etc.) parcial ou totalmente inconsciente, no qual a ativação de um elemento provoca a ativação de outros. O caso da história é diferente no plano tropológico – ela é uma metonímia, uma deslocação de continente (história como conjunto do passado) para conteúdo (história como historiografia, isto é, seleção, descrição e explicação do passado) – mas equivalente no plano epistemológico, porque “a verdade histórica é de acesso tão difícil quanto a verdade filosófica” (STRAUSS, 1954, p. 74STRAUSS, Leo. On a forgotten kind of writing. Chicago Review. Chicago, 8, 1954, p. 64-75.).

As duas especialidades encontram-se ainda no uso de procedimentos indutivos, que mantêm relação essencial com a probabilidade (CARNAP, 1971CARNAP, Rudolf. Logical foundations of probability [1950]. Chicago: University of Chicago Press, 1971.). Não podendo reproduzir seus dados para comprovar as interpretações que constroem a respeito, historiadores e psicanalistas resguardam-se na probabilidade de elas serem corretas, na plausibilidade da argumentação. Na inexistência de uma máquina do tempo, nenhum historiador consegue demonstrar sua conclusão, então busca reunir informações fidedignas e com elas construir um arrazoado o mais verossímil possível. Na falta de um caminho que permitisse alcançar diretamente no cérebro os pensamentos e sentimentos de seus pacientes, Freud criou um método que a partir de amostragens levou-o a erigir um certo número de noções essenciais.

Ele admitiu que a hipótese central de Totem e Tabu é “bastante improvável”, porém isso “não chega a representar objeção à possibilidade de que ela se aproxime em alguma medida da realidade” (FREUD, 2013, p. 6FREUD, Sigmund. Totem e tabu [1913]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2013., grifo nosso). Em O Mal-estar na Civilização, ao afirmar que o Eu deve ter passado por uma evolução “que compreensivelmente não pode ser demonstrada”, argumenta que sua reconstrução tem “certo grau de probabilidade” (FREUD, 2011, p. 10FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização [1929]. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2011., grifo nosso). O modelo típico desse procedimento é o complexo de Édipo, constatado por Freud em si mesmo, verificado por ele em obras literárias e depois proposto como etapa inevitável do desenvolvimento psíquico de todo homem.

Trata-se, então, daquilo que um epistemólogo chamou de “risky argument” (HACKING, 2001, p. 15-23HACKING, Ian. An introduction to probability and inductive logic. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.). Argumento arriscado é aquele assentado em testemunhos, como no caso do material trabalhado pelo historiador (fontes primárias) e pelo psicanalista (relatos). Ambos empregam, por isso, a lógica indutiva, construindo uma hipóteseH que é sempre um elo dependente das hipóteses h1, h2, h3, etc., que lhe estão associadas, de maneira que a hipótese H deve ser submetida à análise das probabilidades, podendo ser considerada aceitável quando for conciliável com os dados, hipóteses e teorias disponibilizados pela história da ciência em questão no momento em que se realiza o estudo (HEMPEL, 1966, p. 63-65HEMPEL, Carl Gustav. Philosophy of natural science. Englewood Cliffs (New Jersey): Prentice-Hall, 1966.).

Boa ilustração desse método é Totem e Tabu, cuja hipótese H – a origem do complexo de Édipo e das instituições sociais e das normas morais associada à da exogamia – foi levantada sobre a h1 de Charles Darwin (na origem os humanos viviam em pequenos bandos dominados por um macho violento que monopolizava as mulheres), a h2 de James Atkinson (o sistema patriarcal chegou ao fim quando houve uma rebelião dos filhos), a h3 de William Robertson Smith (o pai foi substituído por um animal tornado totêmico, cujo sacrifício ritual periódico reproduzia simbolicamente o parricídio fundador). Porque H depende de h1, h2 e h3, quando a antropologia passou a rejeitar as especulações de Robertson Smith, Freud não as abandonou por reconhecer que eram as únicas que serviam à sua argumentação (FREUD, 1986, p. 236-237FREUD, Sigmund. L’homme Moïse et la religion monothéiste [1939]. Tradução Cornélius Heim. Paris: Gallimard, 1986.).

No plano epistemológico, exemplo interessante das aproximações e distanciamentos entre ambas as disciplinas temos em Benedetto Croce (1866–1952) e Freud. De um lado, o idealismo filosófico crociano rejeitou o freudismo. Se ele chegou a escrever uma resenha globalmente positiva sobre a Interpretação dos Sonhos, julgando a obra convincente, não deixou de ressalvar que a teoria psicanalítica não deveria ultrapassar seu território específico (CROCE, 1926CROCE, Benedetto. S. Freud: le rêve et son interprétation. La critica. Nápoles, 24, 1926, p. 184.). Esse receio da influência da nova teoria levou os discípulos crocianos a atacarem-na. Um deles, em revista fundada e dirigida por Croce, condenou a psicanálise como “produto cultural inferior” (RUGGIERO, 1932). O próprio Croce, como principal assessor da editora Laterza, publicou a tradução de Totem e Tabu, mas incluiu-a em uma coleção de menor prestígio, de títulos esotéricos, renegando assim as aspirações científicas de Freud (COLI, 1986COLI, Daniela. Croce, Laterza e la cultura europea. Bolonha: Il Mulino, 1986.).

De outro lado, na sua vasta reflexão historiográfica o pensador italiano desenvolveu raciocínios que no essencial não se chocavam com os de Freud. Se “toda verdadeira história é história contemporânea” (CROCE, 1920, p. 4CROCE, Benedetto. Teoria e storia della storiografia [1917]. Bari: Laterza, 1920.) é porque ela emerge diretamente da vida, daí o estudo do passado ter suas raízes no interesse pelo presente. Mais do que nos escritos, nas artes, nas técnicas, nos resquícios materiais, os documentos que informam sobre o passado estão vivos e atuantes no espírito humano, o que explica a contínua contemporaneidade da história. É em razão das necessidades da vida presente que os testemunhos mudos do passado voltam a falar. Logo, a verdade histórica não se encontra nos documentos, e sim no âmago do historiador.

O ser humano é sempre produto do passado e vive imerso nele, o que torna fundamental olhá-lo de frente para forjar uma nova vida e uma nova ação: “a historiografia liberta-nos da história” (CROCE, 1938, p. 37CROCE, Benedetto. La storia come pensiero e come azione. Bari: Laterza, 1938.), porque permite compreender a verdadeira unidade dos contrários, que é dinâmica. O olhar psicanalítico também está continuamente voltado para o contemporâneo, que procura compreender por meio de incursões pelo passado. O que vem à tona nas narrativas dos psicanalisandos é material vivo, que se espera ressignificar no presente, permitindo uma nova vida e uma nova ação do sujeito no futuro. Nesse sentido, a psicanálise liberta a psique por revelar que o Inconsciente e o Consciente constituem uma unidade, invariavelmente dinâmica.

Até na limitação metodológica há simetria entre os dois ramos do conhecimento, da qual não escapam nem grandes autores e grandes livros. Ernst Kantorowicz em O Imperador Frederico II realizou sobre o personagem (1194–1250) uma biografia muitíssimo documentada e redigida com qualidade literária, que não escapou, contudo, aos inquietantes ares políticos da Alemanha do seu tempo (a obra, publicada em 1927, foi reeditada em 1928, 1931 e 1936), tanto que o autor hesitaria anos depois em autorizar novas edições. Se muitas vezes os biógrafos revelam simpatia por seus biografados, em diversas passagens Kantorowicz parece ter-se excedido: os conjurados de 1246 contra o imperador eram “animais” sob aparência humana; os italianos que resistiam a ele eram guiados mais por “pequenos interesses” do que por convicções; essa situação gerava “inevitavelmente a delação”; o uso da tortura “não era uma loucura, e sim a mais terrível das necessidades”; aqueles anos de batalhas e cercos levam o historiador a “lamentar que tanta energia germânica tenha sido desbaratada na Itália” (KANTOROWICZ, 1927, p. 579, 595, 596, 598, 605KANTOROWICZ, Ernst. Kaiser Friedrich der Zweite. Düsseldorf / Munique: Küpper-Bondi, 1927.).

Em O Homem Moisés e a Religião Monoteísta (FREUD, 1986FREUD, Sigmund. L’homme Moïse et la religion monothéiste [1939]. Tradução Cornélius Heim. Paris: Gallimard, 1986.), sua última obra, o fundador da psicanálise emite a hipótese de aquele personagem não ter sido judeu como afirmam o texto bíblico e as demais fontes históricas, e sim um egípcio que, diante do desaparecimento do efêmero culto ao deus único Aton, resolveu conduzir um povo escravizado (hebreu) ao exílio, impondo-lhe suas ideias religiosas (monoteísmo) e certas práticas rituais (como a circuncisão). A rigidez das concepções de Moisés levou ao seu assassinato, parricídio cujo recalque estaria na base do antissemitismo. Em suma, Kantorowicz e Freud desfocaram os retratos de seus personagens, um ao tingi-lo com as cores fortes do nacionalismo da República de Weimar, outro ao pintá-lo com sua inquietação pessoal diante do progresso nazista e das querelas internas à psicanálise, o que lhe parecia indícios do desejo de morte em relação ao pai do cristianismo (o judaísmo) e ao pai da psicanálise (ele próprio, Freud).

Portanto, é preciso observar o observador. Inclusive, ou sobretudo, a respeito da imaginação que, quando censurada, esteriliza o desempenho daqueles profissionais; quando hipervalorizada, debilita suas demonstrações. O quantum de seu uso é discutível, todavia a importância dela para ambos é inegável. Um especialista em história contemporânea, sem problema de escassez documental, como seus colegas dedicados a períodos mais recuados, reputa a imaginação “uma das principais faculdades do historiador” (RÉMOND, 1989, p. 336RÉMOND, René. Le contemporain du contemporain [1974]. In NORA, Pierre (org). Essais d’ego-histoire. Paris: Gallimard, 1989, p. 293-346.). Um deles, empenhado em refletir sobre a teoria que embasa o ofício, conferiu-se a tarefa de pensar a meta-história, aquilo que está além do olhar imediato que se lança sobre a história. E chamou atenção para dois pontos essenciais (WHITE, 1993WHITE, Hayden. Metahistory, the historical imagination in nineteenth century [1973]. 8a ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993.).

Primeiro, as afinidades entre discurso historiográfico e discurso literário. Os dois tipos partem de material diverso, eventos supostamente reais num caso, confessadamente imaginados no outro, contudo pode-se perguntar quanto de imaginação entrou nas “fontes primárias”, e quanto de realidade engendrou a ficção literária. O historiador depois da recolha das informações passa à fase de redação das suas descobertas, associações e comparações, e nessa atividade trabalha de forma análoga ao romancista. O psicanalista depois de coletar dados organiza-os e formula o todo em um relato mais ou menos ficcional, oral ou escrito. Certa feita, Freud confidenciou a um colega e analisando que “no meu espírito componho sempre romances me apoiando na minha experiência de psicanalista; gostaria de me tornar romancista – mas não agora, talvez mais tarde” (STEKEL, 1950, p.66STEKEL, Wilhelm. The autobiography of Wilhelm Stekel. The life story of a pioneer psychoanalyst. Edition Emil Gutheil. New York: Liveright, 1950.). Um importante psicanalista concordará que “à nossa maneira, construímos um romance” (PONTALIS, 1977, p. 14PONTALIS, Jean-Bertrand & M’UZAN, Michel de. Échange de vues. Nouvelle revue de psychanalyse. Paris, 16, 1977, p. 5-27.).

Segundo ponto referido por White: o historiador confunde-se com o filósofo da história porque mais do que reunir dados para interpretá-los, ele procura e seleciona aqueles adequados à teoria geral, ao sentido da história previamente adotado por ele. Daí um mesmo documento gerar discursos historiográficos bem diferentes entre positivistas, marxistas, analistas, psico-historiadores, etc. Simetricamente, um mesmo psicanalisando será escutado e estimulado diversamente se o psicólogo for freudiano, junguiano, kleiniano, reichiano, comportamentalista, etc. Assim como o psicanalista deve estar atento aos tropos do relato do analisando e no seu próprio discurso usar judiciosamente esses recursos retóricos, segundo White o historiador na sua tentativa de transformar o pouco conhecido em conhecido, organiza seus dados como metáfora, metonímia, sinédoque ou ironia.

Tal escolha não é sugerida pelas fontes, é feita de modo consciente ou inconsciente pelo historiador, que a partir disso define a estratégia explicativa e, por consequência, o tipo de narrativa, de argumentação e de ideologia do seu discurso. Visto que não há um tropo mais adequado do que outro à construção historiográfica, a opção por um deles não é epistemológica, é ética e estética. A dimensão latente (trópica) condiciona a dimensão manifesta (discursiva), conclui White. Diante de mais essa convergência, a dúvida apresenta-se com naturalidade: por que, apesar de tão próximas na virtude e no pecado, história e psicanálise pouco se frequentam?

Reaproximação possível?

Bem vistas as coisas, as diferenças reais e consideráveis entre as duas áreas, em especial quanto à articulação do individual com o coletivo, não constituem forçosamente um fosso intransponível. Nem Heródoto (1978)HERÓDOTO. The History. Tradução George Rawlinson. Chicago / Londres: Encyclopædia Britannica, 1978. descurou dos indivíduos (ele cita 196 personagens históricos) nem Freud da sociedade. Este sintetizou seu pensamento a respeito ao afirmar que “os eventos da história humana […] são o espelho de conflitos dinâmicos entre o Eu, o Id e o Supereu […] repetidos em escala mais ampla” (FREUD, 1959, p. 72FREUD, Sigmund. An autobiographical study [1925]. In: Standard Edition, vol. XX, 1959, p. 7-70.). Dez anos depois, Marc Bloch entendeu que “os fatos históricos são, na essência, fatos psicológicos” (BLOCH, 1993, p. 188BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier de l’historien [1949]. Edição Étienne Bloch. Paris: Armand Colin, 1993.). Mas nem ele nem Febvre, que começaram a carreira acadêmica em Estrasburgo, cidade de forte tradição cultural germânica, deram mostras de interesse pela psicanálise. Pelo contrário, nutriram por ela certa desconfiança, na esteira de seu colega psicólogo da Universidade de Estrasburgo, Charles Blondel, que em 1923 qualificara a teoria freudiana de “obscénité scientifique” (ROUDINESCO, 1986, p. 283ROUDINESCO, Elisabeth. La bataille de cent ans: histoire de la psychanalyse en France. Paris: Seuil, 1986.).

Todavia as suspeições recíprocas foram caindo com o tempo. Anos após a morte de Bloch e de Febvre a revista fundada por eles publicou um estudo histórico da autoria de um psicanalista (DEVEREUX, 1965DEVEREUX, Georges. Psychanalyse et histoire: une application à l’histoire de Sparte. Annales. Economies, sociétés, civilisations. Paris, 20, 1965, p. 18-44 (= BESANÇON, L’histoire psychanalytique, op. cit., p. 115-145).), enquanto mais tarde uma revista psicanalítica publicaria um historiador (DUBY, 1977DUBY, Georges. Mémoires sans historien. Nouvelle Revue de Psychanalyse. Paris, 15, 1977, p. 213-220.). Atualmente, raros historiadores ousariam negar a importância das emoções ao longo dos séculos no comportamento dos seres humanos, isolados ou em grupo. Tampouco negar as motivações inconscientes nas tomadas de decisões individuais ou coletivas que afetam o desenrolar histórico. O território historiográfico passou a incluir temáticas caras aos psicanalistas, como sexualidade, erotismo, homossexualismo, relações de gênero e de parentesco. Alguns historiadores não se eximiram de pensar no plano epistemológico as relações com a psicanálise, caso do francês Michel de Certeau (1993, p.85-136 e 239-268)DE CERTEAU, Michel. Histoire et psychanalyse entre science et fiction [1975]. Paris: Gallimard, 1993. ou do germano-americano Peter Gay (1989a)GAY, Peter. Freud para historiadores [1985]. Tradução Osmyr Faria Gabbi Júnior. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989a.. Entretanto, de maneira geral os herdeiros de Heródoto não recorrem de forma sistemática e rigorosa ao instrumental psicanalítico.

De seu lado, poucos psicanalistas ousariam minimizar o peso do enquadramento histórico restrito e amplo, isto é, familiar e social, nas patologias que tratam na sua prática clínica e nos estudos de clínica extensa que realizam. O que não os leva, porém, a manusear de modo metódico e meticuloso o material historiográfico, procedimento que poderia “clarificar a psicologia social freudiana um tanto rudimentar”, avalia Gay (1989a, p. 144)GAY, Peter. Freud para historiadores [1985]. Tradução Osmyr Faria Gabbi Júnior. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989a.. Como figura disso temos O Futuro de uma Ilusão (FREUD, 1994FREUD, Sigmund. L’avenir d’une illusion [1927]. In: OEuvres complètes, vol. XVIII, 1994, p. 145-197.). A poderosa análise do fenômeno religioso ali realizada ter-se-ia beneficiado caso tivesse chamado para a argumentação psicanalítica a história das religiões.

A força psicológica que Freud atribui à relação materno-filial – na base do complexo de Édipo e todas suas consequências – poderia ter sido acompanhada pela discussão de exemplos marcantes como o egípcio, de Ísis-Hórus; o mesopotâmico, de Ishtar-Tammuz; o frígio, de Cibele-Átis; o helenístico, de Ísis-Harpócrates; o cristão, de Virgem-Cristo. As nítidas diferenças de enquadramento cultural desses casos dão a impressão de não afetarem a noção freudiana, ainda que as diferenças na realização artística e literária sinalizem certos matizes que mereceriam ser melhor compreendidos e integrados à análise, enriquecendo-a. Se as relações mãe-filho têm um substrato fisiológico e instintivo que permanece ao longo dos tempos, elas não podem deixar de se expressar culturalmente, socialmente, o que faz da hipótese do complexo de Édipo não uma invariante, e sim uma manifestação histórica. Que seria mesmo o motor principal da cultura russa, de acordo com Alain Besançon (1967)BESANÇON, Alain. Le tsarévitch immolé. Paris: Plon, 1967..

A história da atualidade não teria sido menos útil para a demonstração freudiana. A contemporânea Revolução bolchevique fornecia elementos incitantes. A radical mudança política na velha Rússia não era acompanhada em igual ritmo pelas transformações econômicas e deixava quase intocados os sentimentos religiosos devido, justamente, ao forte enraizamento da “ilusão” cristã, presente na terra e na alma russas há mais de novecentos anos, desde sua conversão em 988. Um cartaz de propaganda política lançado sete anos antes do livro de Freud poderia ter sido psicanalisado com proveito. Na faixa inferior encontra-se o símbolo comunista do martelo e da foice entrecruzados e os dizeres “Educação, caminho para o comunismo”, logo acima aparece uma cidade com várias indústrias, nos ângulos superiores uma estrela de cada lado abrem caminho entre as densas nuvens, prenunciando um futuro radiante. No centro, ocupando a maior parte do desenho, um cavalo alado está montado por um homem que em uma mão segura uma tocha, noutra um livro aberto.

Ora, tudo indica que esse cavalo é Pégaso, segundo uma versão mítica nascido da terra fecundada pelo sangue da monstruosa Medusa, dona de cabeleira de serpentes, presas de javali, mãos de bronze, asas de ouro e olhar petrificante. Ou seja, metáfora plausível da Rússia czarista do ponto de vista revolucionário. No mito grego quem cortou a cabeça da terrífica criatura foi Perseu e quem montou o cavalo alado para matar outro monstro, a Quimera, foi Belerofonte. Como o cartaz russo pretende associar comunismo e conhecimento, o personagem adequado para a mensagem é Prometeu, que roubou o fogo aos deuses para dá-lo aos homens. Graças a isso foi galgado outro patamar civilizatório, novos instrumentos e produtos puderam ser criados.

É o que a imagem sublinha com as chamas e a fumaça das fábricas que envolvem a cidade, e sobretudo, em primeiro plano, com a tocha acesa portada pelo cavaleiro, análoga àquela que em certas iluminuras medievais Prometeu utiliza para vivificar o homem, quer dizer, para lhe atribuir aquilo que lhe é peculiar e diferenciador, a inteligência. Como Prometeu, segundo o mito e a etimologia, é “aquele que vê antes” (Προμηθεύς é composto de προ, antes, e μανθάνω, aprender, saber), ele parecia a metáfora perfeita do novo homem soviético (Fig. 1). Na imagem o monstro não está figurado, porque já havia sido destruído, era o capitalismo que aniquilava esforços, riquezas e vidas antes de o soldado bolchevique montado em um cavalo – como o tradicional patrono moscovita, São Jorge, matando o dragão – inaugurar uma nova era, fundar uma nova civilização.

Figura 01
Pégaso e Prometeu bolcheviques

Os continuadores de Heródoto e de Freud, de forma geral, não se desinteressaram por aquilo que os radicais dessas áreas pensam ser sua exclusividade. Desde o princípio a historiografia teve um viés psicológico pela simples razão de que o ser humano é psicológico e não saberia, em nenhuma situação, renunciar a essa condição. Mas é inegável que a psicanálise abre para a história compartimentos da humanidade que lhe estavam anteriormente vedados ou eram apenas entrevistos. A técnica freudiana permite ao historiador olhar mais de perto, e com maior pertinência, temas que até então só eram abordados por sua face intelectual, como o amor, o sexo, o medo, a morte, o mito, a utopia, o tempo, Deus. A história, por sua vez, possibilita ao psicanalista o acesso a materiais mais perceptíveis na esfera coletiva do que em psiquismos isolados, como acontece com a agressividade. Ademais, aproveitando o fato de que “os mortos não pedem para ser curados, somente para ser compreendidos” (MANUEL, 1971, p. 209MANUEL, Frank. The use and abuse of psychology in history. Dædalus. Cambridge (Mass.), 100, 1971, p. 187-213.), a história pode estimular a psicanálise a nuançar certos conceitos.

É o caso do complexo de Édipo, cuja pretensa universalidade já foi objeto de longa polêmica com a antropologia. Bronislaw Malinowski (1884–1942), fundado em extenso trabalho de campo nas ilhas Trobriand, detectou sua ausência naquela sociedade matrilinear, concluindo que o complexo edipiano seria típico da família monogâmica patriarcal (MALINOWSKI, 1927MALINOWSKI, Bronislaw. Sex and repression in savage society. London: Routledge & Kegan Paul, 1927.). Um dos mais fiéis freudianos, Ernest Jones (1879–1958), contra-argumentou que quanto mais um desejo é recalcado menos ele é verbalizado, de modo que a alegada ausência de incesto materno entre os nativos melanesianos seria mais uma questão de método de abordagem do que um fato social (JONES, 1925JONES, Ernest. Mother-Right, and the sexual ignorance of savages. International Journal of Psycho-analysis. London, 6, 1925, p. 109-130.).

A essa controvérsia nunca encerrada, o historiador pode contribuir, por exemplo, com as estatísticas florentinas de 1426–1427, estudadas por David Herlihy. Com efeito, elas revelam uma diferença média de idade de treze anos entre marido e mulher (em muitas famílias a diferença etária entre pai e mãe era parecida com a entre mãe e filho) e uma baixa esperança de vida (56 anos), de maneira que os homens pouco participavam da vida doméstica e saiam cedo da vida dos filhos (HERLIHY, 1969HERLIHY, David. Vieillir à Florence au Quattrocento. Annales. Économies. Sociétés. Civilisations. Paris, 24, 1969, p. 1338-1352.), o que sugere que as manifestações do complexo de Édipo devem ter assumido naquele contexto formas e intensidades particulares.

Sabemos que o trabalho do historiador pede raciocínio indutivo, passar do “melhor ou do menos mal conhecido ao mais obscuro”, aplicar um “método regressivo” (BLOCH, 1993, p. 96-97BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier de l’historien [1949]. Edição Étienne Bloch. Paris: Armand Colin, 1993.). O trabalho psicanalítico não é diferente, também se realiza por regressão (da atualidade do paciente à sua infância, do Consciente ao Inconsciente) e por investigação indiciária (“estou habituado a dar atenção aos pequenos indícios”, disse FREUD, 2007b, p. 35FREUD, Sigmund. Réponse à une enquête: De la lecture et des bons livres [1906]. In: OEuvres complètes, vol. VIII, 2007b, p. 33-37.). Aliás, como mostrou Ginzburg (1989)GINZBURG, Carlo. Sinais. Raízes de um Paradigma Indiciário [1979]. In Idem: Mitos, Emblemas e Sinais. Morfologia e História. Tradução Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-179., foi o raciocínio indiciário de um italiano, médico e historiador da arte que inspirou o método freudiano. Se, como afirma o fundador da psicanálise em trecho famoso, “a concepção mitológica do mundo que anima mesmo as religiões mais modernas é apenas uma psicologia projetada sobre o mundo exterior” (FREUD, 1922, p. 298-299FREUD, Sigmund. Psychopathologie de la vie quotidienne [1901]. Tradução Samuel Jankélévitch. Paris: Payot, 1922.), para alcançar essa psicologia é preciso perscrutar o mundo exterior e suas mitologias nas diferentes épocas, consequentemente realizar tarefa de historiador. Esta é indispensável para o psicanalista bem compreender tanto sua trajetória pessoal como a da sua técnica: porque o judaísmo e o cristianismo são “religiões da recordação”, na expressão de Oexle (1976, p. 80)OEXLE, Otto Gerhard. Memoria und Memorialüberlieferung im früherem Millelalter. Frühmittelalterliche Studien. Berlim, 10, 1976, p. 70-95., a historiografia e a psicanálise alcançaram no Ocidente um estatuto intelectual e uma função social desconhecidos em outras partes.

O interesse grego pela alma (psique, Ψυχή) humana no século V a.C. – politeísta, mercantil, elitista – valorizou as musas, entre elas a da história, Clio. No entanto, comenta Aristóteles, a poesia é superior por tratar da essência dos seres, enquanto a história se ocupa do singular, de ocorrências específicas. A primeira fala de algo que poderia acontecer, a segunda de coisas que efetivamente aconteceram. A poesia “é mais filosófica e tem um caráter mais elevado” porque “expressa o universal, a história, o particular”; a primeira é mimesis de uma praxis una, a segunda é imitação de muitas ações distintas, desordenadas (ARISTÓTELES, 2015, p. 54ARISTÓTELES. Poética. Edição Rudolf Kassel. Tradução Ana Maria Valente. 5a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2015.). Ainda em fins do século XVIII, um autor citado três vezes por Freud ecoa a apreciação grega: “Je poetischer, je wahrer”, quanto mais poético, mais verdadeiro (NOVALIS, 2001, p. 413NOVALIS, Friedrich von Hardenberg. Fragmente und Studien 1797-1798. Ausgabe Gerhard Schulz. Munique: C. H. Beck, 2001.).

Entretanto, poesia e história não são tão contrastantes quanto afirma a tipologia aristotélica. Exemplificando, a Commedia (1306–1321) de Dante Alighieri é tanto uma refinada obra poética que tem fundas raízes na história – do poeta, da sua Florença, da dividida Itália da época, da Igreja – quanto um minucioso relato histórico que poeticamente traz à tona emoções de todas as épocas. É um texto poderoso, cujo corpo já foi minuciosamente autopsiado por historiadores, historiadores da literatura, linguistas, teólogos, críticos literários, poetas, mas cuja mente continua a guardar segredos que pedem a intervenção do psicanalista. Este, de seu lado, dificilmente conseguirá penetrar em “paciente” tão complexo, em mar tão denso de personagens, episódios e referências culturais, sem a orientação de historiadores.

De época bem distinta e de outro gênero literário, algo comparável acontece com À la recherche du temps perdu (1913–1927), romance de amor, sexualidade, sonho, morte, arte. Texto propício à leitura psicanalítica por revelar todo um material do “domínio do involuntário” (TADIÉ, 2012, p. 57TADIÉ, Jean-Yves. Le lac inconnu. Entre Proust et Freud. Paris: Gallimard, 2012.), isto é, manifestações inconscientes como atos falhos, lapsos, esquecimentos de nomes próprios ou gestos mecânicos, bem como a relação edipiana do narrador com sua mãe. Texto que recorre, como Freud, à metáfora da arqueologia para falar da busca de lembranças enterradas no inconsciente do sujeito (KUSPIT, 1989KUSPIT, Donald. A mighty metaphor: the analogy of archaeology and psychoanalysis. In: GAMWELL, Lynn & WELLS, Richard (eds.). Sigmund Freud and art: his personal collection of antiquities. London: Thames and Hudson, 1989, p. 133-151.). Texto que expõe a complexidade das relações humanas (envolvendo cerca de quatrocentos personagens) e a nostalgia presente desde seu título – no livro como na vida, Marcel Proust expressa “todo o lamento, quase infantil, de imagens que ele bem teria gostado de rever”, comenta a governanta que acompanhou seus últimos anos (ALBARET, 2014, p. 52ALBARET, Céleste. Monsieur Proust [1973]. Paris: Robert Laffont, 2014.). Obra, enfim, reconhece o próprio romancista, que pretende oferecer aos seus leitores uma imagem especular, os “meios de se lerem a si mesmos” (PROUST, 1927, p. 211PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu, vol. XV-2 Le temps retrouvé. Paris: Gallimard, 1927.). Mas para apreender essa longa obra-prima cheia de meios-tons e de silêncios narrativos, a psicanálise deve se apoiar na história social da França do autor (1871–1922), que dela foi produto, embora genial e algo atípico.

O interesse pela alma do europeu ocidental no século XIX – monoteísta, industrial, democrático – gerou novas abordagens, calcadas no procedimento das ciências da natureza (dentre as quais Freud incluía a psicanálise), ou seja, exame direto dos objetos estudados, descoberta de fenômenos então desconhecidos, elaboração de teorias que os explicasse. É o que se propuseram a fazer as então recém-nascidas antropologia, sociologia e psicanálise, enquanto a história continuou a trabalhar com objetos ausentes, observáveis apenas através de resquícios, de indícios.

Sendo a história campo da diacronia, Freud preferiu de forma geral dialogar com a antropologia, que por trabalhar com sincronias estava mais próxima da psicanálise e sua concepção da dinâmica do aparelho psíquico. No entanto, desde então a situação alterou-se. A história, pondera Oakeshott (1933, p. 92)OAKESHOTT, Michael. Experience and its modes. Cambridge: CUP, 1933., não é uma sequência de episódios, é um mundo, cujas várias partes tornam-se inteligíveis apenas mutuamente, por meio das relações entre elas. Uma dessas partes, central, é o presente do historiador, pois não existe passado imutável e completo, passado morto, que seria incognoscível. Como o contato com o passado, completa Luhmann (1972)LUHMANN, Niklas. Weltzeit und Systengeschichte. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie. Köln, 16, 1972, p. 81-115., ocorre através de fragmentos que chegam ao historiador, aquilo que ele supõe ter acontecido é apenas o que a evidência o obriga a acreditar. Trata-se de experiência vivida pelo historiador, e como toda experiência é presente, o passado histórico não é, em rigor, completamente passado, em certa medida é presente. Até porque no interior de toda diacronia há variados sincronismos, bem como no interior de todo sincronismo há diversas diacronias.

Também a antropologia evoluiu desde a época de Freud, tendo desenvolvido toda uma reflexão sobre a historicidade e seu influxo sobre as estruturas, classificando como convenções culturais elementos anteriormente interpretados como condições de pensamento (SAHLINS, 1983SAHLINS, Marshall. Other times, other customs: the anthropology of history. American Anthropologist. Washington D.C., 85, 1983, p. 517-544.) e, desse modo, foi diminuindo a distância entre ela (e por extensão a psicanálise) e a história. Esta passou a trabalhar com outras fontes além das escritas. As imagens, os objetos, os gestos, os sons estão cada vez mais presentes, abrindo caminho à antropologia histórica, denominação que, em 1972, Le Goff daria à sua área de estudo. Como já se notou com razão, não existe real diferença científica entre história, antropologia e sociologia, os métodos de cada uma podem ser utilizados pelas outras desde que a documentação o permita; o que distingue essas disciplinas entre si é apenas a escolha de seus objetos (ANHEIM, 2018, p. 202ANHEIM, Étienne. Le travail de l’histoire. Paris: Éditions de la Sorbonne, 2018.).

Paralelamente, uma melhor aproximação com a psicanálise tem-se tornado possível graças ao recuo do tabu historiográfico do anacronismo, cuja fonte é a psique, terreno de sincronias. Febvre (2003, p. 15)FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au XVIe siècle. La religion de Rabelais [1942]. Paris: Albin Michel, 2003. declarou-o “pecado irremissível” para o historiador, no entanto a reflexão atual leva em conta que a história é anacronia no sentido de que não existe período temporalmente homogêneo. Sob a capa do tempo observado, seja pelo historiador, seja pelo psicanalista, pulsam outros tempos: ninguém é exclusivamente contemporâneo ao momento em que vive. Os recortes temporais realizados por necessidade de análise superpõem camadas diferentes, possuidoras de ritmos específicos.

Um recorte estreito, digamos um ano, uma década ou uma geração, pode ocultar temporalidades mais lentas, como comportamentos demográficos, sensibilidades religiosas, certas expressões culturais. Recortes amplos – como os muitos séculos da “Idade Média” – forçosamente implicam pensar a articulação entre as várias camadas de sua estratigrafia temporal, e assim a anacronia inerente ao objeto. Embora reconheça a multiplicidade de tempos, o discurso do historiador não consegue evitar certa unificação deles (KOSELLECK, 1979KOSELLECK, Reinhart. Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichtlichen Zeiten. Frankfurt: Suhrkamp, 1979.). Aliás, um elemento tão fundamental quanto prosaico no estudo do passado, a datação, não é anacronismo? Reduzir os diferentes sistemas cronológicos do passado ao sistema adotado na época do historiador não o testemunha? Dividir e etiquetar parcelas do passado a partir do presente do historiador não o confirma?

Toda escrita da história é exercício intelectual, é exercício de anacronias, é mescla, intencional ou não, de elementos do presente do historiador e do passado estudado. Pregar contra o anacronismo historiográfico não elimina as anacronias da história, daí alguns historiadores franceses, dialogando com a posição de Febvre, tenderem desde fins do século XX a valorizar o anacronismo como fonte de instigação, se não de conhecimento histórico. É o que pensa uma helenista, para quem “o medo do anacronismo é bloqueador”, impede o historiador de praticar a analogia que guia o antropólogo em diversas reflexões. Ele deveria ter, ela propõe, a “audácia [...] de assumir o risco do anacronismo” que se impõe por ser “o presente o mais eficaz dos motores da pulsão de compreender” (LORAUX, 1993, p. 23-24LORAUX, Nicole. Éloge de l’anachronisme en histoire. Le genre humain. Paris, 27, 1993, p. 23-39.).

Concorda com isso um filósofo, argumentando que se os homens sempre tivessem sentido, agido e pensado de acordo com o seu tempo, a mutação histórica estaria condenada – o conceito de anacronismo é anti-histórico, porque oculta as próprias condições de historicidade (RANCIÈRE, 1996, p. 66-68RANCIÈRE, Jacques. Le concept d’anachronisme et la vérité de l’historien. L’inactuel. Psychanalyse et culture. Paris, 6, 1996, p. 53-68.). Na mesma direção, um historiador da arte pondera que indivíduos contemporâneos com frequência não se compreendem melhor que indivíduos separados no tempo, para concluir que “o anacronismo atravessa todas as contemporaneidades”, ele é necessário e fecundo “quando o passado se revela insuficiente, quando constitui mesmo um obstáculo para a compreensão do passado” (DIDI-HUBERMAN, 2000, p. 15 e 19DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images. Paris: Minuit, 2000.).

De acordo com Collingwood (1946, p. 219-220 e 231)COLLINGWOOD, Robin George. The idea of history. Oxford: Clarendon: 1946., “todo conhecimento do espírito é histórico […], o conhecimento histórico é o único conhecimento que o espírito humano pode ter de si próprio”, exceto nos seus “elementos irracionais [que] são objeto da psicologia [e] não fazem parte do processo histórico”. Ora, basta lembrar de todos os sentimentos e emoções que impulsionaram ações historicamente decisivas para sentir a necessidade de reformular tal afirmativa. Somente em teoria as manifestações internas da psique seriam o propósito da psicologia, e as externas, da história. Tal recorte é artificial. As manifestações dos dois tipos interagem de forma constante e profunda.

O exame separado das manifestações humanas internas e externas não satisfaz, é preciso investigar suas conexões. E nisso reside a dificuldade maior. A constatação de Gay (1989a, p. 25)GAY, Peter. Freud para historiadores [1985]. Tradução Osmyr Faria Gabbi Júnior. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989a. de que “o historiador profissional tem sido sempre um psicólogo amador”, é válida também no sentido inverso – todo psicanalista profissional é um historiador amador. E não pode evitar essa função, porque todo ser humano é um passado ambulante, um passado atuante, um passado que penetra no presente, um passado carregado de lembranças, sentimentos e emoções pessoais, familiares e sociais, um passado que a psicanálise busca aflorar para o analisando poder dialogar com ele.

Destarte, seria vantajoso para os dois lados minimizarem as divergências e apostarem nas convergências. Entretanto o caminho é árduo. No plano teórico não é muito complicado adaptar aos testemunhos do passado histórico a atenção flutuante ou a livre associação de ideias (esta, um automatismo no historiador), contudo as relações de transferência, fundamentais no discurso analítico, ocorrem de forma sutil e bem mais difíceis de serem descobertas e aproveitadas no diálogo do historiador com as narrativas, imagens ou objetos que estuda. A historiografia produziu muitas obras-primas sem recorrer à psicanálise, mas esta talvez pudesse ter contribuído para o aprofundamento e o refinamento ainda maiores daqueles estudos. E, em especial, para retirar do limbo historiográfico um sem-número de trabalhos que só tocam a superfície de seu objeto.

No sentido contrário, a psicanálise precisaria considerar mais atentamente que se a natureza tout court possui uma história, a natureza humana igualmente. Apesar de não ter a escala temporal gigantesca daquela, esta também exige árdua observação devido à sua lentidão, quase imperceptível quando examinada no decorrer de uma vida, mas nem por isso menos real. Se para um psicanalista na sua atuação clínica, durante umas poucas décadas de vida ativa, as mudanças históricas sutis não são detectáveis e não farão diferença no tratamento de seus pacientes, quando ele desloca o olhar para os casos de “clínica extensa” é imprescindível conhecer bem os diferentes ritmos históricos do período e do local examinados. Os planos econômico, político, social, linguístico, religioso não se transformam a igual velocidade. Conceitos como os de curta, média e longa duração histórica não podem ser desprezados sem prejuízo dessa análise.

No plano institucional, há resistências de parte a parte que impedem a inclusão de noções e conceitos historiográficos na formação do psicanalista (ou de todo psicólogo) e, simetricamente, de teorias psicológicas (em especial psicanalíticas) na formação do historiador. Uma modesta expectativa positiva é legítima, todavia. Ultrapassada a fase constitutiva da psicanálise e da historiografia moderna, em ambos os campos novas elaborações teóricas permitem maior aproximação. Psicanalistas contemporâneos vêm estudando diferentes níveis de subjetivação e a constituição de aparelhos psíquicos grupais, alcançando assim percepção mais refinada das transformações individuais e coletivas (KAËS, 2015KAËS, René. L’extension de la psychanalyse: pour une métapsychologie de troisième type. Paris: Dunod, 2015.; PUGET, 2015PUGET, Janine. Subjetivación descontinua y psicoanálisis: incertidumbres y certezas. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2015.). Historiadores atuais têm-se ocupado das emoções que condicionam as diversas formas de organização social e que, ao menos em parte, resultam delas (ROSENWEIN, 2006ROSENWEIN, Barbara. Emotional communities in the Early Middle Ages. Ithaca: Cornell University Press, 2006.; FERRO, 2007FERRO, Marc. Le ressentiment, force obscure de l’histoire. Paris: Odile Jacob, 2007.; BOQUET e NAGY, 2015BOQUET, Damien & NAGY, Piroska. Sensible Moyen Âge. Une histoire des émotions dans l’Occident médiéval. Paris: Seuil, 2015.).

Caso a história continue a questionar, como faz hoje em dia, seus velhos tabus da diacronia e do anacronismo, e caso a psicanálise tome plena consciência de viver atualmente em contexto social e cultural bem diverso do de Freud, elas poderão deixar de lado suas incompreensões fraternas, feitas de mútua atração e rejeição. Isso não significa, nunca é demais insistir, que a boa história só possa ser feita com a psicanálise ou que a boa psicanálise não possa prescindir da história. Significa apenas que cada uma delas pode enriquecer expressivamente a outra. O helenista Eric Dodds há mais de meio século equacionou bem a questão – “a evolução de uma cultura é algo demasiado complexo para ser completamente explicada em termos de alguma fórmula simples, seja econômica ou psicológica, forjada por Marx ou por Freud. Devemos resistir à tentação de simplificar o que não é simples” (DODDS, 1973, p. 49DODDS, Eric. The Greeks and the irrational [1951]. Berkeley: University of California Press, 1973.).

O historiador Henri-Irénée Marrou nota que ao tomar consciência da herança histórica recebida, o indivíduo compreende melhor quem é, por que e como chegou a sê-lo, conquistando então liberdade para aceitar, recusar (no que for possível) ou pelo menos melhor avaliar aquela herança. “A tomada de consciência histórica”, diz ele, “realiza uma verdadeira kátharsis, uma libertação do nosso inconsciente sociológico, ligeiramente análoga àquela que, no plano psicológico, a psicanálise procura obter.” E concorda que se em outros momentos havia ironizado as “pretensões agressivas” da psicanálise, percebeu depois o paralelismo entre ela e a história, ambas guiadas pelo princípio de que “o conhecimento da causa passada modifica o efeito presente”. Acompanhando Goethe, Dilthey e Croce, ele propugna então que “o conhecimento histórico liberta o homem do peso do seu passado” (MARROU, 1978, p. 217-218MARROU, Henri-Irénée. Sobre o conhecimento histórico [1954]. Tradução Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.). Assim como faz a psicanálise.

A genial intuição de Dante Alighieri (1979, p. 899)ALIGHIERI, Dante. La Divina Commedia. Edição Giuseppe Vandelli. 21a ed. Milão: Ulrico Hoepli, 1979. já havia antecipado a confluência das duas áreas por meio de sua viagem imaginária pelo Além, mergulho no passado que lhe possibilitou a harmonização com sua psique, Beatriz, a quem dirigiu então o maior dos reconhecimentos possíveis – “tu m’hai di servo tratto a libertate”.

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    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografias utilizadas são referenciadas no artigo. Agradecemos a leitura crítica deste texto feita por nossos amigos psicanalistas David Léo Levisky e Osmar Luvison Pinto, ambos da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. As interpretações aqui apresentadas e as eventuais impropriedades são de responsabilidade única do autor.

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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