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POR UM VALE DO PARAÍBA INDÍGENA: CONFLITOS ÉTNICOS E A TRANSFORMAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS ÍNDIOS EM VALENÇA (1780-1835)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Analisamos as fontes dos seguintes acervos documentais: Arquivo da Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro (ACMARJ), Arquivo Nacional (AN), Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Biblioteca Nacional (BN) e do Centro de Documentação Histórica prof. Rogério da Silva Tjader de Valença (CDH/CESVA). Esta pesquisa contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sob o processo 2017/18127-8, quando da realização do mestrado junto à UNICAMP. Agradecemos aos profs. Ricardo Figueiredo Pirola, Jonis Freire, Larissa Moreira Viana e Maria Verónica Secreto Ferreras por lerem e comentarem versões anteriores deste artigo e pelo incentivo à publicação do mesmo.

AN INDIGENOUS PARAÍBA VALLEY: ETHNIC CONFLICTS AND THE TRANSFORMATION OF INDIGENOUS PROPERTY IN VALENÇA (1780-1835)

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a transformação do Vale do Paraíba a partir dos conflitos agrários e étnicos que envolveram os índios e os luso-brasileiros, na passagem do século XVIII ao XIX, em Valença (Rio de Janeiro). Balizada pela discussão da História Social da Propriedade, acreditamos que a reprodução do modo de vida indígena estava ligada a um exercício costumeiro de direitos de propriedade, a despeito dos índios não possuírem títulos que comprovassem o domínio sobre as terras. É preciso pluralizar a discussão sobre a propriedade na tentativa de reconstituir direitos à terra que foram desconstruídos. Em vista disso, analisaremos os conflitos que perpassaram a definição dos direitos de propriedade dos índios antes da formação da plantation cafeeira. Ao longo deste processo, percebemos que os conflitos agrários estavam atravessados por conflitos étnicos, nos quais denominações reivindicadas para si e atribuídas por outros revelavam mudanças em torno do acesso à terra.

Palavras-chave
Índios; Direitos de Propriedade; Conflitos Étnicos; Vale do Paraíba; Valença

Abstract

The main goal of this article is to analyze the transformation of the Vale do Paraíba from the agrarian and ethnic conflicts that involved the Indians and the colonial society, in the passage from the 18th to the 19th century, in Valença, Rio de Janeiro. Guided by the theoretical discussion on the Social History of Property, we believe that the reproduction of the indigenous way of life was also linked to a customary exercise of property rights, despite the fact that the Indians do not have formal titles that prove their dominion over the lands. It’s necessary to pluralize the discussion about land ownership and try to reconstitute property rights that have been deconstructed. In the meantime, we believe it’s necessary to analyze the conflicts over indigenous property rights before the formation of the coffee plantation. Throughout the process, we realized that agrarian conflicts were closely linked to ethnic conflicts, in which denominations claimed for themselves and attributed by others revealed changes around property rights.

Keywords
Indians; Property Rights; Ethnic Conflicts; Vale do Paraíba; Valença

Introdução

Antes da disseminação do café no Vale do Paraíba, os índios Coroados, Araris, Puris, entre outras nações indígenas, viviam Serra Acima e usufruíram das regiões florestais durante muito tempo. Praticavam atividades de coleta, pesca e cultivavam, principalmente, milhos (os quais comiam ainda verdes), mandiocas, inhames, bananas, batatas, dentre outros gêneros alimentícios. Atravessavam, sem grandes dificuldades, os Rios Paraíba, Paraibuna, Preto e Peixe e faziam uso dos recursos naturais encontrados nas duas bandas destes rios. Além disso, “caçavam macacos, criavam papagaios e tiravam a cera da terra” para comercializar com alguns luso-brasileiros que apareciam por ali, timidamente, em meados do Setecentos (LEMOS, p. 61-63). Os primeiros contatos entre eles e a sociedade luso-brasileira foram consequência da abertura do Caminho Novo para as Gerais no início do XVIII. No entanto, foi somente no final deste século que os conflitos envolvendo estas duas sociedades evidenciaram uma verdadeira disputa pela fronteira. Correrias indígenas foram disseminadas pelos sertões, no processo de expansão da fronteira luso-brasileira, depois da decadência da exploração aurífera nas minas (LEMOS, 2016, p. 44-45LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.).

Entre o final do século XVIII e o início do XIX, o Vale foi palco de grandes mudanças, principalmente no que tange à transformação espacial. A Serra Acima era cada vez mais transformada em fazendas e unidades de produção (SANCHES, 1989SANCHES, Marcos Guimarães. Sertão & Fazenda: a ocupação e transformação da Serra Fluminense entre 1750 e 1820. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.) para o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro, num movimento de integração do Centro-Sul (LENHARO, 1993LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1993.). A historiografia percebeu a formação de um mercado interno bastante dinâmico no final do período colonial que explicou a atualização do modo de produção escravista-colonial em zonas periféricas (FRAGOSO, 1998FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de Grossa Aventura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.). Este processo se deu a partir da conversão do capital comercial em atividades agrícolas, como a lavoura cafeeira trabalhada com mão-de-obra escrava e barata, por volta de 1820 a 1840 (FRAGOSO; FLORENTINO, 1993FRAGOSO, João Luís Ribeiro; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como Projeto: Mercado Atlântico, Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1840. Rio de Janeiro: Diadorim, 1993.; FLORENTINO, 2014FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras. São Paulo: EdUnesp, 2014.).

Contudo, esta transformação espacial não foi natural e esbarrou com as populações indígenas que viviam nos sertões. Os índios foram os primeiros agentes que demarcaram alguns limites para os projetos luso-brasileiros. Como Marcelo Lemos (2016, p. 202)LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. afirmou, o “índio não virou pó de café”, e é preciso resgatar a experiência histórica destes atores que retardaram a instalação da plantation cafeeira, com destaque para os índios Coroados assim reconhecidos, politicamente, nas fontes.

É necessário frisar que, antes dos códigos legislativos do século XIX que buscaram criar a noção de propriedade, diferentes atores sociais exerceram diversos direitos envolvendo o recurso da terra (CONGOST, 2007CONGOST, Rosa. Tierras, Leyes, Historia. Barcelona: Editora Crítica, 2007.; PEDROZA, 2016PEDROZA, Manoela da Silva. “Desafios para a História dos Direitos de Propriedade da Terra no Brasil”. In: Revista Em Perspectiva: v. 2, n. 1, 2016. ISSN: 2448-0789. Disponível em: <https://docs.wixstatic.com/ugd/87f0ad_ea2a782b71eb478dbb8e45ae6a50bb15.pdf>. Acesso em: 8 set. 2021.
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; 2020PEDROZA, Manoela da Silva. Por trás dos senhorios: senhores e camponeses em disputa por terras, corpos e almas na América portuguesa (1500-1759). Jundiaí: Paco Editorial, 2020.). Paolo Grossi (2007, p. 65; p. 97)GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. acreditou ser essencial redescobrir esta complexidade da dimensão coletiva no universo jurídico pesadamente sacrificada pelo projeto individualista liberal. O direito não pode ser “estrangulado em um rígido monismo” que aplasta o exercício (plural) de direitos de propriedade ao ser absolutizado o mito moderno da propriedade da terra, no singular. Logo, acreditamos que os índios também exerceram seus direitos de propriedade, mesmo antes da chegada dos sesmeiros naquela região e da formação da plantation cafeeira.

É preciso tomar cuidado, porém, com os processos de disputa em torno dos direitos de propriedade. Como Rosa Congost (2007, p. 17)CONGOST, Rosa. Tierras, Leyes, Historia. Barcelona: Editora Crítica, 2007. nos afirmou, a proteção de alguns direitos de propriedade significa, muitas vezes, a desproteção de outros. Nessa linha de interpretação, Manoela da Silva Pedroza explicou que,

A luta de classes que perpassa a disputa por direitos de propriedade envolve, sempre, criminalizações e derrotas morais para os perdedores ou para os que agem fora do script. Essa é uma visão comum a respeito, por exemplo, de escravos ladrões, de quilombolas assaltantes de estradas, de índios beberrões, de Jecas Tatus preguiçosos, do malandro capoeira, das ‘classes perigosas’ (...). Direitos imemoriais ou amplamente exercidos, quando foram desprotegidos pelo governo se tornaram crimes (PEDROZA, 2016, p. 25-26PEDROZA, Manoela da Silva. “Desafios para a História dos Direitos de Propriedade da Terra no Brasil”. In: Revista Em Perspectiva: v. 2, n. 1, 2016. ISSN: 2448-0789. Disponível em: <https://docs.wixstatic.com/ugd/87f0ad_ea2a782b71eb478dbb8e45ae6a50bb15.pdf>. Acesso em: 8 set. 2021.
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).

Por este motivo, acreditamos que devemos treinar nosso olhar a todo o momento para tentarmos apreender os diversos interesses e os diferentes direitos de propriedade3 3 Entendemos os direitos de propriedade assim como definem as autoras Manoela Pedroza e Juliana Tavares (2013, p. 242), a saber: “direitos de propriedade [são] aqueles que nos remetem ao campo da subsistência e da autonomia na gestão do tempo, do trabalho familiar e de seus frutos. Falamos, por exemplo, do direito a um fogo e uma casa; à criação de animais; a recursos naturais naquele tempo indispensáveis para a manutenção de uma família: a terra (para produção de alimentos), a caça, a lenha e a água. Entendemos cada um desses itens como direitos de propriedade, na medida em que regulam o acesso a meios de produção, a apropriação de seus frutos e a possibilidade de legá-los ou transferi-los. É mister reconhecer as influências de Edward Palmer Thompson e Rosa Congost nessa abordagem, já que encaramos como direitos não apenas o que sanciona a lei, mas também o que emana da tradição, do costume e do processo social, além do que é reivindicado por grupos sociais como direito, mesmo fora da lei ou em suas brechas.” em jogo numa determinada localidade, sem reproduzir preconceitos da época e que foram bastante atualizados até o dia de hoje, a saber: o mito do índio preguiçoso e a negativação do nomadismo e da mobilidade indígena. Em cada período histórico analisado, tentaremos interpretar como os índios buscaram se adaptar à situação de forma estratégica, visando defender seu direito à terra dentro das possibilidades do momento.

Afirmar que havia uma fronteira aberta e uma oferta elástica de terras a serem apropriadas pelos homens de grosso trato nestas zonas periféricas (FRAGOSO; FLORENTINO, 1993FRAGOSO, João Luís Ribeiro; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como Projeto: Mercado Atlântico, Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1840. Rio de Janeiro: Diadorim, 1993.; FRAGOSO, 2013FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Barões do Café e sistema agrário escravista. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.) é fazer tábua rasa da resistência dos índios e perpetuar a negligência da historiografia para com estas sociedades. Em vista disso, procuraremos reconstituir aquilo que denominamos, de maneira provocativa, de propriedade indígena. Foi justamente a existência desta propriedade que dificultou os planos da Coroa interessada em colonizar aquela região para abrir a fronteira para os luso-brasileiros (MACHADO, 2012MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.).

Proporemos um exercício de “pluralização proprietária” que, para Grossi (2006)GROSSI, Paolo. História da Propriedade e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006., se trataria também de um exercício de historicização da noção de propriedade na história da humanidade. Ao recuperarmos o devir das coisas, numa espécie de “libertária instância relativizadora”, conseguiríamos extrair outros direitos de propriedade, já que uma refinada ideologia projetou o singular – a “propriedade” – no “pináculo mais alto de um templo sacro.” (GROSSI, 2006, p. 5-6GROSSI, Paolo. História da Propriedade e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.). O dever do historiador, para ele, é o de assumir a descontinuidade: historicizar a propriedade na história, acrescentando que aquilo que nos parece natural é, todavia, historicamente relativo. Não devemos projetar, indiscrimidamente, a resposta moderna ao problema do pertencimento no seio de outras experiências históricas. A propriedade privada da terra foi fruto de uma transformação de um tempo e de um espaço bem demarcados, resultado de uma sagaz estratégia da classe burguesa que individualizou as regras jurídicas a uma ordem de juristas empenhada em fixar a ideia abstrata que se tornou absoluta (GROSSI, 1986GROSSI, Paolo. Historia del derecho de propriedad. Barcelona: Ariel, 1986.; 2006, p. 56; p. 91-92GROSSI, Paolo. História da Propriedade e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.; 2007GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.).

Para escapar desta ficção jurídica que tentou solucionar as relações de pertencimento entre a coisa (a terra) e o homem, congelada nos códigos legislativos liberais do século XIX, e que foi sacralizada e propagandeada em nossas mentes há mais de duzentos anos, Rosa Congost (2007)CONGOST, Rosa. Tierras, Leyes, Historia. Barcelona: Editora Crítica, 2007. propôs uma inversão analítica: é necessário deslocar o nosso olhar daquela “propriedade-metáfora”, isto é, daquela propriedade como ideia abstrata, projetada pelos liberais, e compreender a “propriedade-realidade histórica”. Até porque a mutabilidade da realidade social interfere nas relações sociais de propriedade, para além dos princípios legais e dos marcos institucionais que estariam referendando a noção de uma propriedade “liberal, absoluta e perfeita” (CONGOST, 2014CONGOST, Rosa. Por que ainda é necessário que nós historiadores tratemos da propriedade da terra? In: GARCIA, Graciela Bonassa; RIBEIRO, Vanderlei Vazelesk. Vozes da Terra: proprietários rurais, camponeses e burocratas na América Latina. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014, p. 13-28.).

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é resgatar esta mudança socioespacial na Serra fluminense, entre o final do século XVIII e inícios do século XIX, a partir do processo de disputa e transformação da propriedade dos índios que lá habitavam. Estes conflitos agrários, no entanto, estavam atravessados por conflitos étnicos, nos quais denominações reivindicadas para si e/ou atribuídas por outros revelavam modificações em torno dos direitos de propriedade indígenas. Em vista disso, novas distinções étnicas criadas no contato com outros grupos sociais podem revelar também mudanças no próprio modo de vida e, em especial, alterações no que tange ao direito à terra (BARTH, 2000BARTH, Frederik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.; BOCCARA, 2000BOCCARA, Guillaume. Mundos Nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo: relectura de los procesos coloniales de etnogénesis, etnificación y mestizaje em tiempos de globalización. In: Mundo Nuevo, Nuevos Mundos, Paris, 2000. Disponível em: <http://journals.openedition.org/nuevomundo/426>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426.
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).

Trabalharemos com três momentos históricos que demarcaram transformações desta propriedade indígena. O primeiro se refere às décadas de 1780 a 1800, nas quais analisaremos as correrias indígenas em diversos pontos da serra fluminense, avolumadas com o avanço luso-brasileiro na região mais ao Sul do Caminho Novo. O segundo momento, entre 1801 a 1823, se refere aos anos de existência do aldeamento de Nossa Senhora da Glória de Valença. Por fim, o período entre 1823 a 1835, aos anos em que foi extinto o aldeamento de Valença, elevado, por sua vez, à categoria de Vila.

Correrias nos sertões (1780-1800): os “índios posseiros” e a defesa da propriedade indígena

Logo que nos avistaram, escapuliram rápidos pelo mato, desaparecendo de nossa vista.

Spix & Martius. Viagem pelo Brasil (1817-1820)

No final do Setecentos, a região do Médio Paraíba presenciou uma constante agitação. Os conflitos se localizavam na Serra fluminense, mais conhecida nas fontes como o “sertão dos índios bravios”, envolvendo as Capitanias de São Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Segundo Marcelo Lemos (2016, p. 52)LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016., a agitação revelava uma disputa de fronteiras entre duas sociedades: “uma de extrema mobilidade cotidiana, das sociedades indígenas, e outra de caráter mais sedentário, dos luso-brasileiros”. Circunscrevendo esta mobilidade à Capitania do Rio de Janeiro, identificamos que os Coroados e Puris viviam numa região que se estendia do atual município de Resende até Cantagalo, onde transitavam entre os rios Paraíba e Preto e seus afluentes. Era a região conhecida como Paraíba Nova (OLIVEIRA, 2015, p. 159-175OLIVEIRA, Enio Sebastião Cardoso de. O paradigma da extinção: desaparecimento dos índios Puris em Campo Alegre, sul do Vale do Paraíba. In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo (Org.). O Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da Segunda Escravidão. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015, p. 159-175.; LEMOS, 2016LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.).

Figura 1
Região da Paraíba Nova e áreas adjacentes

No início do século XVIII, o Caminho Novo para as Gerais foi aberto e uma nova região colonial foi formada. Os primeiros povoadores deste caminho praticavam uma policultura e se dedicavam à criação de animais – os currais – para “atender as necessidades daqueles que tinham nas minas seus objetivos pretendidos” (POLLIG, 2012, p. 141POLLIG, João Victor Diniz Coutinho. Apropriação de Terras no Caminho Novo. Dissertação (Mestrado em História). Centro de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.; CARRARA, 2007CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais. Juiz de Fora: EdUFJF, 2007.). Mas é interessante pontuar que o povoamento luso-brasileiro era bastante tímido até a segunda metade do século XVIII.

De acordo com Pizarro, podemos notar que as investidas indígenas foram expressivas a ponto de os colonos brancos abandonarem determinados lugares, “talvez assaltados e maltratados pelos mesmos índios, como costumam fazer ainda em alguns lugares”. Segundo ele, o despovoamento de algumas áreas seria decorrente da “moriçada indiada toda, [que] em tal modo se rebelou, que até hoje não tem sido possível angariar e sujeitar aquela nação, que se dividiu em diversos ramos por todo aquele continente.”4 4 ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 01 (Monsenhor Pizarro, 1794-1795), p. 62v-71, p. 106-109.

Neste sentido, é importante ressaltar que na primeira metade do Setecentos, não existia uma noção de fronteira aberta, pois “nem todas as terras estavam à disposição do colono” (FARIA, 1988, p. 122FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.). A ocupação era gradativa e “resultante do medo que as surpresas do sertão desconhecido causavam nos indivíduos” (POLLIG, 2012, p. 149POLLIG, João Victor Diniz Coutinho. Apropriação de Terras no Caminho Novo. Dissertação (Mestrado em História). Centro de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.). Não foi à toa que as “correrias”5 5 Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa de autoria de Antonio de Moraes Silva (1890, p. 550), “correria” se define como “assaltada repentida de inimigos, que vão correr a terra. É mais a ligeira, aforrada, e rápida, que a entrada de exército. Corredura.” , termo utilizado para denominar os confrontos com os índios, foram eficazes a ponto de estabelecer o limite do avanço luso-brasileiro. Por este motivo, Sanches (1989)SANCHES, Marcos Guimarães. Sertão & Fazenda: a ocupação e transformação da Serra Fluminense entre 1750 e 1820. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989. denominou a primeira fase da Serra Acima de “região de comunicação” ou “economia de passagem”, caracterizada por uma ocupação de pousio de alguns tropeiros até 1760.

As áreas do Caminho Novo configuraram-se numa zona de passagem que, como qualquer outra, deveria ser fiscalizada para não ocorrer extravio do ouro. Qualquer indivíduo que estabelecesse “fazendas proibidas”, localizadas em áreas também “proibidas”, sofreriam penas pela Coroa.6 6 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 952, v. 44, p. 255-257v. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.952, v. 44. Assunto: Alvarás expedidos e Códice 97, v. 1, p. 115-120. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807). Segundo Marina Machado (2012, p. 66-79)MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012., os agentes do governo português lidaram com este território como “terras de ninguém”, mas contraditoriamente habitadas por índios não civilizados. Percebe-se que havia um interesse em manter os “sertões dos índios bravios” como “terras proibidas”; os índios serviam como barreira humana por conta da ameaça que representavam, auxiliando o controle régio para diminuir as atividades de contrabando (MACHADO, 2012, p. 66-79MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.).

Portanto, a fronteira se encontrava fechada até, aproximadamente, 1780, por dois motivos: de um lado, a presença maciça de índios que respondiam com investidas ao longo do Caminho Novo; de outro, a própria política da Coroa, que instrumentalizava os termos “sertão dos índios bravios” e “terras proibidas” como estratégia de controle para que os colonos não extraviassem o ouro das minas. Entretanto, no final do Setecentos, esta região foi, aos poucos, transformada em uma região de produção, centrada nas atividades agrícola e pecuária, para abastecer a cidade do Rio, com o refluxo da atividade mineradora (SANCHES, 1989, p. 104-105SANCHES, Marcos Guimarães. Sertão & Fazenda: a ocupação e transformação da Serra Fluminense entre 1750 e 1820. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.; POLLIG, 2012POLLIG, João Victor Diniz Coutinho. Apropriação de Terras no Caminho Novo. Dissertação (Mestrado em História). Centro de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.). Esta nova dinâmica revelou uma disputa na fronteira, na qual as duas sociedades, a indígena e a luso-brasileira, enfrentaram-se. No final da década de 1780, as correrias indígenas aumentaram em concomitância com a descida de colonos para a região da Paraíba Nova. Em suas incursões, os Coroados traziam aos habitantes daqueles lugares prejuízos a suas lavouras, que “começavam a desamparar, desalentados de poderem pôr termo a uma guerra de extermínio.” (SILVA, 1854, p. 250SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). A situação saiu do controle a ponto do próprio Vice-Rei avaliar que

foi necessário praticar-se outra diferente providência pelas irrupções que faziam n’aqueles distritos, assolando as fazendas circunvizinhas, furtando os seus efeitos, apresentando-se armados em figura de guerra, atacando e matando a todos os que lhe caíam infelizmente nas mãos, de modo que a maior parte dos fazendeiros que tinham os seus estabelecimentos do lado setentrional do rio, os abandonaram inteiramente, por não serem as suas forças capazes de lhes fazer a menor resistência, abrindo com este terror um seguro passo para os índios passarem ao lado oposto, em que foram continuando as suas hostilidades (SOUZA, 1842, p. 36-37SOUZA, Luiz de Vasconcellos e. Ofício do Vice-Rei Luiz de Vasconcellos e Souza.... In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 4, n. 3, 1842.).

Os índios resistiram ao avanço dos colonos intensificando suas incursões nas fazendas. Por isso, as autoridades luso-brasileiras intentaram, de todas as formas, realizar um cerco aos Coroados, em tentativas de confinar seu espaço de mobilidade (LEMOS, 2016, p. 50LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Segundo Sanches (1997, p. 180)SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e Negócio: regimes de propriedade e estruturas fundiárias no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997., tratou-se de “um novo padrão que denominamos (...) de ‘confinamento fronteiriço’, isto é, a reunião dos grupos indígenas em aldeamentos situados na fronteira da exploração econômica colonial numa espécie de limpeza de terreno.” Apesar disso, identificamos que em Campo Alegre (atual município de Resende), o “gentio brabo” fez três incursões consecutivas nas fazendas na década de 1790. Na fazenda do capitão Mathias da Silva de Carvalho, os índios tinham “feito uma grande destruição nos seus gados, e agora aonde flecharam um soldado que fica a morte”, e cercaram o proprietário em sua própria casa nas três vezes em que atacaram.7 7 BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 45, n. 4. “Ofício do capitão comandante Henrique Vicente Lousada Magalhães ao Conde de Resende, narrando as hostilidades do gentio do Rio Paraíba. Campo Alegre, 19 de janeiro de 1798”. Além disso, os índios avançavam a todo o momento para a Capitania de São Paulo, tanto que foi nomeado um capitão que estava fazendo estradas na região para afugentá-los, sem grande sucesso, em 1798. Para completar este insucesso, foi formado o aldeamento de São Luiz Beltrão8 8 Segundo Enio Sebastião Cardoso de Oliveira (2015, p. 164-172), a intensificação dos conflitos entre os Puris e os colonizadores “ocasionou a fundação do aldeamento de São Luis Beltrão na localidade de Campo Alegre, capitania do Rio de Janeiro. A intenção era reduzir os índios e controlar as etnias que habitavam as proximidades da freguesia, principalmente os Puris, além dos Coroados, estes bem menos numerosos naquela extensão região.” A formação deste aldeamento foi, logo, uma tentativa de “‘amansar os índios’, tomar posse da terra e efetivar a presença portuguesa na região”, segundo palavras do autor. , mas não foi possível constringir a mobilidade indígena em Campo Alegre em vista de seu completo fracasso (ARAÚJO, 1945-1948, v. V, p. 39-40ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945-1948.).

Na região de Sacra Família do Tinguá (atual município de Vassouras) não foi diferente. Pizarro identificou que a povoação foi diminuída a 104 fogos e 607 pessoas em 1795, pois a frequente invasão do “gentio que anualmente acomete aquele território tem feito desertar muitas fazendas (...) e conserva em mato todo aquele terreno deixado.”9 9 ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 01 (Monsenhor Pizarro, 1794-1795), p. 101v-105v. A providência do Vice-Rei para esta região consistiu em nomear, em 1788, o alferes de Ordenanças Ignácio de Souza Werneck, para abater os corredores em suas próprias tribos, sendo inclusive concedido pelo Estado o armamento necessário para tal tarefa.10 10 AN: Fundo PY – Família Werneck, p. PY 2,1 e PY 11,1. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos) e Correspondência com diferentes autoridades.

Mas o mero confronto não estava surtindo o efeito desejado: outra estratégia deveria ser acionada pelos luso-brasileiros se quisessem “abrir a fronteira” (MACHADO, 2012MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.). A despeito da represália do Estado contra os indígenas, estes povos continuavam atacando. Segundo Yuko Miki (2018, p. 80-81)MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018., enquanto os europeus acreditavam que os índios “errantes” não tinham uma noção definida de propriedade da terra, em vista da grande quantidade de matas virgens que eles “infestavam”, a autora identificou o discurso de um missionário que reconheceu a importância do território para eles ao reclamar que os “selvagens se consideram os únicos proprietários e senhores absolutos da terra.” Isto é, eles não deixavam ninguém ocupar suas terras, e guerreiavam contra aqueles que tentassem escravizá-los e/ou expulsá-los. Estudando o caso dos índios botocudos nas fronteiras capixabas, mineiras e baianas, Miki concluiu que as investidas indígenas eram acionadas por várias razões.

os ataques violentos contra os colonos se basearam em uma lógica interna de uma sociedade indígena, que pode ser discernida muitas vezes apenas vagamente nas fontes. Em um determinado momento histórico, as motivações indígenas podem ser influenciadas pela cosmologia e profecia nativas, doenças epidêmicas, reivindicações de chefes concorrentes e grupos ordenados por parentesco, vingança, a busca por comida ou, em vários graus, a experiência histórica de séculos de confrontos violentos com portugueses. Portanto, é importante considerar (...) o significado multifacetado dos ataques dos Botocudos às propriedades dos colonos. Roubar safras e gado aumentariam sua base de subsistência, enquanto a destruição de matas geraria prejuízo econômico, a exemplo dos ataques praticados por quilombolas. No entanto, às vezes os atos eram mais simbólicos. Bieber sugeriu que o botocudo praticava uma rejeição cultural à agricultura. Um exemplo sugere a possibilidade de que os botocudos mataram o gado para vingar mortes que foram ocasionadas por doenças que eles atribuíram à má vontade dos colonos que empregavam trabalhadores indígenas.” (MIKI, 2018, p. 81-82MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.).

Mas quais seriam as principais características desta propriedade indígena tendo em vista os conflitos com os colonos que tentaram se embrenhar pelas matas dos Coroados? Uma pista pode ser identificada na correspondência de João Pacheco Lourenço e Castro, em 1797, com o Conde de Resende:

Meu senhor, os gentios que moram nas vizinhanças deste registro são os Coroados e Puris os quais são tão selvagens que não conhecem subordinação alguma: andam nus e só usam de um pequeno tecido de fio de guaxima que mal tapam as suas partes, pintam todos o corpo com uma fruta chamada orvéu: (...) as armas que usam é arco e flecha e porretes. Suposto me informem que eles plantam milho, batatas e bananas; contudo devo dizer a vossa excelência que são uns vagabundos, pois não tem moradia certa porque desde os fundos da serra do Werneck até a Mantiqueira, trazem cruzados todos os matos de forma que os fazendeiros que moram nesta distância para usarem das suas plantações trazem vigias armados e, não obstante, isto são continuados os roubos e mortes que fazem (...); deixaram lugares despovoados. (...), fiz toda a diligência para os encontrar e não foi possível pela celeridade com que se retiraram, e na distância de uma légua rio acima, encontrou-se o lugar donde eles se ajuntaram para a retirada e pelo pasto que fizeram passavam de duzentos (...). Os Rios Paraíba, Paraibuna, Preto e do Peixe os não embaraçam para irem onde eles querem, porque fazem uma amarra de cipós, a qual prendem de uma e outra parte do Rio e passam todos agarrados a mesma amarra.11 11 BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 45, n. 1. “Ofício de João Pacheco Lourenço e Castro ao Conde de Resende, informando sobre os produtos da indústria indígena. Registro da Paraibuna, 12 de agosto de 1797”.

Tal descrição é bastante elucidativa para compreendermos a propriedade indígena. Como podemos identificar no relato, o termo “vagabundo” aparece justamente quando João Pacheco afirma que os nativos “trazem cruzados todos os matos” por não terem uma moradia fixa. A despeito do termo pejorativo, há aqui o reconhecimento dos atos possessórios destes indígenas12 12 Segundo Mariana Armond Dias Paes (2018), a posse era uma categoria jurídica que foi bastante mobilizada na prática e no uso do direito comum no Brasil colonial e imperial. Segundo ela, “o exercício da posse poderia gerar tanto a proteção judicial da situação possessória quanto a aquisição do domínio por prescrição. Para gerar reconhecimento e proteção judicial, era necessário que o possuidor demonstrasse que a posse era exercida de maneira pública e pacífica, ou seja, sem contestação. No caso das coisas materiais, a prova da posse se dava pela comprovação do exercício de direitos sobre a coisa.” (PAES, 2018, p. 26). Por outro lado, em sua investigação, a autora concluiu que “é possível identificar que determinadas populações indígenas foram excluídas do acesso à terra, no Brasil, por meio da não identificação de sua ocupação como atos possessórios válidos e passíveis de reconhecimento judicial. Ou seja, por vezes, não era a propriedade individual que estava em contraposição com as relações que os grupos indígenas estabeleciam com a terra. Por muito tempo, foi a interpretação dada a institutos do direito comum, no Brasil, que atuou na exclusão dos indígenas. Ainda é necessário avançar as investigações sobre esse tema, mas é provável que esse mecanismo de exclusão, pelo não reconhecimento jurídico da posse, fosse seletivo, ou seja, fosse direcionado apenas a alguns grupos indígenas, tidos como ‘selvagens’, ‘bravios’, como, por exemplo, os chamados ‘bugres’.” (PAES, 2018, p. 47). O problema da posse das terras indígenas segue sendo uma questão espinhosa mesmo no Brasil republicano e contemporâneo, visto que, como Andressa Lewandowski (2019) nos expressa, “diferentemente da posse civil, a posse indígena (...) não consolida uma situação de fato – a ocupação e o domínio – em uma situação de direito, já que, ao contrário, a situação teria sempre sido de direito. Não se pode adquirir por meio da lei aquilo que já era tido como seu (...). O que a lei faz é ‘simplesmente’ reconhecer a ‘nossa terra’, as terras das comunidades, seus vínculos tradicionais que se atualizam em determinados lugares. A propriedade das terras tradicionalmente ocupadas não pertence aos índios, mas à União, ou seja, ao Estado, responsável por proteger o usufruto exclusivo das comunidades, sua imprescritibilidade e inalienabilidade, seu direito à posse permanente – posse aqui como aquilo que a lei deve garantir e não como critério de reconhecimento.” (LEWANDOWSKI, 2019, p. 240-241). Neste caso, a autora acredita que os fundamentos das relações de propriedade formais e construídas pelo Estado brasileiro a partir da Constituição de 1988 se tornam um “esquadro pouco operacional” para pensar as relações que os índios continuam mantendo com a terra e com o seu território. – com a devida comprovação da ocupação produtiva e da moradia habitual (MOTTA, 2009MOTTA, Márcia Maria Menendes. O Direito à Terra no Brasil. São Paulo: Editora Alameda, 2009.). Tratavam-se de “índios posseiros” que não ficaram alheios “ao processo de apossamento de terras e tampouco às consequências da intensificação da colonização” nos séculos XVIII e XIX (SILVA, 2018, p. 41SILVA, Ayalla Oliveira. Protagonismo indígena no Sul da Bahia: Terra, regime de apossamento e os ‘índios posseiros’ em Una, 1854. In: Especiaria, v. 18, n. 33, 2018. ISSN: 1517-5081. Disponível em: <https://periodicos.uesc.br/index.php/especiaria/article/view/2578>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: https://doi.org/10.36113/especiaria.v18i33.2578.
https://periodicos.uesc.br/index.php/esp...
; 2020SILVA, Ayalla Oliveira. Camacãs, Pataxós e Botocudos no sul da Bahia: indigenismo, colonização e etnopolítica (1850-1879). Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2020.). Neste caso, a reprodução do modo de vida destes “índios posseiros” nos matos era uma marca definitiva da propriedade indígena: representava o seu largo espaço de mobilidade nas florestas para caçar, plantar, cultivar e se “ajuntarem” no Rio Paraíba. O apossamento das terras indígenas abarcava até mesmo o curso deste rio, que representava outra marca definitiva da propriedade indígena.

Figura 2
“Floresta Virgem nas Margens do Rio Paraíba do Sul” de Jean-Baptiste Debret (1835)

Os “índios posseiros” tinham uma consciência costumeira dos seus direitos de propriedade (a mobilidade nas matas), mas também ativavam um aspecto rebelde desta consciência (correrias indígenas), quando se tratava de defender seu modo de vida. Nesses termos, a propriedade indígena no final do Setecentos era caracterizada por estes dois aspectos: os direitos de propriedade eram balizados pelo apossamento costumeiro das matas e pela rebeldia de defendê-las quando os luso-brasileiros avançavam em seu território (THOMPSON, 1988, p. 83-84THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.). Logo, a correria deve ser entendida como uma estratégia proprietária defensiva dos direitos à terra acionada pelos “índios posseiros”, que interpretavam as matas como sendo de seu domínio, atestado pelo costume coletivo de apossamento e pelo tempo imemorial de reprodução do seu modo de vida (THOMPSON, 1998, p. 86-149).

Dentro dessa perspectiva, é preciso frisar que a instalação de fazendeiros não foi nada tranquila. Ora fazendo correrias, ora recuando para a floresta, estes “índios posseiros” resistiram a todo o momento. Por isso, não podemos coadunar com a tese da fronteira aberta, visto que a terra não estava livre para os colonos. Isto seria uma negligência para com as sociedades indígenas e seus direitos de propriedade (MACHADO, 2012MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.; LEMOS, 2016LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.; ALVARENGA, 2019ALVARENGA, Felipe de Melo. De Terras Indígenas à Princesa da Serra Fluminense: o processo de realização da propriedade cafeeira em Valença (Província do Rio de Janeiro, Século XIX). Jundiaí: Paco Editorial, 2019.). A leitura a contrapelo das fontes é necessária para problematizar visões historiográficas tradicionais que interpretaram o nomadismo dos índios como vagabundagem, crime e invasão (VARNHAGEN, 1975, p. 24-29VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. Tomo I. Brasília: INL, 1975.), o que serviu para a própria desproteção dos seus direitos à terra.

O aldeamento de Valença (1801-1823): a terra coletiva dos “índios aldeados”

A historiografia reconheceu a importância da fazenda Pau-Grande e da ação mediadora de José Rodrigues da Cruz como significativas para a virada do quadro de disputas na fronteira (MACHADO, 2012MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.; LEMOS, 2016LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Neste contexto, o personagem José Rodrigues da Cruz se destacou como “o único homem que conserva aliança” com os índios Coroados, “aonde eles têm saído muitas vezes sempre de paz”.13 13 BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 45, n. 1. “Ofício de João Pacheco Lourenço e Castro ao Conde de Resende, informando sobre os produtos da indústria indígena. Registro da Paraibuna, 12 de agosto de 1797”. Ele foi um dos administradores da fazenda Pau-Grande junto com seu irmão Antônio Ribeiro de Avellar e seu cunhado Antônio dos Santos. José Rodrigues da Cruz “promoveu um alargamento dos limites territoriais da sesmaria e investiu nas produções de gêneros alimentícios para abastecimento interno e de cana-de-açúcar para exportação” (MUAZE, 2008, p. 76-77MUAZE, Mariana. As Memórias da Viscondessa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.). Contudo, decidiu vender sua parte da fazenda ao sobrinho Luis Gomes Ribeiro em 1797.14 14 AN: Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941. Isto porque levantou outra fábrica de açúcar – a fazenda Ubá – “que daqui há poucos anos será mais interessante do que a outra do Pau-Grande, que principiei em 1780”, justamente para proceder “na civilização dos índios (...) os quais desde o ano de 1790 principiaram a ter comigo e continuaram até ao presente uma pacífica e amigável correspondência”.15 15 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 97, v. 1, p. 126-127. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807).

José Rodrigues da Cruz acreditava que os índios Coroados não eram “desumanos e intratáveis”. Antes de 1790, no seu primeiro encontro com os índios, eles “fizeram alguns roubos e assassinatos, mas parece que eles não foram os primeiros agressores.” Até porque eram “as fazendas luso-brasileiras [que] estavam invadindo o seu território de caça e não eles que invadiam as fazendas” (LEMOS, 2016, p. 114LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Em vista disso, José Rodrigues da Cruz decidiu ir com calma. Como já estava assentado em um lugar pertencente aos “índios posseiros”, buscou “conhecê-los e tratá-los para ver se os podia pacificar”, ordenando que caso viessem a sua fazenda “os recebessem como amigos, dando-lhes de graça todo o mantimento que pedissem”.16 16 Idem.

Ao não apresentar armas no seu trato com os indígenas, José Rodrigues da Cruz conseguiu, aos poucos, o respeito deles, espertamente repartindo “por eles todos os dias o produto de suas lavouras para seu sustento além das ferramentas mais necessárias a seus rústicos trabalhos” (SILVA, 1864, p. 250). Numa dessas visitas a sua residência, o fazendeiro relatou que,

lhes mandei dar mantimentos e ferramentas que são as causas que eles mais estimam: e para lhes tirar todo o motivo de suspeita e desconfiança fiz aparecer ali toda a minha família. Eles se portaram com sinais de respeito e gratidão, oferecendo aos meus meninos os papagaios que traziam. Antes de se ausentarem eu lhes persuadi, como pude, que estimaria, que tornassem muitas vezes a minha fazenda, e que achariam sempre em mim o mesmo agasalho: eles assim o prometeram fazer.17 17 Ibidem.

Nesta passagem, percebemos que os índios não responderam com correrias defensivas, pois estavam usufruindo dos “mantimentos e ferramentas” que estavam conseguindo com o fazendeiro. Estas relações de troca foram essenciais para que os indígenas suprissem a falta de alguns instrumentos de caça e coleta. É interessante apontar como os presentes eram importantes estratégias nas negociações com os grupos indígenas para selar pactos e alianças no mundo colonial. Eram exatamente estes pequenos circuitos de comércio, que se entrelaçavam com a política e com a dádiva, que eram decisivos na formação de novos espaços e domínios coloniais (MONTEIRO, 1994MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.; FRANÇOZO, 2014FRANÇOZO, Mariana de Campos. De Olinda a Holanda. Campinas: Editora da Unicamp, 2014.).

A oferta de gêneros por parte dos índios, no entanto, não deveria ser compreendida como uma simples resposta econômica a uma situação de mercado: tanto a aquisição quanto a oferta de utensílios “devem ser compreendidas mais em termos de sua carga simbólica do que por seu significado comercial.” (MONTEIRO, 1994, p. 32MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.). Para John Monteiro, o escambo ganhava sentido para os indígenas apenas na medida em que ele se remetia à dinâmica interna de suas comunidades. De outro modo, os europeus interpretavam estas relações de troca como ocasiões importantes para estabelecerem alianças com os índios. Estes, por sua vez, aceitaram e até promoveram semelhantes relações “desde que elas contribuíssem para a realização de finalidades tradicionais.” (MONTEIRO, 1994, p. 32MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.). De qualquer modo, já cultivando uma aliança local com os nativos, José Rodrigues da Cruz começou a estreitar seus laços com o governo luso-brasileiro: várias correspondências foram trocadas na virada do século XVIII para o século XIX e a ideia de “civilizar” aquelas populações já se mostrava na ordem do dia.18 18 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 67, v. 23, p. 168. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.67, v. 23. Assunto: Correspondência entre D. Rodrigo de Souza Coutinho e José Rodrigues da Cruz em 22 de outubro de 1798. Uma opção foi a construção do aldeamento de Nossa Senhora da Glória em Valença no ano de 1801.

A rejeição dos “índios posseiros” nos primeiros anos do aldeamento (1801-1813)

O interior da Capitania do Rio de Janeiro foi palco de um processo complexo e singular na virada do século XVIII e início do século XIX. Assistiu-se à apropriação de terras nos aldeamentos coloniais antigos (caso de Itaguaí e Mangaratiba), ao mesmo tempo em que se fundavam novos “aldeamentos tardios” para fins de pacificação (caso de Valença). Estes aldeamentos surgiam em concomitância com as “guerras justas” contra tribos que dificultavam a colonização e não aceitavam o descimento (caso dos índios Botocudos). Ou seja, era entre a brandura e a violência que se desenrolava a política indigenista do século XIX (ALVEAL, 2002ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. História e Direito: Sesmarias e Conflito de Terras entre Índios em Freguesias Extramuros do Rio de Janeiro (Século XVIII). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.; AMADO, 2015AMADO, Luiz Henrique Eloy. Terra indígena e legislação indigenista no Brasil. In: Cadernos de Estudos Culturais, v. 7, n. 3, 2015. ISSN: 1984-7785. Disponível em: <https://desafioonline.ufms.br/index.php/cadec/article/view/3411>. Acesso em: 8 set. 2021.
https://desafioonline.ufms.br/index.php/...
; CUNHA, 2012CUNHA, Manuela Carneiro. Índios no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012.; SAMPAIO, 2012SAMPAIO, Patrícia. Espelhos Partidos. Manaus: Editora da UFAM, 2012.; SILVA, 2017SILVA, Ayalla Oliveira. Ordem Imperial e Aldeamento Indígena. Ilhéus: EdUESC, 2017.; ALMEIDA, 2008aALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios e mestiços no Rio de Janeiro: significados plurais e cambiantes (séculos XVIII-XIX). In: Revista Memoria Americana, vol. 16, n. 1, 2008a. ISSN: 1851-3751. Disponível em: <http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1851-37512008000100002>. Acesso em: 8 set. 2021.
http://www.scielo.org.ar/scielo.php?scri...
; 2013ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A Aldeia de Itaguaí: das origens à extinção (séculos XVII-XIX). In: AMANTINO, Marcia; ENGEMANN, Carlos (Org). Santa Cruz: de legado dos jesuítas a pérola da Coroa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.).

Figura 3
Aldeamentos da Capitania/Província do Rio de Janeiro no século XIX

Em nossa visão, o aldeamento de Valença foi criado como estratégia para a territorialização dos direitos de propriedade dos “índios posseiros” (OLIVEIRA, 1998OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Revista Mana, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 1998.). Foi uma tentativa de transformar seus antigos direitos de propriedade e restringir a mobilidade daqueles que sempre tiveram nos matos a sua liberdade de roçar e pescar. Em vista disso, a territorialização imposta na criação do aldeamento assumiu um caráter de restrição da propriedade indígena. Foi promovida uma territorialização “no sentido de controle do acesso a uma área geográfica e de classificação das pessoas conforme seu lugar de nascimento” e de assentamento. Esse ordenamento social e físico-espacial que se impõe buscaria converter em forma hegemônica as novas relações sociais, tornando “invisíveis e deslegitimando várias das distintas formas de territorialidade costumeiramente constituídas”. Estas, por sua vez, eram “pautadas por práticas consuetudinárias que incorporam dimensões simbólicas e identitárias e cujas expressões não se encontram em leis ou títulos, mas na memória coletiva que confere profundidade temporal ao território.” (PIETRAFESA DE GODOI, 2014, p. 11PIETRAFESA DE GODOI, Emília. Territorialidade: trajetória e usos do conceito. In: Raízes, v. 34, n. 2, p. 8-16, 2014.).

Esta estratégia luso-brasileira também foi acompanhada por novas denominações étnicas. No aldeamento, não mais existiam “índios posseiros”, pois

o aldeamento de Valença é um aldeamento luso-brasileiro, construído dentro da espacialidade luso-brasileira, isto é, a sua concepção espacial não leva em conta os interesses indígenas e, portanto, é um espaço que eles rejeitam e resistem em assumi-lo como seu e aqui está a chave para o entendimento do discurso que não há índios em Valença. Quase não há índios morando na aldeia de Valença, porque eles moram nas suas aldeias, espalhadas por toda a região do Médio Paraíba. Aderir à Aldeia de Valença significava, praticamente, renunciar ao seu modo de vida, isto é, renunciar a sua etnicidade anterior (LEMOS, 2016, p. 126-127LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.).

Por conseguinte, os primeiros anos do aldeamento em Valença foram anos de rejeição indígena, visto que o novo espaço restringia seus direitos à extensa mata daqueles sertões. E esta rejeição pode ser constatada pelos relatos do próprio José Rodrigues da Cruz. Ele teve dificuldades para o descimento dos índios quando pediu licença a Sua Majestade para “ter no rio Paraíba uma canoa para passar além do dito rio (...) a ir tratar com os ditos índios nas suas próprias aldeias e alijamentos.”19 19 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 97, v. 1, p. 126-127. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807). Isto é, nem todos os índios concordaram em frequentar à Pau-Grande. Nos anos posteriores, ele expressava a contínua exaustão “com dispêndios desde onze anos” quando decidiu iniciar a relação com os índios. Sua fazenda sofreu uma terrível epidemia de bexigas e “tem deixado de promover a sua lavoura” para dar conta da empreitada que se envolveu. Tanto que ele pediu auxílio material da Corte em 18 de abril de 1801, pedindo diversos objetos para “aldear e domesticar os índios” (SILVA, 1854, p. 508-510SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.).

José Rodrigues da Cruz também contou com o apoio pessoal do Capitão de Ordenanças Ignácio de Souza Werneck, que deveria prestar todo o auxílio ao serviço de civilização dos índios, com foco para dar “princípio a abertura de caminhos” naqueles sertões20 20 AN: Fundo PY – Família Werneck (Digitalizado), p. PY 2,1-PY 9,12. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos) e BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 343, 6, n. 1-7. “Ignácio de Souza Werneck, Sargento-mor de Ordenanças Reformado, padre em Minas Gerais (1808-1812)”. , e da pregação religiosa21 21 AN: Fundo 4B – Junta da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro. Códice 206, v. 1, p. 2v-3. Notação: BR.AN,RIO.4B.COD.0.206, v. 1. Assunto: Avisos, ofícios, portarias, entre outros (1801-1808). do padre Manoel Gomes Leal, o Capelão dos Índios, que teria que construir “o altar em sítio conveniente, benzer a Capela ou Igreja que erigisse, precedendo-lhe faculdade régia para administrar todos os sacramentos aos índios”, além de benzer o cemitério que seria formado (FERREIRA, 1978, p. 5-6FERREIRA, Luiz Damasceno. História de Valença. Rio de Janeiro: Editora Valença S. A., 1978.). O espaço de negociação desta aldeia com a sociedade luso-brasileira se daria com estas três figuras, cada uma representando uma função, seja ela religiosa, militar ou gestora: o padre (Manoel Gomes), o militar (Ignácio Werneck) e o Diretor dos índios (José Rodrigues da Cruz) (MACHADO, 2012MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.; LEMOS, 2016LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.).

Os laços entre os mediadores poderiam até ser bem estruturados, mas o espaço utilizado pelos índios estava longe de ser reduzido a um pequeno quadrilátero com igreja, cruz, pátio e casas. Se alguns estavam interessados em comprimir o terreno nativo, os “índios posseiros” respondiam com a dispersão. Segundo José Rodrigues da Cruz, os índios se metiam nas matas para fazer caçadas, “o que até agora tem sido muito dificultoso” para a tarefa de descê-los, pois aproveitavam a abertura de caminhos para se embrenharem no sertão. Estava sendo difícil restringir a mobilidade dos “índios posseiros” que conheciam bastante aquelas matas. Não foi à toa que foram tomadas algumas providências, como “mandar tirar as canoas em que [os índios] costumavam a irem à outra banda [do rio Paraíba]” e “trazê-los para esta parte” (SILVA, 1854, p. 515-516SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). Eles também saíram do “novo aldeamento que então fazia José Rodrigues da Cruz” para atacar fazendas, como aconteceu com José Thomaz da Silva, em 1803 (LEMOS, 2016, p. 123LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Lá, “se rebelaram e praticaram os funestos estragos”.22 22 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 237, 13. “Índios de Resende. S/ data”. Documento 2.

No entanto, a dispersão indígena também poderia colocar em risco a vida de muitos nativos num contexto de descimento e pacificação da região. Em 1804, aconteceu um incidente próximo às margens do Rio Preto, “tendo-se ali descoberto ouro em quantidade, que atraiu os moradores desta, cujo principal objeto foi sempre e é a mineração”23 23 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 97, v. 1, p. 270-271. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807). , que envolveu os mineiros e alguns índios que estavam cultivando mandiocas. Segundo consta,

A esta Aldeia de Valença se nos apresentou um índio com uma facada nas costas e outro com um braço bem maltratado e cutilado, queixando-se segundo eles dizem que no Presídio Velho (Arraial do Rio Preto), indo uns índios Araris ou Ximotós a uma roça, e que ali caçam umas mandiocas, e que pondo-se na mesma roça a selar e que anoitecendo dormiram e de noite vieram três pessoas, que é a quem eles dizem com facas mataram logo três índios a facadas e feriram os dois que escaparam a misericórdia.24 24 Idem, p. 123-124v.

Os “índios posseiros” estavam plantando mandiocas nas matas como sempre tiveram a oportunidade de fazê-lo. Todavia, a região foi valorizada pela possibilidade de extração do ouro, o que atraiu alguns aventureiros. O resultado foi a morte de três índios que, distanciados do aldeamento, foram alvo do ataque destes garimpeiros. Este incidente mostra que a vida no sertão não era mais a mesma de um século atrás: estavam chegando novos colonos de todos os lados com diferentes interesses.

Parentes e amigos de José Rodrigues da Cruz, por exemplo, já estavam conseguindo sesmarias alegando que “no sertão da Nova Aldeia dos Índios Coroados se achavam terras devolutas” a serem cultivadas. Este discurso foi utilizado no final de 1804 por Joaquim Rodrigues da Cruz e João Rodrigues da Cruz, irmãos do Diretor dos índios, que registraram suas sesmarias uma ao lado da outra, na Secretaria do Estado do Brasil.25 25 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 128, v. 72, p. 35-36 (n. 20); p. 54-55v (n. 31). Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.128, v. 72. Assunto: Registro de Sesmarias (1803-1804). Além deles, os sobrinhos João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro Barão de Ubá, e José Ribeiro da Cruz26 26 AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 128, v. 73, p. 120v-122v (n. 64); p. 124v-126 (n. 66). Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.128, v. 73. Assunto: Registro de Sesmarias (1804-1805). também conseguiram suas cartas no mesmo ano, sinal de que a abertura de rotas já estava assegurando a apropriação territorial nos sertões.

Muitos índios continuariam resistindo ao espaço constrito do aldeamento, movendo-se por entre os sertões a todo instante. No entanto, curiosamente, o Capitão Ignácio de Souza Werneck mandou recolher, em 19 de dezembro de 1805, as 100 armas que foram distribuídas na época da gestão do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos, quando Werneck foi nomeado para abater os índios em suas próprias aldeias, “dizendo não ser mais necessário”.27 27 AN: Fundo PY – Família Werneck, p. PY 9,12-PY 11,1. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos). Infere-se que as correrias indígenas não eram mais constantes como o foram nas décadas de 1780 e 1790. O que teria acontecido?

Acreditamos que a diminuição das correrias indígenas teve relação direta com a nova dinâmica dos sertões. Muitos caminhos começaram a ser abertos, principalmente com a atuação do Capitão Ignácio de Souza Werneck que, em 9 de março de 1808, apresentou um relatório constando um mapa descrevendo as novas rotas criadas nos sertões.28 28 BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 6, n. 1-2. “Ofício ao Conde Vice-Rei (Conde dos Arcos) informando sobre novos caminhos abertos pelas margens do Rio Paraíba do Capitão Ignácio de Souza Werneck. Rio de Janeiro, 9 de março de 1808”. Notamos a abertura de vários caminhos no antigo sertão dos “índios bravios”, com destaque para o “Caminho para a Aldeia”, que interligava o aldeamento de Nossa Senhora da Glória com a aldeia dos Ariris, em Rio Bonito (atual Conservatória), mas também com a Estrada Geral para Minas, que seguia em direção à cidade do Rio de Janeiro (PEDROZA, 2018, p. 423-425PEDROZA, Manoela da Silva. Capítulos para uma história social da propriedade da terra na América Portuguesa e Brasil. O caso dos aforamentos na Fazenda de Santa Cruz (Capitania do Rio de Janeiro, 1600-1870). Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2018.). O sertão estava mudando e os índios estavam percebendo isso.

Figura 4
Mapa dos Caminhos Abertos por Ignácio de Souza Werneck (1808)

Neste sentido, “processos de desterritorialização enquanto ‘perda do lugar’ levam a reterritorializações e não necessariamente à perda da importância do território.” (PIETRAFESA DE GODOI, 2014, p. 14PIETRAFESA DE GODOI, Emília. Territorialidade: trajetória e usos do conceito. In: Raízes, v. 34, n. 2, p. 8-16, 2014.). Ou seja, a territorialização imposta aos indígenas que decidiram aldear-se pode ter sido repensada como um novo espaço para que eles pudessem tocar suas vidas e garantir sua sobrevivência. Até porque o próprio aldeamento estava sendo modificado, com a constante chegada de colonos e moradores brancos que procuravam se estabelecer por ali (ALMEIDA, 1997ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos Índios. Brasília: EdUNB, 1997.; ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.). A autonomia daquele espaço criado para a missionação e catequese dos Coroados foi, inclusive, comprometida quando foi enviado um requerimento29 29 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 343, 6, n. 1-7. “Ignácio de Souza Werneck, Sargento-mor de Ordenanças Reformado, padre em Minas Gerais (1808-1812)”. O incômodo da medida foi instantâneo, visto que os moradores se utilizavam do trabalho destes aldeados naquele espaço (MACHADO, 2012). , em 1808, para que os índios fossem trabalhar no Arsenal Real da Marinha (MACHADO, 2012, p. 145-152MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.). A saída do aldeamento significaria a perda dos direitos coletivos à terra por parte dos “índios aldeados”, assim como ocorreu com o alistamento militar na Guarda Nacional dos índios que moravam na Vila de Itaguaí estudados por Vânia Moreira (MOREIRA, 2010MOREIRA, Vânia Maria Losada. De índio a guarda nacional: cidadania e direitos indígenas no Império (Vila de Itaguaí, 1822-1836). In: Revista Topoi, v. 11, n. 21, 2010. ISSN: 1518-3319. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/cTbBJRXdX98Mt8cNmwhvfLH/?lang=pt&format=pdf>. Acesso em: 8 set. 2021.
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; 2011MOREIRA, Vânia Maria Losada. Indianidade, territorialidade e cidadania no período pós-independência: Vila de Itaguaí (1822-1836). In: Diálogos Latinoamericanos, n. 18, 2011. Disponível em: <https://tidsskrift.dk/dialogos/article/view/113438/162054>. Acesso em: 8 set. 2021.
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).

Nos anos seguintes, identificamos um crescimento populacional considerável da população branca no aldeamento de Valença. No requerimento de 1810 para a ereção da capela no lugar do cemitério, o padre capelão Manoel Gomes Leal estimou que “já chegam há mais de 400 almas, repartidas em 55 fogos”.30 30 AN: Fundo 4J – Mesa da Consciência e Ordens. Códice 26, v. 2, p. 110v-111 (n. 208). Notação: BR.AN,RIO.4J.COD.0.26, v. 2. Assunto: “Registro de consultas e resoluções na Secretaria do Tribunal do Despacho da Mesa da Consciência e Ordens na Repartição da Fazenda dos Defuntos e Ausentes”. Por seu turno, justificava que a ereção da capela servia não somente para propagar a fé aos aldeados, mas também para a “multiplicação de povoações (...) e a animação da agricultura, que é a primeira fonte da felicidade e abundância das nações.”31 31 AN: Fundo 4J – Mesa da Consciência e Ordens. Caixa 285, Documento 13. Seção de Guarda: CODES/SDE. Assunto: “Requerimento do Padre Manoel Gomes Leal, capelão dos índios Coroados da aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença, sobre a ereção de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Glória”.

O mesmo argumento foi repetido pelo padre quando, quatro anos depois, requeria a elevação daquele povoado à categoria de Freguesia.32 32 Idem, Caixa 285, Documento 12. Assunto: “Requerimento do Padre Manoel Gomes Leal sobre a ereção da nova freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença”. Este pedido não tinha nada a ver com os índios, mas sim com os novos moradores para que eles não se deslocassem tão longe para receber o “refúgio” espiritual. Até porque a população, em 1814, havia crescido para “mais de 700 pessoas brancas, que se acham já estabelecidas naquele sertão, com toda a probabilidade de crescerem brevemente há muito maior número.”33 33 AN: Fundo A3 – Série Interior (Culto Público). Código IJJ.11.74, Documento 72, p. 1. Assunto: “Correspondência de Bispos: Marquês de Aguiar ao Bispo Capelão-Mor, de 31 de janeiro de 1814.”

Com o sertão sendo ocupado por colonos que chegavam à Serra Acima, alguns índios poderiam ter interpretado o aldeamento como um espaço de liberdade possível, diante da violência desencadeada pela colonização. Assumindo a identidade genérica de “aldeados”, eles poderiam adquirir alguns direitos, como a terra coletiva do aldeamento, apesar de terem que compartilhá-la com moradores brancos que também viviam ali, incentivados pela herança da política indigenista do final do Setecentos (ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.; 2008bALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios no tempo da corte: reflexões sobre política indigenista e cultura política indígena no Rio de Janeiro oitocentista. In: Revista USP, São Paulo, n. 79, 2008b. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13697>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i79p94-105.
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). A rejeição dos “índios posseiros” ao aldeamento poderia ter sido repensada e uma nova reterritorialização entrava em voga.

A metamorfose indígena e a defesa das terras coletivas (1813-1823)

O aldeamento de Valença foi visitado por padres e viajantes. Em visita paroquial anônima de 181334 34 ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 15 (Visita anônima – José Luiz de Freitas? – na Aldeia de Valença, 1813), Livro 14 (A12), n. 19, p. 217v-219v. , um padre disse que “várias famílias com porte de 700 pessoas” iam para ali, estimando-se que “já passa de mil almas, porque os índios serão 400.” Quando os avistou, ficou impressionado com a quantidade de presentes que traziam. Por outro lado, nada era tão solidário assim: “eles são capazes de me pedir patacas, pratos, dinheiros, fumos, tabaco.” Parece que os aldeados aprenderam rapidamente a importância econômica destas trocas.

A chegada de um visitante era considerada pelos índios uma boa hora para fazer transações daquilo que desejavam. Daí a euforia dos aldeados ao vê-lo. Caminhando nesta direção, o padre deu várias pistas que nos fazem inferir que aquele território colonial era também um espaço indígena, a despeito do maior número de moradores brancos. Segundo ele, os índios pareciam “alegres e atilados, fizeram-me muita festa e, pela primeira vez, vi suas danças, que são horrendas.”35 35 Idem. Saint-Hillaire também teve a oportunidade de presenciar uma dança dos Coroados, não sem antes ter que prometer algumas bebidas e alimentos aos índios (SAINT-HILAIRE, 1938, p. 49SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.).

Assim como nos sertões, aquelas práticas culturais indígenas estavam vivas no aldeamento. Alguns andando nus, outros dançando em troca de gêneros para consumir, os “índios aldeados” negociavam a todo o momento identidades dentro daquele espaço colonial (BOCCARA, 2000BOCCARA, Guillaume. Mundos Nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo: relectura de los procesos coloniales de etnogénesis, etnificación y mestizaje em tiempos de globalización. In: Mundo Nuevo, Nuevos Mundos, Paris, 2000. Disponível em: <http://journals.openedition.org/nuevomundo/426>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426.
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; ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.). Como o padre visitante observou, enquanto alguns índios já se achavam “legitimamente casados e já vão edificando as suas cabanas e cultivando suas roças”, outros continuavam idolatrando símbolos, desconfiando-se sempre daqueles que “entendiam (...) alguma coisa diferente da divindade criadora”, insistindo em interpretar o Sol pelo vocábulo tupã.36 36 Ibidem.

Segundo Almeida (2003, p. 150)ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003., o processo de transformação dos índios em súditos cristãos fazia-se lentamente, com muitos desafios e pequenas rebeldias. A cultura nos aldeamentos deve ser entendida como uma luta constante para não compartilhar todo e qualquer significado. Isto é, “os índios transformavam-se, mas não necessariamente no que os padres queriam”. O viajante não percebia isso. Com o seu preconceito, acreditava que “eles ainda vivem no mesmo estado primitivo” de antes.37 37 Ibidem. Mas na hora que a situação apertava, sabiam exatamente os direitos que eles tinham sobre as terras coletivas. Até porque, segundo o padre o que mais lhe interessou foi avaliar que “têm concorrido estabelecer-se nela [a aldeia] tantas famílias de portugueses, que já hoje fazem uma povoação de mil pessoas com presença de arregimentar muito mais em breve tempo, pela excelente qualidade das terras”.38 38 Ibidem.

Aqui vemos um argumento que adicionava mais um fator chamativo para a chegada de novos moradores: o visitante ficou encantado com a fertilidade das terras, o que fortalecia um discurso propagandístico para que mais colonos se fixassem naquele lugar. Esse discurso valorativo das terras e da fertilidade disfarçava uma persistente colonialidade que afetava também a natureza do lugar, visto que o discurso colonizador buscava também propagandear a apropriação das “riquezas” daquele espaço geográfico por onde se formava uma nova região colonial. Assim como os povos indígenas, a natureza também poderia ser colonizada como um espaço subalterno; um alvo a ser conquistado e explorado para fins monocultivos e de exportação (ALIMONDA, 2011, p. 22-35ALIMONDA, Héctor. La colonialidade de la naturaleza. Una aproximación a la ecología política latinoamericana. In: ALIMONDA, Héctor (Org.). La naturaleza colonizada: ecología política y minería en América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2011, p. 21-58.). Por trás desse discurso e de sua propaganda, a economia de mercado aos poucos desintegrava a economia natural de povos originários, usurpando direitos à propriedade comum e coletiva, e devastando extensas regiões florestais na Mata Atlântica brasileira (LUXEMBURGO, 1970, p. 317-333LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital: estudo sobre a interpretação econômica do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.; DEAN, 1996DEAN, Warren. A Ferro e Fogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.).

Por ora, os aldeados estavam percebendo a desproporção populacional dentro do espaço do aldeamento. Saint-Hillaire escutou um diálogo indígena depois da apresentação dançante que os aldeados lhe promoveram, na qual escutou o seguinte:

‘Esta terra nos pertence, e são os brancos que a cobrem. Desde a morte do nosso grande capitão, somos escurraçados de toda parte, e não temos mais nem lugar suficiente para poder repousar a cabeça. Dizei ao rei que os brancos nos tratam como cães, e rogai-lhe que nos dê terra para podermos construir uma aldeia’ (SAINT-HILAIRE, 1938, p. 49-50SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.).

Com este diálogo, discordamos de Marcelo Lemos quando afirmou que não era comum a presença indígena no aldeamento de Valença, pois os legisladores, políticos, cientistas e viajantes “querem encontrar os índios no espaço que os torna não-índios” (LEMOS, 2016, p. 130LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Discordamos porque aqueles que decidiram continuar no aldeamento tentaram ativar uma nova identidade étnica – a de aldeados – para poder peticionar pela terra que, mesmo diminuída em relação àquelas em que antes tinham posse, estava sendo ameaçada por novos interesses. A terra coletiva do aldeamento era deles. Era ela a nova condição real da propriedade indígena. E, por isso, era necessário defendê-la no processo de metamorfose indígena (BOCCARA, 2000BOCCARA, Guillaume. Mundos Nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo: relectura de los procesos coloniales de etnogénesis, etnificación y mestizaje em tiempos de globalización. In: Mundo Nuevo, Nuevos Mundos, Paris, 2000. Disponível em: <http://journals.openedition.org/nuevomundo/426>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426.
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; ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.).

Figura 5
“Dança Puri” de Johann Moritz Rugendas – 1824

Acontece que as terras do aldeamento nunca foram medidas, o que abriu espaço para que outros tentassem apropriar-se delas. A pressão sobre elas se tornou tão grande que até a sesmaria do próprio aldeamento foi requerida por terceiros. Segundo Werneck, José Rodrigues da Cruz havia solicitado uma sesmaria em nome dos índios, onde se achava a Igreja. Ele próprio reconheceu que a mesma “não se verificou com títulos legítimos, talvez por falta de agente que seguisse os termos” exigidos.39 39 AN: Fundo PY – Família Werneck, p. PY 11,1. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos).

Florisbello Augusto de Macedo requereu aquelas terras em sesmaria em 1805. As razões permanecem obscuras: tratava-se de um exposto criado pelo padre Manoel Gomes Leal, apresentado como seu sobrinho (SILVA, 1854, p. 299SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). A concessão da sesmaria não se efetivou porque Florisbello morreu de tuberculose em 1813 e, logo em seguida, o padre em 1815, sem que houvesse concluído o reconhecimento da sesmaria (LEMOS, 2016LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Esta brecha abriu espaço para que outro aspirante a sesmeiro, Eleutério Delfim da Silva, requeresse uma sesmaria em 1815, apresentando uma provisão da Mesa do Desembargo do Paço. Sua concessão constava de uma medição de “um quarto de légua de terras de testada com meia légua de fundos, no lugar denominado Aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença no sertão da Paraíba”40 40 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-9. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”. . Dessa vez o conflito entre ele e os índios se arrastaria pelos próximos quatro anos. Entre 1816 e 1817, os aldeados apresentaram três requerimentos com o auxílio de mediadores. Solicitavam a devolução das terras, até porque com a concessão ficaria “a igreja sem terreno algum em roda para casas dos moradores do sertão; o pároco sem lugar para a sua residência; e os índios sem asilo algum próprio” (SILVA, 1854, p. 518-522SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). Até um requerimento expedido pelos próprios moradores do aldeamento foi apresentado, no qual acusavam Eleutério Delfim da Silva de querer “formar de um arraial e freguesia terras devolutas” (SILVA, 1854, p. 534-535SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). Ao confundirem sua própria ocupação com a dos aldeados, estes atores adotavam uma estratégia proprietária embaralhada para garantir que não fossem expulsos (MACHADO, 2012, p. 208-214MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.). Com medo de serem expropriados pelo sesmeiro, aliaram-se com os aldeados na defesa das terras coletivas.

Os Coroados conseguiram a anulação do pedido de Eleutério Delfim da Silva quando o próprio rei, D. João VI, expediu um decreto favorável à manutenção do aldeamento, em 1819. Reconhecia-se que “não se devia considerar devoluto um terreno marcado para a aldeia de índios, com igreja já edificada e alguns moradores na mesma aldeia”, devendo ser restituída “aos ditos índios para nele se aldearem e cultivarem os terrenos que se lhe destinarem” (SILVA, 1854, p. 538-539SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). A vitória dos índios e demais moradores foi conseguida, mas foi efêmera. Os projetos do Estado para aquela região, logo depois da Independência em 1822, caminhavam noutra direção. Em alvará do final de 1823, assinado por D. Pedro I, destacou-se “a necessidade de criação de uma vila onde antes se localizava a aldeia de Valença. Refere-se

Florisbello Augusto de Macedo requereu aquelas terras em sesmaria em 1805. As razões permanecem obscuras: tratava-se de um exposto criado pelo padre Manoel Gomes Leal, apresentado como seu sobrinho (SILVA, 1854, p. 299SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). A concessão da sesmaria não se efetivou porque Florisbello morreu de tuberculose em 1813 e, logo em seguida, o padre em 1815, sem que houvesse concluído o reconhecimento da sesmaria (LEMOS, 2016LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Esta brecha abriu espaço para que outro aspirante a sesmeiro, Eleutério Delfim da Silva, requeresse uma sesmaria em 1815, apresentando uma provisão da Mesa do Desembargo do Paço. Sua concessão constava de uma medição de “um quarto de légua de terras de testada com meia légua de fundos, no lugar denominado Aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença no sertão da Paraíba”40. Dessa vez o conflito entre ele e os índios se arrastaria pelos próximos quatro anos. Entre 1816 e 1817, os aldeados apresentaram três requerimentos com o auxílio de mediadores. Solicitavam a devolução das terras, até porque com a concessão ficaria “a igreja sem terreno algum em roda para casas dos moradores do sertão; o pároco sem lugar para a sua residência; e os índios sem asilo algum próprio” (SILVA, 1854, p. 518-522SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). Até um requerimento expedido pelos próprios moradores do aldeamento foi apresentado, no qual acusavam Eleutério Delfim da Silva de querer “formar de um arraial e freguesia terras devolutas” (SILVA, 1854, p. 534-535SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). Ao confundirem sua própria ocupação com a dos aldeados, estes atores adotavam uma estratégia proprietária embaralhada para garantir que não fossem expulsos (MACHADO, 2012, p. 208-214MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.). Com medo de serem expropriados pelo sesmeiro, aliaram-se com os aldeados na defesa das terras coletivas.

Os Coroados conseguiram a anulação do pedido de Eleutério Delfim da Silva quando o próprio rei, D. João VI, expediu um decreto favorável à manutenção do aldeamento, em 1819. Reconhecia-se que “não se devia considerar devoluto um terreno marcado para a aldeia de índios, com igreja já edificada e alguns moradores na mesma aldeia”, devendo ser restituída “aos ditos índios para nele se aldearem e cultivarem os terrenos que se lhe destinarem” (SILVA, 1854, p. 538-539SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.). A vitória dos índios e demais moradores foi conseguida, mas foi efêmera. Os projetos do Estado para aquela região, logo depois da Independência em 1822, caminhavam noutra direção. Em alvará do final de 1823, assinado por D. Pedro I, destacou-se “a necessidade de criação de uma vila onde antes se localizava a aldeia de Valença. Refere-se ao aldeamento como uma realização do passado, algo que não mais existia (...). Seu argumento central era a população da freguesia e a existência aí de 70 fazendas” (MACHADO, 2012, p. 226MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.).

A Vila de Valença (1823-1835): os “caboclos” e a individualização dos direitos de propriedade

Desde o Diretório dos Índios, na segunda metade do século XVIII, já era evidente a intenção de transformar os aldeamentos em vilas e lugares portugueses, embora ainda se reconhecesse naquele contexto a importância da manutenção de certa noção de comunidade entre os índios que viviam naquelas terras, e de seus direitos coletivos. Com a Carta Régia de 1798, que extinguiu formalmente o Diretório pombalino, a política indigenista começou a apreender os índios como indivíduos no contexto das vilas, não mais distinguindo os vassalos do Rei, ficando todos submissos à autoridade das câmaras que seriam criadas (SAMPAIO, 2006SAMPAIO, Patrícia. Viver em Aldeamentos: Encontros e Confrontos nas Povoações da Amazônia Portuguesa, Século XVIII. In: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (Orgs.). Direitos e Justiças no Brasil: Ensaios de História Social. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.; 2012SAMPAIO, Patrícia. Espelhos Partidos. Manaus: Editora da UFAM, 2012.).

A proposta de formação das vilas era acabar com os costumes e direitos coletivos dos aldeados e potencializar a miscigenação com a presença cada vez maior de não-índios nestes espaços. Este movimento, por sua vez, teve sua contrapartida: deslanchou-se uma acentuada privatização e desamortização das terras coletivas e de uso comum dos antigos aldeamentos. Isto ficou cada vez mais evidente quando as câmaras municipais conseguiram reverter estas terras ao seu patrimônio, restando somente aos moradores e índios “misturados” à população da vila a possibilidade de requererem pequenos lotes individuais, condicionados ao pagamento de foros à câmara (ALMEIDA; MOREIRA, 2012ALMEIDA, Maria Regina Celestino de; MOREIRA, Vânia Maria Losada. Índios, Moradores e Câmaras Municipais: etnicidade e conflitos agrários no Rio de Janeiro e no Espírito Santo (séculos XVIII e XIX). In: Revista Mundo Agrario, vol. 13, n. 25, 2012. ISSN: 1515-5994. Disponível em: <http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.5616/pr.5616.pdf>. Acesso em: 8 set. 2021.
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; ALMEIDA, 2013ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A Aldeia de Itaguaí: das origens à extinção (séculos XVII-XIX). In: AMANTINO, Marcia; ENGEMANN, Carlos (Org). Santa Cruz: de legado dos jesuítas a pérola da Coroa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.). Essas mudanças, por sua vez, ensejaram novos conflitos. Índios, moradores e Câmaras Municipais foram os personagens mais comuns nestas contendas.

Moradores e autoridades interessados em extinguir as aldeias já apresentavam os índios como poucos e misturados, contrastando com as reivindicações desses últimos que continuavam solicitando seus direitos pela condição de aldeados. Essas contradições em torno da classificação dos aldeados na condição de índios ou de mestiços já bastante visíveis na documentação de meados do século XVIII vão se acentuar no decorrer do XIX, evidenciando as relações entre a etnicidade, política indigenista e conflitos agrários (ALMEIDA; MOREIRA, 2012, p. 9ALMEIDA, Maria Regina Celestino de; MOREIRA, Vânia Maria Losada. Índios, Moradores e Câmaras Municipais: etnicidade e conflitos agrários no Rio de Janeiro e no Espírito Santo (séculos XVIII e XIX). In: Revista Mundo Agrario, vol. 13, n. 25, 2012. ISSN: 1515-5994. Disponível em: <http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.5616/pr.5616.pdf>. Acesso em: 8 set. 2021.
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).

Para muitas autoridades era preciso transformar os índios em mestiços, porque isso possibilitava a extinção dos aldeamentos e a própria incorporação de suas terras às câmaras municipais. Em vista disso, surgiram diversos argumentos mobilizados por autoridades e intelectuais do século XIX em prol do desaparecimento e mistura dos índios em diversas localidades do Brasil imperial no processo de extinção dos aldeamentos e formação das vilas (SILVA, 2017SILVA, Ayalla Oliveira. Ordem Imperial e Aldeamento Indígena. Ilhéus: EdUESC, 2017.; DANTAS, 2018DANTAS, Mariana. Dimensões da participação indígena: Estado nacional e revoltas em Pernambuco e Alagoas (1817-1848). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018.; HENRIQUE, 2018HENRIQUE, Márcio Couto. Sem Vieira nem Pombal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018., ALVARENGA, 2019ALVARENGA, Felipe de Melo. De Terras Indígenas à Princesa da Serra Fluminense: o processo de realização da propriedade cafeeira em Valença (Província do Rio de Janeiro, Século XIX). Jundiaí: Paco Editorial, 2019.).

Neste ínterim, é preciso reconhecer que o processo de “cidanização” e de “nacionalização” indígena foi mais uma forma encontrada pelo Estado imperial para restringir os direitos de propriedade dos índios. Isto porque a garantia das terras coletivas estava estritamente relacionada à identidade étnica de aldeados. Para estes, a nova condição de cidadão “misturado” à massa da população implicava “na perda da condição jurídica especial que lhes dava direitos, sobretudo, à terra, aos rendimentos das aldeias e à vida comunitária” (ALMEIDA, 2008a, p. 32ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios e mestiços no Rio de Janeiro: significados plurais e cambiantes (séculos XVIII-XIX). In: Revista Memoria Americana, vol. 16, n. 1, 2008a. ISSN: 1851-3751. Disponível em: <http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1851-37512008000100002>. Acesso em: 8 set. 2021.
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; OLIVEIRA, 1998OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Revista Mana, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 1998.).

Estas controvérsias sobre classificações étnicas permearam os conflitos nos aldeamentos de São Francisco Xavier de Itaguaí (ALMEIDA, 2013ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A Aldeia de Itaguaí: das origens à extinção (séculos XVII-XIX). In: AMANTINO, Marcia; ENGEMANN, Carlos (Org). Santa Cruz: de legado dos jesuítas a pérola da Coroa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.) e Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba (ALVEAL, 2002ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. História e Direito: Sesmarias e Conflito de Terras entre Índios em Freguesias Extramuros do Rio de Janeiro (Século XVIII). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.), a despeito de terem sido declarados extintos nos anos de 1818 e 1831, respectivamente. Em contraponto, no Espírito Santo, por força de um processo de desenvolvimento socioeconômico menos intenso que no Rio de Janeiro, diversas vilas e povoados formados em processos diaspóricos atualizaram o projeto autonomista de muitos índios, que reinventavam para si e para os seus uma economia moral indígena atravessada por seus costumes e valores sobre trabalho, terra e territorialidade (MOREIRA, 2017MOREIRA, Vânia Maria Losada. Espírito Santo indígena. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2017.; 2019MOREIRA, Vânia Maria Losada. Reinventando a autonomia. São Paulo: Humanitas, 2019.).

Para o caso de Valença, foi fortalecida uma noção de “desaparecimento político” dos Coroados como forma de restringir ainda mais seus direitos de propriedade, segundo Marcelo Lemos (2016, p. 188)LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.. Alguns meses antes da elevação da Vila, em 13 de janeiro de 1823, em consulta acerca da população de Valença, o ouvidor da comarca do Rio de Janeiro disse que existiam no aldeamento de Nossa Senhora da Glória somente “45 moradores e a freguesia 1.971 habitantes com setenta e tantas fazendas”. Onde estavam os aldeados? Segundo ele, encontravam-se muitos índios dispersos pelos sertões “da parte do Oeste” e, por este motivo, foi preciso arregimentá-los em um novo aldeamento localizado em Rio Bonito, atual distrito de Conservatória (SILVA, 1854, p. 543-544SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.).

Foi doada aos índios “da parte do Oeste” uma sesmaria de uma légua de terras no Rio Bonito em maio de 1820, aproximadamente.41 41 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-9. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”. A construção deste novo aldeamento foi a forma encontrada pelas autoridades para deslocar os poucos índios que ainda estavam “atrapalhando” para mais longe, enquanto se construía a noção do “desaparecimento” na sede matriz da recém-criada Vila em 1823.42 42 CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1 (1826-1833), p. 31. Porém, nem a própria Conservatória dos Índios durou muito tempo.

O aldeamento do Rio Bonito foi rapidamente extinto. E isto porque as terras dos índios de Conservatória foram “possuídas atualmente por particulares por títulos de transações feitas com outros possuidores mais antigos”.43 43 APERJ: Fundo – Presidência da Província. Notação 0198: Documentos produzidos por juízes de direito de diversos municípios. No do maço: 1. Caixa 53, n. 11. Assunto: “Resposta dos Juízes à Circular de 16 de novembro de 1854”. No final da década de 1820, o terreno se encontrava todo arrendado e distribuído em aforamentos com a anuência do novo Diretor dos Índios, que atestava que a maioria deles “viviam errantes pelas florestas” (IÓRIO, 2013, p. 21-39; p. 84-90IÓRIO, José Leoni. Valença De Ontem e De Hoje. Valença: Fundação da Biblioteca Nacional, 2013.; LEMOS, 2016, p. 173-174LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). No início da década de 1830, o Curato de Santo Antônio do Rio Bonito recebeu uma visita paroquial, na qual o visitante anônimo relatou que a região não era mais a mesma: estava cheia de fazendeiros, sesmeiros e até negociantes. Mas, ainda assim, avistou alguns poucos índios, que foram crismados, “mas não dei a nenhum as patacas, que me pediam, para se não embebedarem, e também porque só um me soube repetir o credo, e os mais nem palavras”.44 44 ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 25 (Visita anônima, 1829-1832), Livro 24, p. 19.

O discurso do alcoolismo também foi bastante presente nos relatos de algumas autoridades para confirmar o baixo número de índios em outros aldeamentos e vilas da Capitania do Rio de Janeiro. Porém, é sempre importante frisar que o desaparecimento político dos Coroados não deve ser confundido com o seu “desaparecimento étnico e até físico” (LEMOS, 2016, p. 178LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Os Coroados continuavam naqueles espaços, a despeito das autoridades insistirem em sua ausência para poderem apropriar-se de suas terras. E as ameaças não paravam de acontecer.

Eleutério Delfim da Silva, aquele que tentou usurpar a sesmaria do aldeamento em 1815, entrou novamente no jogo de apropriação das terras, dessa vez da própria Vila de Valença, em julho de 1827. Alegando que os índios “tem procurado aldear-se na paragem do Rio Bonito”, Eleutério Delfim da Silva inferia que por não mais haver aldeamento dos índios na sede matriz de Nossa Senhora da Glória, ele poderia conseguir a “renovação daquela sesmaria” na própria Vila de Valença. Dizia que as despesas da medição já estavam pagas e por isso poderia readquirir aquela concessão.45 45 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-9. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”.

Novamente, os moradores de Valença apresentaram um requerimento pedindo a revogação desta sesmaria, revalidada em 5 de julho de 1827. Segundo eles, a nova concessão feria o domínio de terras da Câmara e de vários moradores.46 46 BN: Seção de Manuscritos – Códice II, 34, 19, 15. “Representação dos Moradores de Valença pedindo a revogação de Sesmaria na Aldeia de Nossa Senhora da Glória (1828)”. Incrivelmente, nenhuma palavra foi dita acerca dos direitos de propriedade dos aldeados, deliberadamente esquecidos na consideração dos moradores, que alegaram não estarem aqueles residindo na vila “porque desgraçadamente andam errantes sem domicílio” (LEMOS, 2016, p. 176LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Mais uma vez o discurso do desaparecimento indígena, que dificultava o desenvolvimento da cidadania de indivíduos diariamente usurpados e expropriados debaixo dos olhos do Estado imperial (GOMES, 2003GOMES, Mércio Pereira. Índios: O caminho brasileiro para a cidadania indígena. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org). História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2003.; MIKI, 2018MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.). De qualquer forma, o sesmeiro não conseguiu levar a frente o que estava planejando.

Por ironias da história, encontramos o nome de Eleutério Delfim da Silva nos livros de Atas da Câmara de Valença, dois anos depois desta contenda. Em 1829, ele já era um membro ativo da Câmara, por onde acumulou diversos cargos, tanto no âmbito judicial (Juiz Ordinário e Promotor Público) quanto no âmbito administrativo (Secretário e Fiscal da Câmara) no decorrer da década de 1830.47 47 CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1 (1826-1833), p. 47-47v; p. 50v e Livro no 2 (1833-1836), p. 78; p. 190. De mero alferes do Regimento de Cavalaria de Milícias na década de 182048 48 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-10. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”. , o usurpador de terras se tornou um político da Câmara de Valença e até conseguiu um terreno na Rua São José “para nele edificar umas casas” em 1829, e uma licença para ali construir uma morada de casas, em 1834.49 49 CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1 (1826-1833), p. 66 e Livro no 2 (1833-1836), p. 89v-90. Já na década de 1840, recebeu o diploma de Cavaleiro da Ordem da Rosa e de Cavaleiro da Ordem de Cristo por decreto de 1848.50 50 BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 1-9. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”. Em 1851, era fazendeiro e, no ano seguinte, negociante, na Freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença na listagem do Almanaque Laemmert.51 51 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Rio de Janeiro. Município de Valença: 1851/1852.

Como fiscal da Vila, Eleutério Delfim da Silva tinha reais poderes para regularizar as terras. No Código de Posturas de 1828, identificamos que o fiscal poderia fiscalizar as obras, proceder na demolição de construções que atrapalhassem o interesse público e até multar os moradores. Havia, inclusive, uma menção ao “abuso de propriedade alheia” que deveria ser controlado na Vila. As únicas referências à “propriedade comum” eram os córregos e ribeirões que percorressem “por terrenos de mais de um dono”, com a única condição de não poder “desviá-los de seus leitos naturais para as suas obras ou qualquer mister”.52 52 CDH/CESVA: Código de Posturas da Vila de Valença de 1828, p. 11-51. Código: CPDHCM11-001010072. Logo, na Vila, tudo era passível de controle: os índios não poderiam mais se divertir, dançar, se mover, sem antes estarem supervisionados pela figura do Fiscal da Câmara, ironicamente o mesmo que tentou, por duas vezes, usurpar as terras do aldeamento e da própria Vila recém-criada! Essa foi mais uma forma de restrição da propriedade indígena.

Por Lei Provincial de 14 de abril de 1835, passavam aquelas terras a ser patrimônio da Câmara Municipal, já se achando “erigida a cidade, e a câmara o tem distribuído em aforamentos.”53 53 APERJ: Fundo – Presidência da Província. Dossiê 0137: Documentos Provenientes da Câmara Municipal de Valença (1835-1886). Código de Referência/Notação: BR.RJ.APERJ.PP.SPP.0137. No do maço: 03. Caixa 31, p. 154-155. . Assim, na Vila de Valença, vários indivíduos começaram a requerer terras na condição de foreiros. Em 1836, a Câmara Municipal encarregou uma comissão para examinar as condições em que seriam feitos os aforamentos. Por esta Comissão ficou determinado que todos os posseiros que têm requerido terrenos eram obrigados a tirarem na Câmara seu título de aforamento no prazo de 30 dias. Depois disso, o foreiro seria obrigado a pagar por cada braça de frente com 15 de fundo a quantia de 100 réis. As cartas de aforamento seriam lavradas em um livro pelo Secretário da Câmara, cargo este já ocupado por Eleutério Delfim da Silva em 1834.54 54 CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 2 (1833-1836), p. 197-197v.

Só existe um livro de 1838, onde constam 148 cartas de aforamento concedidas a moradores da Vila de Valença.55 55 CDH/CESVA: Cartas de Aforamentos da Vila de Valença de 1838. Código CPDHCM 19-00101006583. Neste livro de 1838, confirma-se a individualização dos direitos de propriedade na Vila depois de revertidas as terras coletivas ao patrimônio da Câmara: todos os 148 moradores requereram os terrenos que ocupavam e conseguiram suas respectivas cartas de aforamentos sem nenhum empecilho, com exceção de dois foreiros que ainda deviam pagar as despesas da medição de suas terras.

Identificamos que muitos foreiros haviam chegado há pouco tempo na Vila. Isto poderia sinalizar a expulsão daqueles primeiros moradores que se estabeleceram em Valença no início do XIX e que foram despejados pelos sesmeiros (MUNIZ, 1979, p. 73-74MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os Donos da Terra. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1979.; STEIN, 1990STEIN, Stanley Julian. Vassouras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.). A maioria dos que requereram cartas de aforamentos eram posseiros, muitos recém-chegados (76%), totalizando 113 indivíduos que declararam ter posse de casas. Percebemos que 23% (34 moradores) declararam possuir “moradas de casas” ou casas no plural, muitas delas com plantações, para requerer suas cartas de aforamento. Alguns deles eram também fazendeiros em Valença. Na Vila, parece que mantinham essas moradas de casas como forma de extração de aluguel das pessoas que continuavam vivendo ali, mas que não foram registradas como foreiros. Além destes, 12% requereram a posse de terrenos considerados devolutos, totalizando 18 moradores que rapidamente apropriaram-se destes lugares. 7% declararam ter adquirido seus terrenos por compra, totalizando 10 moradores, e somente 5% (7 moradores) não declararam a forma de aquisição. E, mais uma vez, identificamos Eleutério Delfim da Silva, o usurpador e político da Câmara de Valença, dessa vez na condição de foreiro, requerendo um terreno situado na Estrada da Passagem, “considerado devoluto”, requerendo a carta de aforamento, passada em 1841.56 56 Idem, p. 122-123.

O processo de privatização das terras indígenas era uma clara tentativa de impor a propriedade individual entre os índios no processo mais amplo de territorialização do Estado-Nação que, por sua vez, limitava o reconhecimento de “territórios tradicionais” dentro de seu território totalizante. Este processo não foi exclusivo do Império do Brasil. Na Argentina oitocentista de Alsina, Verónica Secreto (2014)SECRETO, María Verónica. O individualismo agrário frente às formas ancestrais de propriedade e usos tradicionais da terra. In: GARCIA, Graciela Bonassa; RIBEIRO, Vanderlei Vazelesk. Vozes da Terra: proprietários rurais, camponeses e burocratas na América Latina. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014, p. 209-219. também identificou projetos de governo semelhantes que previam a divisão parcelária dos terrenos e a criação de um cadastro com títulos regulares de propriedade para cada um dos membros das tribos pampianas com “o firme propósito de incluir os índios ‘aliados’ no processo de individualização da propriedade.” Neste contexto, os índios seriam assimilados, devendo adequarem-se à nova lógica proprietária. Segundo a autora, aquele “individualismo agrário” que fincou raízes na Europa, declarando fim aos usos comunais da terra, “foi um fenômeno que também incluiu às jovens nações americanas, neste último caso, se sobrepondo aos costumes criados durante o período colonial e independente e aos direitos e costumes indígenas.” (SECRETO, 2014, p. 212-215SECRETO, María Verónica. O individualismo agrário frente às formas ancestrais de propriedade e usos tradicionais da terra. In: GARCIA, Graciela Bonassa; RIBEIRO, Vanderlei Vazelesk. Vozes da Terra: proprietários rurais, camponeses e burocratas na América Latina. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014, p. 209-219.; BLOCH, 2001BLOCH, Marc. A revolução agrária e a revolução. In: BLOCH, Marc. A terra e seus homens: agricultura e vida rural nos séculos XVII e XVIII. Bauru: EdUSC, 2001.).

Embora a análise da lista dos foreiros de 1838 tenha-nos apresentado um perfil da população composto basicamente de posseiros práticos que regularizaram suas posses via aforamento, acreditamos que os índios Coroados continuaram vivendo neste espaço. Uma possibilidade é pensar na anti-lista “dos que conseguiram se esgueirar e não ser registrados como foreiros”, como propôs Pedroza (2018, p. 633PEDROZA, Manoela da Silva. Capítulos para uma história social da propriedade da terra na América Portuguesa e Brasil. O caso dos aforamentos na Fazenda de Santa Cruz (Capitania do Rio de Janeiro, 1600-1870). Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2018.; 2020PEDROZA, Manoela da Silva. Por trás dos senhorios: senhores e camponeses em disputa por terras, corpos e almas na América portuguesa (1500-1759). Jundiaí: Paco Editorial, 2020.) em seu estudo sobre os aforamentos na Fazenda de Santa Cruz. É claro que uma proposta dessas requer um mínimo de imaginação histórica, até porque as evidências são esparsas e as fontes oficiais oitocentistas insistem em apagar o passado indígena da História. Mas o desafio é necessário.

Uma possibilidade para alguns índios era a própria arma do ocultamento e da dispersão. Puderam ter acionado a mobilidade como forma de resistência, decidindo sair do terreno da Vila. O uso das matas continuou a ser exercido por esta pequena parcela da população indígena, mesmo que agora esta prática fosse criminalizada pelo Estado imperial. Segundo os Relatórios do Presidente da Província do Rio de Janeiro de 1844 e de 1850:

Em Valença, desapareceu o aldeamento, que deu origem a esta Vila, e os Índios que restam, vagam em pequeno número, sem domicílio, ou residência certa.57 57 Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro de 1º de março de 1844, p. 24.

Aldeias antigamente fundadas em Valença, Mangaratiba e Resende desapareceram inteiramente; (...) ainda custa acreditar que (...) vivam ainda algumas hordas de índios bárbaros, habitando as selvas, que de tempo em tempo se mostram em malocas (...). Em Valença, há alguns Índios sem domicílio certo.58 58 Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro de 1º de março de 1850, p. 20-23.

O discurso do desaparecimento dos índios foi fortalecido, dessa vez, pela própria Câmara de Valença, em 1872. No Relatório populacional apresentado pela Câmara constava o seguinte:

Informa a Câmara a Vossa Excelência que neste município existiram dois grandes aldeamentos de índios Coroados, um nesta freguesia (de Nossa Senhora da Glória), outro na freguesia de Santo Antônio do Rio Bonito e ambos desapareceram inteiramente. Informar que em todo o município poderão existir dispersos oito de dez índios. A causa do desaparecimento quase total atribuiu ao uso imoderado de bebidas alcoólicas, bexigas e outras moléstias que adquirem (...), pois que os índios neste município (...) ficaram desamparados e sem a proteção dos antigos Diretores e Juízes conservadores.59 59 APERJ: Fundo – Presidência da Província. Dossiê 0137: Documentos Provenientes da Câmara Municipal de Valença (1835-1886). Código de Referência/Notação: BR.RJ.APERJ.PP.SPP.0137. No do maço: 03. Caixa 31, p. 150-151.

Nestes termos, a Câmara de Valença atribuiu ao alcoolismo (e às doenças) as principais razões para o “desaparecimento” dos índios. O reforço do argumento da invisibilidade dos Coroados assumiu aqui um caráter político de expropriação: frisar que eles não mais existiam era uma estratégia cruel para apagá-los da História e desproteger seus antigos direitos de propriedade.

Nos livros de batismos e óbitos de Nossa Senhora da Glória entre 1815 a 1836, Lemos identificou uma diminuição da participação dos nascimentos indígenas e um aumento dos óbitos de escravos, como reflexo do seu grande aumento na população da Vila. O autor afirmou que muitos índios não tiveram seus óbitos registrados ali pois aquele território era hostil aos índios, o que “levou a não registrarem nenhum enterro no cemitério local” pelo fato dos ritos fúnebres ocorrerem nos matos (LEMOS, 2016, p. 180-192LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). De qualquer forma, é presumível que o número de indígenas nos sertões é muito menor depois de três décadas de contato com os colonos brancos, se comparado com o número expressivo de “índios posseiros” no Setecentos. Em vista disso, o discurso da Câmara mascarava o extermínio desta população ao longo do processo de instalação da propriedade cafeeira que só ocorreu depois de uma expropriação dos índios de seus meios de produção, numa espécie de “acumulação primitiva colonial” (RICUPERO, 2009RICUPERO, Rodrigo Monteferrante. A formação da elite colonial no Brasil (c. 1530 - c. 1630). São Paulo: Alameda, 2009.) inscrita “nos Anais da Humanidade com traços de sangue e fogo” (MARX, 1996, p. 341MARX, Karl. A assim chamada Acumulação Primitiva. In: MARX, Karl. O Capital. Livro I – O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Editora Nova Cultura LTDA, 1996.; MARX, 2017MARX, Karl. Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira. São Paulo: Boitempo, 2017.; MARQUESE; MARQUES, 2020, p. 105-132MARQUESE, Rafael de Bivar; MARQUES, Leonardo. Ouro, café e escravos: o Brasil e “a assim chamada acumulação primitiva”. In: MARQUESE, Rafael de Bivar. Os Tempos Plurais da Escravidão no Brasil: ensaios de história e historiografia. São Paulo: Intermeios, 2020, p. 105-132.).

De outra parte, Lemos (2016, p. 197)LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. identificou uma população cabocla no município de Valença nos censos: totalizavam 219 caboclos em 1872 e 729 caboclos em 1890. Neste ínterim, outra possibilidade para que os índios não aparecessem no livro de aforamentos de 1838 se deve a uma rehierarquização dos seus direitos de propriedade. Explico melhor: Marcelo Lemos identificou diversos índios vivendo como agregados nas fazendas nos registros eclesiásticos. Em alguns casos, a teia de relacionamentos criada pelo batismo levava também a “processos de utilização da mão-de-obra indígena pelos padrinhos e o aparecimento de agregados nas fazendas, principalmente quando os laços étnicos ficavam enfraquecidos” (LEMOS, 2016, p. 122; p. 151LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.).

Acreditamos que vários fazendeiros continuavam utilizando a mão-de-obra dos índios, só que estes eram reconhecidos como “caboclos” misturados à população.60 60 Segundo Marcio Antônio Both da Silva (2016), o termo “caboclo” é bastante escorregadio na história do Brasil. Para algumas regiões, o caboclo e seus termos correlatos (caipira para o sudeste e cabra para o nordeste) possuíam um significado bastante preciso; para outras realidades sociais e históricas não. De qualquer forma, o caboclo foi mais uma forma de representação do brasileiro e do trabalhador/agricultor nacional (NAXARA, 1998). “Em termos raciais, esse grupo já foi descrito como formado por pessoas que não são negras, brancas ou índias, mas mestiças. Sob a ótica do econômico, os estudos produzidos indicam que se trata de lavradores pobres que praticavam um tipo específico de agricultura voltada à subsistência, os quais, no sul do Brasil, entraram em contato direto com as frentes de colonização imigrante. Por sua vez, do ponto de vista cultural, a indicação é a de que eles guardavam formas próprias de se relacionar com o mundo natural, com a religião e com a sociedade mais ampla da qual participam.” (SILVA, 2016, p. 109-110). Em alguns casos, até mesmo o colono imigrante poderia se tornar um “acaboclado”, visto ser identificado pelas autoridades como mau trabalhador e não morigerado (SILVA, 2011, p. 104-105, p. 151). Em nosso caso de estudo, o acaboclamento teve uma relação direta com a diminuição da mobilidade indígena, que resultou na fixação e no assentamento dos indígenas na espacialidade luso-brasileira, num crescente processo de destribalização. Os índios que se adaptaram, tiveram que renunciar à antiga espacialidade que lhes era própria por outra que lhes é imposta. Neste processo histórico, de indígena passou a ser chamado de caboclo, uma renomeação que disfarçou a expropriação cotidiana de suas terras costumeiras (LEMOS, 2016, p. 52-60). Para outras regiões do Império, como no caso de Pernambuco e de Alagoas estudado por Mariana Dantas (2018), este processo histórico foi visualizado a partir do empardecimento da população indígena. Pardo e caboclo, nestes casos, são novas estratégias nominativas utilizadas pelo Estado imperial para descontruir direitos à terra e fazer “desaparecer” os índios da história do Império do Brasil. Ou seja, não eram mais aldeados com direito à terra coletiva: foram “senhoriados” como mão-de-obra cabocla destes fazendeiros, passando a serem os últimos da fila na hierarquia dos direitos de propriedade. Ou seja, uma parcela grande dos Coroados passou “a ser identificada como caboclos, portanto vistos como integrados ao modo de vida dos brasileiros, e os que ficavam ‘errantes pelo mato’ ganharam uma grande invisibilidade histórica, que somente num documento ou outro reaparece” (LEMOS, 2016, p. 193-194LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Dispersos pelo mato ou servindo como agregados dos senhores, os poucos índios que sobreviveram continuavam circulando por ali.61 61 Enio Sebastião Cardoso de Oliveira (2015, p. 173-174), identificou alguns Puris em Campo Alegre sendo reconhecidos como “pardos pegos no mato”. Isso era mais um sintoma do “paradigma da extinção” criado na época, pelo qual os indígenas perdiam seus traços culturais, acaboclando-se e “sumindo” da documentação. No entanto, a nova aliança que o Estado decidiu tecer passava pela defesa dos interesses dos Barões do Café e não mais pela garantia de direitos aos índios – aqueles “primários e naturais senhores” das terras – como ratificava a política indigenista do final do Setecentos (MOREIRA, 2014, p. 37). Enquanto alguns direitos de propriedade eram protegidos pelo Estado, outros foram desprotegidos na Vila.

Considerações Finais

Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza (...). Desde muito tempo, a minha comunhão com tudo o que chamam de natureza é uma experiência que não vejo ser valorizada por muita gente que vive na cidade. Já vi pessoas ridicularizando: ‘ele conversa com árvore, abraça árvore, conversa com o rio, contempla a montanha’, como se isso fosse uma espécie de alienação. Essa é a minha experiência de vida.

Ailton Krenak. O amanhã não está à venda.

A transformação socioespacial da Serra fluminense esteve intrinsecamente ligada aos conflitos étnicos e agrários que delimitaram os direitos de propriedade dos índios no movimento de avanço da fronteira luso-brasileira na virada do século XVIII para o século XIX. Foi um longo e tortuoso processo para que as fazendas de café conseguissem se entranhar naqueles sertões, isso porque a propriedade indígena dificultava a realização desta propriedade cafeeira no momento aqui considerado. Vimos que os índios conseguiram fechar a fronteira até a segunda metade do século XVIII. Lançamos a hipótese de que as correrias foram, na verdade, estratégias proprietárias de proteção da propriedade indígena, caracterizada pela ampla mobilidade nas matas localizadas Serra Acima. A identidade étnica de “índios posseiros” demarcou exatamente esta elasticidade do exercício de direitos de propriedade costumeiros nos sertões fluminenses até o fim do século XVIII.

A proposta luso-brasileira de criação do aldeamento de Nossa Senhora da Glória em 1801 foi uma tentativa de restringir esta mobilidade destes “índios posseiros”, o que foi inicialmente experimentado por eles como uma afronta a seu modo de vida e a seus direitos costumeiros. Não foi à toa que, num primeiro momento, os índios rejeitaram a proposta do aldeamento. No entanto, a chegada significativa de colonos começou a modificar os espaços: o sertão era cada vez mais transformado e as fazendas começaram a aumentar em tamanho e número. Lançamos a hipótese de que esta ocupação inaugurou uma fase de insegurança para os índios posseiros, o que fez com que alguns deles percebessem o aldeamento como um lugar de liberdade possível frente às arbitrariedades que pudessem ocorrer no sertão cada vez mais ocupado por brancos. Os anos de aldeamento, na verdade, inauguraram uma primeira fase de territorialização e de restrição dos direitos de propriedade dos índios, agora identificados numa nova categoria étnica: os “aldeados”. Neste processo de etnogênese, o espaço do aldeamento reservou-lhes uma localidade segura durante o processo de colonização luso-brasileiro e também lhes assegurou o direito sobre a terra coletiva daquele espaço colonial (ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.). Assim, a nova identidade étnica e a propriedade indígena foram transmudadas no aldeamento, e era preciso defendê-lo a qualquer custo.

Apesar de ter sido ratificado em 1819, pelo próprio rei D. João VI, que as terras do aldeamento eram pertencentes aos índios aldeados para a sua missionação e catequese, poucos anos depois o Estado imperial decidiu pela criação de uma Vila na localidade de Valença, em consequência do grande número de fazendas já instaladas na região. A elevação da Vila foi considerada a última cartada no processo de usurpação dos direitos indígenas, visto que, em um curto espaço de tempo, a terra coletiva do aldeamento foi rapidamente revertida ao patrimônio da Câmara, que apostou na individualização dos direitos de propriedade como forma de apagar o passado de luta indígena pela terra. Neste momento, a imposição da identidade étnica de “caboclos” desconstruiu não só o direito às terras costumeiras usufruídas pelos “índios posseiros” nos sertões, mas a própria terra coletiva dos “aldeados” foi loteada pela Câmara de Valença para atender aos novos atores que chegavam naquela região.

Nestes termos, o que antecedeu a instalação da plantation cafeeira foi justamente este “roubo colonial” (RICUPERO, 2009RICUPERO, Rodrigo Monteferrante. A formação da elite colonial no Brasil (c. 1530 - c. 1630). São Paulo: Alameda, 2009.) no qual os índios foram expropriados e exterminados em massa. Para aqueles que sobreviveram, o resultado foi a sua transformação em mão-de-obra cabocla e forçada nas primeiras fazendas criadas na Vila, o que não deixou de configurar uma expropriação maquiada por novas identidades étnicas que restringiam a propriedade indígena. Nos anos seguintes, a aquisição de escravos africanos adicionaria mais um elemento de apagamento do trabalho destes caboclos nestas fazendas.

É importante frisar que “cada passo é uma pequena burla, e o produto final, resultante desses passos mesquinhos, é uma expropriação total” (CUNHA, 1992, p. 146CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.). Ou seja, a cada nova identidade étnica que surgia ocorria uma transformação dos direitos de propriedade dos índios, o que representava, na verdade, uma diminuição, uma restrição: uma expropriação em “passos mesquinhos” que desestruturava o legítimo direito dos índios à terra, reconhecido até o final do século XVIII. Luiz Henrique Eloy Amado, antropólogo, advogado e ativista de direitos humanos, em especial, para a causa indígena no Brasil republicano, resume politicamente este processo da seguinte forma:

O que se entende hoje por Estado brasileiro foi constituído a partir de atitudes autoritárias que não levaram em consideração os territórios originários, a cultura, a organização social, os sistemas jurídicos próprios, as línguas e os modos próprios de ver e de entender o mundo da ótica indígena. O campo da política indigenista no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais, ou seja, sob o manto republicano, foi idealizado e implementado a partir da perspectiva da desterritorialização, dominação e assimilação dos povos originários. O sistema colonial, marcado principalmente pela implantação do processo de conquista, com o qual se buscou legitimar a escravização da mão-de-obra indígena, o processo ‘civilizatório’ por meio da catequese e o apossamento do território; foi também um período marcado pela forte resistência indígena (AMADO, 2019, p. 704AMADO, Luiz Henrique Eloy. Autoritarismo e resistência indígena no Brasil. In: Reciis, v. 13, n. 4, 2019. ISSN: 1981-6278. Disponível em: <https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1939>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: https://doi.org/10.29397/reciis.v13i4.1939.
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).

Ante todo o exposto, é preciso politizar todo o processo histórico reconstituído até aqui, afirmando que: sempre quando falamos de consolidação da propriedade cafeeira, é necessário ter em mente o processo de expropriação de outra propriedade – a indígena – que existiu naquela Serra fluminense. Ao conferirmos visibilidade a este Vale do Paraíba indígena que existiu antes do Vale do Paraíba cafeeiro, reconhecemos que “o índio não virou pó de café” (LEMOS, 2016, p. 202LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.) e que a resistência destes povos indígenas merece ser recontada e revisitada pela historiografia, que focaliza o seu olhar para o desenvolvimento econômico ímpar conquistado por esta região opulenta do Vale do Paraíba nos tempos áureos do café no Império do Brasil.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Analisamos as fontes dos seguintes acervos documentais: Arquivo da Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro (ACMARJ), Arquivo Nacional (AN), Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Biblioteca Nacional (BN) e do Centro de Documentação Histórica prof. Rogério da Silva Tjader de Valença (CDH/CESVA). Esta pesquisa contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sob o processo 2017/18127-8, quando da realização do mestrado junto à UNICAMP. Agradecemos aos profs. Ricardo Figueiredo Pirola, Jonis Freire, Larissa Moreira Viana e Maria Verónica Secreto Ferreras por lerem e comentarem versões anteriores deste artigo e pelo incentivo à publicação do mesmo.
  • 3
    Entendemos os direitos de propriedade assim como definem as autoras Manoela Pedroza e Juliana Tavares (2013, p. 242)PEDROZA, Manoela da Silva; TAVARES, Juliana Cavalcanti. Roceiros do Imperador: direitos, alianças e redes sociais entre famílias escravas na crise do escravismo (Fazenda de Santa Cruz, 1858-1876). In: AMANTINO, Marcia; ENGEMANN, Carlos (Org.). Santa Cruz: de legado dos jesuítas a pérola da Coroa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013, p. 241-272., a saber: “direitos de propriedade [são] aqueles que nos remetem ao campo da subsistência e da autonomia na gestão do tempo, do trabalho familiar e de seus frutos. Falamos, por exemplo, do direito a um fogo e uma casa; à criação de animais; a recursos naturais naquele tempo indispensáveis para a manutenção de uma família: a terra (para produção de alimentos), a caça, a lenha e a água. Entendemos cada um desses itens como direitos de propriedade, na medida em que regulam o acesso a meios de produção, a apropriação de seus frutos e a possibilidade de legá-los ou transferi-los. É mister reconhecer as influências de Edward Palmer Thompson e Rosa Congost nessa abordagem, já que encaramos como direitos não apenas o que sanciona a lei, mas também o que emana da tradição, do costume e do processo social, além do que é reivindicado por grupos sociais como direito, mesmo fora da lei ou em suas brechas.”
  • 4
    ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP)Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 01 (Monsenhor Pizarro, 1794-1795), p. 62v-71, p. 106-109.
  • 5
    Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa de autoria de Antonio de Moraes Silva (1890, p. 550)SILVA, Antonio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Empresa Literária Fluminense, 1890., “correria” se define como “assaltada repentida de inimigos, que vão correr a terra. É mais a ligeira, aforrada, e rápida, que a entrada de exército. Corredura.”
  • 6
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 952, v. 44, p. 255-257v. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.952, v. 44. Assunto: Alvarás expedidos e Códice 97, v. 1, p. 115-120. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807).
  • 7
    BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 45, n. 4Seção de Manuscritos. “Ofício do capitão comandante Henrique Vicente Lousada Magalhães ao Conde de Resende, narrando as hostilidades do gentio do Rio Paraíba. Campo Alegre, 19 de janeiro de 1798”.
  • 8
    Segundo Enio Sebastião Cardoso de Oliveira (2015, p. 164-172)OLIVEIRA, Enio Sebastião Cardoso de. O paradigma da extinção: desaparecimento dos índios Puris em Campo Alegre, sul do Vale do Paraíba. In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo (Org.). O Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da Segunda Escravidão. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015, p. 159-175., a intensificação dos conflitos entre os Puris e os colonizadores “ocasionou a fundação do aldeamento de São Luis Beltrão na localidade de Campo Alegre, capitania do Rio de Janeiro. A intenção era reduzir os índios e controlar as etnias que habitavam as proximidades da freguesia, principalmente os Puris, além dos Coroados, estes bem menos numerosos naquela extensão região.” A formação deste aldeamento foi, logo, uma tentativa de “‘amansar os índios’, tomar posse da terra e efetivar a presença portuguesa na região”, segundo palavras do autor.
  • 9
    ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP)Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 01 (Monsenhor Pizarro, 1794-1795), p. 101v-105v.
  • 10
    AN: Fundo PY – Família Werneck, p. PY 2,1 e PY 11,1Fundo PY – Família Werneck. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos) e Correspondência com diferentes autoridades.
  • 11
    BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 45, n. 1Seção de Manuscritos. “Ofício de João Pacheco Lourenço e Castro ao Conde de Resende, informando sobre os produtos da indústria indígena. Registro da Paraibuna, 12 de agosto de 1797”.
  • 12
    Segundo Mariana Armond Dias Paes (2018)PAES, Mariana Armond Dias. Escravos e terras entre posses e títulos: a construção social do direito de propriedade no Brasil (1835-1889). Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., a posse era uma categoria jurídica que foi bastante mobilizada na prática e no uso do direito comum no Brasil colonial e imperial. Segundo ela, “o exercício da posse poderia gerar tanto a proteção judicial da situação possessória quanto a aquisição do domínio por prescrição. Para gerar reconhecimento e proteção judicial, era necessário que o possuidor demonstrasse que a posse era exercida de maneira pública e pacífica, ou seja, sem contestação. No caso das coisas materiais, a prova da posse se dava pela comprovação do exercício de direitos sobre a coisa.” (PAES, 2018, p. 26PAES, Mariana Armond Dias. Escravos e terras entre posses e títulos: a construção social do direito de propriedade no Brasil (1835-1889). Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Por outro lado, em sua investigação, a autora concluiu que “é possível identificar que determinadas populações indígenas foram excluídas do acesso à terra, no Brasil, por meio da não identificação de sua ocupação como atos possessórios válidos e passíveis de reconhecimento judicial. Ou seja, por vezes, não era a propriedade individual que estava em contraposição com as relações que os grupos indígenas estabeleciam com a terra. Por muito tempo, foi a interpretação dada a institutos do direito comum, no Brasil, que atuou na exclusão dos indígenas. Ainda é necessário avançar as investigações sobre esse tema, mas é provável que esse mecanismo de exclusão, pelo não reconhecimento jurídico da posse, fosse seletivo, ou seja, fosse direcionado apenas a alguns grupos indígenas, tidos como ‘selvagens’, ‘bravios’, como, por exemplo, os chamados ‘bugres’.” (PAES, 2018, p. 47PAES, Mariana Armond Dias. Escravos e terras entre posses e títulos: a construção social do direito de propriedade no Brasil (1835-1889). Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). O problema da posse das terras indígenas segue sendo uma questão espinhosa mesmo no Brasil republicano e contemporâneo, visto que, como Andressa Lewandowski (2019)LEWANDOWSKI, Andressa. Do contrato ao status: as terras indígenas e o Supremo Tribunal Federal. In: Ilha, v. 21, n. 1, 2019. ISSN: 2175-8034. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/2175-8034.2019v21n1p226/40980>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.2019v21n1p226.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilh...
    nos expressa, “diferentemente da posse civil, a posse indígena (...) não consolida uma situação de fato – a ocupação e o domínio – em uma situação de direito, já que, ao contrário, a situação teria sempre sido de direito. Não se pode adquirir por meio da lei aquilo que já era tido como seu (...). O que a lei faz é ‘simplesmente’ reconhecer a ‘nossa terra’, as terras das comunidades, seus vínculos tradicionais que se atualizam em determinados lugares. A propriedade das terras tradicionalmente ocupadas não pertence aos índios, mas à União, ou seja, ao Estado, responsável por proteger o usufruto exclusivo das comunidades, sua imprescritibilidade e inalienabilidade, seu direito à posse permanente – posse aqui como aquilo que a lei deve garantir e não como critério de reconhecimento.” (LEWANDOWSKI, 2019, p. 240-241LEWANDOWSKI, Andressa. Do contrato ao status: as terras indígenas e o Supremo Tribunal Federal. In: Ilha, v. 21, n. 1, 2019. ISSN: 2175-8034. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/2175-8034.2019v21n1p226/40980>. Acesso em: 8 set. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.2019v21n1p226.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilh...
    ). Neste caso, a autora acredita que os fundamentos das relações de propriedade formais e construídas pelo Estado brasileiro a partir da Constituição de 1988 se tornam um “esquadro pouco operacional” para pensar as relações que os índios continuam mantendo com a terra e com o seu território.
  • 13
    BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 45, n. 1Seção de Manuscritos. “Ofício de João Pacheco Lourenço e Castro ao Conde de Resende, informando sobre os produtos da indústria indígena. Registro da Paraibuna, 12 de agosto de 1797”.
  • 14
    AN: Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941.
  • 15
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 97, v. 1, p. 126-127. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807).
  • 16
    Idem.
  • 17
    Ibidem.
  • 18
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 67, v. 23, p. 168. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.67, v. 23. Assunto: Correspondência entre D. Rodrigo de Souza Coutinho e José Rodrigues da Cruz em 22 de outubro de 1798.
  • 19
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 97, v. 1, p. 126-127. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807).
  • 20
    AN: Fundo PY – Família Werneck (Digitalizado), p. PY 2,1-PY 9,12Fundo PY – Família Werneck. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos) e BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 343, 6, n. 1-7Seção de Manuscritos. “Ignácio de Souza Werneck, Sargento-mor de Ordenanças Reformado, padre em Minas Gerais (1808-1812)”.
  • 21
    AN: Fundo 4B – Junta da Real Fazenda da Capitania do Rio de JaneiroFundo 4B – Junta da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro. Códice 206, v. 1, p. 2v-3. Notação: BR.AN,RIO.4B.COD.0.206, v. 1. Assunto: Avisos, ofícios, portarias, entre outros (1801-1808).
  • 22
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 237, 13Seção de Manuscritos. “Índios de Resende. S/ data”. Documento 2.
  • 23
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 97, v. 1, p. 270-271. Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.97, v. 1. Assunto: Correspondência de Minas Gerais – Governadores (1768-1807).
  • 24
    Idem, p. 123-124v.
  • 25
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 128, v. 72, p. 35-36 (n. 20); p. 54-55v (n. 31). Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.128, v. 72. Assunto: Registro de Sesmarias (1803-1804).
  • 26
    AN: Fundo 86 – Secretaria do Estado do BrasilFundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil. Códice 128, v. 73, p. 120v-122v (n. 64); p. 124v-126 (n. 66). Notação: BR.AN,RIO.86.COD.0.128, v. 73. Assunto: Registro de Sesmarias (1804-1805).
  • 27
    AN: Fundo PY – Família Werneck, p. PY 9,12-PY 11,1Fundo PY – Família Werneck. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos).
  • 28
    BN: Seção de Manuscritos – Códice 7, 4, 6, n. 1-2Seção de Manuscritos. “Ofício ao Conde Vice-Rei (Conde dos Arcos) informando sobre novos caminhos abertos pelas margens do Rio Paraíba do Capitão Ignácio de Souza Werneck. Rio de Janeiro, 9 de março de 1808”.
  • 29
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 343, 6, n. 1-7Seção de Manuscritos. “Ignácio de Souza Werneck, Sargento-mor de Ordenanças Reformado, padre em Minas Gerais (1808-1812)”. O incômodo da medida foi instantâneo, visto que os moradores se utilizavam do trabalho destes aldeados naquele espaço (MACHADO, 2012MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1790-1824). Guarapuava: Unicentro, 2012.).
  • 30
    AN: Fundo 4J – Mesa da Consciência e OrdensFundo 4J – Mesa da Consciência e Ordens. Códice 26, v. 2, p. 110v-111 (n. 208). Notação: BR.AN,RIO.4J.COD.0.26, v. 2. Assunto: “Registro de consultas e resoluções na Secretaria do Tribunal do Despacho da Mesa da Consciência e Ordens na Repartição da Fazenda dos Defuntos e Ausentes”.
  • 31
    AN: Fundo 4J – Mesa da Consciência e OrdensFundo 4J – Mesa da Consciência e Ordens. Caixa 285, Documento 13. Seção de Guarda: CODES/SDE. Assunto: “Requerimento do Padre Manoel Gomes Leal, capelão dos índios Coroados da aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença, sobre a ereção de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Glória”.
  • 32
    Idem, Caixa 285, Documento 12. Assunto: “Requerimento do Padre Manoel Gomes Leal sobre a ereção da nova freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença”.
  • 33
    AN: Fundo A3 – Série Interior (Culto Público)Fundo A3 – Série Interior (Culto Público). Código IJJ.11.74, Documento 72, p. 1. Assunto: “Correspondência de Bispos: Marquês de Aguiar ao Bispo Capelão-Mor, de 31 de janeiro de 1814.”
  • 34
    ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP)Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 15 (Visita anônima – José Luiz de Freitas? – na Aldeia de Valença, 1813), Livro 14 (A12), n. 19, p. 217v-219v.
  • 35
    Idem.
  • 36
    Ibidem.
  • 37
    Ibidem.
  • 38
    Ibidem.
  • 39
    AN: Fundo PY – Família Werneck, p. PY 11,1Fundo PY – Família Werneck. Assunto: Ignácio de Souza Werneck (Apontamentos Biográficos).
  • 40
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-9Seção de Manuscritos. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”.
  • 41
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-9Seção de Manuscritos. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”.
  • 42
    CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1 (1826-1833), p. 31.
  • 43
    APERJ: Fundo – Presidência da Província. Notação 0198: Documentos produzidos por juízes de direito de diversos municípios. No do maço: 1. Caixa 53, n. 11. Assunto: “Resposta dos Juízes à Circular de 16 de novembro de 1854”.
  • 44
    ACMARJ: Série – Visitas Paroquiais (VP)Série – Visitas Paroquiais (VP). VP 25 (Visita anônima, 1829-1832), Livro 24, p. 19.
  • 45
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-9Seção de Manuscritos. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”.
  • 46
    BN: Seção de Manuscritos – Códice II, 34, 19, 15Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941. “Representação dos Moradores de Valença pedindo a revogação de Sesmaria na Aldeia de Nossa Senhora da Glória (1828)”.
  • 47
    CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1 (1826-1833), p. 47-47v; p. 50v e Livro no 2 (1833-1836), p. 78; p. 190.
  • 48
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 4-10Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”.
  • 49
    CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1 (1826-1833), p. 66 e Livro no 2 (1833-1836), p. 89v-90.
  • 50
    BN: Seção de Manuscritos – Códice c, 583, 13, n. 1-9Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941. Assunto: “Eleutério Delfim Silva. Sesmeiro da Vila de Nossa Senhora da Glória de Valença”.
  • 51
    Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Rio de Janeiro. Município de Valença: 1851/1852.
  • 52
    CDH/CESVA: Código de Posturas da Vila de Valença de 1828, p. 11-51CÓDIGO de Posturas da Vila de Valença – 1828.. Código: CPDHCM11-001010072.
  • 53
    APERJ: Fundo – Presidência da Província. Dossiê 0137: Documentos Provenientes da Câmara Municipal de Valença (1835-1886). Código de Referência/Notação: BR.RJ.APERJ.PP.SPP.0137. No do maço: 03. Caixa 31, p. 154-155.
  • 54
    CDH/CESVA: Atas de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 2 (1833-1836), p. 197-197v.
  • 55
    CDH/CESVA: Cartas de Aforamentos da Vila de Valença de 1838CARTAS de Aforamentos da Vila de Valença – 1838.. Código CPDHCM 19-00101006583.
  • 56
    Idem, p. 122-123.
  • 57
    Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro de 1º de março de 1844, p. 24.
  • 58
    Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro de 1º de março de 1850, p. 20-23.
  • 59
    APERJ: Fundo – Presidência da Província. Dossiê 0137: Documentos Provenientes da Câmara Municipal de Valença (1835-1886). Código de Referência/Notação: BR.RJ.APERJ.PP.SPP.0137. No do maço: 03. Caixa 31, p. 150-151.
  • 60
    Segundo Marcio Antônio Both da Silva (2016)SILVA, Marcio Antônio Both da. Caboclos e colonos: encontros, ocupação e conflitos nas matas do Rio Grande do Sul (1850-1889). Curitiba: Editora Primas, 2016., o termo “caboclo” é bastante escorregadio na história do Brasil. Para algumas regiões, o caboclo e seus termos correlatos (caipira para o sudeste e cabra para o nordeste) possuíam um significado bastante preciso; para outras realidades sociais e históricas não. De qualquer forma, o caboclo foi mais uma forma de representação do brasileiro e do trabalhador/agricultor nacional (NAXARA, 1998NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiro em sua própria terra: representações do brasileiro (1870-1920). São Paulo: Annablume, 1998.). “Em termos raciais, esse grupo já foi descrito como formado por pessoas que não são negras, brancas ou índias, mas mestiças. Sob a ótica do econômico, os estudos produzidos indicam que se trata de lavradores pobres que praticavam um tipo específico de agricultura voltada à subsistência, os quais, no sul do Brasil, entraram em contato direto com as frentes de colonização imigrante. Por sua vez, do ponto de vista cultural, a indicação é a de que eles guardavam formas próprias de se relacionar com o mundo natural, com a religião e com a sociedade mais ampla da qual participam.” (SILVA, 2016, p. 109-110SILVA, Marcio Antônio Both da. Caboclos e colonos: encontros, ocupação e conflitos nas matas do Rio Grande do Sul (1850-1889). Curitiba: Editora Primas, 2016.). Em alguns casos, até mesmo o colono imigrante poderia se tornar um “acaboclado”, visto ser identificado pelas autoridades como mau trabalhador e não morigerado (SILVA, 2011, p. 104-105, p. 151SILVA, Marcio Antônio Both da. Babel do Novo Mundo: povoamento e vida rural na região de matas do Rio Grande do Sul (1889-1925). Guarapuava: Unicentro, 2011.). Em nosso caso de estudo, o acaboclamento teve uma relação direta com a diminuição da mobilidade indígena, que resultou na fixação e no assentamento dos indígenas na espacialidade luso-brasileira, num crescente processo de destribalização. Os índios que se adaptaram, tiveram que renunciar à antiga espacialidade que lhes era própria por outra que lhes é imposta. Neste processo histórico, de indígena passou a ser chamado de caboclo, uma renomeação que disfarçou a expropriação cotidiana de suas terras costumeiras (LEMOS, 2016, p. 52-60LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O Índio Virou Pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Para outras regiões do Império, como no caso de Pernambuco e de Alagoas estudado por Mariana Dantas (2018)DANTAS, Mariana. Dimensões da participação indígena: Estado nacional e revoltas em Pernambuco e Alagoas (1817-1848). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018., este processo histórico foi visualizado a partir do empardecimento da população indígena. Pardo e caboclo, nestes casos, são novas estratégias nominativas utilizadas pelo Estado imperial para descontruir direitos à terra e fazer “desaparecer” os índios da história do Império do Brasil.
  • 61
    Enio Sebastião Cardoso de Oliveira (2015, p. 173-174)OLIVEIRA, Enio Sebastião Cardoso de. O paradigma da extinção: desaparecimento dos índios Puris em Campo Alegre, sul do Vale do Paraíba. In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo (Org.). O Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da Segunda Escravidão. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015, p. 159-175., identificou alguns Puris em Campo Alegre sendo reconhecidos como “pardos pegos no mato”. Isso era mais um sintoma do “paradigma da extinção” criado na época, pelo qual os indígenas perdiam seus traços culturais, acaboclando-se e “sumindo” da documentação.

Fontes manuscritas

Fontes manuscritas
  • Série – Visitas Paroquiais (VP)
  • Fundo 05 – Fazenda Pau-Grande, 1771-1941
  • Fundo PY – Família Werneck
  • Fundo 4B – Junta da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro
  • Fundo 4J – Mesa da Consciência e Ordens
  • Fundo 86 – Secretaria do Estado do Brasil
  • Fundo A3 – Série Interior (Culto Público)
  • Fundo PP – Presidência da Província do Rio de Janeiro
  • Seção de Manuscritos
  • ATAS de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 1: 1826-1833.
  • ATAS de Sessões da Câmara Municipal de Valença. Livro no 2: 1833-1836.
  • CARTAS de Aforamentos da Vila de Valença – 1838.
  • CÓDIGO de Posturas da Vila de Valença – 1828.

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  • RIBEYROLLES, Charles. Brasil Pitoresco Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1980.
  • SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de janeiro e Minas Gerais São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
  • SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.
  • SILVA, Antonio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa Vol. 1. Rio de Janeiro: Empresa Literária Fluminense, 1890.
  • SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 17, 1854.
  • SOUZA, Luiz de Vasconcellos e. Ofício do Vice-Rei Luiz de Vasconcellos e Souza.... In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 4, n. 3, 1842.
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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2020
  • Aceito
    27 Ago 2021
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