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CÂMARA CASCUDO E A DIVULGAÇÃO DO MODERNISMO BRASILEIRO NA ARGENTINA (1922-1925)1 1 Artigo não publicado em plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Os autores participaram conjuntamente das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo.

CÂMARA CASCUDO AND THE DISSEMINATION OF BRAZILIAN MODERNISM IN ARGENTINA (1922-1925)

Resumo

A troca de missivas entre os intelectuais, no decorrer do século XX, se tornou um meio eficaz para a circulação de textos inéditos entre intelectuais modernistas. É importante destacar que, se este não foi um hábito restrito a esse momento histórico, desenvolveu-se de forma considerável nele. As correspondências trocadas entre os integrantes do Modernismo brasileiro e da vanguarda argentina revelam que a partilha do texto inédito se estabeleceu entre eles como uma prática constante. Luís da Câmara Cascudo, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Joaquim Inojosa, Braulio Sanchéz-Saes e Luís E. Sotto, foram, sem dúvida, alguns desses intelectuais. O artigo tem por objetivo estudar a ação de Luís da Câmara Cascudo na divulgação do modernismo brasileiro na Argentina Intelectual durante os anos de 1922 a 1925.

Palavras-chave
Câmara Cascudo; modernismo; Argentina; correspondência; rede de sociabilidade intelectual

Abstract

The exchange of letters between intellectuals during the 20th century became an effective means to circulate unpublished texts among modernist intellectuals. It is essential to highlight that if this was not a habit restricted to that historical moment, it developed considerably. Correspondence between the Brazilian Modernism members and the Argentine avant-garde reveals that the sharing of unpublished text was established between them as a constant practice. Luís da Câmara Cascudo, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Joaquim Inojosa, Braulio Sanchéz-Saes, and Luís E. Sotto were undoubtedly a few of these intellectuals. This article aims to study the action of Luís da Câmara Cascudo disseminating Brazilian modernism through Intellectual Argentina from 1922 to 1925.

Keywords
Câmara Cascudo; modernism; Argentina; correspondence; intellectual sociability network

Introdução

De acordo com Gênese Andrade (2022)ANDRADE, Gênese. Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 1920. In: Estudos Avançados, v. 36, n. 104, p111-142, 2022, vários artistas latino-americanos estavam na Europa nos anos 1920, a maioria em Paris: os brasileiros Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Victor Brecheret, Anita Malfati, Vicente do Rego Monteiro; o chileno Vicente Huidobro; os argentinos Jorge Luis Borges, Norah Borges, Oliveiro Girondo, Emilio Petoruti, Xul Solar; os uruguaios Pedro Figari, Joaquín Torres García. Provavelmente frequentavam os mesmos lugares, mas não se aproximaram.

Os modernistas brasileiros não estiveram nos países vizinhos nos anos 1920. Mário de Andrade não visitou os países hispano-americanos, tendo estado brevemente no Peru e na fronteira com a Bolívia durante sua viagem em 1927. Oswald esteve em Montevidéu com Pagu em 1931, mas não fez contato com os literatos. A maioria dos vanguardistas hispano-americanos apenas passou pelo Brasil porque os navios que iam rumo à Europa faziam escala no Rio de Janeiro, que não era o destino escolhido.

O primeiro vanguardista hispano-americano mencionado pelos modernistas foi Vicente Huidobro, chileno que passou temporadas em Paris e publicou poemas em francês. Mário de Andrade, que conheceu sua obra pela revista L’Esprit Nouveau, cita algumas de suas ideias no “Prefácio interessantíssimo”, de Pauliceia desvairada, e mais explicitamente em A escrava que não é Isaura, de 1925. Huidobro é o criador do creacionismo, que interessou a Mário.

No início da década de 1920, os brasileiros ignoravam a maioria das revistas de vanguarda argentinas, cuja quantidade e qualidade impactava desde 1921. Da mesma forma, os argentinos ignoravam a Semana de Arte Moderna e as publicações modernistas lançadas em 1922. Foi somente a partir de 1924 que os ecos das vanguardas cruzaram as fronteiras do país vizinho e foram assunto de cartas, artigos e notas em jornais e revistas, intermediados por escritores brasileiros pouco mencionados na abordagem desses diálogos (ANDRADE, 2022, p. 111-112ANDRADE, Gênese. Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 1920. In: Estudos Avançados, v. 36, n. 104, p111-142, 2022; OLIVEIRA, 2022, p. 212-213OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

A troca de missivas entre os intelectuais, no decorrer do século XX, se tornou um meio eficaz para a circulação de textos inéditos entre intelectuais modernistas. É importante destacar, como nos mostrou Márcia Machado (2012)MACHADO, Marcia Regina Jaschke. O Modernismo dá as cartas: circulação de manuscritos e produção de consensos na correspondência de intelectuais nos anos de 1920. Tese de Doutorado. São Paulo: PPGLB/USP, 2012., que se este não foi um hábito restrito a esse momento histórico, desenvolveu-se de forma considerável nele (OLIVEIRA, 2019, p. 42OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

É possível verificar, portanto, que escritores trocavam entre si seus textos em processo de elaboração e, na maioria dos casos, solicitavam opiniões a respeito deles. As correspondências trocadas entre os integrantes do modernismo brasileiro e da vanguarda argentina revelam que a partilha do texto inédito se estabeleceu entre eles como uma prática constante. Luís da Câmara Cascudo, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Joaquim Inojosa, Braulio Sanchéz-Saes e Luís E. Soto, foram, sem

dúvida, alguns desses intelectuais que viam na circulação de escritos um estímulo para a troca de ideias entre seus pares, é o que se observa no grande volume de cartas que enviaram, receberam e comentaram (MACHADO, 2012, p. 7; 10MACHADO, Marcia Regina Jaschke. O Modernismo dá as cartas: circulação de manuscritos e produção de consensos na correspondência de intelectuais nos anos de 1920. Tese de Doutorado. São Paulo: PPGLB/USP, 2012.).

O artigo tem por objetivo estudar a ação de Luís da Câmara Cascudo na divulgação do Modernismo brasileiro na Argentina Intelectual durante os anos de 1922 a 1925.

Joio e a “Argentina Intellectual”

O contato de Câmara Cascudo com escritores estrangeiros ao longo dos anos de 1920 é um fato atestado pelo próprio autor em seu livro Joio: páginas de literatura e crítica (1991 [1924]), ao dedicar um capítulo inteiro às obras e autores argentinos, intitulado “Argentina Intellectual” (CASCUDO, 1991, p. 132-176CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.). Neste capítulo, Cascudo discute aspectos da produção literária de dez escritores argentinos: Banjamim de Garay, Santos Vega, Fernan Felix de Amador, Hugo Wast, Froylan Turcios, Moysés Kantor, Salvador Alfredo Gomis, Ricardo Gutierrez, Horácio Quiroga e Arturo Capdevila. A escolha dos escritores é justificada pelo próprio autor, quando diz: “Escolhi os escriptores pela sua intensidade transmissora, nunca julgando a exuberância descriptiva e arroubo dialético o verdadeiro merecimento. Sente-se perfeitamente a impressão mental e observada” (CASCUDO, 1991 [1924], p.151CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.; MEDEIROS, 2012, p. 92MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e os latinos da América: diálogos culturais na década de 20. In: Imburana – Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN, Natal, n. 6, 2012, p. 85-95.).

De acordo com Joatan Medeiros (2016)MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016., um dos primeiros textos no qual Câmara Cascudo refete sobre a obra de um escritor portenho no A Imprensa, identificado no levantamento de dados desta pesquisa, aparece na edição nº 1983, de junho de 1922, sob o título “La Dulce Pátria”, onde refete sobre o liv ro La dulce pátria (1917), de Arturo Capdevila, intelectual festejado entre os homens de letras na Argentina e reconhecido pelo seu sentido nacional e seu hispanismo. Nas primeiras linhas do estudo, ao sugerir a correspondência com o cordovês, afirma: “Quando recebo este livro, que a bondade de Arturo Capdevila destinou aos meus olhos ávidos e a minha curiosidade mental, julguei que ele reunia chronicas vulgares, libertas em brochura, da morte no olvido”. Foi com uma frase extraída do mesmo livro que Cascudo epigrafou o capítulo A Argentina Intellectual do seu livro Joio: páginas de literatura e crítica (1924): “...mi grande y bien amada Argentina de la esperanza”, resumindo, assim, o sentido e a motivação dos textos nos quais apresenta, com entusiasmo, alguns nomes de prestígio da intelectualidade portenha que, na época, se viram, do mesmo modo, envolvidos num movimento de valorização de uma América Latina mais unida. No mesmo capítulo, Câmara Cascudo também se refere ao estilo e à obra de Capdevila em um outro ensaio, ressaltando o perfil do polígrafo argentino: “Historiador, poeta, dramaturgo, ensaísta original e claro, chronista elegantíssimo, disfarça estes ensinamentos nas mil páginas dispersas de seus livros sonoros” (CASCUDO, 1991 [1924], p. 174CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.; MEDEIROS, 2016, p. 52-53MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

Ao longo de todo o capítulo, o escritor dá evidências desse contato, ao discorrer com precisão e crítica sobre os intelectuais platinos. De acordo com Ferreira (2008)FERREIRA, José Luiz. Gilberto Freyre e Câmara Cascudo: entre a tradição, o moderno e o regional. Tese de Doutorado. Natal: PPGEL/UFRN, 2008., a partir da constatação de dez textos que tratam do tema no material levantado em sua pesquisa, a divulgação de poetas e escritores estrangeiros se prolongaria ao longo de todo o ano de 1924 e a Argentina aparece como sendo o país estrangeiro com maior número de poetas e intelectuais por ele abordados (FERREIRA, 2008, p. 80FERREIRA, José Luiz. Gilberto Freyre e Câmara Cascudo: entre a tradição, o moderno e o regional. Tese de Doutorado. Natal: PPGEL/UFRN, 2008.; MEDEIROS, 2012, p. 89MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e os latinos da América: diálogos culturais na década de 20. In: Imburana – Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN, Natal, n. 6, 2012, p. 85-95.).

Nesse sentido, Joio refete um aspecto fundamental das refexões literárias de Câmara Cascudo: a necessidade de romper com as fronteiras geográficas e linguísticas do Brasil para estabelecer um diálogo mais eficiente com os demais países da América Latina. Essa necessidade é atestada logo no início do capítulo, quando faz referência a Benjamin de Garay (MEDEIROS, 2012, p. 92MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e os latinos da América: diálogos culturais na década de 20. In: Imburana – Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN, Natal, n. 6, 2012, p. 85-95.), dizendo que o autor

affirma e define a superioridade de sua cultura, ligando pelos seus artistas e pensadores, a mentalidade da América Latina. Alicercia o porvenir dos povos fraternos, indicando no mesmo potencial anímico a solida realidade das literaturas communs.

(...)

Elle próprio, poeta e jornalista, sente a afinidade entre os latinos da América. (CASCUDO, 1991 [1924], p. 134CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.).

Ao mesmo tempo em que trata da “Argentina intelectual”, Câmara Cascudo relaciona-a com o continente, evocando também um Brasil intelectual. A exemplo dessa comparação, no texto que trata de Santos Vega, Câmara Cascudo afirma que “não há na literatura brasileira um movimento de carinho em derredor de um nome como os argentinos a Santos Vega.” (CASCUDO, 1991 [1924], p. 140CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.).

Cascudo também revela através de suas leituras dos artistas platinos o espírito dialético do localismo e cosmopolitismo que se encontra na literatura vizinha. Ao discutir a obra de Hugo Wast, ele menciona: “‘Flor de Durazno’, ‘Casa de los Cuervos’ e ‘Ciudad Turbulenta’ synthetisam a obra de Hugo Wast. E’ a alma argentina desvendada em seu tríplice aspecto de amor, guerra e desejo, de campo, villa e cidade” (CASCUDO, 1991 [1924], p. 158CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.).

Para Medeiros (2016)MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016., a ponte entre o Brasil e a Argentina tornou-se possível, de acordo com a discussão apresentada neste capítulo, graças a alguns fatores como: a consciência da condição histórica comum entre os países, a ânsia pela exploração de temas ligados à América Latina, a influência das vanguardas estrangeiras, o movimento contra o academismo no Brasil e contra o rubendarianismo na Argentina, a descentralização da inteligência nacional e o perfil cosmopolita dos escritores e das revistas literárias. Tal movimento de intelectuais permitiu o intercâmbio de ideias e valores no período analisado (MEDEIROS, 2016, p. 38-39MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

Conforme demonstrou José Luiz Ferreira (2018)FERREIRA, José Luiz. Para além da Fortaleza dos Reis Magos: Câmara Cascudo e o intercâmbio cultural na década de 1920. In: FERREIRA, José Luiz; ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. (Org.). Interlocuções latino-americanas: Câmara Cascudo e os escritores estrangeiros. João Pessoa: Ideia, 2018, p. 33-54., foi ainda com os argentinos que Câmara Cascudo estabeleceu uma ampla rede de contatos, tanto no Brasil como para além de suas fronteiras, protagonizando um relevante episódio no processo de intercâmbio envolvendo nossos vizinhos e outros nomes expressivos das letras brasileiras. Vale ressaltar que o contato do autor de Alma Patrícia (1921) com a intelectualidade argentina se deu por intermédio de outro escritor paulista, Monteiro Lobato, editor da Revista do Brasil, periódico no qual Câmara Cascudo colaborou no início dos anos de 1920 (FERREIRA, 2018, p. 41-42FERREIRA, José Luiz. Para além da Fortaleza dos Reis Magos: Câmara Cascudo e o intercâmbio cultural na década de 1920. In: FERREIRA, José Luiz; ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. (Org.). Interlocuções latino-americanas: Câmara Cascudo e os escritores estrangeiros. João Pessoa: Ideia, 2018, p. 33-54.).

Gênese Andrade (2022)ANDRADE, Gênese. Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 1920. In: Estudos Avançados, v. 36, n. 104, p111-142, 2022 segue a linha de argumento de Ferreira (2018)FERREIRA, José Luiz. Para além da Fortaleza dos Reis Magos: Câmara Cascudo e o intercâmbio cultural na década de 1920. In: FERREIRA, José Luiz; ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. (Org.). Interlocuções latino-americanas: Câmara Cascudo e os escritores estrangeiros. João Pessoa: Ideia, 2018, p. 33-54., afirmando que Cascudo já estava em contato com Monteiro Lobato havia algum tempo quando este passou a enviar a ele, em agosto de 1920, algumas publicações argentinas que recebia. O escritor natalense então começou a escrever sobre literatura argentina, entrou em contato com alguns escritores e, em 1924, reuniu em livro seus artigos publicados no jornal A Imprensa. Os onze textos sobre literatura argentina, que circularam em 1922 e 1923, integraram a segunda parte de Joio: páginas de literatura e crítica (1991 [1924]), com o título “Argentina intelectual”. Não se destacam os vanguardistas. Mas, no último texto, “O ouro alheio”, datado de 12 de novembro de 1923, descreve o estilo de quinze escritores argentinos, entre os quais Luis Emilio Soto, com quem se correspondia desde 1923. Soto era escritor e crítico literário e colaborou nas revistas Proa, Inicial, Claridad, Nosotros e Sur (ANDRADE, 2022, p. 123ANDRADE, Gênese. Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 1920. In: Estudos Avançados, v. 36, n. 104, p111-142, 2022; OLIVEIRA, 2022, p. 214-215OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

A autora ainda chama atenção ao fato de que, paralelamente, Cascudo publicara três textos sobre cultura popular na Revista do Brasil, entre 1921 e 1923, e, na Argentina, já circulara “Ronda de muerte”, na revista Inicial, número 3, de dezembro de 1923, e o ensaio folclórico “El Caipora, Dios salvaje”, em Caras y Caretas, número 1331, de 5 de abril de 1924 (ANDRADE, 2022, p. 123-124ANDRADE, Gênese. Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 1920. In: Estudos Avançados, v. 36, n. 104, p111-142, 2022; OLIVEIRA, 2022, p. 215OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

Gabriela Pellegrino Soares (2006)SOARES, Gabriela Pellegrino. Diálogos culturais latino-americanos na primeira metade do século XX. In: Projeto História, São Paulo, v. 1, n. 32, p. 241-256, jun. 2006 nos mostra que como editor pioneiro no Brasil, dono da Revista do Brasil entre os anos de 1918 e 1925, autor de inúmeros artigos e obras literárias para adultos e crianças, Monteiro Lobato manifestou, em diversos sentidos, disposição para abarcar em seus projetos a América Latina, em particular a Argentina. A Revista do Brasil, dirigida por Lobato ao longo de sete anos, com o fim de promover a aproximação de seus leitores para com o universo cultural argentino, procurava acompanhar a produção literária daquele país, ao mesmo tempo em que avaliava como lá repercutiam as brasileiras. À época do centenário da independência do Brasil, a revista publicou notas sobre as homenagens que diversas instituições argentinas fzeram ao país e, por iniciativa de seu representante em Buenos Aires, Sanchez-Sáez, propôs a realização de um “inquérito literário”, que visava a averiguar o que os escritores sul-americanos conheciam do “Brasil mental” (SOARES, 2006, p. 250-251SOARES, Gabriela Pellegrino. Diálogos culturais latino-americanos na primeira metade do século XX. In: Projeto História, São Paulo, v. 1, n. 32, p. 241-256, jun. 2006).

Monteiro Lobato como interlocutor de Câmara Cascudo com a intelectualidade argentina

O estudo de Joatan David Ferreira de Medeiros, Câmara Cascudo e a Argentina intelectual: um joio na seara latino-americana (2016), ajuda a reforçar o argumento de Ferreira (2018)FERREIRA, José Luiz. Para além da Fortaleza dos Reis Magos: Câmara Cascudo e o intercâmbio cultural na década de 1920. In: FERREIRA, José Luiz; ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. (Org.). Interlocuções latino-americanas: Câmara Cascudo e os escritores estrangeiros. João Pessoa: Ideia, 2018, p. 33-54., Andrade (2022)ANDRADE, Gênese. Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 1920. In: Estudos Avançados, v. 36, n. 104, p111-142, 2022, Soares (2006)SOARES, Gabriela Pellegrino. Diálogos culturais latino-americanos na primeira metade do século XX. In: Projeto História, São Paulo, v. 1, n. 32, p. 241-256, jun. 2006, pois também defende que foi pelas mãos de Monteiro Lobato que Câmara Cascudo entrou em contato com a intelectualidade argentina. A reconstituição desse itinerário começa com uma carta datada de primeiro de agosto de 1920, remetida pelo escritor paulista ao potiguar, na qual comenta, em trecho, a promessa do envio constante das edições de uma revista (possivelmente, a Revista do Brasil) (MEDEIROS, 2016, p. 41MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

Junto à carta, envia uma publicação que a revista argentina Nosostros lhe havia encaminhado para distribuição no Brasil. Destinado a fazer chegar tais materiais às mãos de Cascudo, escreveu: “Hei de mandar-lhe sempre a edição nova da rev ista. E agora mando-lhe esse livro interessante que a ‘Nosotros’, revista argentina, encarregou-me de distribuir entre nossos homens de letras” (TIN, 2007, p. 519TIN, Emerson. Em Busca do “Lobato das Cartas”: a construção da imagem de Monteiro Lobato diante de seus destinatários. Tese de doutorado. Campinas, SP: PPGTHL/IELUNICAMP, 2007.; MEDEIROS, 2016, p. 41MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

Para Medeiros (2016)MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016., embora não haja na carta uma referência direta que especifque a publicação argentina encaminhada ao escritor potiguar, o envio da missiva coincide com outro acontecimento que identifica, através dos textos esparsos registrados no levantamento de dados da sua pesquisa, o livro ao qual se refere o escritor paulista. Na publicação do nº 2, de agosto de 1920, da Revista do Centro Polymathico – periódico de publicação trimestral editado em Natal/RN –, constam dois textos de autoria de Câmara Cascudo: “Violão, voz da raça” (p. 10-15) e o “O Theatro de Moysés Kantor” (p. 109-115). Neste último texto, o próprio Cascudo relata o recebimento da edição de Nosotros, Buenos Aires, 1919, que reúne três dramas do teatrólogo portenho Moisés Kantor (MEDEIROS, 2016, p. 41MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

A Revista do Centro Polymathico, nessa perspectiva, foi um dos canais por meio do qual a intelectualidade do estado se expressou e se viu empenhada no registro e valorização de poetas e escritores que dariam um estatuto literário ao lugar. Cumpria um importante papel de manter-se afinada com as manifestações culturais do sul do país, passando por São Paulo, e Buenos Aires, na Argentina, atualizando a província brasílica que se modernizava (MEDEIROS, 2016, p. 41-42MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.; ARAÚJO, 1995, p. 28ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Modernismo: anos 20 no Rio Grande do Norte. Natal: Ed. da UFRN, 1995.).

Reforçando o que determinava a alínea “f” do Estatuto da Revista do Centro Polymathico, Cascudo cumpriu, assim, o papel de transcender as fronteiras do país, trazendo às páginas da revista um estudo sobre um escritor estrangeiro. Foi a primeira vez, de acordo com o levantamento de dados da pesquisa de Medeiros (2016)MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016., e por mim também referendada, que o escritor potiguar desenvolveu um estudo crítico sobre uma obra literária argentina. É possível perceber através de relato de Câmara Cascudo no ensaio sobre o teatrólogo Moisés Kantor, publicado na Revista do Centro Polymathico, que a editora argentina Nosotros encaminhou as tramas para o Brasil e Monteiro Lobato se encarregara de sua distribuição (MEDEIROS, 2016, p. 42MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.):

Em 1916, Moysés Kantor escreveu o seu drama ‘Noche de Resurrección’, em 1917, o leyenda dramatica ‘Griselda’, em 1918, o soberbo ‘Sandro Boticelli’. A victoriosa ‘Nosotros’ de Buenos Aires, editou os dramas em 1919, e ao manda-los para o Brasil, coube a Monteiro Lobato o encargo de os distribuir. Coube-me, por generosidade do esteta das ‘Cidades Mortas’, um volume de Moysés Kantor (CASCUDO, 1990, p. 111CASCUDO, Luís da Câmara. O theatro de Moysés Kantor. In: Revista do Centro Polymathico, Natal, v. 1, n. 2, p. 109-115, ago. 1920. Trimestral. Edição Fac-similar, Coleção Mossoroense, Série C, Volume DLX, Mossoró: ESAM, 1990.).

Conforme o argumento de Joatan de Medeiros (2016)MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016., é possível estabelecer uma relação entre esse fragmento e o trecho citado acima, da carta de primeiro de agosto de 1920, nos pontos nos quais se menciona a função de Lobato como representante da editora argentina Nosostros no Brasil, assim como nos relatos que confirmam o envio de um livro a Câmara Cascudo. Sobre essa missiva, podemos dizer que se trata do marco inicial da aproximação de Câmara Cascudo com os intelectuais argentinos. Novas rotas se abriram para o escritor da pequena província, que logo tratou de retribuir a gentileza de Lobato, enviando-lhe o já mencionado estudo sobre o teatro do literato platino publicado na Revista do Centro Polymathico. Este acontecimento se confirma numa outra carta remetida a Cascudo, na qual Lobato afirma esperar pelo envio da revista natalense que contém o estudo do potiguar sobre o “K”, o que nos leva a considerar a hipótese, pelo percurso que aqui se desenhou, de que a letra faça referência à inicial de “Kantor”. Na missiva, disse Lobato: “Estou à espera da Revista do Centro Polymatico e cá farei o que deseja. Não vi o seu artigo sobre o K. Ou perdeu-se pelo caminho ou ainda está em viagem a revista que o traz. Esperemos. O Brasil ensina a paciência” (TIN, 2007, p. 520TIN, Emerson. Em Busca do “Lobato das Cartas”: a construção da imagem de Monteiro Lobato diante de seus destinatários. Tese de doutorado. Campinas, SP: PPGTHL/IELUNICAMP, 2007.; MEDEIROS, 2016, p. 43MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

De acordo com uma nota do jornal A Imprensa, de 4 de outubro de 1922, que reafirma esse itinerário, Lobato teria sido o pivô dessa articulação que, depois de ter remetido o texto de Cascudo a Moysés Kantor, fez chegar ao natalense o livro do teatrólogo portenho que continha o juízo literário de autoria cascudiana, conforme trecho a seguir (MEDEIROS, 2016, p. 43MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.):

Recebendo o trabalho do nosso talentoso patrício, Moisés Kantor, enviou, por intermédio de Monteiro Lobato, um exemplar do seu último trabalho ‘Victoria Colonna’ poema dramático em treze actos e um prólogo.

Como ‘Sandro Boticelli’, a revista argentina ‘Nosotros’ editou o último trabalho.

Moisés Kantor transcreveu literalmente o estudo de Lus da Câmara Cascudo sobre theatro.

Julgamos ser a primeira vez que o juízo literário de um norte rio-grandense seja transcripto no seu próprio idioma no corpo de um livro argentino (A IMPRENSA, n. 2027, de 4 de out. 1922).

Mais adiante, outro estudo de Cascudo dedicado à obra do teatrólogo aparecerá no mesmo jornal, na seção Bric-à-Brac, de vinte de julho de 1924, com o título Moysés Kantor, no qual o escritor potiguar sugere o intercâmbio direto com o dramaturgo: “Moysés Kantor é um escritor argentino. Escreveu trez livros e da-me a honra de sua correspondência” 4 4 Não foi possível encontrar registro dessas correspondências no acervo do Ludovicus-Instituto Câmara Cascudo. . É do mesmo ano o ensaio “O theatro de Moises Kantor”, presente no livro Joio (1991), no capítulo intitulado “A Argentina Intelectual”, que, embora mantenha o título do estudo publicado em 1920, assume outros matizes. Dando mais evidências do contato com o argentino, testemunha Cascudo no livro: “‘Botticelli vive su confito, no lo pensa’, dizia-me em carta Moises Kantor” (CASCUDO, 1991 [1924], p. 137CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.). O contato inicial com o teatrólogo e sua obra, ainda em 1920, parece ter sido então a gênesis da aproximação de Câmara Cascudo com a intelectualidade argentina (MEDEIROS, 2016, p. 44MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

Medeiros (2016)MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016. aponta que foi a partir dessa ponte estabelecida por Monteiro Lobato, que o interesse pela literatura do país vizinho se manteria em Cascudo por toda a década. Nas relações empreendidas a partir das correspondências trocadas, nas leituras constantes das obras recebidas, nos ensaios e artigos publicados em revistas, jornais e livros, a Argentina passaria, desse modo, a ser tema de seu apreço e interesse, tornando-se também receptora de suas obras e estudos. Além de Moisés Kantor, Cascudo manteve intensa correspondência com outros escritores como Braulio Sánchez-Sáez e Luís Emilio Soto que, naquela ocasião, faziam na Argentina, assim como fzeram Lobato e Cascudo no Brasil, o papel de cônsules do intercâmbio cultural entre as duas nações (MEDEIROS, 2016, p. 44MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

Câmara Cascudo como interlocutor de Mário de Andrade na “Argentina Intellectual”: divulgação e debate sobre “A Escrava que não é Isaura”

No livro Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de refexão, Patrícia Artundo (2004)ARTUNDO Patricia. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de refexão. São Paulo: EDUSP, 2008. faz referência à atitude de Câmara Cascudo como mediador entre Mário e os escritores argentinos Luiz Emilio Soto e Vignale. Em trecho do livro, a autora afirmou (OLIVEIRA, 2022, p. 216OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231):

No que concerne ao Brasil e, particularmente, ao encontro de Mário com Soto e Vignale, os contatos iniciais foram estabelecidos em 1925 por meio de Luis da Câmara Cascudo, que atuou como intermediário entre uns e outros como se infere de sua correspondência com Andrade. Ele mesmo interessado em divulgar os autores argentinos como demonstrou em Joio (1924), já em 1923 a revista argentina Inicial havia publicado sua “Ronda de Muerte” (ARTUNDO, 2004, p. 64ARTUNDO Patricia. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de refexão. São Paulo: EDUSP, 2008.).

Embora a autora desconheça de que maneira Câmara Cascudo se relacionou com os jovens argentinos, percebe que essa amizade parece ter sido muito estreita, demonstrando que Câmara Cascudo (OLIVEIRA, 2022, p.216OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231)

(...) não só remeteu ao escritor paulista um exemplar de Versos de la calle (1924) de Álvaro Yunque, mas, além disso, fez chegar a Soto o de A escrava que não é Isaura (1925). Esse envio propiciou o único artigo de relevância dedicado a Andrade durante os anos de 1920 na Argentina – intitulado “Las nuevas Corrientes Estéticas em el Brasil: Um Importante Libro de Mário de Andrade” -, publicado por Soto em Renovación (1923-1930), a importante revista fundada por José Ingenieros, Aníbal Ponce e Gabriel Moreau. (ARTUNDO, 2004, p. 64ARTUNDO Patricia. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de refexão. São Paulo: EDUSP, 2008.).

Luís Emílio Soto está entre os argentinos com os quais Luís da Câmara Cascudo mais manteve correspondência. As cartas catalogadas remetidas pelo escritor portenho entre os anos de 1923 e 1925 ao potiguar, tratam, entre outros assuntos, do intercâmbio de materiais (livros, jornais, revistas) e de ideias a respeito das produções culturais dos dois países, dando também informações valiosas do pensamento literário vigente na época. Soto foi um dos críticos literários mais reconhecidos da cena cultural argentina entre as décadas de 1920 e 1950, colaborando assiduamente em importantes revistas daquele período, como Sur, Nosotros, Claridad, Inicial e Proa. Sobre a sua habilidade de crítico, relata Câmara Cascudo: “Em vez de olhos bisturis. Em suas mãos enérgicas, firmes e observadoras, o livro sangra. A coragem tranquila dos cirurgiões n’alma triste de artista moderno” (MEDEIROS, 2016, p. 55-56MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.; CASCUDO, 1924CASCUDO, Luís da Câmara. “Ouro alheio”. In: A Imprensa, edição nº 2339, de 12 de novembro de 1924.; OLIVEIRA, 2022, p. 214OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

Em uma das cartas, datada de 27 de fevereiro de 1924, Luís Emilio Soto relata ao escritor brasileiro alguns episódios importantes que nos permitiram compreender melhor o caminho percorrido por Câmara Cascudo no estreitamento das relações com a intelectualidade argentina. Em um dos pontos, cobra ao autor natalense, por

haver este lhe comentado, em ocasião anterior, a respeito de um livro de ensaios sobre os escritores argentinos: “Y el libro de ensayos críticos? Apareció? El hecho de contener consideraciones sobre escritores argentinos como me anuncó, fuera de los demás motivos, aguza indeciblemente mi interés por conocerlo” (SOTO, 1924SOTO, Luis Emilio. Carta de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo; Natal (Acervo do Instituto Câmara Cascudo). 27 fev. 1924.). Surgiria pouco tempo depois, no mesmo ano, o livro Joio, com a sua terceira parte concretizando o cumprimento do anúncio que lhe havia sido feito por Câmara Cascudo (MEDEIROS, 2016, p. 56MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.; OLIVEIRA, 2022, p. 217OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

Retomando o curso desses diálogos culturais, no que se refere à primeira metade da década de 1920, outro dado legitima o importante trabalho de Câmara Cascudo como representante do fraternismo intelectual entre o Brasil e a Argentina. Enquanto os primeiros anos desse contato foram fundamentais para que Cascudo pudesse colocar à disposição dos argentinos suas habilidades de escritor e crítico literário, a partir de 1925, um outro projeto entra em curso, resultado de uma maior aproximação com escritores do eixo sul do Brasil.

Com o intuito de dar a conhecer entre os vizinhos hispano-americanos obras de prestígio no cenário literário brasileiro da época, fez chegar a Luís Emilio Soto os livros Espirito Moderno (1925) e a Esthética da vida (1921), de Graça Aranha, Memórias Sentimentais de João Miramar (1924), de Oswald de Andrade, e A Escrava que não é Isaura (1925), de Mário de Andrade, conforme testemunha o escritor bonaerense em cartas datadas de 7 de maio e de 8 de setembro, remetidas ao escritor natalense em 1925 (MEDEIROS, 2016, p. 60MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.; OLIVEIRA, 2022, p. 218OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231):

Recibí su muy apreciable carta cuya llhegada fué precedida por ‘A esthetica da vida’ de Graça Aranha y posteriormente ‘Memórias de João Miramar’ de Oswald de Andrade, envios ambos que obligam mi agradecimento. (...) (SOTO, 1925aSOTO, Luis Emilio. Carta de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo; Natal (Acervo do Instituto Câmara Cascudo). 07 mai. 1925a.).

Estoy em posesión de sus dos apreciables cartas 29 de Mayo e 12 de Agosto último, habiendo recebido el ESPIRITO MODERNO de Graça Aranha y A ESCRAVA QUE NÃO É ISAURA de Mário de Andrade, respectivamente inclusos. (...) (SOTO, 1925bSOTO, Luis Emilio. Carta de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo; Natal (Acervo do Instituto Câmara Cascudo). 08 set. 1925b.).

Em carta de 19 de maio de 1925, Câmara Cascudo comenta a Mário de Andrade: “Recebi, li treli e quase decoro a Escrava que não é Isaura. Falei do livro para amigos meus n’Argentina. Desejava mandar a V. os Versos de la calle, do Yunque. Escrevi ao Yunque pedindo o livro” (CASCUDO, 2010, p. 40CASCUDO, Luís da Câmara. In: MORAES, Marcos Antonio de (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010.; OLIVEIRA, 2022, p. 218OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

O livro de Álvaro Yunque foi remetido a Mário de Andrade junto com uma carta, datada de 10 de junho de 1925, que expressava a opinião de Câmara Cascudo a seu respeito (OLIVEIRA, 2022, p. 218OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231):

Mando um exemplar do livro de Yunque Versos de la Calle. Perdoe o papel. É a 2ª edição de 5 milheiros. E do ano passado. Esperando este livro demorei tanto a escrever-lhe que mereci um puxão d’orelhas. Yunque possui aquele ‘essencial expressivo’ que V. encontrou em João Miramar. Para Luiz E. Soto, Yunque é o sentido poético da cidade moderna. Melhor V. julgará. É o livro que expressa uma nova orientação mental n’Argentina d’agora. Verso da rua com tinta segura e sem nuança. É o tema solitário (CASCUDO, 2010, p. 44CASCUDO, Luís da Câmara. In: MORAES, Marcos Antonio de (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010.).

Numa carta de 12 de julho de 1925, Cascudo volta a falar de Luiz E. Soto, mas para pedir a Mário que enviasse um exemplar de A Escrava que não é Isaura para presentear aquele escritor colombiano (OLIVEIRA, 2022, p. 219OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231):

Creio que lhe enviei versos. E que versos! ... E um livro argentino, pedindo, em troca, outro Escrava para um meu camarada argentino que nasceu na Colômbia é Luís Emílio Soto, em tudo digno de nossa admiração e carinho (CASCUDO, 2010, p. 51CASCUDO, Luís da Câmara. In: MORAES, Marcos Antonio de (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010.).

É nesse enredo que Luís Emilio Soto aparece pela primeira vez na correspondência registrada entre Cascudo e Mário. Mais tarde, já em posse do livro do escritor paulista, revela o portenho, em missiva de 8 de setembro de 1925, endereçada ao autor de Joio (MEDEIROS, 2016, p. 61MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.; OLIVEIRA, 2022, p. 219OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231):

Gustosamente voy a escribir algunas impressiones mias sobre A ESCRAVA QUE NÃO É ISAURA de Mário de Andrade. Me interesó tanto esse libro que apenas lo tuve em mis manos, lo lei de uma sola sentada. Tan pronto aparezca la nota em cuestión, me será grato enviársela a Vd. Así como al Sr. Mário de Andrade (SOTO, 1925bSOTO, Luis Emilio. Carta de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo; Natal (Acervo do Instituto Câmara Cascudo). 08 set. 1925b.).

Ainda em 9 de dezembro de 1925, Cascudo escreveria a Mário informando do entusiasmo causado em Soto pela leitura da Escrava, comunicando que mandara o seu endereço para que o escritor argentino-colombiano enviasse um artigo que havia escrito sobre o livro: “O argentino-colombiano Luís Emilio Soto leu o Escrava duas vezes e está suando de entusiasmo. Mandei seu endereço para que enviasse a crônica a respeito do livro” (CASCUDO, 2010, p. 80CASCUDO, Luís da Câmara. In: MORAES, Marcos Antonio de (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010.).

A partir dessas sociabilidades cultivadas por Cascudo, recebe Mário do escritor argentino uma carta, de 22 de dezembro de 1925, na qual o remetente ressalta (MEDEIROS, 2016, p. 61MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.):

Em setembro último, mais ou menos, recebi do nosso excelente amigo Câmara Cascudo, um exemplar do livro do Sr., A escrava que não é Isaura. Como me interessa sobremaneira esse eficaz arrazoado, cujo aspecto teórico não o impede de ser veemente, escrevi o artigo em anexo (ANDRADE, 2013, p. 107ANDRADE, Mário. Correspondência – Mário de Andrade & Escritores/Artistas Argentinos. ARTUNDO, Patrícia (org.). São Paulo: Edusp, IEB, 2013.).

Cascudo, repetindo o feito de Monteiro Lobato que o incluiu no debate com a intelectualidade argentina, agora estende a rede a Mário de Andrade que, a partir dali, cultivou uma sensível e ampla aproximação com a literatura portenha (MEDEIROS, 2016, p. 62-63MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.). Mário agradeceria posteriormente a iniciativa do amigo Cascudo em carta enviada em meados de janeiro de 1926:

(...) porém antes que me esqueça te conto que recebi anteontem uma carta gentilíssima do Soto com um artigo sobre a Escrava saído em Renovación. Deus lhe pague o que você vem fazendo por mim. Vou esperar uns cinco ou seis dias pra responder pro Soto, porque assim posso mandar pra ele o meu livro novo que está sai-não-sai (...) (CASCUDO, 2010, p. 84CASCUDO, Luís da Câmara. In: MORAES, Marcos Antonio de (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010.).

Câmara Cascudo como interlocutor de Joaquim Inojosa na “Argentina Intellectual”: divulgação e debate sobre “A Arte Moderna” e “O Brasil Brasileiro”

Ao se falar da efervescência cultural ocorrida em Recife em meados da década de 1920, não podemos esquecer-nos de Joaquim Inojosa, jornalista e estudante de Direito na Faculdade do Recife, em Pernambuco. Em 1924, escreveu a plaquete A Arte Moderna (1984 [1924]), carta/panfeto que repercutiu em todo o Nordeste. A carta dava um destaque especial a Graça Aranha (em virtude do discurso de rompimento deste, com a Academia Brasileira de Letras); historiava a Semana de 1922, informava sobre o movimento em Pernambuco, falava de suas primeiras repercussões no Pará e no Rio Grande do Norte e apelava para que a Paraíba (especialmente o grupo da revista Era Nova, a quem a carta era dirigida) aderisse ao Modernismo. A importância da carta reside no fato de ter divulgado o Modernismo no Nordeste e ter divulgado o que se passava no Nordeste/Norte do Brasil (ARAÚJO, 1995, p. 13ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Modernismo: anos 20 no Rio Grande do Norte. Natal: Ed. da UFRN, 1995.; AZEVEDO, 1996, p. 61-62AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e Regionalismo: os anos 20 em Pernambuco. 2ª ed. João Pessoa: EDUFPB; Recife: Ed. da UFPE, 1996.; OLIVEIRA, 2019, p. 70OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

Durante o ano de 1922, a par de uma grande agitação política que abalava o país, desenvolvia-se, sobretudo nos setores oficiais, um largo movimento de propaganda em torno das comemorações do centenário da independência do Brasil. Tais fatos, somados à dificuldade de comunicação entre os diversos Estados, retardaram a divulgação do Modernismo no país. Ademais, como as ligações das províncias se davam mais diretamente com o Rio de Janeiro, então capital da República, a circunstância de a Semana de Arte Moderna ter sido realizada em São Paulo em nada ajudou a sua divulgação.

Justamente para participar do 1º Congresso Internacional de Estudantes, por ocasião das festas do centenário da independência, partia do Recife para o Rio de Janeiro, em agosto de 1922, uma comitiva de discentes. O secretário dessa comitiva é o jovem estudante e jornalista Joaquim Inojosa. A bordo do “Curvelo”, pôde ele, juntamente com Raul Bopp5 5 Em nota, Inojosa informou que Raul Bopp, embora não integrasse a “embaixada”, seguia no mesmo navio, despedindo-se de Recife, onde estudara (INOJOSA, 1968, v. 2, p. 28, n. 8). – que deixava o Recife – tomar contato com a obra de Antônio Ferro, pois a esposa deste, a poetisa Fernanda Castro, emprestava-lhes as obras do escritor futurista português. “Todas as noites”, escreveria Joaquim Inojosa em 1923, “realizávamos horas literárias. E ouvíamos a sua voz, no ritmo verde da poesia”. E este terá sido o seu primeiro contato com o futurismo, antecipando o que viria a acontecer em São Paulo (AZEVEDO, 1996, p. 41AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e Regionalismo: os anos 20 em Pernambuco. 2ª ed. João Pessoa: EDUFPB; Recife: Ed. da UFPE, 1996.; OLIVEIRA, 2019, p. 71OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.):

Nessas deliciosas horas de arte, de estilo, de vibração, Fernanda Castro, espôsa de Antônio Ferro, declamará versos de sua lavra. É poetisa que se libertou das fórmulas antigas. Não vai dizer o que D.ª Rosalina disse.

Conheci-a a bordo do ‘Curvelo’, de viagem ao Rio. Ela nos pôs em contato mais direto com Antônio Ferro, emprestando-nos obras que Raul Bopp devorara com a sua satisfação de boêmio intelectual e a sua cabeleira de filho legítimo das musas.

Tôdas as noites realizávamos horas literárias. E ouvíamos a sua voz, no ritmo verde da poesia (INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 28INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.).

Em 1923, refetiria Joaquim Inojosa em uma de suas crônicas: “Viajar ao Sul e não visitar São Paulo é cometer um erro; maior erro ainda, visitando São Paulo, não estudar a sua intelectualidade, especialmente seus novos” (INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 47INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.). Assim é que do Rio ele vai a São Paulo, debaixo de certa apreensão que logo será desfeita. Procurando conhecer colegas de profssão, vai à redação do Correio Paulistano, onde o recebeu Menoti del Picchia: “Franco olhar de alegria”, recordara Inojosa, “recebeu-me como se conhecidos fôramos”. Menoti falara-lhe de São Paulo e falou de literatura: “Em sessenta rápidos minutos havia destruído uma literatura e erguido sobre as cinzas dos livros empoeirados um templo moderno, onde ajoelhou e rezou fervorosamente o Evangelho Novo, o Credo de hoje”. Seria o ponto de partida para o contato com os modernistas. De fato, ainda na redação do Correio Paulistano é apresentado, por Menoti, a Oswald de Andrade, que se encarrega de catequizar o neófto sobre o “novo Evangelho de Arte”. Discutem sobre o momento literário de Pernambuco, confessando o crítico literário pernambucano que em Recife eram todos... passadistas” (AZEVEDO, 1996, p. 41-42AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e Regionalismo: os anos 20 em Pernambuco. 2ª ed. João Pessoa: EDUFPB; Recife: Ed. da UFPE, 1996.; INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 20INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.; OLIVEIRA, 2019, p. 72OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

Os contatos se sucediam. Visitou Guilherme de Almeida no escritório de advocacia de seu pai. A “camaradagem” logo se transformará em “amizade sincera e inquebrantável solidariedade intelectual” (INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 154INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.). É convidado para uma visita ao ateliê de Tarsila do Amaral, onde passa uma “tarde de arte”, juntamente com outros intelectuais paulistas; Anita e Tarsila pintam o seu retrato; e ainda recebe “um punhado de livros novos”, como escrevera o correspondente do Jornal do Commercio de Recife em crônica publicada naquele jornal, a 20 de outubro de 1922. Participa também de uma reunião noturna do grupo de Klaxon na casa de Mário de Andrade (AZEVEDO, 1996, p. 42AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e Regionalismo: os anos 20 em Pernambuco. 2ª ed. João Pessoa: EDUFPB; Recife: Ed. da UFPE, 1996.; OLIVEIRA, 2019, p. 73OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.):

Não se mede facilmente a importância dessa movimentação intelectual de São Paulo. Ali os propulsores principais trabalham muito com um espírito de solidariedade inquebrantável. Não desperdiçam talento em noitadas inúteis. Reúnem-se sempre; discutem, e dêsse trocar de idéias, idéias novas surgem. Numa dessas horas de arte em casa de Mário de Andrade (primeiro andar silencioso, mesas, estantes, revistas de arte, livros, quadros modernos pelas paredes): Oswald de Andrade lê capítulos fortes do segundo volume da ‘Trilogia do Exílio’, revelando na fsionomia o poder de observação da sua inteligência privilegiada; Mário de Andrade diz trechos de uma conferência sôbre a poesia moderna; Menoti e Guilherme recitam com perfeição e encanto; Rubens de Morais crítica obras de arte, com todo o entusiasmo de seu talento môço; (...) até alta madrugada, vendo-se lá fora, o cair lento e sensual da garoa... (INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 11INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.).

O jovem crítico pernambucano estava de todo contagiado pelo entusiasmo dos paulistas. Seu comportamento é o de um convertido, logo ungido apóstolo, predestinado a pregar entre os “gentios” a mensagem do “credo novo”. O deslumbramento impedia-o de assumir uma posição crítica diante dos fatos que presenciava, diante das ideias que assimilava. Não importava discutir o conteúdo da mensagem ou, quem sabe, a sua aplicabilidade em outra situação que, em difundir a nova mensagem, consubstanciada, para Inojosa, na tarefa de destruir o passadismo. Como agiam, segundo entendeu, os “klaxistas” de São Paulo. E é isso que fará tão logo chegue a Pernambuco (AZEVEDO, 1996, p. 42AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e Regionalismo: os anos 20 em Pernambuco. 2ª ed. João Pessoa: EDUFPB; Recife: Ed. da UFPE, 1996.; OLIVEIRA, 2019, p. 74OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.), como também conclamará a Era Nova a ser a “klaxon parahibana”:

E’ em sínthese, essa a situação do movimento moderno no Recife.

Resta-me, agora, pedir que a Parahiba nos acompanhe.

(...)

Porque, ou a Parahiba se filia ao movimento renovador, ou em arte, ficará no Morro do Castello da antiguidade.

(...)

Está decretada, ahi tambem, a fallencia da arte antiga.

Seja a Era Nova o porta-voz de todos os clamores de renovação, e assim terá cumprido a sua mais nobre finalidade.

Seja a Klaxon parahibana (INOJOSA, 1984 [1924], p. 39INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna: 60 anos de um manifesto modernista. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1984.).

De um modo geral, pode-se considerar que, em concomitância a outras situações regionais, o ano de 1924 foi um marco na história da divulgação do modernismo no nordeste brasileiro, onde a cidade do Recife desempenhou o papel de núcleo da vida cultural da região. A importância histórica da carta reside no fato de ter divulgado o movimento, além de servir como documentário sobre os eventos da época, do ponto de vista de seu autor, como agitador cultural (ARÁUJO, 2022, p. 381).

No ano de 1925, Joaquim Inojosa publica a plaquete O Brasil brasileiro (1977 [1925]), palestra realizada a convite da diretoria da Sociéte Foot-Ball Club, em Morenos, Pernambuco. Neste texto, o autor convida a sua geração a construir uma obra de arte “brasileira”, antes que o estrangeiro, mais poderoso, nos obrigasse a aceitar uma que não nos pertencesse. Que deveríamos fundar uma literatura inspirada nos nossos costumes e nossa natureza, uma música que fossem motivos brasileiros estilizados, uma pintura que refetisse as cores de nossas paisagens, uma escultura e uma arquitetura que dissessem dos nossos movimentos e da nossa quietação, de nossas belezas refetidas através da visão artística (INOJOSA, 1977 [1925], p. 132INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna/O Brasil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977.).

Inojosa enfatizou que esta condição era o que aconselhava a geração dos modernistas:

É o que aconselha a geração atual, senhores. É o que defendem os modernistas: eles vêem que periga, ante a invasão estrangeira, o espírito de brasilidade: lembram que, ao desencadear-se a guerra européia, o Brasil teve que procurar nas suas fontes de riqueza, o necessário para substituir às grandes crises advindas. E clamam pela libertação do Brasil, por sua formação (INOJOSA, 1977 [1925], p. 132INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna/O Brasil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977.).

Para o autor, o movimento modernista havia iniciado por onde, realmente, deveria começar: pelo livro, pelo jornalismo, pelas conferências públicas. A princípio parecia extravagante, mas fora compreendido, depois, o fm, o ideal defendido por seus propugnadores, como ele próprio. No Brasil, o modernismo traduziria o espírito de brasilidade que se deveria imprimir às coisas brasileiras. Ele acredita que a agitação dos modernistas nessas batalhas mentais, como nos combates materiais, para vencer era preciso destruir a velha concepção de arte e cultura brasileira (INOJOSA, 1977 [1925], p. 132-133INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna/O Brasil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977.).

Joaquim Inojosa defendeu que o espírito de brasilidade não existia em nossas coisas, e que ao impor este credo, acreditava que somente desse modo, teríamos formado a nossa pátria. Na literatura, o brado que, com o Guarani, deu José de Alencar, no século XIX, não foi ouvido. Que naquele momento, os modernistas se uniam para o combate, e, embora tivessem que arrasar imensas fortalezas, venceriam decerto, “para prestígio da raça e vitória dos ideais” (INOJOSA, 1977 [1925], p. 134INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna/O Brasil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977.).

Finalizou sua preleção afirmando que literatura de imitação não indicava cultura de um povo. Que no Brasil tudo se imitava, quando tudo se poderia criar. Que tínhamos inteligência e elementos inspiradores, e preferiríamos os céus da Itália e as ruas da França, a natureza de Portugal, ao céu que nos envolvia num delírio indeciso de luz, à natureza que bailava numa fantástica exuberância de cores. Que desdenhar a obra dos modernistas, que desejavam realizar a criação de um “Brasil brasileiro”, era uma inconsciência, e convidou aos presentes naquele instante (INOJOSA, 1977 [1925], p. 134-135INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna/O Brasil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977.):

Vamos, senhores e senhoras, homens e mulheres, que me ouvis, vamos preparar a nossa pátria. Cabe à mocidade esta missão. Somente os moços têm audácia para esse surto de patriotismo e fé. Sigamos todos à oficina para trabalhar pelo Brasil brasileiro. Vamos vestir o Brasil, para que, no baile do futuro, ele seja o mais inteligente e o mais jovem, o mais forte e o mais elegante, consciente da sua força e dominador pelo seu espírito de cultura e de originalidade. Somente assim teremos preparado a nossa pátria (INOJOSA, 1977 [1925], p. 135INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna/O Brasil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977.).

Como podemos ver, através dessa breve apresentação de O Brasil brasileiro (1977 [1925]), entre nós, volta e meia reaparecem o nacionalismo e seu corolário, a recusa do “colonialismo cultural”. No terreno da cultura e das artes, a busca da identidade nacional brasileira teve dois grandes momentos: no século XIX com o romantismo, e no século XX, com o modernismo. Nosso nacionalismo voltou-se então contra inimigos mal definidos, oscilando segundo as circunstâncias, misturando etnia, cultura, política e economia, atribuindo aos desígnios funestos de outros todas as nossas dificuldades em encontrar um lugar na cultura internacional. A busca de uma essência nacional, visando a conquistar um lugar honroso no conjunto das nações, esbarra sempre no paradoxo de reforçar o localismo e o provincianismo, embora o objetivo maior seja provar o valor universal dessa particularidade. Opondo-se ao “mundo”, a cultura teimosamente nacional se reconhece como menor, como aldeã (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 36PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.).

Os nacionalismos literários latino-americanos, do romantismo aos dias de hoje, têm essa característica de uma reivindicação que não conhece muito bem os limites dos direitos e das recusas, correndo sempre o risco de misturar razões políticas e econômicas com razões estéticas, e de querer eliminar um inimigo que, do ponto de vista da história cultural, é constitutivo de sua identidade. Na busca de criar culturas nacionais próprias, as jovens nações latino-americanas encontram-se, pois, em situações paradoxais, sem ter a consciência imediata destes paradoxos. Tal característica aparece claramente ao longo de todo o século XIX e decorrer do século XX. Como a dependência cultural tem razões e resultados mais sutis, e por vezes independentes de uma sujeição política e econômica, o primeiro paradoxo dos nacionalismos literários apareceu nas relações dessas novas literaturas com a velha literatura francesa (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 36-37PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.).

Na virada do século XIX para o XX, Paris era, sem contestação, a capital cultural da América Latina. A viagem a Paris, real ou imaginária, era um reencontro e uma busca de identidade. A volta à fonte europeia de eleição (deslocada, com relação às fontes anteriores das metrópoles ibéricas) era, ao mesmo tempo, uma tomada de distância necessária para que a origem se tornasse visível em sua identidade própria. No momento da eclosão das vanguardas europeias, foi novamente a França (epicentro do sismo) que revelou aos latino-americanos as possibilidades estéticas de suas culturas. A valorização da arte primitiva foi assimilada, com reconhecimento de causa, pelos países latino-americanos, que possuíam, em seu patrimônio, manifestações ainda vivas da arte indígena e contribuições ativas dos negros africanos. As vanguardas eram cosmopolitas. À medida que as culturas e literaturas locais se constituíam e se afirmavam, as relações idílicas com a França começaram a azedar, e numerosas vozes se levantaram contra essa já então chamada dependência (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 38-39PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.).

Entre os anos de 1968 e 1969, Inojosa reuniu na forma de livro uma farta documentação composta de matéria de jornais, cartas, trechos de livros, fotografias e depoimentos sobre o modernismo. A obra o Movimento Modernista em Pernambuco compõe uma coleção de três volumes contendo um arquivo documental dedicado à geração de sua mocidade (OLIVEIRA, 2019, p. 104OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

Inojosa quis acreditar que a publicação do conjunto de documentos e sua narrativa introdutória, dividida em tópicos intitulados “roteiro”, “senha”, “desafo”, “adesões”, “colaboradores”, “repercussão”, não constitui uma crítica do movimento. Reveste-se de modéstia e representa-se como relator de uma notícia, mas logo em seguida perde-a ao instituir o movimento que desencadeou e dirigiu como o acontecimento decisivo na vida intelectual de seu estado. Seu propósito é combater a inclemência do tempo ou propósitos suspeitos. As narrativas davam conta da importância do movimento regionalista e da atuação de Gilberto Freyre na década de 1920, sendo estes os propósitos suspeitos combatidos pelo autor (BARROS, 2012, p. 119BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012.; INOJOSA, 1968a, v. 1 p. 31INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968a. v. 1.; OLIVEIRA, 2019, p. 104OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

O Movimento Modernista em Pernambuco constitui um apego visceral a um momento histórico, mantendo um grupo de intelectuais como devedores do passado que engendraram e que os engendrou. Pode-se afirmar ainda que a respectiva obra é um trabalho de “enquadramento da memória”, realizado através da seleção, celebração e eternização de determinados feitos e fatos colecionados que são alçados à categoria de “prova” da veracidade do seu relato; alimentam e forjam de forma subjetiva e intencional a construção de imagem positiva de Inojosa, consolidando seu reconhecimento e legado pessoal pelas gerações seguintes (BARROS, 2012, p. 120BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012.; OLIVEIRA, 2019, p. 105OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

Desse modo, vale o questionamento sobre que desejo de memória e história atravessaria a publicação da respectiva obra? Natália Barros (2012)BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012. nos mostra que o “Inojosa narrador” de sua história parece querer narrar na tentativa de assegurar a continuidade dos tempos históricos; para manter-se vivo nas narrativas de si e dos outros. Nesse sentido, a obra se põe como lugar de memória, ou seja, criação não espontânea, portadora de sinais de reconhecimento e de pertencimento desse individuo, construído por meio de um diversificado conjunto de ações diretamente ligadas à escrita de si e à constituição de uma memória de si, pois acompanhar a produção da memória de Joaquim Inojosa representa caminhar entre discursos, práticas, representações e temporalidades variadas (BARROS, 2012, p. 27; 31-38BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012.; NORA, 1993, p. 13NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo, 10, 1993, p. 7-28.; OLIVEIRA, 2019, p. 105OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

Quando publicou seus textos sobre o movimento modernista, o autor tentou afastar os interesses particulares, escondeu seu desejo de autopromoção, deslocando o empreendimento para o campo da justiça da memória dos participantes dos acontecimentos da década de vinte (BARROS, 2012, p. 115-116BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012.; OLIVEIRA, 2019, p. 105OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.):

Para que não desapareçam os vestígios dos participantes da mocidade pernambucana em tão importante movimento, ponto de partida do Brasil de hoje, é que escrevo este livro. (...)

Publicando-o nada reivindico para mim. As ideias modernistas, estou certo, atingiriam Pernambuco de qualquer forma, e eu apenas as teria antecipado, pela coincidência de contatos com o grupo de São Paulo em 1922 (INOJOSA, 1968a, v. 1, p. 32INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968a. v. 1.).

Sobre este aspecto, concordamos com Barros (2012)BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012., quando propõe que é preciso termos como horizonte o caráter autobiográfico das publicações sobre o modernismo realizadas por Inojosa e desconfarmos da coerência de seu relato, da sequência de acontecimentos com significado e direção aparentemente lineares; para que não nos conformemos com a ilusão retórica do nosso personagem/autor/narrador e, principalmente, inserirmos estes escritos como uma estratégia de busca de uma autoestima intelectual e afetiva (BARROS, 2012, p. 116-117BARROS, Natália Conceição Silva. Arquivos da vida, Arquivos da História: as experiências intelectuais de Joaquim Inojosa e os usos da memória do Modernismo. Tese de Doutorado. Recife, PE: PPGH/UFPE, 2012.; OLIVEIRA, 2019, p. 106OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. Correspondência Modernista e Regionalista de Luís da Câmara Cascudo (1922-1984). 1ª ed. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2019.).

Contudo, não podemos deixar de levar em consideração o valor documental dessas obras, em especial o Movimento Modernista em Pernambuco, que consiste em um grande dossiê, que traz à luz, crônicas, artigos da imprensa e o mais importante para o nosso estudo; a sua correspondência com os dois escritores argentinos que aqui enfatizamos, Braulio Sánchez-Saez e Luís Emílio Soto, abordando a atuação de Joaquim Inojosa frente a divulgação do modernismo na Argentina.

Tal qual fez com Mário de Andrade, Cascudo também aproximou Joaquim Inojosa dos escritores modernos argentinos Braulio Sanchez-Saéz e Luís Emílio Soto.

Em carta de 19 de fevereiro de 1925, Braulio Sánchez-Saez dirá a Inojosa:

“Es para mí sumo placer, reunir em mi extenso domínio de las amistades brasilenas, la de um culto espiritu, como lo es Vd. Al jusgar por su plaqueta ‘El Arte moderno’, que por intermédio del talentoso y siempre querido y propagador amigo Luis da Câmara Cascudo, tengo em mi poder, y termino en estos momentos de su lectura” (INOJOSA, 1969, v. 3, p. 317INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1969. v. 3.).

Sánchez-Sáez foi jornalista, crítico literário e tradutor, era reconhecido entre as fguras de prestígio da época, tanto no Brasil como na Argentina, pelo notável esforço em promover o conhecimento mútuo entre as nações. Distinguindo sua ação integ radora naquela época, A Imprensa registra a seguinte nota (MEDEIROS, 2016, p. 57MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.):

Traductor e chefe da secção brasileira da “Plus Ultra”, a revista – joia de Buenos Ayres, da “Caras y Caretas”, magazine tradicionalmente ilustre, dirige a representação da Editora Monteiro Lobato e “Revista do Brasil” iniciando uma acção brilhantíssima no intuito do mutuo conhecimento entre Brasil-Argentina. Está tornando conhecidos na capital platina as nossas melhores revistas, os nossos escriptores e poetas. Collaborador d’A IMPRENSA, bem podemos julgar os seus dotes de estylo e graça imaginativa (A IMPRENSA, 23 de abril de 1924, Nº 2244, Ano XI).

Ainda sobre os desdobramentos das relações estabelecidas entre o tradutor e o jovem escritor natalense, registram-se dois grandes momentos em que Luís da Câmara Cascudo teve seu trabalho intelectual reconhecido nas páginas de publicações hispano-americanas, pelas mãos de Braulio Sánchez-Sáez. Trata-se do artigo Pequeño guia intelectual brasileño, publicado no Eldorado – semanário de la vida literaria argentina, em seu número quatro, de agosto de 1924, no qual estuda os principais nomes da moderna intelectualidade brasileira, e do livro Vieja y Nueva literatura del Brasil, Edições Ercilha, Santiago do Chile, 1935, onde reúne dados e informações sobre a vida literária brasileira, considerando a produção cultural de cada região do país. Na primeira publicação, assegura sobre a personalidade de Luís da Camara Cascudo (MEDEIROS, 2016, p. 57MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.):

Crítico, ensaysta riograndense que logra imponerse en el mundo de las letras de todo Brasil. Uno de sus primeros libros “Alma Patricia” es uno estudio de la literatura de Rio Grande do Norte. 58 Su libro “Historias que el tiempo lleva…”, de reciente publicación es de un valor historico ponderable. Además hace pocos días dio a publicidad un nuevo libro de ensayos literarios titulado “Joio”, donde estudia las fguras de Fernan Félix do Amador, Ricardo Gutierrez, Arturo Lagorio, Atilio Chiappori y otras fguras conocidas (SÁNCHEZ-SÁEZ, 1924SÁNCHEZ-SÁEZ, Braulio. Pequeño guia intellectual brasileño. In: El Dorado: semanario de la vida literaria Argentina, Buenos Aires, n. 4, ago. 1924.).

Em retribuição ao esforço e à amizade do argentino que deu a conhecer um pouco do trabalho do natalense nas páginas da imprensa de seu país, Câmara Cascudo dedica a Sánchez-Sáez a parte do Joio sobre os seus compatriotas: “Não podia ser senão offerecida ao B. Sanchez-Saez a parte do “JOIO” em que falo de sua linda terra, sonora pela voz dos filhos” (CASCUDO, 1991 [1924], p. 131CASCUDO, Luís da Câmara. Joio: páginas de literatura e crítica. Edição fac-similar. Mossoró, RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1991.). Além disso, o escritor argentino teve destacadas nas páginas da imprensa potiguar suas obras El libro moderno (A IMPRENSA, 23 de abril de 1924), e Vientos de Brasil y otros poemas, analisado por Câmara Cascudo no texto inaugural da seção Autores e livros do jornal natalense A República, edição de 16 de março de 1930 (MEDEIROS, 2016, p. 58MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

A segunda publicação de Braulio Sánchez-Sáez, embora date da década seguinte, merece nossa atenção pelo fato de destacar os dois primeiros livros de crítica literária de Câmara Cascudo: Alma Patrícia (1921) e Joio (1924). Sob a denominação Literatura Nortense, toma como base os estudos do escritor potiguar registrados em seu primeiro livro sobre a intelectualidade do Rio Grande do Norte e oferece um sucinto panorama sobre a produção literária do estado entre 1850 e 1918, apontando personalidades de prestígio, como Auta de Souza, Abner de Brito, Othoniel Menezes, Francisco Ivo Cavalcanti, Uldarico Cavalcanti, Ghotardo Neto, Palmira Wanderley, Murilo Aranha, Francisco Palma, Ferreira Itajubá, Henrique Castriciano de Souza e Ponciano Barbosa. A respeito do Alma Patrícia e de sua contribuição para o registro da história literária da província, escreve Sánchez-Sáez (MEDEIROS, 2016, p. 58-59MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.):

Este libro, “Alma Patrícia”, si no guarda en sus páginas una cronología ya sistemática en las historias literarias, tiene, en cambio, estudios de determinadas personalidades, que dan una idea general de lo que es y fue en otra época la literatura general en su província (SÁNCHEZ-SÁEZ, 1935, p. 41SÁNCHEZ-SÁEZ, Braulio. Vieja y nueva literature del Brasil. Santiago de Chile: Ediciones Ercilla, 1935.).

Entre os escritores argentinos já mencionados até aqui, Braulio Sánchez-Sáez foi o que estabeleceu o mais duradouro intercâmbio com Luís da Câmara Cascudo, vindo esse contato a ter desdobramentos nas décadas seguintes. Comprovam a continuidade dessa relação a já comentada publicação Vieja y Nueva literatura del Brasil (1935) e o livro La história de Argentina en su literatura (1945), do qual consta uma edição, com dedicatória, no acervo do escritor potiguar mantido na biblioteca do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo (MEDEIROS, 2016, p. 60MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e a Argentina Intelectual: um joio na seara latino-americana. Dissertação de Mestrado. Natal: PPGEL/UFRN, 2016.).

A relação de amizade transcende os afetos das cartas enviadas e podemos ver em texto publicado no Jornal do Comercio, de 8 de fevereiro de 1927, uma crônica que Joaquim Inojosa publicou sobre o amigo Braulio Sánchez-Saez. Nela, o crítico pernambuco informa que o amigo portenho era um curioso espírito para quem o Brasil, literariamente, valeria tanto quanto a Argentina. Não sabia se esta condição ocorreria apenas nas cartas que lhe dirigia, e nos artigos que, por seu intermédio, estava enviando para os jornais de Pernambuco. Argumentou que Sánchez-Saez teria feito mais pelo Brasil intelectual, na Argentina, do que muitos dos embaixadores brasileiros naquele período. Apontou a importância dele para a difusão de nomes dos autores e das ideias modernistas na Argentina, chegando a traduzir e publicar, nas revistas de Buenos Aires, a “Arte Moderna” e fragmentos de “Joio”, de Luís da Câmara Cascudo. Traduzia e recomendava, indicava os nomes brasileiros (especialmente dos amigos) às gentes de sua pátria, enviando de lá, para o amigo pernambucano, artigos lapidares para o mesmo fm, ou seja, divulgar as vanguardas argentinas em terras brasileiras (INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 185-186INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.).

Luis Emilio Soto também dará as boas vindas a Inojosa e comentará o recebimento da Arte Moderna em sua primeira carta: “Por intermédio de nuestro común amigo Luis da Camara Cascudo, recebi su opúsculo ‘A Arte Moderna’ por cuyo envío le doy las más expressivas gracías” (INOJOSA, 1969, v. 3, p. 328INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1969. v. 3.).

Em carta de 28 de dezembro de 1924, Cascudo pede para que Inojosa envie aos amigos platinos alguns exemplares da Arte Moderna:

Mande ao Saéz uns 5 exemplares do nosso trabalho – Arte Moderna. O adresse é – B. Sanchez-Saés – Rivadivia 1731. O do Luís Emílio Soto é 15 de Noviembro 1715. Ambos em Buenos-Aires. Mande os dois com dedicatórias. Ao Soto mande uns 4 exemplares (ARAÚJO, 2012, p. 89ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012.).

Em carta de 31 de dezembro de 1925, Luís Emilio Soto informava a Cascudo que fazia mais de um mês que tinha enviado o artigo que escrevera sobre A Escrava que não era Isaura: “Hace mucho más de um mês entregue um articulo sobre el interessante libro de Mário de Andrade a la revista ‘Renovacion’, órgano difundido entre la América española que se edita em Buenos Aires” (SOTO, 1925c).

Nesta carta, Luis Emilio Soto também informou Cascudo sobre a viagem rápida que faria em fevereiro com outros jovens literatos argentinos a São Paulo e ao Rio de Janeiro, e lamentava, pois, não conseguir ir até Natal, para visitar e abraçar Cascudo, como também o amigo em comum que tinham em Recife, Joaquim Inojosa:

(...) Sí estimado amigo, em companhia de otros jóvenes literatos pienso hacerne uma escapada proximamente a Rio y San Paolo. Aunque no tenemos pecha (sic.) há de ser problamente en Febrero. Como (sic.) para essa época se encontrará allí, un seumirá de ‘cicerone’ a la vez que nos presentará a los intelectuales que entones se encuentren em San Paolo. Espero que esa visita seá fecunda tanto para mí como para mis compañeros. Lastimo que el viaje a Natal sea tan (sic.) y nosotros disporeyamos de tan poco tempo como um mês, travessia inclusive, lle lo contrário gustosamente iria a darle um abrazo aí como a nuestro común amigo Inojosa, de quién recebi ultimamente um notable folleto O Brasil brasileiro (SOTO, 1925c).

Em sua segunda carta, enviada a Cascudo no dia nove de março de 1925, Inojosa agradece ao amigo, pois sua plaquete A Arte Moderna seria traduzida e publicada numa revista platina intitulada Inicial:

Não sei como agradecer-lhe as apresentações que me fez aos escriptores de Buenos-Aires. Ambos escreveram-me lindas cartas. O Sanchez-Saez, enviou-me o nº 6 de Inicial, e comunicou-me iria traduzir, para publicar nessa revista, a minha plaquete – ‘A Arte Moderna’. Referem-se a v. com os elogios que v. merece (ARAÚJO, 2012, p. 95ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012.).

Em carta não datada, mas possivelmente posterior a esta, Cascudo convida o amigo a ser ponto de referência entre o Norte e o Sul. E que ninguém poderia competir com Inojosa, pois ele seria “o natural núcleo irradiante por que tem talento e tem bondade”, e somente esta característica seria capaz de aproximar as pessoas. Noutra carta, de 14 de março de 1925, sugere que Inojosa escrevesse para Sanchez-Saez agradecendo e que ficasse saboreando a fama, pois não precisava mais de intermediário; conclui informando que confava em sua acuidade intelectual pois, se não confasse, deixaria seu trabalho de lado:

Seja V. o ponto de referência entre o Norte e Sul. Ninguém pode competir. V. é o natural núcleo irradiante por que tem talento e tem bondade. Somente esta virtude aproxima e prende. Eu sirvo de exemplo, caro e querido Inojosa, ou melhor Hinojosa (CC, s/d, apud, Araújo, 2012, p. 97ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012.). Muito bem. Agora é responder aos argentinos e ficar saboreando a fama. V. agora dispensa o intermediario e vá agindo... e vencendo. Se não tivesse inteira confiança em sua acuidade intellectual, deixaria quieto seu trabalho. Mas V. vale. E muito (...) (ARAÚJO, 2012, p. 101ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012.).

Em retribuição a esse processo de interlocução com escritores argentinos, intermediado por Cascudo, vemos Joaquim Inojosa afirmar em texto publicado no Jornal do Commercio em Recife, no ano de 1924:

O Sr. Luiz da Câmara Cascudo conhece todo o Brasil, e trabalha numa obra de aproximação mental entre os escritores argentinos e brasileiros, especialmente nortistas. Mantém, com os primeiros, assídua correspondência, informando-os da movimentação literária do nosso país. (INOJOSA, 1968b, v. 2, p. 66INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Editora Tupy, 1968b. v. 2.).

Comprovando esse diálogo, Araújo (2012)ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012. afirma que a ação de Câmara Cascudo como divulgador do Modernismo, para além das fronteiras nacionais, teve como desdobramento a publicação de um artigo de divulgação do movimento brasileiro na Argentina, por Bráulio Sanchez-Saez, na revista Caras y Caretas. Segundo Joaquim Inojosa, o argentino também traduziu A Arte Moderna para o espanhol (ARAÚJO, 2012, p. 53ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012.; INOJOSA, 1968, v. 1, p. 119-120; MEDEIROS, 2012, p. 89-90MEDEIROS, Joatan David Ferreira. Câmara Cascudo e os latinos da América: diálogos culturais na década de 20. In: Imburana – Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN, Natal, n. 6, 2012, p. 85-95.).

Em carta de 10 de março de 1925, vemos Cascudo tratar da aproximação de Inojosa com os escritores argentinos, aludindo à publicação da segunda plaquete do divulgador modernista pernambucano, O Brasil brasileiro (1925), da primeira tentativa de viagem de Mário de Andrade ao Nordeste, e de um projeto de revista idealizada ao modo da Klaxon, Modernicéia:

Não se espante recebendo noutro envelope um retalho de jornal. Revolvendo papeis descobri não ter enviado a V. a transcripção dum artigo do Sáez. (...) O Brasil brasileiro deve ser explendido... mas V. não pôs meu nome na lista dos presenteados. Luis Soto escreveu-me de S. Paulo. Fez-se amigo do Mario de Andrade a quem eu apresentara. Soto publicou em Renovación um artigo sobre a Escrava. Mario esteve vem não vem ao Norte. Fiquei encarregado de avisar a V. e combinar las cósas. Agora diz não vir em 1926. Quer publicar a História da Música. (...) E a Modernicéia? Recife é a terra das revistas nominaes. Lobis-Homen morreu antes de nascer. Morto-Vivo não sahiu. Modernicéia continuará a tradição passadista de abolôecer no nascedouro? Revista de expressão Recife desconhece. V. está indicado pra ter a segunda coragem. A primeira foi a campanha modernista (ARAÚJO, 2012, p. 100ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Consciência Moderna e Movimentos: o modernismo nas cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa. Relatório Final de Estágio de Pós-Doutorado. PPGTLLC/FFLCH – USP. São Paulo, 2012.).

Observando o contexto desta última carta, percebe-se que havia o estabelecimento de uma rede de sociabilidade entre Mário, Cascudo, Inojosa, Saéz e Soto, onde temas, projetos e intenções eram compartilhados. Com efeito, conforme sugeriu Gabriela Pellegrino Soares (2006)SOARES, Gabriela Pellegrino. Diálogos culturais latino-americanos na primeira metade do século XX. In: Projeto História, São Paulo, v. 1, n. 32, p. 241-256, jun. 2006, vemos que ao longo da primeira metade do século XX é possível ver nascer, em diferentes movimentos, a percepção de que a América – Espanhola, para uns, para outros Latina, ao incluir o Brasil – estava apta a desenvolver seus próprios “meridianos intelectuais”, podendo as nações que a integravam buscar inspiração e referência umas nas outras, e não apenas no Velho Mundo, cujo modelo foi por muito tempo tomado como única possibilidade de superação da “barbárie” local. Em lugar do olhar detrator, a nova percepção sugeria representações afirmativas sobre as sociedades latino-americanas e aguçava o desejo de conhecimento mútuo. Pois, ao lado das aspirações identitárias, os países vizinhos Brasil e Argentina passavam, em certos contextos, a fgurar como referências de desenvolvimento e concepções de modernidade que iam ao encontro das premências nacionais. Ao mesmo tempo, apresentavam-se como potenciais mercados de bens culturais a serem explorados (SOARES, 2006, p. 243SOARES, Gabriela Pellegrino. Diálogos culturais latino-americanos na primeira metade do século XX. In: Projeto História, São Paulo, v. 1, n. 32, p. 241-256, jun. 2006; SOARES, 2017, p. 27SOARES, Gabriela Pellegrino. Escrita e edição em fronteiras permeáveis: mediadores culturais da nação e da modernidade na América Latina (Século XIX e primeiras décadas do XX). São Paulo: Intermeios: USP-Programa de Pós-Graduação em História Social, 2017.).

Considerações Finais

Passados exatos oitenta e nove anos da fala de Alfonso Reyes em 1932, “os intelectuais latino-americanos nem se conhecem nem se lêem” (REYES, 1932 apud ELLISON, 2002, p. 112ELLISON, Fred P. Alfonso Reyes e o Brasil: um mexicano entre os cariocas. Rio de Janeiro: Topbooks, Consulado General de México, 2002), vemos que essa tendência não se aplicou efetivamente, muito pelo contrário. No Brasil como na América Hispânica, lemo-nos, estudamo-nos, buscamos nos conhecer. As publicações de área, ainda bem distantes do sonho de especialistas, tornam-se cada vez mais intensas. Na superação dos limites que, durante décadas, foram impostos aos interessados nos temas latino-americanos, criou-se uma forma radical de compreender o fenômeno continental: reconheceu-se seu caráter multifacetário, e essa percepção, impressa nas crescentes pesquisas e publicações, significa mais do que apenas atestar a diversidade americana. Significa perceber que a América só é compreensível a partir do contato entre áreas distintas do conhecimento, a partir de relações que se estabeleçam para além da segmentação disciplinar e que ofereçam uma noção de conjunto. Significa que, na prática dos estudos americanistas, é preciso olhar sempre para o outro lado da fronteira geográfica e intelectual.

Diferentemente do que acontecia na década de 1920, quando intelectuais brasileiros e hispano-americanos, como os aqui enunciados, só se encontravam nos cafés parisienses (com exceções, como Mário de Andrade), vemos que agora, as paisagens de Buenos Aires, São Paulo, Natal, entre tantas outras cidades de letras, são, por intermédio das trocas de cartas, espaços de visitação mútua. Sobretudo a imaginação e a leitura, essas geografias fabulosas porque irredutíveis e incontáveis, sediam debates e diálogos entre hispano-americanos e brasileiros. E nesses lugares, a América se expressa e se realiza, como realidade e como o “território de imagens” com que sonhou Lezama Lima (SOARES & PINTO, 2004, p. 151SOARES, Gabriela Pellegrino; PINTO, Júlio Pimentel. A América Latina no universo das edições brasileiras. In: Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 8, n. 2, p. 133-151, 2004.; OLIVEIRA, 2022, p. 226-227OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

Ao que se vê, a literatura modernista, em particular, foi um canal importante para os movimentos de aproximação de homens e repertórios separados pelo Atlântico e pelo fim dos laços coloniais, ao mesmo tempo que os escritores de ambas as margens mergulhavam em reelaborações identitárias sobre o seu próprio espaço político.

Tal acepção, como é sabido, ensejou iniciativas de especial efervescência no contexto das chamadas vanguardas literárias e artísticas que vicejaram em diferentes países, na década de 1920, guardando importantes desdobramentos nos anos que se seguiram. Escritores e artistas mergulharam em experiências que buscavam conferir formas e conteúdos próprios, locais, à produção cultural e estética. A “cultura popular”, e oral, passava a ser valorizada como fonte de inspiração para o nascimento de uma arte genuinamente nacional – ou continental, quando a ideia de América Latina delimitava as fronteiras ideológicas.

Os manifestos, polêmicas e novas revistas que agitavam a cena artística tiveram repercussões nos domínios da política. E a valorização dos conteúdos locais e populares esteve na origem das “afinidades eletivas” entre as vanguardas (modernistas, quando em referência ao Brasil) e projetos de Estado voltados à legitimação simbólica da “cultura nacional” (SOARES, 2017, p. 27-29SOARES, Gabriela Pellegrino. Escrita e edição em fronteiras permeáveis: mediadores culturais da nação e da modernidade na América Latina (Século XIX e primeiras décadas do XX). São Paulo: Intermeios: USP-Programa de Pós-Graduação em História Social, 2017.; OLIVEIRA, 2022, p. 227OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

Ao que se vê, até certo ponto, a relevância da infexão modernista poderia explicar que, embora o apelo para reconciliar a arte com a vida repercutisse amplamente em todo o território americano nos anos de 1920, os significados desse imperativo eram ligeiramente diferentes dos que predominavam entre seus pares europeus. Por um lado, não pesava o caráter destrutivo nem o combate à instituição Arte, porque essas instituições estavam apenas precariamente instaladas em nosso meio. Por outro lado, esse voltar-se para a “práxis vital”, o fato de incorporar os elementos da vida cotidiana e da cultura popular, foi interpretado no sentido de apelo para resgatar os traços do “particular”. Diante dos intelectuais das gerações anteriores, a quem acusavam de haver-se perdido na imitação dos modelos europeus, a reconciliação da arte com a vida que propugnava essa nova geração passava pela recuperação das características que afirmavam a própria particularidade. Particularidade nacional, por um lado, mas que se enxergava como parte de um conjunto mais amplo, do “mundo jovem” do horizonte americano (VASQUEZ, 2005, p. 66VASQUEZ, Karina R. Redes intelectuais hispano-americanas na Argentina de 1920. In: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, jun. 2005, p. 55-80.).

A utopia da vanguarda, presente nessas revistas, teve força não apenas textual. Os manifestos e as polêmicas, irritantes, traçam uma imagem a que os membros de outras facções do campo reagem. Os manifestos são as vanguardas tanto quanto os próprios poemas, porque têm esse caráter absoluto e anticonciliador que marca o processo de renovação estética nos anos 1920 (SARLO, 2010, p. 194SARLO, Beatriz. Modernidade Periférica: Buenos Aires, 1920 e 1930. 1ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2010.).

Dito de outra forma: o campo intelectual gera sua vanguarda e as formas de ruptura entram em um sistema com as modalidades preexistentes da vida literária. A mudança ideológico-estética não se dá em um vácuo social, mas, ao contrário, encontra nas formas sociais de produção literária suas condições de realização. Como momento revolucionário de transformação das relações intelectuais, a vanguarda propõe não apenas mudanças estéticas, mas também um conceito radical de liberdade, desprezo pelas instituições sociais e artísticas, rejeição das formas aceitas de carreira literária e consagração. À náusea que se vive diante do mercado de bens culturais corresponde a afirmação de uma verdade que divide os artistas e o público (ALTAMIRANO; SARLO, 2016ALTAMIRANO, Carlo; SARLO, Beatriz. Ensayos argentinos: de Sarmieno a la vanguardia. 1ª ed. Ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2016.).

A ruptura da vanguarda, longe de ser especificamente estética, e embora reivindique essa especificidade, afeta todas as relações intelectuais: as instituições do campo intelectual e as funções socialmente aceitas de seus atores. Em suma, todas as formas de organização material e ideológica da produção artística são afetadas pela vanguarda. Mas, antes de serem afetadas, elas tornam isso possível (ALTAMIRANO; SARLO, 2016ALTAMIRANO, Carlo; SARLO, Beatriz. Ensayos argentinos: de Sarmieno a la vanguardia. 1ª ed. Ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2016.).

Se comparada à situação prevalecente no mercado latino americano de bens culturais, pautado, concomitantemente, pelo predomínio da língua espanhola e pela alternância dos centros aspirantes ao papel hegemônico, como atesta a concorrência entre Cidade do México e Buenos Aires, a unificação linguística brasileira se viabilizou ao preço de um domínio crescentemente centralizado no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, em torno do qual passaram a girar os principais núcleos regionais de alguma expressão (Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife, os de maior envergadura, mas também Natal, João Pessoa, em uma menor escala) (MICELI, 2018, p. 20-21MICELI, Sérgio. Sonhos da Periferia: Inteligência argentina e mecenato privado. 1ª ed. São Paulo: Todavia, 2018.).

É preciso chamar a atenção ainda, em sentido inverso, para o fato de que o movimento de despertar para as raízes culturais da nação se deu quando as principais cidades da América Latina já respiravam os ares cosmopolitas trazidos pelos imigrantes, pela escola primária pública, pelo bonde, pela exuberância das economias exportadoras. Nessas cidades, ampliavam-se os espaços dedicados à publicação, à circulação e à leitura de livros, jornais e revistas, em que se entrecruzavam os repertórios locais e universais.

Por fm, as vanguardas artísticas, criativas e inquietas, compartilharam com os cânones literários e filosóficos, clássicos ou modernos, o espaço das oficinas de imprensa e edição sit uadas em São Paulo, Buenos Aires e em Natal das primeiras décadas do novo século. De lá, afluíam para distintas partes, em busca dos mercados e públicos na América Latina, e para além dela (SOARES, 2017, p. 27-29SOARES, Gabriela Pellegrino. Escrita e edição em fronteiras permeáveis: mediadores culturais da nação e da modernidade na América Latina (Século XIX e primeiras décadas do XX). São Paulo: Intermeios: USP-Programa de Pós-Graduação em História Social, 2017.; OLIVEIRA, 2022, p. 228OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de. “Contribuir al ‘descubrimiento’ de inúmeros literatos brasileños cuya importante obra es aqui desconocida”: modernismo, vanguarda e mediações culturais nas cartas de Luis Emilio Soto a Luís da Câmara Cascudo (1923-1925). In: Revista Brasileira de História, vol. 42, nº 90, maio/ago, 2022, p. 211-231).

  • 4
    Não foi possível encontrar registro dessas correspondências no acervo do Ludovicus-Instituto Câmara Cascudo.
  • 5
    Em nota, Inojosa informou que Raul Bopp, embora não integrasse a “embaixada”, seguia no mesmo navio, despedindo-se de Recife, onde estudara (INOJOSA, 1968, v. 2, p. 28, n. 8).
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Os autores participaram conjuntamente das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo.
  • Este artigo integra o Dossiê 1922/2022: o século da Semana – balanços e perspectivas organizadores
    Francisco Cabral Alambert Junior, Marcos Antonio da Silva, Nelson Tomelin

Referências Bibliográficas Fontes

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikof e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2022
  • Aceito
    23 Set 2022
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