Acessibilidade / Reportar erro

CARTAS ENTRE LETRADOS: CIRCULAÇÃO DE SABERES NA CORRESPONDÊNCIA ENTRE JOAQUÍN GARCÍA ICAZBALCETA E WILLIAM H. PRESCOTT (1849-1856)

LETTERS BETWEEN LETTEREDS: CIRCULATION OF KNOWLEDGE IN THE CORRESPONDENCE BETWEEN JOAQUÍN GARCÍA ICAZBALCETA AND WILLIAM H. PRESCOTT (1849-1856)

Resumo

O objetivo do artigo é analisar a correspondência entre William H. Prescott e Joaquín García Icazbalceta, pensando-a como uma oportunidade para se estudar uma pequena fração da maciça corrente de trocas epistolares oitocentistas entre os dois países (e também com a Europa). Tal intercâmbio, embora fragmentário, desigual e pequeno (se comparado ao volume de cartas que ambos escreveram em suas vidas), permite-nos mostrar a importância de se estudar as correspondências entre produtores de conhecimento histórico no século XIX, pois, como demonstraremos, é a partir delas, bem como das impressões de livros, periódicos e da circulação desses manuscritos e impressos, que boa parte das instituições de guarda de memória foi formada. Desta forma, é possível pensarmos uma fração de como se escreveu a história do México e como se institucionalizou a ciência histórica ali em meados do XIX, período que conviveu com as primeiras tentativas de criar histórias nacionais. A pesquisa caminha na contramão de ideias que corroboram que nesta época só existia uma relação de guerra ou desconfiança entre o México e os Estados Unidos.

Palavras-chave:
Correspondência; história intelectual; William Prescott; Joaquín García Icazbalceta

Abstract

The purpose of this article is to show the importance of studying the correspondence exchanged between William H. Prescott and Joaquín García Icazbalceta as an opportunity to study a tiny fraction of this flow of interchanges in the 19th century between the two countries (and also with Europe). Such a flow of letters, although fragmentary, unequal and small (compared to the thousands of letters both of them wrote in their lives) allow to demonstrate the importance of studying correspondence of such knowledge producers in the 19th century. It is from these documents, as well as from the printing of books, periodicals and the circulation of those manuscripts and printed issues, that a great part of the memory-guarding institutions were formed in the United States and Mexico. We will argue about how to write the history of Mexico was being thought and the institutionalization of a historical science, as well as the attempts of making their first national histories. We dispute some ideas that corroborate that there was only a relationship of war and distrust between Mexico and the United States in that period.

Keywords:
Correspondence; intellectual history; William Prescott; Joaquín García Icazbalceta

Introdução

D. Joaquín García Icazbalceta tinha 23 anos quando escreveu a primeira carta a William H. Prescott em 1847. Depois dela, a correspondência entre os dois intelectuais chegou a quase meia centena de textos, todos em tom muito formal e cordial, repletos de pedidos de manuscritos e obras historiográficas. Formulado no período que vai de pouco depois da guerra entre México e Estados Unidos até 1856, esse corpo documental constitui uma das primeiras trocas culturais estáveis entre letrados dos dois países e serviu para aplainar as relações entre os homens de letras de ambos os lados da fronteira.1 1 BERNAL, Ignacio. Prólogo. In: ANTUÑAMO, Francisco de & BERAZA, Felipe García. Correspondencia entre los historiadores William H. Prescott y Joaquín García Icazbalceta. México: Instituto Mexicano Norteamericano de Relaciones Culturales, 1984, p. 08.

García Icazbalceta e Prescott marcaram as formas de escrever a história do México: o primeiro era um jovem literato mexicano, abastado colecionador de manuscritos e crônicas dos tempos da conquista e do período vicerreinal; o segundo, já no fim da vida e quase cego, gozava de grande reputação como historiador, dono de uma extensa biblioteca sobre o Império espanhol no século XVI e autor de best-sellers sobre o assunto; em seus livros, fundava-se uma tradição historiográfica de interpretação da conquista como um feito do Império espanhol e centrada na personalidade de Hernán Cortés.

O mexicano tornar-se-ia uma referência maior para a erudição de seu país, publicando documentos em edições custeadas do próprio bolso. Prescott, por sua vez, teve trajetória acadêmica sólida, iniciada nos anos 1820. Ao lado de outros intelectuais da Nova Inglaterra, como George Ticknor, desenvolveu uma obra que ultrapassou tanto a temática nacional (usual entre os historiadores norte-americanos da época) quanto as fronteiras de seu país. Seus livros sobre o Império espanhol representaram “um marco na própria historiografia norte-americana”2 2 KAGAN, Richard. Prescott’s paradigm: American historical scholarship and the decline of Spain. American Historical Review, vol. 101, Bloomington, 1998, p. 423-446, p. 230. e foram amplamente traduzidos na Europa e no restante do continente americano.3 3 Cf. JAKSIĆ, Iván. Ven conmigo a la España lejana: los intelectuales norteamericanos ante el mundo hispano, 1820-1880. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2007.

Neste texto analisaremos tal correspondência como uma diminuta, mas importante parte de uma rede de trocas acadêmicas e intelectuais maior entre México e Estados Unidos. No caso específico deste artigo, veremos como esta fascinante, fértil e desigual relação contribuiu para a confecção das primeiras histórias nacionais mexicanas e serviu de parâmetro para duas visões muito distintas sobre o passado colonial e a escrita da história. Isso porque lemos a correspondência entre os dois letrados românticos de duas formas. Em primeiro lugar, como a inevitável via de mão dupla que uma troca epistolar deixa entrever: há sempre uma intenção anunciada (e, por vezes, outra mais sorrateira que só se deixa à luz depois de algum tempo), uma espera carregada de ansiedade (uma vez que a resposta pode demorar meses ou sequer vir - pois não se há certeza de que a missiva original chegou às mãos do destinatário) e “uma resposta que tem por função principal o restabelecimento do início do processo”.4 4 VENANCIO, Gisele Martins. Presentes de papel: cultura escrita e sociabilidade na correspondência de Oliveira Vianna. Estudos Históricos, n. 28, Rio de Janeiro, 2001, p. 23-47, p. 23-24. Como assinala Cécile Dauphin, do ponto de vista formal, por ser prática marcada por códigos de etiqueta muito bem definidos, a troca de correspondências “(...) é pontuada pela espera de respostas. Essa obrigação, que revela o código de boas maneiras, traduz de fato uma relação com o tempo específica da correspondência”.5 5 DAUPHIN, Cécile. Les manuels épistolaires au XIXe siêcle. In: CHARTIER, Roger. La correspondance: les usages de la lettre au XIXe siécle. Paris: Fayard, 1991, p. 235. Tal tempo da correspondência contém, em si, duas temporalidades: a da urgência do que se pede como resposta e, ao mesmo tempo, a espera pela mesma reposta, que pode tomar meses, anos.

Num segundo momento, por meio das mesmas cartas, foi possível retraçar redes de sociabilidades e o percurso que um erudito do XIX precisava fazer para ter acesso a suas fontes. Em outras palavras, a partir das missivas entre García Icazbalceta e Prescott, por meio das menções que fazem a outros textos, instituições e pessoas, pudemos retraçar certos contextos de produção de publicações, bem como acessar parte das múltiplas redes em que ambos estavam involucrados. Com isso, a imagem do solitário “homem de letras” romântico evanesce para dar lugar à construção do conhecimento histórico e de sua escrita como um ato interdependente, que ligava países, instituições e pessoas.

Otium sine litteris mors est: a historiografia sobre García Icazbalceta

García Icazbalceta nasceu em 21 de agosto de 1825, apenas quatro anos após a independência de seu país. O clima de perseguição aos espanhóis forçou sua família ao exílio. Apesar de sua mãe, doña Ana Ramona de Icazbalceta y Musitu, ser mexicana de nascimento, seu pai, don Eusébio García Monastério, era espanhol, impedindo que a família conseguisse escapar da sanha de livrar o país de seu passado colonial que tomara a política dos anos 1820.

O casal García e seus dez filhos foram para Nova Orleans, de onde embarcaram com destino à França, fixando residência, por um curto período, em Bordeaux. Continuaram a peregrinação até a Espanha, estabelecendo-se em Cádiz. Na região gaditana, ampliaram sua fortuna à frente de um próspero negócio de vinhos.6 6 GONZÁLEZ, Natalicio. Icazbalceta y su obra. Historia Mexicana, vol. III, n. 3, jan.-mar. 1954, p. 368. Foi lá que o caçula da família, Joaquín, aprendeu a ler e escrever, e observou seus pais à frente dos negócios da família, ofícios que jamais abandonaria.7 7 Na extensa troca de cartas entre Icazbalceta e seu filho Luis, o vemos discorrer sobre os pormenores da lavoura do açúcar em Morelos, investimentos em ações de ferrovias e outros negócios. Não amiúde, menciona a importância de se observar o caminho parental. Cf. MATA, Emma Rivas & GUTIÉRREZ, Edgar O. Cartas de las haciendas. Joaquín García Icazbalceta escribe a su hijo Luis, 1877-1894. México: Inah, 2013.

Em 1833, o México abriu novamente suas portas aos espanhóis e os García puderam retornar. Seus pais, contudo, encontraram dificuldades para se enquadrar plenamente naquela sociedade agitada por choques de opinião, cujas reformas na educação haviam dado ao ensino um caráter laico. Resolveram, pois, prosseguir a educação do pequeno Joaquín através de tutores que lhe ensinaram latim, inglês, francês e italiano, além de história. Em sua família, “se respiraba una atmósfera peculiar, de moralidad austera, impregnada de cándidos fervores cristianos y de orgullosas tradiciones de la más grande España”.8 8 GONZÁLEZ, Natalicio, op. cit., p. 367.

Adulto, García Icazbalceta tornou-se o perfeito misto de próspero homem de negócios e intelectual: “Si a la mañana me proponen el más pingüe de los negocios, ni siquiera los escucho; si a la tarde me ofrecen por unos centavos al más valioso incunable o el más raro de los manuscritos, jamás atiendo la oferta”, confidenciou em carta a um conhecido.9 9 Apud GONZÁLEZ, Natalicio, op. cit., p. 368. De manhã, dedicava-se ao estudo do passado colonial de seu país, acumulando incalculável quantidade de livros e manuscritos antigos, formando uma das mais valiosas bibliotecas americanistas de seu tempo.10 10 “Tenía una riquísima colección de documentos reunidos para sus estudios históricos: hermosa biblioteca de estantería hasta el techo, en las piezas que daban sobre la calle. El gran salón, de viejo aspecto colonial, estaba situado al lado izquierdo de un patio, grande como una plaza. Cuando le veía, me recibía siempre con cultura, declarándome que él no pertenecía a la sociedad presente, encerrado en sus libros, oyendo misa todos los días, y dado al lujo de hacer ediciones de tan corto número, que son verdaderos incunables. No aspiraba a nada; le conocí anciano y me causaba respetuosa simpatía verle tranquilo y resignado, viviendo entre sus libros, sus verdaderos amigos, ocupado en dirigir la impresión de sus obras históricas; supongo que tenía familia, pero sólo le conocí a él.” Vicente G. Quesada, ministro de Argentina no México, citado em BERNAL, Ignacio (org.). Correspondencia de Nicolás León con Joaquín García Icazbalceta. México: Unam, 1982, p. 223. Após o almoço, geria os negócios da família. Não à toa imprimia seu mote em seus livros: Otium sine litteris mors est, “o ócio, sem as letras, é a morte”.

Esta visão romantizada de um homem de letras romântico foi escrita enquanto o próprio biografado seguia vivo. Em 1889, por exemplo, Jesus Galindo y Villa realizou um trabalho sobre o bibliófilo intitulado “Don Joaquín García Icazbalceta: Notas biográficas y bibliográficas”, cujo objetivo era dar a conhecer ao mundo de fala espanhola a vida e os trabalhos daquele insigne homem. Uma versão revisada dessa notícia apareceu em 1903 nos Anales del Museo Nacional de Mexico e, vinte e três anos depois, traduzida para o inglês, na revista Inter-America.

Na ocasião de sua morte (d. Joaquín faleceu em 1894), ganhou necrológios no México e nos Estados Unidos. 11 11 PILLING, J. C. Joaquín Garcia Icazbalceta. American Anthropologist, vol. 8, n. 2, Blackwell Publishing on behalf of the American Anthropological Association, abr. 1895., p. 178-179, por exemplo. Sempre seguindo os passos do texto de Galindo y Villa, García Icazbalceta continuou a ser retratado como um trabalhador incansável para a preservação da memória sobre o México colonial, chegando a ser apontado como o “gran señor de las letras” de seu país no decorrer do século XX.12 12 MARTÍNEZ, Manuel Guillermo. Don Joaquín García Icazbalceta. Revista Interamericana de Bibliografía, vol. 1, n. 2, Washington, abr.-jun. 1951, p. 81.

Nos Estados Unidos, Henry R. Wagner realizou tributo similar em 1934, quando publicou um ensaio em Proceedings of the American Antiquarian Society, trazendo um esboço bibliográfico e um levantamento exaustivo da produção bibliográfica de García Icazbalceta.13 13 WAGNER, Henry R. Joaquín García Icazbalceta. Proceedings of the American Antiquarian Society, 1934. Outros dois breves estudos, sempre seguindo o modelo “vida e obra”, foram publicados em inglês nos anos 1940, ambos na revista franciscana The Americas, mostrando a importância do pensador para a memória dessa ordem no México: Alberto Maria Carreño, “Don Joaquin Garcia Icazbalceta” e Francis Borgia Steck, no ensaio em quatro partes, “Literary contributions of catholics in nineteenth century Mexico”.14 14 CARREÑO, Alberto María. Don Joaquin Garcia Icazbalceta. The Americas, vol. 1, n. 4, Catholic University of America Press on behalf of Academy of American Franciscan History, abr. 1945. STECK, Francis Borgia. Literary contributions of catholics in nineteenth century Mexico. The Americas, vol. 1, n. 3, Catholic University of America Press on behalf of Academy of American Franciscan History, abr. 1945.

Ainda na mesma década, uma tese de doutorado defendida na Catholic University of America tornou-se referência por propor uma análise da obre de d. Joaquín. Era o texto de Manuel Guillermo Martínez, Don Joaquín García Icazbalceta and his place in Mexican historiography. O propósito do trabalho, nas palavras do próprio autor, era fazer “Garcia Icazbalceta better known at least in the United States and at the same time to assign to him his place in Mexican historiography”. O trabalho foi traduzido e publicado em espanhol no México pela própria família de García Icazbalceta. Em termos de conteúdo, porém, o trabalho nada acrescentava que não uma reafirmação dos artigos anteriores, mas de forma mais extensa. Nettie Lee Benson, em resenha feita para a Hispanic American Historical Review de novembro de 1948, escreveu que o livro de Martínez era uma “introduction to a remarkable and honored Mexican scholar of the nineteenth century, but there is little here for the initiated. It is regrettable, furthermore, that the biographer’s organization of his study contributes to prolixity”.15 15 BENSON, Nettie Lee. Review on Manuel Guillermo Martínez. The Hispanic American Historical Review, vol. 28, n. 4, Duke University Press, nov. 1948, p. 568.

Nas décadas seguintes, em especial nos anos 1950, quando vários trabalhos foram produzidos sobre d. Joaquín, pouco se propôs para a problematização da obra do erudito mexicano. Todos os estudos publicados sobre ele não trouxeram muito mais que dados biográficos, listagens de suas publicações e uma laudatória vindicação de seu nome à categoria de maior bibliófilo que o México já tivera.16 16 Cf. GONZÁLEZ, Natalicio, op. cit., 1954 e MARTÍNEZ, Manuel Guillermo, op. cit., p. 951; MILLARES CARLO, Agustín. Prólogo. In: GARCÍA, Icazbalceta, Joaquín. Bibliografía Mexicana del Siglo XVI – catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económico, 1954.

Do ponto de vista historiográfico, apenas nos anos 1980, com uma renovação metodológica na historiografia mexicana, é que a obra de García Icazbalceta ganhou um estudo mais de vulto, ligando-a a outras produções do mesmo período. Luis González y González17 17 GONZÁLEZ y GONZÁLEZ, Luís. La ronda de las generaciones. México: SEP, 1984. criou uma periodização bastante interessante para os escritores do XIX mexicano. Segunda essa divisão, haveria uma geração de intelectuais romântica e liberal, que estava em seu auge produtivo durante o período da Reforma. A partir de 1877, entrou em evidência outra geração, a de Porfírio Díaz ou “tuxtepecana”. Por sua vez, essa geração deu lugar à dos positivistas, que entram em seu auge a partir de 1892. Para González, García Icazbalceta faria parte da geração “tuxtepecana”, de ampla maioria liberal, sendo uma notada exceção à regra, por sua vinculação conservadora.18 18 A distinção entre liberais e conservadores, quando se trata de América hispânica, está longe de ser óbvia. De forma tradicional, costumou-se retratar o liberalismo do século XIX como uma ideologia completamente alheia ao âmbito cultural latino-americano; uma tradição importada que, como “ideia fora de lugar”, se chocou com a tradição patrimonial, patriarcal e absolutista herdada dos tempos coloniais. Nesse sentido, não é difícil encontrar a noção de senso comum de que os liberais americanos usam seus textos apenas como máscaras para o autoritarismo. O trabalho de Charles Hale, em especial seu livro sobre o pensamento de Mora (HALE, Charles. Mexican liberalism in the age of Mora, 1821-1853. New Haven: Yale University Press, 1968) rompeu parcialmente com esse paradigma, tornando-se leitura obrigatória sobre o assunto desde seu lançamento. Hale fez o primeiro esforço sistemático para explicar as diferenças e (acima de tudo) as semelhanças entre os conservadores e os liberais mexicanos. Lançou a tese de que foi justamente o conflito ideológico entre as duas facções o principal responsável pela instabilidade política mexicana durante a primeira metade dos Oitocentos. Mas também matizou as diferenças entre os lados, mostrando que, de fato, todos os lados eram liberais: um lado liberal autodeclarado, ao passo que o outro era de “liberais-conservadores”. Sendo assim, Hale inaugurou uma tradição (que tem no livro de Enrique Krauze, Os redentores, 2010, seu mais recente seguidor) de ver o México em particular, mas toda a América Latina por extensão, como tendo “nascido liberais”. Esta longa digressão sobre tão importante questão não poderia ficar completa se não mencionássemos o trabalho recente de Josefina Z. Vázquez. A autora, ainda que não rompa por completo com os paradigmas de Hale, enfatizou outros vocabulários políticos do XIX, mostrando que o conflito de ideários no México da época se dava mais em termos de “centralistas e federalistas” do que entre conservadores e liberais. Para ela, a primeira metade do século ficou cindida entre um “liberalismo federal” e um “liberalismo centralista” (cf. VÁZQUEZ, Josefina Z. & ANNINO, Antonio. El primer liberalismo mexicano: 1808-1855. México: Inah, 1995; ou Idem. Liberales y conservadores en México: diferencias y similitudes. Estudios interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, vol. 8, nº 1, jan.-jun. 1997). Ainda assim, defendia, como o resto do grupo, que o devir histórico do país deveria ser explicado, orgulhosamente, dentro de uma evolução progressiva da humanidade.

Essa geração, segundo a tese de González, flertou tanto com o romantismo liberal do grupo anterior quanto com o positivismo do seguinte, educada nos moldes da reforma de Gabino Barreda, e que preferiu Comte, Spencer, Mill e Taine aos velhos Rousseau e aos ideais românticos da geração anterior.19 19 MATUTE, Álvaro & TREJO, Evelia. La historia antigua en México: su evolución social. In: MATUTE, Álvaro (ed.). Estudios de historia moderna y contemporánea de México, vol. 14. México: Unam, Instituto de Investigaciones Históricas, 1991, p. 89. Os “tuxtepecanos” geraram uma historiografia amplamente preocupada com a ordem política e moral de reconstrução do país, transformando o fazer histórico em tarefa transcendental, buscando reforçar o sentimento de identidade nacional.20 20 PI-SUÑER LLORENS, Antonia. La generación de Vicente Riva Palacio y el quehacer historiográfico. Secuencia, Nueva Época, n. 35, México: Instituto Mora, maio-agosto 1996.

O trabalho de conservadores como García Icazbalceta ou Manuel Orozco y Berra, por exemplo, era utilizado pela historiografia liberal do período. Ou seja, colidir dados, condensá-los, selecioná-los e publicá-los era uma estratégia discursiva típica da erudição conservadora, mas passava às mãos da produção liberal em sociedades científicas como a Sociedade Mexicana de Geografia e Estatística.21 21 FERNANDES, L. E. O. Patria mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). Jundiaí: Editorial Paco, 2012. D. Joaquín tornou-se célebre por catalogar obras antigas, publicar manuscritos e, mais ocasionalmente (porém com considerável volume), publicar artigos e estudos sobre determinado período ou personagem histórico. Orozco y Berra, orgulhosamente, apresentava seu monumental Diccionario universal de Historia y Geografía (que contou com muitos verbetes de Icazbalceta) escrevendo, em 1853, que se tratava de uma obra de “compilação e não de criação”. Esse tipo de discurso científico reforçava no México uma fé e uma fascinação com as formas de conhecimento enciclopédico, tão comum no período.22 22 CRAIB, Raymond. A nationalist metaphysics: state fixations, national maps, and the geo-historical imagination in nineteenth-century Mexico. Hispanic American Historical Review, 82, n. 1, fev. 2002, p. 46.

Mesmo essa nova forma de analisar a obra do erudito mexicano, extrapolando o panegírico de sua “vida e obra” e pensando-o de forma integrada com redes de intelectualidade maiores, não levou em conta a internacionalização da ciência histórica e os laços com os Estados Unidos. Tal lacuna vem sendo preenchida com os incansáveis trabalhos de uma geração mais recente de historiadores, dos quais vale destacar Emma Rivas Mata e Rodrigo Martínez Baracs. Reunindo, transcrevendo e comentando milhares de cartas de García Icazbalceta com dezenas de outras pessoas mundo afora, essas novas pesquisas, das quais este artigo é modesta colaboração, mostram-nos como resultava vital a comunicação entre letrados no século XIX.

Épica em prosa: A historiografia sobre Prescott

William H. Prescott nasceu em 1796, em Salem, Massachusetts, local onde viveu até os doze anos, quando sua família se mudou para Boston. O primogênito da família herdara o nome de seu avô paterno, William Prescott, coronel do exército durante a revolução americana de independência.

Seus biógrafos afirmam que durante uma brincadeira em Harvard, onde estudou Direito desde 1811, um pedaço de pão foi arremessado por um colega em uma brincadeira no refeitório e ficou alojado temporariamente em seu olho, cegando-o.23 23 GARDINER, C. Harvey. William Hickling Prescott: a biography. Austin: University of Texas Press, 1969, p. 21. Ao longo do resto de sua vida, sua vista remanescente também sofreu com doenças, por vezes deixando o escritor completamente cego, por vezes possibilitando alguma visão.

Depois de formado, viajou longamente pela Europa, casando-se logo no retorno à pátria. Nos anos 1820, abandonou a prática do direito e dedicou-se unicamente à literatura e à história. Após uma década de estudos, publicou, em 1837, History of Ferdinand and Isabella, estudo sobre os reis católicos que o catapultou à elite dos historiadores de seu país, valendo-lhe indicações nas principais academias científicas de então. Para escrever sua primeira obra, Prescott valeu-se de muitos contatos com intelectuais espanhóis e livreiros na Europa que, sempre que possível, remetiam material que o americano lhes solicitava por cartas.24 24 “Never one to frequent archives in person, Prescott reactivated established scholarly channels when he informed London bookdealer Rich and Madrid-based diplomat Middleton of his new needs. In addition, one Spanish friend won by his first work, Angel Calderón de la Barca, helped to introduce Prescott to Spain’s most eminent historian, Fernandez de Navarrete”, afimou GARDINER, C. Harvey, op. cit., p. 11. Valendo-se dessa mesma rede de contatos, o historiador pôs-se a trabalhar em mais um projeto: a história da conquista do México e do Peru.

Praticamente cego, Prescott valeu-se de muitos funcionários na confecção de seus livros. Contando com pleno respaldo de sua família, que o sustentava financeiramente, teve sempre a ajuda de um secretário, normalmente um jovem intelectual de Harvard ou outra universidade da Nova Inglaterra.25 25 MORISON, S. E. Robert Carter’s recollections of William H. Prescott. The New England Quarterly, vol. 32, n. 3, set. 1959, p. 372. Esse ajudante lia os documentos em voz alta para o historiador, copiava manuscritos e passava os originais (feitos em braile) de Prescott a limpo.

Para escrever sobre a conquista do México, voltou a ativar sua rede de contatos com letrados e livreiros da Europa, além de buscar aliados no México. Encontrou a figura chave em Joel Roberts Poinsett, que havia sido o primeiro ministro estadunidense no México, e ocupava então o posto de secretário de Guerra do governo de Martin Von Buren (1837-1841).

Poinsett indicou três nomes que poderiam auxiliá-lo no México: Lucas Alamán, Manuel Eduardo de Gorostiza, e o conde de Cortina. Prescott escolheu este último como primeiro contato, escrevendo-lhe ao mesmo tempo em que enviava dois livreiros de sua confiança ao México junto de vultosa quantia de dinheiro para comprar manuscritos e fontes para sua nova história. Ambas as tentativas fracassaram e, depois de muito insistir na correspondência com Cortina, o historiador procurou Alamán, chefe do efêmero Partido Conservador no México e polímata de primeira ordem. Embora o literato mexicano tenha se esforçado em prover algum material para Prescott, a real fonte dos documentos utilizados pelo norte-americano acabou provindo de seus contatos na Espanha, em especial com a Real Academia de História da Espanha. Ainda assim, restou uma mútua admiração entre Alamán e Prescott, que perduraria até a morte do primeiro. Em 1843, saiu a History of the conquest of Mexico, parcialmente baseada em documentos inéditos ou há muito sem uso que vieram da Espanha. O livro teve tanto ou mais sucesso que o primeiro e foi traduzido em pouquíssimo tempo para outras línguas. No México, duas traduções de Prescott foram levadas a cabo simultaneamente, uma delas fartamente anotada por Alamán.

Durante a guerra entre México e Estados Unidos (1846-1848), Prescott, que era contrário ao embate,26 26 Em 15 de maio de 1846, dois dias antes da declaração de guerra feita pelos Estados Unidos, Prescott escreveu para George Sumner, irmão do abolicionista Charles Sumner: “The South and West seem to be overrun with a daredevil war spirit that one might expect to meet with in France, but not in a money-making democracy. Yet this same war spirit has been the bane of more democracies than one, and I fear we are reserved to point a moral, if we do nothing to adorn a tale. One would suppose that the millions of uncultivated acres inviting settlement and the hand of civilization that lie within our present limits might satisfy the most craving cupidity”. Apud WOLCOTT, Roger (ed.). The correspondence of William Hickling Prescott. Boston: Houghton Mifflin, 1970 [1925], p. 597. dada sua orientação política (Whig) oposta ao destino manifesto e à política de James K. Polk (1845-1849), publicou History of the conquest of Peru (1847). Seus contatos com Alamán cessaram momentaneamente durante as hostilidades entre os dois países, mas foram reativados logo quando a guerra terminou. Ambos trocariam publicações, indicariam um ao outro para academias científicas e literárias de seus respectivos países.

O último trabalho de Prescott não foi terminado. History of Philip II teve seu primeiro e segundo volumes publicados em 1855 e o terceiro em 1858, época em que a saúde do historiador já estava francamente debilitada. Ele faleceu em janeiro do ano seguinte, logo depois de sofrer um segundo derrame.

Assim como García Icazbalceta, Prescott foi também ovacionado por sua produção ainda em vida. Um exemplo é a resenha de History of the conquest of Mexico publicada na The North American Review em janeiro de 1844: “Mr. Prescott has given proof of moral courage, as well as literary industry, by the publication of a new and elaborate historical work, before the applause with which his history of Ferdinand and Isabella was received has ‘died into an echo’”.27 27 Resenha de History of the conquest of Mexico. The North American Review, vol. 58, n. 122, University of Northern Iowa, jan. 1844, p. 158. Outros tantos poderiam ser citados, tanto no México como nos Estados Unidos e na Espanha.28 28 Conferir o seminal trabalho de JAKSIĆ, Iván. Ven conmigo a la España lejana: los intelectuales norteamericanos ante el mundo hispano, 1820-1880. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2007.

O próprio d. Joaquín escreveu que o historiador norte-americano realizara “un trabajo excelente, en lo cual supe hacer buen uso de la gran cantidad de documentos que tenía en su disposición”. Mesmo fazendo críticas pontuais, como o fato de Prescott ter parcialmente modificado os acontecimentos “por su admiración pelos logros alcançados por Hernán Cortés” e pelo uso desnecessário de “ciertos ornamentos poéticos” em sua escrita, García Icazbalceta (com tantos outros letrados mexicanos depois dele) deixava claro que “que con este trabajo, el escritor americano eclipsó todos los sus predecesores29 29 GARCÍA, Joaquín Icazbalceta. Bibliografía mexicana del siglo XVI – catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económico, 1954, p. 284.

Uma década depois de sua morte, seu bom amigo, o hispanista George Ticknor tornou-se seu primeiro biógrafo.30 30 TICKNOR, George. Life of William Hickling Prescott. Londres: Cambridge University Press, 1864. As biografias que se seguiram à de Ticknor31 31 OGDEN, Rollo. William Hickling Prescott. Boston: Houghton Mifflin, 1904. PECK, Harry Thurston. William Hickling Prescott. Nova York: Macmillan, 1905. GARDINER, Harvey, op. cit., 1969. mantiveram as mesmas características dramáticas da pioneira: todas construíram uma grande narrativa cronológica de um Prescott de jovialidade indômita32 32 “handsome, gay, popular” é como William Charvat o definiu. CHARVAT, William et al. (ed.). William Hickling Prescott: representative selections. Nova York: American, 1943, p. xxii que se opôs a qualquer dificuldade (escassez de fontes documentais, problemas de visão, doenças etc.) para realizar seus trabalhos soberbos. Em estudo recente, John E. Eipper escreveu que os entusiastas biógrafos de Prescott procuravam, sempre que possível, fazer paralelos entre as realizações do historiador com as do Cortés por ele descrito em History of the conquest of Mexico: “if the Conquistador emerged from the noche triste undaunted, so too would the historian carry on through the darkness and dyspepsia of sundry ‘melancholy nights’ on Beacon Hill”.33 33 EIPPER, John E. The canonizer de-canonized: the case of William H. Prescott. Hispania, vol. 83, n. 3, set. 2000, p. 417.

Desde a biografia de Harvey Gardiner, os estudos sobre Prescott praticamente cessaram. Sobre isso, Jaksić escreveu:

El reconocimiento del éxito de Prescott, su productividad, concentración y claro enfoque intelectual ha tendido a opacar una serie de temas importantes en una indudablemente meritoria trayectoria. En primer lugar, no siempre se reconoce que Prescott dudó, postergó y padeció bastante antes de tomar la decisión de estudiar la historia española. En segundo lugar, el retrato de un historiador heroico y casi ciego escribiendo en la penumbra y enfrentando enormes dificultades tiende a soslayar la considerable ayuda que recibió de parte de una red internacional de amigos y ayudantes, tanto pagados como voluntarios, que le proporcionaban documentos difíciles de encontrar, y libros e ideas.34 34 JAKSIĆ, Iván, op. cit., p. 314-315.

Esta última passagem de Jaksić e nossa leitura das biografias de Prescott levam-nos à conclusão de que se criou sobre o historiador da Nova Inglaterra um discurso muito comum na tradição norte-americana: o do cientista ou inovador solitário, indivíduo laborioso e persistente que, sozinho, com o fruto de seu próprio suor e empreendedorismo, é capaz de inventar algo inédito e revolucionário. Releitura do self-made man e do mito do homem da fronteira, este tipo de narrativa é muito comum, especialmente em biografias sobre personagens do XIX ou do período de independência.

A produção mais recente sobre Prescott pode ser, grosso modo, agrupada em dois blocos. O primeiro deles refere-se a autores hispanistas e é encabeçado pelos americanistas Inga Clendinnen e Stephanie Merrim.35 35 CLENDINNEN, Inga. “Fierce and unnatural cruelty”: Cortés and the conquest of Mexico. Representations, 33, 1991. MERRIM, Stephanie. Civilización y barbarie: Prescott como lector de Cortés. In: CHANG-RODRIGUEZ Raquel & BEER, Gabriella de (ed.). La historia en la literatura iberoamericana. Nova York: City College, 1989. Ambas leem History of the conquest of Mexico como mais um elo de uma longa cadeia teórica que põe o mundo ocidental e seus valores como dominantes política e culturalmente. Para Merrim, por exemplo, a representação que Prescott faz de Cortés e Montezuma pode ser compreendida como um microcosmo da historiografia eurocêntrica, uma aplicação da duradoura metáfora de “civilização e barbárie” proposta por Domingo Faustino Sarmiento na Argentina. Clendinnen, por sua vez, sustenta que a “fábula prescottiana” é central para a crença norte-americana e europeia de sua superioridade cultural, tecnológica e moral sobre os povos que não a partilham. As conclusões de ambas as pesquisas são as mesmas: Prescott demonstrou como o Ocidente cristão triunfou sobre o mundo pagão porque as leis da história assim o determinavam, tanto no século XVI, como no romântico e científico século XIX.

O segundo grupo é focado na história cultural e nos estudos literários norte-americanos. John Ernest e Eric Wertheimer, ambos especialistas em historiografia norte-americana do século XIX, fazem um grande esforço para expor uma ideologia ambivalente que estaria presente na produção de Prescott. Ernest, opondo-se a Clendinnen e Merrim, argumentou que a explanação meta-histórica explícita em History of the conquest of Mexico convidaria o leitor a questionar a hegemonia ocidental: “Prescott’s copious footnotes and intercalated bibliographical essays create a parallel narrative which enters into a dialogic relationship with the main text - in effect, metahistory deconstructs history”.36 36 ERNEST, John. Reading the romantic past: William H. Prescott’s History of the conquest of Mexico. American Literary History, n. 5, 1993, p. 238. Essa tese de Ernest baseia-se na oposição que Prescott fizera à anexação do Texas aos Estados Unidos e à guerra mexicano-americana. Dessa forma, o historiador norte-americano fizera uma narrativa da conquista do México ao mesmo tempo em que construíra uma meta-narrativa de seu tempo: Prescott denunciava o “‘evil’ principle he so feared”.37 37 ERNEST, John, op. cit., p. 233.

Wertheimer, por sua vez, explorou a representação da alteridade cultural em History of the conquest of Mexico, fazendo um paralelo entre a forma de escrever dos astecas, por meio de “hieróglifos”, e as inscrições “pictográficas” que Prescott fazia em seu “noctógrafo” (aparelho usado por cegos para escrever). Wertheimer classificou o texto de Prescott como uma “noctografia” (“noctography”) logo no título de seu artigo. Por meio desse conceito, o estudioso apresentou uma guinada na questão da cegueira de Prescott, tão escamoteada por seus biógrafos: “as an implement of the blind historian, the hieroglyph conceptually scripts and figures the conquered civilizations and, in turn, rebounds upon Prescott”.38 38 WERTHEIMER, Eric. Noctography: representing race in William Prescott’s History of the conquest of Mexico. American Literature, 67, 1995, p. 314. Como o historiador do século XIX não podia colocar-se na privilegiada posição de observador, de testemunha e leitor primário de suas fontes, viu-se forçado a confiar em seus informantes: “in a kind of noctographic parallel, [Prescott] never made it to South or Central America”.39 39 WERTHEIMER, Eric, op. cit., p. 313; como se referia ao México, supõe-se que Wertheimer inclua o país na América do Sul ou Central.

Traduções e impressões: as cartas e as concepções historiográficas de Prescott e García Icazbalceta

Por intermédio de um amigo em comum, o político e historiador Lucas Alamán, o jovem letrado mexicano vinha tentando contato com o renomado pensador de Boston havia muito tempo. William H. Prescott alcançou enorme repercussão nas Américas e na Europa com sua obra History of the conquest of Mexico de 1843. Parcialmente baseado em documentos inéditos (ou há muito sem uso) advindos de colegas que os prospectaram em arquivos da Espanha, o livro foi traduzido em pouquíssimo tempo para outras línguas. No México, como de regra em muitos países de meados do XIX, onde se procurava formas de elaborar sínteses históricas sobre o passado nacional, o interesse foi tamanho que duas traduções, quase simultâneas, foram feitas.

Para escrever seu projeto de retraçar a história do Império espanhol, desde os reis católicos até Felipe II, Prescott lançou mão de muitos contatos com letrados espanhóis e livreiros na Europa que, sempre que possível, remetiam material solicitado pelo americano em cartas. Segundo Richard L. Kagan, a própria decisão de Prescott de investigar em primeira mão, utilizando fontes primárias, os feitos dos reis católicos “representou um marco na própria historiografia norte-americana”. Essa nova marca dava-se pelo rompimento da história eminentemente nacional que os Estados Unidos de então produziam: “ainda que os norte-americanos de princípios do século XIX lessem história europeia - principalmente tal como a interpretavam Edward Gibbon, David Hume, William Robertson e Voltaire” -, ninguém produzira, até então, algo inédito sobre outro lugar do mundo.40 40 KAGAN, Richard L., op. cit., p. 230.

O sucesso de seu primeiro livro o encorajou a se valer da mesma rede de contatos que já lhe fornecera valiosos documentos espanhóis. E, dessa forma, lançou com pouco tempo de diferença, e com estrondoso sucesso editorial, as histórias das conquistas do México e do Peru, entendidas como partes fundamentais da constituição do Império espanhol. Decidiu estudar primeiro a conquista do México, respeitando a ordem cronológica das duas empreitadas, dando especial ênfase à figura de Hernán Cortés.

Ou seja, quando a primeira carta escrita por García Icazbalceta a Prescott foi feita, ela pretendia estabelecer um laço entre um aclamado historiador de reputação internacional e um bibliófilo que ensaiava seus primeiros passos no mundo letrado. Essa primeira missiva tinha justamente o intuito de estabelecer relações com o historiador norte-americano para poder pedir-lhe alguns manuscritos mencionados em seu bem sucedido History of the conquest of Mexico.

Sabemos disso por meio de uma carta a outro letrado mexicano, José Fernando Ramírez, também estudioso do passado nacional e feroz crítico do livro do norte-americano, para quem García Icazbalceta relatou como e porque procurou Prescott. Ao relatar ao colega como conseguira uma cópia do cronista seiscentista Gonzalo Fernández de Oviedo para sua coleção que começava, disse que pensara em conseguir incunábulos, manuscritos raros ou crônicas que deixaram de circular havia tempos de duas maneiras. A primeira seria procurar em “estabelecimentos públicos” e “corpos colegiados”. A segunda, entre particulares, donos de coleções previamente estabelecidas. Pensando sobre o trabalho que teria, optou por procurar donos de coleções privadas, e que logo pensara na “preciosa colección del Sr. Prescott”.

A decisão nos deixa ver muito sobre o chamado “resgate da crônica”.41 41 Cf. FREITAS NETO, José Alves. O resgate da crônica, questões sobre etnia e a identidade na América hispânica do XIX. In: Ideias, vol. 1, n. 1, Campinas, 2004. Nas primeiras décadas de um século que foi tubo de ensaio político dos dois lados do Atlântico, os antigos documentos do passado espanhol tornaram-se objetos de desejo das gerações românticas dos Oitocentos na América. Com eles, almejavam descortinar as origens históricas dos processos que estavam vivenciando. “La mayor parte de los historiadores latinoamericanos del siglo XIX fueron eruditos que reconocieron, en consonancia con las corrientes historiográficas europeas más novedosas, la importancia de la documentación y la crítica de fuentes para construir obras”.42 42 CRESPO, Horacio. El erudito coleccionista y los orígenes del americanismo. In: ALTAMIRANO, Carlos & MYERS, Jorge (coord.). Historia de los intelectuales en América Latina, vol. I: La ciudad letrada, de la conquista al modernismo. Buenos Aires: Katz, 2008, p. 290-311, p. 308.

Mas foram imensos os problemas em fazer cumprir esse programa, uma vez que os experimentos políticos que agitaram boa parte do XIX pouco contribuíram para a formação de arquivos e bibliotecas públicos. Na verdade, houve um espalhar, uma dispersão de documentos que se tornavam históricos e muitos se perderam ou ficaram em mãos de particulares, muitas vezes fora de seus países de origem. A guerra contra as forças napoleônicas e as subsequentes guerras de independência também haviam desorganizado muito da política de memória e instituições de guarda espanholas. Nesse sentido, o fenômeno da bibliofilia, da coleção de documentos e livros antigos, tornou-se igualmente comum na América e no Velho Mundo. Os grandes eruditos do período eram, sem dúvida, grandes colecionadores de papéis sobre aquilo que julgavam como o passado de seus países. Logo, ciente do quadro caótico em que se encontravam as fontes sobre a história pátria, García Icazbalceta julgou ser melhor recolhê-las de fundos privados fora de seu próprio país. A decisão seria para evitar “graves dificultades, como sucede siempre que se trata de cuerpos colegiados y establecimientos públicos” e recorrer diretamente a outro homem de letras. A ideia era lógica, em seu ver, mas lhe faltavam os meios para transformá-la em realidade: como fazer para que aquele “senhor” lhe “franqueasse cópias de seus manuscritos”?

Ainda na mesma carta a Ramírez, de 22 de janeiro de 1850, rememorando, fica clara a estratégia de García Icazbalceta: estabelecer contato com Prescott, oferecendo-lhe, como presente e moeda de troca, uma tradução de seu mais recente livro para o espanhol. Dessa forma, o mexicano esperava reconhecimento por parte do norte-americano que, por gratidão ou dívida moral, passaria a responder suas cartas até que a relação entre ambos se tornasse sólida o suficiente para que o pedido de cópias de seus manuscritos sobre o passado colonial mexicano fosse feito.

A elaborada estratégia, planejada por meses, revela o caráter personalista e hierárquico da maneira de conceber as coisas de don Joaquín: seria impossível, acreditava, chegar ao historiador da Nova Inglaterra de outra maneira que não através de uma dívida de gratidão pelo árduo trabalho de traduzir seu livro e arcar com sua publicação.43 43 Essa tradução demorou dezesseis meses e a ela García Icazbalceta anexou um apêndice com correções e retificações escritas para melhorar a obra de Prescott. A atitude do mexicano mostra muito de sua concepção de ciência e de história. Voltaremos a este assunto. Era um projeto que lhe tomara meses de concepção e outros tantos meses de execução. Um verdadeiro projeto de cooptação de afetos. García sabia se tratar de algo penoso e o justificou a Ramírez como uma prova de seu “zelo pela história do país”, pois de que outra monta lhe serviria traduzir a “História do Peru”, “un penoso trabajo que parecía no tener ninguna relación” com a história pátria?

Ainda assim, com toda a cuidadosa estratégia montada, as atitudes de Prescott mostraram-lhe o quanto gastara tempo à toa. Enquanto traduzia às suas expensas o novo livro de Prescott, don Joaquín conheceu Lucas Alamán, líder conservador mexicano e polígrafo autor de ensaios de história mexicana. García tornou-se rapidamente um protegido do poderoso político mexicano, coisa que lhe causava imenso apreço (cf. carta a Ramírez já citada). Em epístola de 5 de novembro de 1849, o bibliófilo informava o vetusto presidente do efêmero Partido Conservador sobre seu desejo de obter cópias de alguns manuscritos que estavam em poder do norte-americano. Alamán já auxiliara Prescott na busca por documentação sobre a conquista e, desde então, mantivera relação cordial e amistosa com ele. Sem delongas, escreveu para o historiador de Boston sobre o interesse de seu jovem colega, e Prescott respondeu-lhe prontamente:

La respuesta del Sr. Prescott fue cual podía aguardarse de su ilustración y finura, pues contestó que todos sus manuscritos estaban a nuestra disposición, y que no había más que indicarle cuáles eran los que se habían de copiar. El Sr. Alamán me pasó la contestación original para que yo pidiera lo que quisiese. 44 44 García Icazbalceta, carta a José F. Ramírez, 22 de janeiro de 1850.

Mesmo diante da presteza de Prescott, que ressaltava a irrelevância e - nas palavras do próprio García Icazbalceta - inutilidade da empreitada de tradução de History of the conquest of Peru, o mexicano prosseguiu com seu trabalho e escreveu ao norte-americano, comunicando-o de seus desejos. Daquele 26 de dezembro de 1849 em diante, ambos trocaram cartas regularmente até 20 de novembro de 1856.

Nas cartas de dezembro de 184945 45 Doravante, podemos citar as cartas entre Joaquín García Icazbalceta (JGI) e William H. Prescott (WHP) colocando, entre parênteses, as iniciais do emissário em primeiro lugar, separadas por hífen das do destinatário. Em outros momentos, quando o próprio corpo do texto deixar claro o emissário e o destinatário, não colocaremos a citação completa para não ficar muito carregado de notas. Saiba o leitor que todas as cartas foram conferidas em arquivos mexicanos e na Universidade do Texas, mas encontram-se publicadas em: ANTUÑAMO, Francisco de & BERAZA, Felipe García. Correspondencia entre los historiadores William H. Prescott y Joaquín García Icazbalceta. México: Instituto Mexicano Norteamericano de Relaciones Culturales, 1984, cuja transcrição é fiel aos originais. (WHP-JGI) e de fevereiro de 1850 (JGI-WHP), eles comentam a tradução de History of the conquest of Peru. Prescott afirmou que ficara satisfeito com a tradução do livro, fato que já lhe era conhecido, uma vez que Alamán o alertara em carta anterior. Na resposta, García Icazbalceta afirmava:

La publicación del Perú está ya concluyendo. No fin me resolví a publicar el Apéndice, que no es una continuación de la obra como usted cree, sino una breve relación de los sucesos ocurridos en el Perú desde la partida de Gasca hasta el fin del gobierno del virrey Toledo.46 46 Fatos que marcam o fim do recorte escolhido por Prescott em sua narrativa. Pedro de la Gasca foi presidente da Audiência de Lima e um dos responsáveis por debelar a rebelião de Gonzalo Pizarro. Foi embora do Peru em 1550. Francisco de Toledo, por sua vez, foi o quinto vice-rei do Peru, cargo que exerceu até 1581. (...) Suplico a usted desde ahora que cuando llegue a leer el apéndice tenga presentes todas las circunstancias que he expresado; pero me agradó de tal modo la obra de usted y me prendé tanto de mi asunto que no quise omitir nada de cuanto creí que podría aumentar su mérito.

O trabalho de tradução e impressão ainda demoraria meses para terminar. Em maio daquele ano, ficamos sabendo que a edição chegara finalmente às prensas e que, em breve, um exemplar seguiria para o autor do original.

Dois meses depois, don Joaquín agradeceu novamente a eficácia de Prescott para com o trabalho de lhe enviar os manuscritos pedidos (voltaremos a isso logo mais). Junto com a carta, enviava um exemplar da tradução de La conquista del Perú, afirmando que o apêndice deveria ser visto como: “el primer ensayo de una persona que nunca há emprendido carrera literaria, y que sólo ha destinado a estudios privados las pocas horas que dejan libres sus ocupaciones”.

O decano historiador norte-americano escreveu de volta, agradecendo o tomo, mas reclamando da litogravura de seu rosto e das muitas notas de correção postas pelo jovem mexicano. Interessante notar como, para Prescott, alterar uma obra quando de sua tradução ou em uma nova edição era algo inconcebível. Um livro era autoral, fruto de um trabalho de um indivíduo que o concebera de fio a pavio; logo, seu autor deveria ser respeitado e seu texto preservado em sua integridade.47 47 Rodrigo Martínez Baracs nos chama a atenção para uma carta, de 1854, em que Prescott escreve para a madame Frances Calderón de la Barca, chamando García Icazbalceta de um “traductor sensiblero”. Por sua vez, o hábito de alterar os textos que publicou vão ainda além. Um cotejamento feito por Georges Baudot nos arquivos da Benson Library onde estão os manuscritos e anotações de García Icazbalceta revelou, por exemplo, que a carta de 1521, do licenciado Zuazo, foi editada. O mexicano retirou ou alterou expressões que considerou licenciosas (MARTÍNEZ BARACS, Rodrigo. La correspondencia de Joaquín García Icazbalceta y Manuel Remón Zarco del Valle. Histórias, n. 61, 2005, p. 44 e 49).

Mas não era exatamente por isso que a tradução não lhe agradara plenamente. Nesse sentido, aliás, o trabalho de García Icazbalceta rendeu elogios, afinal o mexicano preservara a integridade do texto ao vertê-lo para o espanhol. As muitas notas de rodapé do tradutor e o apêndice é que ofendiam a vaidade intelectual de Prescott, que via seu trabalho publicado como se estivesse defasado ou cheio de incorreções.

O próprio americano fizera algo similar anos antes, ao reeditar o livro de William Robertson sobre Carlos V. No lugar de escrever algo novo sobre o primeiro monarca Habsburgo da Espanha, preferiu reeditar um clássico que já tinha meio século, agregando-lhe erudito apêndice sobre os últimos dias do imperador. Documentos conseguidos com muito custo através de sua eficaz rede de contatos na Espanha permitiram-lhe corrigir a informação de que Carlos V alijara-se do poder quando abdicou do trono. Além disso, reviu toda a interpretação robertsoniana sobre o assunto em notas e no apêndice.48 48 Cf. JAKSIĆ, Ivan, op. cit., último capítulo. Mas o livro tinha meio século e seu autor estava morto. Por sua vez, o livro de Prescott tinha poucos anos e seu autor continuava produzindo.

Ainda que reclamasse, é de se supor que Prescott entendesse o trabalho e o debate a que se propusera García Icazbalceta. As traduções, revisões e apêndices publicados (bem como as cartas) promoviam um debate historiográfico sobre os métodos, fontes e interpretações de livros de história. Logo, podemos entender, dentro dessa lógica, a formação de um debate intelectual que se efetivava não em instituições acadêmicas propriamente, pois elas não existiam no México e mal existiam nos EUA, mas em publicações, notas de rodapé, apêndices e cartas privadas.49 49 Cf. FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Patria mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Paco Editorial, 2012, p. 199.

No México independente, uma das primeiras instituições de letras razoavelmente estável foi fundada nos anos 1840, com o nome de Ateneo. Chegou a publicar uma revista e promover aulas de vários ramos do conhecimento, além de fomentar discussões científico-literárias. Funcionou em casas alugadas e, na maior parte do tempo, em uma sala da universidade, com biblioteca composta de doações de particulares e do governo. Talvez pela sua proposta explícita em ata de não discutir política, mas ciência, conviveram em seus quadros nomes como Lucas Alamán e uma maioria de liberais moderados que tinha papel de destaque na política nacional ou regional, como Andres Quintana Roo.

As atividades do Ateneo minguaram durante a guerra com os Estados Unidos. Já a Universidade do México funcionou a duras penas durante a primeira metade do século, envolta nas muitas guerras e rebeliões do país, e oscilando entre liberais que a achavam perniciosa demais para permanecer aberta ou ser reformada, e conservadores, como Alamán, que planejavam reformá-la. O papel do Estado era esperado na organização da memória e da história nacional, mas não havia estabilidade política para tanto.

Nos EUA era um pouco diferente, pois as universidades prosperavam na Nova Inglaterra, ainda que todas como instituições privadas. Instituições de guarda de memória funcionavam desde o século XVIII: a Massachusetts Historical Society, por exemplo, começara seus serviços em 1791, já como uma sociedade histórica que se via agindo em nome de toda a nação. Ela acabou tornando-se modelo para outras instituições estaduais de guarda de memória. Ainda assim, o modelo era outro em relação ao vizinho do Sul: na desconfiança americana em relação ao Estado, eram instituições privadas, associações de indivíduos “benfeitores” e abastados que provinham fundos aos seus funcionamentos.50 50 AESCHBACHER, W. D. Historical organization on the great plains. North Dakota History, vol. 1, n. 34, 1967, p. 93-104. Por outro lado, no México (e em tantos lugares do mundo da época), era em periódicos e outras publicações que escolas de pensamento eram constituídas ou debates de ideias eram travados. Prescott, por exemplo, no início de carreira, quando abandonou o direito e dedicou-se unicamente à literatura, publicou seus primeiros estudos sobre lord Byron, Alexander Pope, escritores franceses e italianos, sempre pela North American Review, periódico bimestral, depois trimestral, fundado em Boston em 1815 pelo jornalista Nathan Hale. Serviu como o principal veículo difusor da intelectualidade da Nova Inglaterra até a década de 1860, quando passou a dividir a cena com outras publicações homólogas. Em suas páginas, George Ticknor, George Bancroft, Prescott, entre outros, publicaram alguns de seus textos discutindo história e questões culturais.51 51 A publicação existe até hoje. O acervo da revista (entre os anos de 1815 e 1900) foi digitalizado e encontra-se disponível na Biblioteca da Universidade de Cornell, no endereço: <http://digital.library.cornell.edu/n/nora/nora.html>. Acesso em: 08/01/2017.

Logo, mais do que nas universidades ou em instituições de guarda de memória, era em publicações, como a de periódicos e livros, além de na correspondência, que os debates e as redes de intelectualidade se formavam na primeira metade do XIX.

Quanto ao pequeno debate sobre a tradução feita por García Icazbalceta, a atitude de Prescott foi bem diferente da que tivera diante das traduções espanholas de History of the conquest of Mexico, por exemplo. Na velha península, os tradutores suprimiram intencionalmente passagens consideradas protestantes demais para os olhos católicos. O autor reclamou veemente e ironicamente de tais supressões a vários colegas por meio de cartas, dizendo o quanto alteravam substancialmente o que ele pensava sobre a história da Espanha, quase o transformando em um papista.52 52 JACKSIC, Ivan, op. cit., p. 362-374.

A erudita e respeitosa discordância epistêmica entre Prescott e García Icazbalceta passava pela forma como concebiam a história do México. O tarimbado historiador norte-americano tinha um projeto de vida e não planejava desviar-se dele: publicaria sucessivos tomos sobre a ascensão do Império espanhol, desde os reis católicos até o reinado de Filipe II. Apenas se tivesse tempo, afirmou mais de uma vez em suas cartas, voltaria para modificar, acrescentar ou suprimir algo de seus livros já publicados. Caso não encontrasse tal tempo, seguiria em frente com a pesquisa. Nesse sentido, a história da conquista do México e também a do Peru faziam parte de episódios americanos da glória espanhola em seu momento áureo.

O local discursivo seguia a fórmula do romance histórico: nos preâmbulos de suas obras, Prescott, um liberal Whig de primeira linha, expunha aos leitores tanto o protagonista e suas virtudes (que triunfarão no final) quanto o antagonista (que, irremediavelmente, perderá) do enredo que ora se descortinava.53 53 “The general views of the Introduction will prepare the reader for the particulars of the Conquest, and that the great public events narrated in this will, without violence, open the way to the remaining personal history of the hero who is the soul of it. Whatever incongruity may exist in other respects, I may hope the unity of interest, the only unity held of much importance by modern critics, will be found still to be preserved.” PRESCOTT, William H. History of the conquest of Mexico, with a preliminary view of ancient Mexican civilization, and the life of the conqueror, Hernando Cortés, 3 vol. Nova York: Harper and Brothers, 1843, p. XI.

Como Prescott afirmou na introdução de suas obras e em cartas pessoais, ele separava história e ficção pelo compromisso com a verdade dos fatos que a primeira deveria ter. Ainda assim, o texto escrito de seu punho era, acima de tudo, uma narrativa e estava sujeito às regras de quaisquer outras narrativas até onde os documentos assim o permitissem. Ou seja, havia uma interessante combinação - comum a muitos contemporâneos seus - entre o uso rigoroso dos documentos (e nesse sentido uma valorização de seu uso para se chegar a uma verdade histórica) e o cuidado literário do texto. Uma obra autoral como a sua tinha que agradar pela fruição estética; pela congruência das informações (a desejada “unidade de interesse” muitas vezes por ele mencionada); e pela narrativa como fim e como meio para falar de história. Em outras palavras, a história, com o sentido de passado em si, repousava no texto do historiador; era algo a ser contado, separado da ficção pelo compromisso com a verdade dos fatos; mas era, acima de tudo, algo a ser narrado. Ele próprio escreveu que pensava a história como “uma épica em prosa, um romance de cavalaria”.54 54 PRESCOTT, William H., apud LEVIN, David. History as romantic art: Bancroft, Prescott, Motley, and Parkman. Stanford: Stanford Univ. Press, 1959, p. 11.

Escrevia sobre o passado para pensá-lo em si, mas também para que este lhe servisse de espelho da razão para o presente. Prescott, bem como outros letrados norte-americanos (a maior parte deles da Nova Inglaterra) do período, escreveu sobre a história da Espanha e de suas possessões no Novo Mundo para entender as razões que levaram à formação, auge e decadência de um império. Ticknor, Henry Wadsworth Longfellow, Washington Irving Prescott, Mary Mann Peabody e outros estavam interessados em definir o caráter nacional espanhol, mediante a observação direta ou através do estudo da literatura e da história daquele país.55 55 JAKSIĆ, Ivan, op. cit., p. 17. O colapso do Império espanhol e o consequente surgimento de novas nações na América trouxeram aos Estados Unidos uma série de questões, tais como o estabelecimento de fronteiras, comércio e as relações diplomáticas. A nova realidade pós-colonial de seus vizinhos emulava a própria independência norte-americana e a guerra de 1812, momentos cruciais que ajudaram a definir a cultura, a história e o caráter daquela nação. Logo, todo processo pelo qual a Espanha ascendera à grande potência, tivera seu auge e entrara em decadência continha lições de grande relevância para os Estados Unidos. Como em um espelho, os Estados Unidos pareciam uma imagem contrária da Espanha, pois eram liberal, protestante e não valorizavam instituições de Antigo Regime. Mas, para Prescott, a imagem era, ao mesmo tempo e perigosamente, semelhante. Afinal, como garantir que o destino de ambos não fosse o mesmo, em um perigoso paralelo que poderia ser uma lei universal: uma ascensão imperial e uma inevitável decadência fruto da deturpação dos valores primordiais e do relaxamento de costumes? Narrar a conquista do México continha, em sua forma, um conteúdo que permitia vislumbrar o passado como lição para o presente.

O jovem mexicano, por sua vez, pensava a obra de Prescott como um episódio crucial da formação histórica não da Espanha ou espelho para o jovem EUA, mas sim de seu próprio país. Tinha a pátria como paradigma e premissa, como objeto e como essência de sua forma de pensar história. O México de García Icazbalceta tinha, no período da conquista e do vice-reino, sua gestação como país católico, de instituições corporativas e de caminho civilizatório. De perfil conservador, o bibliófilo participava de um debate por essa história pátria. Costumava dizer que não pertencia à sociedade do presente e desprezava as medidas liberais em seu país.56 56 GONZÁLEZ & GONZÁLEZ, Luís. Nueve aventuras de la bibliografía mexicana. Historia Mexicana 37, vol. X, n. 1, México: El Colegio de México, julio-septiembre 1960, p. 32.

Os interesses dos polígrafos de sua época eram, entre outros, os de construir o passado nacional e de eleger seus marcos cronológicos. A nação, em si, tornava-se o objeto a ser narrado. Entender o passado pátrio ajudava a projetar o futuro do México. Havia os partidários de que o passado indígena era o verdadeiro passado nacional ou que, ao menos, ele contribuía para explicar teorias de um presente mestizo.57 57 Cf. FERNANDES, L. E., op. cit., cap. 4. Porém, de outro lado, havia os que vissem no período vicerreinal o verdadeiro passado do país, uma vez que fora nele que se gestaram língua, religião e outros costumes que se desejava preservar. Lucas Alamán, García Icazbalceta e outros esperavam reabilitar a memória dos tempos coloniais como forma de justificar seus desejos políticos que passavam pela manutenção de instituições coloniais como os privilégios da Igreja.

Nesse sentido, o trabalho de Joaquín García Icazbalceta era, para ele, uma missão. Mais do que escrever (embora tenha escrito muito), notabilizou-se antes por catalogar obras antigas, publicar antigos manuscritos. Preferia colidir dados, condensá-los, selecioná-los; uma estratégia discursiva típica da erudição conservadora e que se tornou, depois, comum em toda a produção de conhecimento do país, por meio de publicações e de sociedades científicas como a Sociedade Mexicana de Geografia e Estatística (fundada nos anos 1830, mas com força e coesão apenas no pós-1848), local de intensas trocas e debates intelectuais.

Como ele próprio havia afirmado, estava disposto a devotar sua vida a “allanar el camino para que marche con más rapidez y con menos estorbos el ingenio a quien esté reservada la gloria de escribir la historia de nuestro país”.58 58 GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín, apud MILLARES CARLO, Agustín. Prólogo. In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín. Bibliografía mexicana del siglo XVI – catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económica, 1954, p. 7. Gostava de pensar-se como uma espécie de catalisador, um instrumento que possibilitaria a glória de outros; daqueles que deveriam pensar o México passado para levar a cabo “un gran servicio a las letras y a la patria”:59 59 GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín, op. cit., 1954, p. 21. “Humilde como es mi destino de peón me conformo con él, no aspiro más; quiero si, desempeñarlo como corresponde, y para ello sólo cuento con tres ventajas: paciencia, perseverancia y juventud”.60 60 GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín, apud GONZÁLEZ & GONZÁLEZ, Luís, op. cit., p. 30.

Essa modéstia calculada esteve presente em muitos de seus escritos. A filosofia de que deveria ser um garimpeiro, mas não um ourives da história de seu país, mostra um aparente distanciamento político e uma diminuição da importância historiográfica de seu autor. Mas não era nada assim. Profundo conhecedor da crônica colonial e possuidor de uma das maiores bibliotecas de seu tempo, d. Joaquín, como vimos, era homem nostálgico de um passado que não vivera. Seu trabalho era lido e admirado por todos os grupos políticos e foi largamente utilizado pela historiografia do período, pois sua rígida concepção de verdade e a acuidade no trato com as fontes primárias eram fonte de inspiração. Essa concepção de ciência partia do pressuposto da união dos estudos etnográficos, linguísticos, estatísticos, econômicos, históricos e geográficos, criando uma forma integral e total de conhecimento; uma verdade científica.

Para ilustrar essa tese, vejamos um exemplar diálogo entre Prescott e García em maio de 1851. No fim da carta datada daquele mês, o pensador mexicano afirmou ter copiado alguns documentos que interessariam a Prescott, caso ele fosse revisar a obra La conquista de México, prontificando-se a enviar para Boston qualquer um deles, a qualquer hora. Era o jovem García Icazbalceta, diligente garimpeiro de documentação primária, socializando mais descobertas. Na atitude de oferecer os manuscritos a Prescott havia o desejo de tornar mais equânime a relação entre os dois. Se o americano aceitasse sua oferta, o mexicano poderia retribuir os favores que recebia. Além disso, se o intelectual de Boston efetivamente usasse os documentos sugeridos por García, ele poderia sentir-se responsável pelo melhoramento da principal obra sobre o passado colonial de seu país, algo similar ao que já sentia ter acontecido quando escreveu o apêndice da La conquista de Perú.

Da sua parte, Prescott, em agosto de 1851, no final da carta, respondeu à oferta do mexicano. Lemos seu agradecimento e também que “(...) por el momento no planeo regresar a aquel trabajo ya que la historia está impresa. En alguna ocasión futura, sin embargo, aprovecharé su amigable ofrecimiento”. Dessa forma, pensando a relação causal descrita, podemos inferir que Prescott não planejava voltar àquela obra. Uma vez impressa, a obra existia como um romance: ou seja, da mesma forma que Walter Scott não corrigira ou ampliara Ivanhoé, ele não planejara fazê-lo com seu Cortés.

O diálogo continuou em outubro daquele mesmo ano. Ao abordar a questão do porquê sugerira a reedição da La conquista de México, d. Joaquín fez uma importante consideração:

Por eso me ha parecido siempre que la estereotipia no debía aplicarse a las obras hasta el fallecimiento de sus autores, porque siendo éstos por lo general poco inclinados a limar y corregir sus obras, tienen además en contra para hacerlo el interés de sus editores. Por mi parte pienso (…) que las obras son como los hijos, que no basta darles el ser, sino que es preciso cuidar de ellos toda la vida.

Ou seja, para o mexicano, o velho americano estava errado. Uma obra tinha duas opções. Ou se imprimia quando da morte de seu autor ou nada justificaria não as retificar a cada erro percebido ou nova informação obtida. Em seus próprios impressos, seguiria a segunda opção.

Troca de manuscritos e publicações: intercâmbio de saberes entre México e EUA

Sabemos que o principal intuito de García ao escrever para Prescott era obter os manuscritos inéditos que o americano mencionara em seu livro sobre a conquista do México. Tão logo obteve o canal de comunicação, o mexicano pediu cópias de três manuscritos: Motolinía, Diego Muñoz Camargo e Gonzalo Fernández de Oviedo, estabelecendo prioridade de entrega nessa ordem.

Prescott o avisou de que o trabalho pedido tomaria cerca de seis meses e que o total de páginas seria ao redor de duas mil, com o custo ficando em cerca de duzentos dólares. Essa pequena fortuna destinar-se-ia a pagar os amanuenses e copistas de Prescott, o material em si (papel, tinta etc.) e seu envio ao México.

Enquanto o tempo passava, a vontade de obter mais documentação primária aumentava, e García Icazbalceta, em maio de 1850, escreveu:

La bondad con que ha satisfecho usted a mis consultas, me da atrevimiento para molestar a usted con una nueva. Desearía saber de qué manera podría yo lograr que se me prometiese sacar copias de algunos documentos de los que se guardan en los archivos de la Real Academia de la Historia de Madrid. (...) Para esto, desearía que me ayudase usted con sus consejos, como tan práctico en estas materias, y al mismo tiempo como individuo de aquella ilustre corporación.

A estratégia discursiva das cartas de García Icazbalceta, no início da correspondência entre os dois, era sempre muito similar: cheia de palavras de admiração e de agradecimento, que precediam, em um exercício retórico de humilitas, um pedido. Ao final, em meio a votos de admiração e respeito, notícias de sua parte na troca intelectual entre os dois: como andava a tradução e edição de La conquista do Perú.

Nas cartas seguintes, antes mesmo de obter a confirmação de Prescott, o mexicano deixou claro quais documentos desejava da Real Academia: Itinerario de la Isola de Yucathan novamente ritrovata per il signore Joan de Grijalva, per ilmo Capellano e De Rebus Gestis Ferdinandi Cortesii.

Supondo o extravio da anterior, d. Joaquín mandou uma terceira carta solicitando mais livros, desta vez edições de obras modernas disponíveis nos Estados Unidos: George Bancroft, History of the United States (à época, existiam apenas três dos oito volumes que seriam publicados); J. H. McCullok, Researches philosophical and antiquarian concerning the Aboriginal history of America (1829); Samuel George Morton, Crania Americana (1829); Peter Stephen du Ponceau, Work on American languages (1819); e George Ticknor, [History of] Spanish literature (1849).

Na verdade, a ansiedade ou a pequena desatenção de García Icazbalceta o fez mandar três cartas sem resposta, pois na última missiva enviada por Prescott, ainda no final de 1850, ele deixara claro que viajaria por três ou quatro meses à Inglaterra e que tardaria em responder novos pedidos. Quando de sua volta, escreveu, em março de 1851, elogiando a “paciência” do mexicano por saber esperar com calma a demora dos manuscritos. Aproveitou para passar os novos valores dos pedidos e afirmar que “los manuscritos que han sido transcritos y cotejados son: Historia de los indios, por Motolinía, la Historia de Tlaxcala por Camargo y las porciones de la Historia general de las Indias por Oviedo (...)”. Mas, atentemo-nos a um detalhe. Prescott, conforme afirmamos, via a conquista como um feito espanhol, como parte de um projeto imperial bem sucedido. Talvez por isso, a tão pouco tempo da independência do México, o bostoniano chamaria Icazbalceta de “espanhol” alguma vezes em suas cartas e nesta, em especial, escreveu: “I trust you have a good stock of that commodity with which the Spaniards are generally pretty well provided and patience” (WHP-JGI, 10/03/1851). O que provavelmente queria dizer era que via mexicanos e espanhóis com certa similaridade pelo fato de serem de uma mesma matriz ibérica, pouco pragmática, católica e paciente. Vale pensar que havia uma grande diferença entre a criação do passado nacional norte-americano e o mexicano. O passado colonial dos Estados Unidos foi praticamente obliterado da memória nacional. Apenas na guerra da secessão é que Lincoln criou o feriado nacional do Thanksgiving, criando uma memória Wasp anterior à revolução de independência. Mas a eleição do Mayflower, puritanos e da Nova Inglaterra inflamou os ânimos sulistas que viam a gênese da nação nas plantations da Virginia. Logo, um homem como Prescott, neto de um herói da revolução americana, foi criado para ver-se como estadunidense, apartado historicamente da matriz inglesa o quanto fosse possível. Mas, para ele, um mexicano era parte de um ethos transnacional espanhol.

Em sua resposta, García Icazbalceta, em maio daquele ano, confirmou o recebimento de alguns manuscritos enviados de Boston, frisando a incompletude da parte final da obra de Camargo. Nessa carta também temos a confirmação de que a ansiedade por ter os documentos era o fator que levara García Icazbalceta a escrever três cartas em seguida sem resposta: “En efecto he tenido que gastar una parte de mi acopio de paciencia para esperar los manuscritos y a la verdad que no tengo mucha, aunque U. la considera propiedad de todo Español y no sé si en ello mire un elogio o una censura. Sin embargo, mi impaciencia provenía del deseo de poseer estos documentos (...)”. Também vemos como d. Joaquín mostrou-se muitíssimo contrariado com o fato de ser comparado a um espanhol e respondeu a isso com veemência.

Embora ambos sejam considerados pela historiografia mais tradicional como historiadores românticos e amadores, como se esse rótulo os igualasse no método, o mexicano e o norte-americano não podiam diferir mais. Embora houvesse indubitáveis coisas em comum, como o fato de ambos escreverem antes da institucionalização acadêmica da prática histórica e de terem uma visão similar do passado asteca (grandioso, mas fadado à destruição pela sua inferioridade bárbara diante dos espanhóis), o restante de seus pensamentos sobre história e sua função, como vimos, era muito distinto.

Jaksić conta-nos um episódio crucial para entendermos um pouco do conturbado cenário mexicano quando se tratava da disputa pelo passado nacional. Relatando uma correspondência entre Alamán e Prescott, feita alguns anos antes das que estamos por ora nos ocupando, ficamos sabendo que o autor de History of Ferdinand and Isabella teve muito interesse em descobrir onde estavam os restos mortais de Cortés e perguntou sobre o assunto ao mexicano. Este respondeu que sabia do paradeiro, mas que essa informação deveria permanecer confidencial, posto que temia atos de vandalismo provenientes da atitude antiespanhola ainda presente no país. Prescott redarguiu afirmando que lamentava não poder incluir a localização em seu novo livro sobre o México, mas compreendia as razões de Alamán. O que não conseguia entender era o rancor contra os espanhóis, proveniente de sua própria progênie: “Alguém pensaria que os mexicanos se consideram descendentes dos índios e não dos espanhóis”.61 61 De Prescott para Alamán, apud JAKSIĆ, Ivan, op. cit., p. 332.

Quando finalmente o livro saiu, em 1843, o episódio do paradeiro dos restos mortais de Cortés, tomado literalmente de Alamán, foi relatado por Prescott. O norte-americano afirmou que havia uma “turba patriótica” que “se propunha a romper a urna que continha os restos de Cortés”, concluindo com sua ironia típica que “os homens que planejaram este desmando não eram os descendentes de Montezuma vingando a seus ancestrais, mas os descendentes dos antigos conquistadores”.62 62 JAKSIĆ, Ivan, op. cit., p. 367.

Por passagens como essa, o livro ganhou críticas no México que apontavam sua filiação ao “lado espanhol”, sua predileção por Cortés e a ausência ou pouco uso de fontes indígenas. Um de seus maiores críticos foi José Fernando Ramírez. Apesar de ocasionais elogios, o mexicano fez várias observações que deixavam transparecer seu orgulho nacional ferido. Atento ao vocabulário do norte-americano, Ramírez retrucou as assertivas de seu colega do norte sobre os astecas, qualificados como “bárbaros” e “selvagens”. Ao redarguir a noção de que o próprio idioma náhuatl seria uma língua não musical, o mexicano foi irônico, afirmando que alguém dos Estados Unidos teria “dificuldade em pronunciar e medir a melodia ou a dureza de certas palavras ou frases mexicanas”, pois um “ouvido acostumado a harmonias como as do Yankee Doodle dificilmente pode ser um juiz competente”.63 63 RAMÍREZ, José Fernando, apud RUTSCH, Mechthild. Natural history, national museum and anthropology in Mexico. Some reference points in the forging and re-forging of national identity. Perspectivas Latinoamericanas, vol. 1, Nagoya, 2004, p. 89-122, p. 97.

Ramírez estava convencido de que a única forma de aceitar uma versão da história da conquista passaria pelo fato de ela ter sido escrita pelos próprios descendentes de tal feito, os mexicanos modernos. Dessa forma, julgamentos concernindo o passado do México tomariam características de “um julgamento de família, tendo em mente que a justiça seria feita aos próprios progenitores [dos mexicanos]. Nós podemos assim, e somente assim, conceber a esperança de ter uma história da conquista completa, imparcial e crível”.64 64 RAMÍREZ, José Fernando, apud RUTSCH, Mechthild, op. cit., p. 97.

Essa última concepção era, sem dúvida, mais próxima do que pensava García Icazbalceta, reforçando o papel do período colonial pela introdução da língua espanhola e do catolicismo:

Sin predilección particular hacia época alguna de nuestra historia, y proponiéndome abrazarla toda, desde los tiempos más remotos hasta el año de 1810, publico desde luego una serie de documentos del siglo XVI, como el período más interesante de nuestros anales, en que desaparecía un pueblo antiguo y se formaba otro nuevo; el mismo que existe en nuestros días y de que formamos parte. Justo era, pues, asistir ante todo al nacimiento de nuestra sociedad. 65 65 Prólogo da Colección de documentos para la historia de México. Essa afirmação de começo de carreira cai por terra quando lemos um balanço de sua produção, feita décadas depois, em 1884, em carta a Nicolás León, de 6 de maio, que queria ajuda sobre história e uma conversa sobre as “antiguidades mexicanas”, seu passado indígena: “...en cuanto a conferenciar sobre algunos puntos de antigüedades mexicanas, es deber mío advertirle que nunca me he ocupado con el estudio de ellas, pues como U. ve, todos mis escritos versan sobre el primer siglo de la dominación española, y algo de bibliografia”. BERNAL, Ignacio (org.). Correspondencia de Nicolás León con Joaquín García Icazbalceta. Cidade do México: Unam, 1982, p. 29.

Voltando à correspondência que é central neste texto, dediquemo-nos à carta escrita por Prescott, em agosto de 1851, em resposta ao comentário ríspido de García Icazbalceta sobre não ser espanhol. Nela, o americano evitou a contenda da última troca de missivas. Limitou-se a pedir desculpas pela demora em responder, pois estava em Boston, longe de seu endereço de correspondência. O historiador lamentava ao bibliófilo o fato de seu livreiro ter encontrado apenas três dos livros pedidos pelo mexicano: “Los otros no han sido reimpresos y sólo se conseguen con mucha dificuldad a precios encarecidos”.

O pedido de desculpas para alguém que certamente via nas cartas algo mais do que uma mera troca formal e institucional veio bem a calhar: “No culpaba yo a usted en manera alguna por su silencio, antes temía que éste proviniese de haberle disgustado con mi comisión, que confieso fue algo impertinente. Por esta causa recibí ayer con mucho gusto la apreciable de usted del 1° de agosto, y desde luego admito sus disculpas, o por mejor decir, no me hago cargo de ellas porque no son necesarias”, escreveu García Icazbalceta em 15 de outubro de 1851.

Apenas na resposta de Prescott, do mês seguinte, mais de ano após o início da correspondência, o norte-americano pediu algo ao mexicano pela primeira vez. A epístola faz saber a don Joaquín do recebimento da quantia de $121 referentes ao trabalho de cópia dos manuscritos. E acrescenta:

Me concedería solicitar a usted un favor? La Academy of Natural Sciences en Filadelfia desea obtener una copia del trabajo titulado Registro Trimestre, por Pedro de la Llave. Sé que fue publicado en la ciudad de México, pero no tengo datos del trabajo o de su extensión. (...) Estaré muy agradecido si usted pudiese obtener una copia y enviármela, haciéndome saber el costo de la misma, lo que yo atenderé de inmediato. Si se tratase de un trabajo muy voluminoso o muy caro, le agradecería me lo comunicase antes de comprarlo para ponerlo en conocimiento de la Academia.

Em janeiro de 1852, Prescott informava o envio dos tão esperados manuscritos da Real Academia Espanhola (Itinerario de la Isola de Yucathan... e De Rebus Gestis Ferdinandi Cortesii), solicitados por G. Icazbalceta em correspondência datada de 10/08/1850. Assinou a carta de maneira inédita: “Su muy afectuoso amigo”. Era a primeira manifestação de pessoalidade para com o mexicano em ano e meio, curiosamente depois de ter feito seu primeiro pedido a ele.

No mesmo mês, o pequeno atraso entre as cartas dos dois fez com que, mais uma vez, d. Joaquín respondesse a uma demanda de Prescott sem ter lido a última notícia escrita por seu novo amigo. Na carta, García Icazbalceta informava:

La mejor noticia que puedo dar a usted del Registro Trimestre, libro que me pide por encargo de la Academia de Ciencias Naturales de Filadelfia, es enviarle un ejemplar que le será entregado a usted juntamente con esta carta. La obra no se halla fácilmente por haberse publicado por entregas sueltas, y estar agotada la edición; así que no he podido adquirir para usted un ejemplar completo, y por lo mismo le envío el que tenía yo para mi uso y comprende cuanto se ha publicado. (...) Por la referida obra nada cargo a usted cuenta, y celebro esta ocasión de hacer a usted este corto obsequio.

De novo, a mesma estratégia personalista da troca de favores: d. Joaquín fazia saber que a obra era rara e cara, estava esgotada, que não se encontravam mais exemplares completos e que, mesmo assim, às mãos da Sociedade da Filadélfia chegaria um exemplar completo do livro pedido. Ele mandava seu próprio livro. Prescott, com se seu pragmatismo nas relações intelectuais, cobrou cada centavo do custo dos pedidos do abastado García Icazbalceta, que solicitou muitas vezes os serviços dos amanuenses do americano, sempre para seu próprio interesse (e não para instituições, como a Sociedad Mexicana de Geografía y Estadística ou o Ateneo). Por sua vez, Prescott jamais lhe franqueara algo de sua própria biblioteca, mesmo quando os livros estavam esgotados, muito caros ou de difícil acesso. O bostoniano, quando pediu um manuscrito, o fez para os círculos científicos dos quais era sócio ou mantinha contato, como na oportunidade em que pediu uma cópia do Registro trimestre, de Pedro de la Llave, para a Academy of Natural Sciences da Filadélfia (WHP-JGI, 16/01/1852). García Icazbalceta, embora soubesse da fortuna dos Prescott, nunca lhe cobrou um centavo. Tampouco deixou de corrigir seu colega: o manuscrito em questão era de Pablo e não de Pedro de la Llave; e enviou o original de sua própria biblioteca.

Prescott, em julho de 1852, reconheceu a amabilidade e o caráter personalista de don Joaquín, ao informar que havia recebido a obra enviada: “Acuso recibo de su amable del primero de junio, y de inmediato le notifico a usted la recepción del Registro Trimestre, el cual usted tuvo la generosidad de mandar de su propia colección privada - como lo notifique a la Academia en Filadelfia, a quienes mandé la obra”. O mexicano reforçaria seu favor em setembro: “Hice bien, sin duda, en remeter a usted mi propio ejemplar, pues, hasta ahora no me ha sido posible encontrar otro para mí”.

Nos últimos meses de 1852, o mexicano solicitou mais uma cópia. Desta vez da “Carta del licenciado Alonso Zuazo al padre Fray Luis de Figueroa, prior de la Mejorada”, ao que Prescott incluiria nas atribuições de seus copistas e comunicaria o preço de 10 dólares. García Icazbalceta também mencionou, no primeiro post-scriptum entre os dois, que “se ha comenzado a imprimir el proceso de residencia de Hernán Cortés encontrado, aunque incompleto, en el Archivo General. Luego que concluya la impresión lo enviaré a usted”. Mais uma vez, uma gentileza a um homem cujos interesses de pesquisa estavam, àquela altura, no governo de Felipe II e não mais no valoroso capitão da conquista.66 66 Prescott limitou-se a responder que “Me alegra mucho oír de la publicación de la Residencia de Cortés. Seguramente habrá muchos documentos valiosos en los Archivos Mexicanos que ilustren la temprana historia del país, que debe darse, de manera provechosa, al mundo”, em carta de abril de 1853.

Mas sempre que havia uma gentileza, havia também novo pedido. Na carta seguinte ao agradecimento de Prescott sobre a tradução de seu livro, finalmente recebida em abril de 1853, García Icazbalceta terminou a correspondência com um pedido:

No he olvidado la noticia que usted me dio una vez acerca de la Biblioteca Americana de Alcedo, manuscrito, y como es obra que me hace falta, deseo tenga usted la bondad de decirme si puede proporcionarme una copia de ella, contando con el favor de su dueño el señor Sparks, y a cuánto podrá ascender el costo de ella, del mismo estilo que las otras que me ha remitido usted confiando en que tendrá a bien disimularme esta nueva molestia.

O ano de 1853 e boa parte do seguinte seriam ocupados basicamente pela cópia desse documento. Primeiro, Prescott respondeu que por ter que pedir autorização para acessar a cópia a Jared Sparks, dono do manuscrito, reitor de Harvard, historiador natural e editor da North American Review. O imenso volume de trabalho (1310 páginas) também justificava a demora da cópia. Agregava-se a isso o fato dos funcionários do bostoniano estarem ocupados com outros afazeres. Terminava dizendo a don Joaquín que um professor italiano lhe havia sido indicado para realizar as cópias, sendo o valor de seis centavos por cada cem palavras redigidas. Assim sendo, Prescott pedia para o mexicano a resposta da autorização do serviço o mais rápido possível, para que o mesmo começasse a ser executado o quanto antes.

A resposta viria em junho, com a especificação dos detalhes técnicos referentes à cópia do manuscrito Biblioteca Americana, frisando que desejava letra clara, papel de boa qualidade e que se tivesse muito cuidado na fidelidade da transcrição conforme o original, como os copistas do próprio Prescott o fizeram anteriormente. De maneira usual, um pedido e um agrado. Don Joaquín aproveitou para informar a Prescott sobre sua última publicação:

He terminado la publicación de la Residencia de Cortés, y en primera oportunidad tendré el gusto de enviar a usted un ejemplar para su biblioteca, acompañándole otro del Extracto del proceso original formado con motivo de la conjuración del marqués del Valle (1566) hallado últimamente en el archivo del Hospital de Jesús, y que se está acabado de imprimir.

O fim da carta, marcado por pesar, noticiava a morte de Lucas Alamán, o homem que ambos admiravam e que os pusera em contato.

Prescott respondeu em outubro, dizendo que, como não conhecia o copista italiano que se lhe recomendara, portanto, não podia confiar-lhe aquela importante tarefa. Logo, comprometia-se a encontrar alguém de confiança para realizar o serviço. A missiva encerrava-se lamentando a morte do amigo em comum: “Me invadió la pena al enterarme de la muerte de nuestro amigo Alamán. Él fue uno de esos hombres que tanto como estadista y escritor mucho honró a su país, y aun cuando nunca tuve el placer de reunirme con él, me siento como si él fuese un amigo íntimo”.

Em novembro, o norte-americano comunicava que, finalmente, havia encontrado alguém para realizar a copia da Biblioteca Americana. D. Joaquín, no mesmo mês, mostrou-se muito contente pelo fato de se ter encontrado um copista que pudesse executar seu pedido. Aproveitou para informar a Prescott sobre a sua mais nova aquisição:

No hace mucho recibí de Europa una colección de más de sesenta documentos manuscritos originales de 1524 a 1580. Hay entre ellos una carta original inédita de Hernán Cortés (15 de octubre de 1524); dos igualmente originales de fray Bartolomé de las Casas; fray Martín de Valencia, padre Motolinía y otros; cerca de cincuenta relaciones de ciudades con mapas, en respuesta a la instrucción de Felipe II, semejantes a la de Pomar de que hablé a usted. Todos los documentos son originales excepto dos o tres copias; casi todos inéditos y abrazan un acopio de noticias que sería imposible hallar en otra parte (Grifo meu).

Depois de quase quatro meses sem receber carta alguma de Boston, escreveu a Prescott para saber o andamento das cópias do manuscrito, aproveitando para informar:

Ahora envío a Veracruz un bulbo, con los libros siguientes para usted, con encargo de que de lo dirijan en primera ocasión:

- Residencia de Cortés, México, 1853. Dos Tomos.

- Conjuración del marqués del Valle, idem, 1853. 1 tomo.

- Historia de California, por Clavijero, traducida al castellano, y Vida de fray Junípero Serra, idem, 1853. 1 tomo.

- Biografia de don Lucas Alamán, idem, 1853. 1 tomo.

Podemos notar no decorrer da epístola que parte daqueles livros pertencia ao finado Alamán e que havia outros exemplares que também estavam sendo enviados para a Sociedade Histórica de Massachusetts, bem como para a Sociedade Filosófica Americana. Os demais eram resultado do trabalho dos impressores e bibliófilos mexicanos e uma homenagem ao douto falecido.

A primeira metade do ano de 1854 também ficaria marcada pelas desventuras da cópia da Biblioteca Americana. O historiador procurou novamente seu colega bibliófilo em julho, para informar-lhe que o trabalho estava pronto:

Tengo al fin el placer de decirle que la caja que contiene una copia completa del Alcedo ha sido embarcada a bordo del Brazileiro que arribará en Veracruz en pocos días. Debo explicarse, en breve, el motivo de la demora. La obra fue primero colocada en manos de un copista italiano, que me fue recomendado por mi amigo el señor Ticknor. Esta persona, después de realizar cerca de la mitad de su tarea, para lo cual lo tuve que poner en orden cada semana que huía, renuncio pero afortunadamente dejó sus papeles. Por lo mismo, luego puse la obra en manos de un estudiante que la abandonó en un disgusto en menos de una semana. Fui más afortunado con el tercero, quien completó el trabajo y lo hizo tan bien como si el italiano lo hubiera realizado de manera fiel.

Como se não bastassem as dificuldades de se obter um copista para realizar a transcrição, García Icazbalceta comunicou a Prescott, em setembro daquele ano, o ocorrido com as cópias: o Brazileiro havia naufragado em Veracruz. Mesmo com o naufrágio, os manuscritos haviam sido resgatados com poucas avarias.

Don Joaquín concluiu a carta perguntando sobre a elaboração da obra História de Felipe II, afirmando ter grande vontade de lê-la. Finalizou escrevendo:

A estas horas considero en poder de usted los libros que le remetí, y se embarcaron hace tiempo en Veracruz. La edición de la obra de Motolinía está concluida y sigue la de otros documentos que deben acompañarle, para formar un volumen, el que apenas esté concluido cuidaré de enviarlo a usted como una pequeña muestra de agradecimiento por las finas atenciones que siempre le he merecido.

Em 24 de outubro, direto de Pepperell, o intelectual de Boston informava que a obra História de Felipe II já estava quase concluída, tendo terminado os dois primeiros volumes, agradecendo ao mexicano pelo envio do exemplar da obra de Motolinía. Aparentemente a menção ao novo trabalho fora espontânea, pois a verdadeira resposta à indagação do mexicano veio apenas em 6 de dezembro de 1854, última carta trocada naquele ano. Nela, Prescott informou alguns detalhes técnicos para confecção de novas cópias, bem como os trâmites para o envio das mesmas. Salientava: “Ahora estoy muy ocupado en convertir en libro mi manuscrito de los dos volúmenes del Felipe II - un trabajo que tal vez me ocupe hasta la primavera”. Ao fim, escreveu que ainda não havia recebido os livros enviados do México.

1855, ano turbulento para o México, que teve cinco presidentes, também ficou marcado pelo surgimento de novidades na correspondência entre os dois cavalheiros. A primeira carta do ano foi de Prescott para García Icazbalceta, enviada em 21 de fevereiro comunicando que a documentação chegara finalmente e que o material estava em bom estado. A novidade era o meio de despacho da carta: um recém-criado correio fixo entre Nova York e a capital do país mais ao sul:

Espero que ésa le haya llegado con bien. La envié por correo, el más común y seguro medio de comunicación. El anterior vicecónsul, el señor Stewart, de Nueva York, ya no está en el cargo y no conozco a la persona que ahora está! Pero como hay un correo regular entre este lugar y México, presumo que ése es el canal más seguro de comunicación.

Antes, as cartas seguiam de barco, como encomendas particulares, e circulavam entre os secretários e colegas de ambos os letrados até chegar às mãos do vice-cônsul que as reencaminhava para o destinatário. Agora, o envio se profissionalizava e dependia menos de esforços pessoais. Mais uma vez demonstrando as diferenças entre o pragmatismo do americano e o personalismo do mexicano, don Joaquín rejeitou a ideia do correio, informando que possuía um novo contato para envio em Nova York (don J. del Hoyo) e terminou a missiva dizendo:

Mucho me alegro de que haya entrado ya en prensa el Felipe II. Suplico a usted que luego que se publique el todo o parte se sirva favorecerme con un ejemplar, anotando su importe en mi cuenta. Sigo aquí imprimiendo por mí mismo y muy lentamente mis Documentos inéditos, y desearía que mis negocios y atenciones domésticas me permitiesen activar este trabajo, pues he reunido y continúo adquiriendo materiales muy preciosos para la historia de este país.

Prescott escreveu em abril, mandando detalhes técnicos das novas cópias, bem como o valor total do trabalho: $105. Aproveitou para escrever que descobertas de Ramírez acerca das escrituras “jeroglíficas de los astecas” eram de suma importância: “Tiene usted idea hasta dónde logró establecer este interesante punto, que hará avanzar a las razas antiguas un paso en la escala de la civilización?”. Em maio, García Icazbalceta respondeu a pergunta:

Mucho debe esperarse de la penetración del señor Ramírez y de la asiduidad con que se ha dedicado al estudio de la escritura jeroglífica; y así juzgo que aun cuando no llegue a establecer la realidad de su anunciado descubrimiento, a lo menos la publicación de sus investigaciones será de gran provecho para nuestra historia antigua.

As demais cartas até dezembro, três no total, eram técnicas e continham o preço das novas cópias e do envio. Apenas na última carta, de dezembro de 1855, agradecendo ao pensador de Boston o envio dos manuscritos solicitados, o mexicano enviava um caderno impresso intitulado Noticias de la Ciudad de México y de sus alrededores; afirmando que: “Es un acopio de datos bastante mal coordinados, y en que hay mucho inútil; pero contiene algunas cosas interesantes y presenta reunidas muchas noticias que hasta ahora andaban derramadas en multitud de obras”. Também enviava a Boston duas impressões da carta de Cortés, frisando que: “Reciba usted ambas cosas como una muestra de mi agradecimiento a sus bondades y soy como siempre su afectísimo”.

No último ano de correspondência, 1856, quatro cartas foram trocadas entre os dois. O tema da primeira foi o envio por parte de Prescott de seu novo trabalho, recém-saído das prensas: History of Philip II. Era o único presente enviado a García Icazbalceta em anos de correspondência. Quatro meses depois, em maio, d. Joaquín comunica que ainda não havia recebido os tomos, presos no porto de Veracruz, por ocasião da “revolución de Puebla”.67 67 No ocaso do Santannismo mexicano, iniciou-se a chamada reforma liberal que, por sua vez, gerou os primeiros cuartelazos aos brados de “religión y fueros”. Durante a administração de Ignácio Comonfort, “el proceso de reformas liberales, en particular las implicaciones de la Ley Lerdo y el ambiente de confrontación que hacia finales de 1856 generó […dos] campaña[s] sobre Puebla”, a que se refere García Icazbalceta. VILLEGAS REVUELTAS, Silvestre. Santannismo, Reforma liberal y las campañas de Puebla en 1856. Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, n. 40, Cidade do México, julio-diciembre 2010, p. 13-52, p. 14.

As últimas epístolas foram bastante curtas, mas igualmente cheias de cortesias. O mexicano, em novembro de 1856, escreveu:

Muy señor mío: Desde el 22 de diciembre del año pasado remití a usted un cuaderno de Noticias de México con dos ejemplares de una editio princeps en letra gótica de la Carta de Cortés, últimamente descubierta. Nada he vuelto a saber de esta remesa e ignoro si ha llegado a manos de usted. Le suplico me avise si la ha recibido, para en caso contrario hacerla buscar, como ya sucedió anteriormente. Soy como siempre su afectísimo amigo y señor que su mano besa. J.G.I.

Prescott respondeu dias depois:

Mi apreciado señor: Tuve el placer de recibir su nota de 5 de noviembre en la cual me pregunta si me llegaron las Noticias de México y los dos ejemplares de la Carta de Cortés. Me da gusto confirmarle que sí, y ahora están a salvo en los estantes de mi biblioteca como pruebas de su estimación. Yo pensaba que desde hacía mucho le había acusado recibo; y le pido mil disculpas por haberlo dejado pasar y por haberle mortificado con mi descuido. Agradeciéndole su gentileza, quedo de usted, mi apreciado señor, muy sinceramente, su fiel amigo y servidor. W. H. Prescott.

Nos anos seguintes, García Icazbalceta dedicaria toda sua energia para publicar seus documentos inéditos. Eles ficariam prontos em dezembro de 1858, mas jamais chegariam a Prescott, que faleceria em janeiro de 1859.

Conclusão

Este trabalho mostrou apenas uma fração do que, no século XIX, era uma ampla rede de comunicação entre os letrados, editores, livreiros e academias científicas na América e no Velho Mundo. Para descobrir e publicar as antigas crônicas e documentos notariais, uma verdadeira rede transatlântica intelectual e de afetos acabou se formando. Para escrever a história nacional era preciso se conectar com o mundo como um todo.68 68 Assinalamos neste texto que a correspondência, a tradução e a edição de obras eram meios para realizar tal aspiração. Mas a busca por interlocução mundial também levou intelectuais latino-americanos, como Varnhagen e Vicente Fidel López, a escreverem e publicarem estudos diretamente em francês. E as trocas entre García Icazbalceta e Prescott, malgrado todas as dificuldades para que se dessem, foram vitais para a constituição de corpora documentais que seriam centrais à nascente historiografia mexicana e para a aquisição de conhecimento sobre o México nas igualmente recentes instituições de letras e ciências americanas.

Para escrever suas obras, Prescott valera-se de muitos contatos com intelectuais espanhóis e livreiros na Europa que, sempre que possível, remetiam material solicitado pelo americano por cartas. A partir do contato com Prescott, manuscritos copiados de arquivos espanhóis, mal organizados e de difícil consulta, foram novamente copiados e mandados ao México, onde foram editados em tomos como os da preciosa Colección de documentos para la historia de México, publicados em 1858, organizados por García Icazbalceta, e marco na formação historiográfica do país.

Nesses tomos, um processo de revalorização das crônicas coloniais como documentos históricos estava em curso. Elas e outros documentos garimpados por García Icazbalceta (mas também por Ramírez e outros) cimentariam o estudo da história nacional mexicana ao longo do século XIX.69 69 Outros “garimpeiros de documentos”, que publicaram tomos e criaram tais corpora documentais para a história nacional existiram em muitos lugares, tanto na Europa quanto na América, como François Guizot, na França (que publicou, entre 1822 e 1830, duas coleções de documentos históricos) ou Pedro de Angelis, na Argentina (e sua Colección de obras y documentos relativos a la historia antigua y moderna de las provincias del Río de La Plata, de 1836). Nesse processo, as publicações de coletâneas de relatos coloniais exerceram um papel essencial. Em muitos casos, essas compilações determinaram o que faria parte e o que seria excluído do “corpus histórico nacional”.70 70 WASSERMAN, Fabio. La historia como concepto y como práctica: conocimiento histórico en el Rio de la Plata (1780-1840). Revista História da Historiografia, n. 04, Ouro Preto, março de 2010, p. 15-36.

Ao longo de 48 missivas, em quase oito anos de correspondência, García Icazbalceta foi ganhando reconhecimento por seu trabalho e as trocas acadêmicas entre os dois intelectuais tornaram-se mais intensas, havendo sugestões de encaminhamentos de obras e a indicação para academias científico-literárias de ambos os países. O envio de manuscritos e impressos de ambas as partes deu-se sempre seguindo a lógica acima descrita: era de cunho personalista e sempre cheio de expectativas e favores da parte de García Icazbalceta; institucional, mais distante, pragmática e impessoal da parte de Prescott (ainda que, nos anos finais, pudéssemos entrever um sentimento de amizade também de sua parte).

Analisar a correspondência trocada entre ambos acaba se tornando uma forma possível para que compreendamos melhor o funcionamento de parte do mundo erudito tanto no México como nos Estados Unidos de meados do século XIX, ampliando a percepção que se pode ter sobre a formação do pensamento historiográfico e o intercâmbio cultural entre os dois países, para além de reforçar a tensão política tão patente entre eles.

Referências bibliográficas

  • AESCHBACHER, W. D. Historical organization on the great plains. North Dakota History, vol. 1, n. 34, 1967, p. 93-104.
  • ANNINO; Antonio & VÁZQUEZ, Josefina Z. El primer liberalismo mexicano: 1808-1855. México: Inah, 1995.
  • ANTUÑAMO, Francisco de & BERAZA, Felipe García (org.). Correspondencia entre los historiadores William H. Prescott y Joaquín García Icazbalceta. México: Instituto Mexicano Norteamericano de Relaciones Culturales, 1984.
  • BENSON, Nettie Lee. Review on Manuel Guillermo Martínez. The Hispanic American Historical Review, vol. 28, n. 4, Duke University Press, nov. 1948.
  • BERNAL, Ignacio (org.). Correspondencia de Nicolás León con Joaquín García Icazbalceta. Cidade do México: Unam, 1982.
  • BERNAL, Ignacio. Prólogo. In: ANTUÑAMO, Francisco de & BERAZA, Felipe García. Correspondencia entre los historiadores William H. Prescott y Joaquín García Icazbalceta. México: Instituto Mexicano Norteamericano de Relaciones Culturales, 1984.
  • CAMELO, Rosa. Joaquín García Icazbalceta. In: FLORESCANO, Enrique & PÉREZ MONFORT, Ricardo. Historiadores de México en el siglo XX. México: FCE, 1995.
  • CARREÑO, Alberto María. Don Joaquín Garcia Icazbalceta. The Americas, vol. 1, n. 4, Catholic University of America Press on behalf of Academy of American Franciscan History, abr. 1945.
  • CHARVAT, William et al. (ed.). William Hickling Prescott: representative selections. Nova York: American, 1943.
  • CLENDINNEN, Inga. “Fierce and unnatural cruelty”: Cortés and the conquest of Mexico. Representations, n. 33, 1991.
  • CRAIB, Raymond. A nationalist metaphysics: state fixations, national maps, and the geo-historical imagination in nineteenth-century Mexico. Hispanic American Historical Review, vol. 82, n. 1, fev. 2002, p. 46.
  • CRESPO, Horacio. El erudito coleccionista y los orígenes del americanismo. In: ALTAMIRANO, Carlos & MYERS, Jorge (coord.). Historia de los intelectuales en América Latina, vol. I: La ciudad letrada, de la conquista al modernismo. Buenos Aires: Katz, 2008, p. 290-311.
  • DAUPHIN, Cécile. Les manuels épistolaires au XIXe siêcle. In: CHARTIER, Roger. La correspondance: les usages de la lettre au XIXe siécle. Paris: Fayard, 1991.
  • EIPPER, John E. The canonizer de-canonized: the case of William H. Prescott. Hispania, vol. 83, n. 3, set. 2000.
  • ERNEST, John. Reading the romantic past: William H. Prescott’s History of the conquest of Mexico. American Literary History, n. 5, 1993.
  • FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Criando a conquista do México: a obra de William H. Prescott (1843) e a invenção de uma memória sobre o contato de espanhóis e indígenas na América. In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DA ANPUH - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA. Anais, vol. 1, n. 26, São Paulo, 2011a, p. 01-09.
  • __________. Narrativa e metanarrativa da conquista do México na obra de William H. Prescott. In: 5º SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA: BIOGRAFIA & HISTÓRIA INTELECTUAL. Caderno de resumos & Anais, vol. 1, n. 05, Mariana, 2011b, p. 01-09.
  • __________. Patria mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). Jundiaí: Editorial Paco, 2012.
  • FREITAS NETO, José Alves. O resgate da crônica, questões sobre etnia e a identidade na América hispânica do XIX. Ideias, Campinas, vol. 1, n. 1, 2004.
  • GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín. Bibliografía mexicana del siglo XVI - catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económica, 1954.
  • __________. Colección de documentos para la historia de México. México: J. M. Andrade, 1858.
  • GALINDO Y VILLA, Jesus. Don Joaquín García Icazbalceta: Notas biográficas y bibliográficas. México: Sagrado Corazón de Jesús, 1889.
  • GARDINER, C. Harvey. William Hickling Prescott: a biography. Austin: University of Texas Press, 1969, p. 21.
  • GONZÁLEZ, Natalicio. Icazbalceta y su obra. Historia Mexicana, vol. III, n. 3, jan.-mar. 1954.
  • GONZÁLEZ & GONZÁLEZ, Luís. Nueve aventuras de la bibliografía mexicana. Historia Mexicana 37, vol. X, n. 1, México: El Colegio de México, julio-septiembre 1960.
  • __________. La ronda de las generaciones. México: SEP, 1984.
  • GUTIÉRREZ, Edgar O. & RIVAS MATA, Emma. Cartas de las haciendas. Joaquín García Icazbalceta escribe a su hijo Luis, 1877-1894. México: Inah, 2013.
  • HALE, Charles. Mexican liberalism in the age of Mora, 1821-1853. New Haven: Yale University Press, 1968.
  • JAKSIĆ, Iván. Ven conmigo a la España lejana: los intelectuales norteamericanos ante el mundo hispano, 1820-1880. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2007.
  • KAGAN, Richard. Prescott’s paradigm: American historical scholarship and the decline of Spain. American Historical Review, vol. 101, Bloomington, 1996, p. 423-446.
  • KRAUZE, Enrique. Los redentores: ideas y poder en la América Latina. Tradução de Magda Lopes, Cecília Gouvêa Dourado e Gabriel Federicci. São Paulo: Saraiva, 2011.
  • LEVIN, David. History as romantic art: Bancroft, Prescott, Motley, and Parkman. Stanford: Stanford Univ. Press, 1959.
  • MARTÍNEZ BARACS, Rodrigo. La correspondencia de Joaquín García Icazbalceta y Manuel Remón Zarco del Valle. Histórias, n. 61, 2005.
  • MARTÍNEZ, Manuel Guillermo. Don Joaquín García Icazbalceta. Revista Interamericana de Bibliografía, vol. 1, n. 2, Washington, abr-jun. 1951.
  • MATUTE, Álvaro & TREJO, Evelia. La historia antigua en México: Su evolución social. In: MATUTE, Álvaro (ed.). Estudios de historia moderna y contemporánea de México, vol. 14. México: Unam; Instituto de Investigaciones Históricas, 1991, p. 89.
  • MERRIM, Stephanie. Civilización y barbarie: Prescott como lector de Cortés. In: CHANG-RODRIGUEZ, Raquel & BEER, Gabriella de (ed.). La historia en la literatura iberoamericana. Nova York: City College, 1989.
  • MILLARES CARLO, Agustín. Prólogo. In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín. Bibliografía mexicana del siglo XVI - catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económica, 1954.
  • MORISON, S. E. Robert Carter’s recollections of William H. Prescott. The New England Quarterly, vol. 32, n. 3, set. 1959, p. 372.
  • OGDEN, Rollo. William Hickling Prescott. Boston: Houghton Mifflin, 1904.
  • PECK, Harry Thurston. William Hickling Prescott. Nova York: Macmillan, 1905.
  • PI-SUÑER LLORENS, Antonia. La generación de Vicente Riva Palacio y el quehacer historiográfico. Secuencia, Nueva Época, n. 35, México: Instituto Mora, maio-agosto, 1996.
  • PILLING, J. C. Joaquin Garcia Icazbalceta. American Anthropologist, vol. 8, n. 2, Blackwell Publishing on behalf of the American Anthropological Association, abr. 1895.
  • PRESCOTT, William H. History of the conquest of Mexico, with a preliminary view of ancient Mexican civilization, and the life of the conqueror, Hernando Cortés. 3 volumes. Nova York: Harper and Brothers, 1843.
  • RUTSCH, Mechthild. Natural history, national museum and anthropology in Mexico. Some reference points in the forging and re-forging of national identity. Perspectivas Latinoamericanas, vol. 1, Nagoya, 2004, p. 89-122.
  • STECK, Francis Borgia. Literary contributions of catholics in nineteenth century Mexico. The Americas, vol. 1, n. 3, Catholic University of America Press on behalf of Academy of American Franciscan History, abr. 1945.
  • TICKNOR, George. Life of William Hickling Prescott. Londres, 1864.
  • VÁZQUEZ, Josefina. Liberales y conservadores en México: diferencias y similitudes. Estudios interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, vol. 8, n. 1, jan.-jun. 1997.
  • VENANCIO, Gisele Martins. Presentes de papel: cultura escrita e sociabilidade na correspondência de Oliveira Vianna. Estudos Históricos, n. 28, Rio de Janeiro, 2001, p. 23-47, p. 23-24.
  • VILLEGAS REVUELTAS, Silvestre. Santannismo, reforma liberal y las campañas de Puebla en 1856. Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, n. 40, jul.-dez. 2010, p. 13-52.
  • WAGNER, Henry R. Joaquín García Icazbalceta. Proceedings of the American Antiquarian Society, 1934.
  • WASSERMAN, Fabio. La historia como concepto y como práctica: conocimiento histórico en el Rio de la Plata (1780-1840). Revista História da Historiografia, n. 04, Ouro Preto, março de 2010, p. 15-36.
  • WERTHEIMER, Eric. Noctography: representing race in William Prescott’s History of the conquest of Mexico. American Literature, n. 67, 1995.
  • WOLCOTT, Roger (ed.). The correspondence of William Hickling Prescott. Boston: Houghton Mifflin, 1970 [1925], p. 597.
  • 1
    BERNAL, Ignacio. Prólogo. In: ANTUÑAMO, Francisco de & BERAZA, Felipe García. Correspondencia entre los historiadores William H. Prescott y Joaquín García Icazbalceta. México: Instituto Mexicano Norteamericano de Relaciones Culturales, 1984, p. 08.
  • 2
    KAGAN, Richard. Prescott’s paradigm: American historical scholarship and the decline of Spain. American Historical Review, vol. 101, Bloomington, 1998, p. 423-446, p. 230.
  • 3
    Cf. JAKSIĆ, Iván. Ven conmigo a la España lejana: los intelectuales norteamericanos ante el mundo hispano, 1820-1880. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2007.
  • 4
    VENANCIO, Gisele Martins. Presentes de papel: cultura escrita e sociabilidade na correspondência de Oliveira Vianna. Estudos Históricos, n. 28, Rio de Janeiro, 2001, p. 23-47, p. 23-24.
  • 5
    DAUPHIN, Cécile. Les manuels épistolaires au XIXe siêcle. In: CHARTIER, Roger. La correspondance: les usages de la lettre au XIXe siécle. Paris: Fayard, 1991, p. 235.
  • 6
    GONZÁLEZ, Natalicio. Icazbalceta y su obra. Historia Mexicana, vol. III, n. 3, jan.-mar. 1954, p. 368.
  • 7
    Na extensa troca de cartas entre Icazbalceta e seu filho Luis, o vemos discorrer sobre os pormenores da lavoura do açúcar em Morelos, investimentos em ações de ferrovias e outros negócios. Não amiúde, menciona a importância de se observar o caminho parental. Cf. MATA, Emma Rivas & GUTIÉRREZ, Edgar O. Cartas de las haciendas. Joaquín García Icazbalceta escribe a su hijo Luis, 1877-1894. México: Inah, 2013.
  • 8
    GONZÁLEZ, Natalicio, op. cit., p. 367.
  • 9
    Apud GONZÁLEZ, Natalicio, op. cit., p. 368.
  • 10
    “Tenía una riquísima colección de documentos reunidos para sus estudios históricos: hermosa biblioteca de estantería hasta el techo, en las piezas que daban sobre la calle. El gran salón, de viejo aspecto colonial, estaba situado al lado izquierdo de un patio, grande como una plaza. Cuando le veía, me recibía siempre con cultura, declarándome que él no pertenecía a la sociedad presente, encerrado en sus libros, oyendo misa todos los días, y dado al lujo de hacer ediciones de tan corto número, que son verdaderos incunables. No aspiraba a nada; le conocí anciano y me causaba respetuosa simpatía verle tranquilo y resignado, viviendo entre sus libros, sus verdaderos amigos, ocupado en dirigir la impresión de sus obras históricas; supongo que tenía familia, pero sólo le conocí a él.” Vicente G. Quesada, ministro de Argentina no México, citado em BERNAL, Ignacio (org.). Correspondencia de Nicolás León con Joaquín García Icazbalceta. México: Unam, 1982, p. 223.
  • 11
    PILLING, J. C. Joaquín Garcia Icazbalceta. American Anthropologist, vol. 8, n. 2, Blackwell Publishing on behalf of the American Anthropological Association, abr. 1895., p. 178-179, por exemplo.
  • 12
    MARTÍNEZ, Manuel Guillermo. Don Joaquín García Icazbalceta. Revista Interamericana de Bibliografía, vol. 1, n. 2, Washington, abr.-jun. 1951, p. 81.
  • 13
    WAGNER, Henry R. Joaquín García Icazbalceta. Proceedings of the American Antiquarian Society, 1934.
  • 14
    CARREÑO, Alberto María. Don Joaquin Garcia Icazbalceta. The Americas, vol. 1, n. 4, Catholic University of America Press on behalf of Academy of American Franciscan History, abr. 1945. STECK, Francis Borgia. Literary contributions of catholics in nineteenth century Mexico. The Americas, vol. 1, n. 3, Catholic University of America Press on behalf of Academy of American Franciscan History, abr. 1945.
  • 15
    BENSON, Nettie Lee. Review on Manuel Guillermo Martínez. The Hispanic American Historical Review, vol. 28, n. 4, Duke University Press, nov. 1948, p. 568.
  • 16
    Cf. GONZÁLEZ, Natalicio, op. cit., 1954 e MARTÍNEZ, Manuel Guillermo, op. cit., p. 951; MILLARES CARLO, Agustín. Prólogo. In: GARCÍA, Icazbalceta, Joaquín. Bibliografía Mexicana del Siglo XVI – catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económico, 1954.
  • 17
    GONZÁLEZ y GONZÁLEZ, Luís. La ronda de las generaciones. México: SEP, 1984.
  • 18
    A distinção entre liberais e conservadores, quando se trata de América hispânica, está longe de ser óbvia. De forma tradicional, costumou-se retratar o liberalismo do século XIX como uma ideologia completamente alheia ao âmbito cultural latino-americano; uma tradição importada que, como “ideia fora de lugar”, se chocou com a tradição patrimonial, patriarcal e absolutista herdada dos tempos coloniais. Nesse sentido, não é difícil encontrar a noção de senso comum de que os liberais americanos usam seus textos apenas como máscaras para o autoritarismo. O trabalho de Charles Hale, em especial seu livro sobre o pensamento de Mora (HALE, Charles. Mexican liberalism in the age of Mora, 1821-1853. New Haven: Yale University Press, 1968) rompeu parcialmente com esse paradigma, tornando-se leitura obrigatória sobre o assunto desde seu lançamento. Hale fez o primeiro esforço sistemático para explicar as diferenças e (acima de tudo) as semelhanças entre os conservadores e os liberais mexicanos. Lançou a tese de que foi justamente o conflito ideológico entre as duas facções o principal responsável pela instabilidade política mexicana durante a primeira metade dos Oitocentos. Mas também matizou as diferenças entre os lados, mostrando que, de fato, todos os lados eram liberais: um lado liberal autodeclarado, ao passo que o outro era de “liberais-conservadores”. Sendo assim, Hale inaugurou uma tradição (que tem no livro de Enrique Krauze, Os redentores, 2010, seu mais recente seguidor) de ver o México em particular, mas toda a América Latina por extensão, como tendo “nascido liberais”. Esta longa digressão sobre tão importante questão não poderia ficar completa se não mencionássemos o trabalho recente de Josefina Z. Vázquez. A autora, ainda que não rompa por completo com os paradigmas de Hale, enfatizou outros vocabulários políticos do XIX, mostrando que o conflito de ideários no México da época se dava mais em termos de “centralistas e federalistas” do que entre conservadores e liberais. Para ela, a primeira metade do século ficou cindida entre um “liberalismo federal” e um “liberalismo centralista” (cf. VÁZQUEZ, Josefina Z. & ANNINO, Antonio. El primer liberalismo mexicano: 1808-1855. México: Inah, 1995; ou Idem. Liberales y conservadores en México: diferencias y similitudes. Estudios interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, vol. 8, nº 1, jan.-jun. 1997).
  • 19
    MATUTE, Álvaro & TREJO, Evelia. La historia antigua en México: su evolución social. In: MATUTE, Álvaro (ed.). Estudios de historia moderna y contemporánea de México, vol. 14. México: Unam, Instituto de Investigaciones Históricas, 1991, p. 89.
  • 20
    PI-SUÑER LLORENS, Antonia. La generación de Vicente Riva Palacio y el quehacer historiográfico. Secuencia, Nueva Época, n. 35, México: Instituto Mora, maio-agosto 1996.
  • 21
    FERNANDES, L. E. O. Patria mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). Jundiaí: Editorial Paco, 2012.
  • 22
    CRAIB, Raymond. A nationalist metaphysics: state fixations, national maps, and the geo-historical imagination in nineteenth-century Mexico. Hispanic American Historical Review, 82, n. 1, fev. 2002, p. 46.
  • 23
    GARDINER, C. Harvey. William Hickling Prescott: a biography. Austin: University of Texas Press, 1969, p. 21.
  • 24
    “Never one to frequent archives in person, Prescott reactivated established scholarly channels when he informed London bookdealer Rich and Madrid-based diplomat Middleton of his new needs. In addition, one Spanish friend won by his first work, Angel Calderón de la Barca, helped to introduce Prescott to Spain’s most eminent historian, Fernandez de Navarrete”, afimou GARDINER, C. Harvey, op. cit., p. 11.
  • 25
    MORISON, S. E. Robert Carter’s recollections of William H. Prescott. The New England Quarterly, vol. 32, n. 3, set. 1959, p. 372.
  • 26
    Em 15 de maio de 1846, dois dias antes da declaração de guerra feita pelos Estados Unidos, Prescott escreveu para George Sumner, irmão do abolicionista Charles Sumner: “The South and West seem to be overrun with a daredevil war spirit that one might expect to meet with in France, but not in a money-making democracy. Yet this same war spirit has been the bane of more democracies than one, and I fear we are reserved to point a moral, if we do nothing to adorn a tale. One would suppose that the millions of uncultivated acres inviting settlement and the hand of civilization that lie within our present limits might satisfy the most craving cupidity”. Apud WOLCOTT, Roger (ed.). The correspondence of William Hickling Prescott. Boston: Houghton Mifflin, 1970 [1925], p. 597.
  • 27
    Resenha de History of the conquest of Mexico. The North American Review, vol. 58, n. 122, University of Northern Iowa, jan. 1844, p. 158.
  • 28
    Conferir o seminal trabalho de JAKSIĆ, Iván. Ven conmigo a la España lejana: los intelectuales norteamericanos ante el mundo hispano, 1820-1880. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2007.
  • 29
    GARCÍA, Joaquín Icazbalceta. Bibliografía mexicana del siglo XVI – catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económico, 1954, p. 284.
  • 30
    TICKNOR, George. Life of William Hickling Prescott. Londres: Cambridge University Press, 1864.
  • 31
    OGDEN, Rollo. William Hickling Prescott. Boston: Houghton Mifflin, 1904. PECK, Harry Thurston. William Hickling Prescott. Nova York: Macmillan, 1905. GARDINER, Harvey, op. cit., 1969.
  • 32
    handsome, gay, popular” é como William Charvat o definiu. CHARVAT, William et al. (ed.). William Hickling Prescott: representative selections. Nova York: American, 1943, p. xxii
  • 33
    EIPPER, John E. The canonizer de-canonized: the case of William H. Prescott. Hispania, vol. 83, n. 3, set. 2000, p. 417.
  • 34
    JAKSIĆ, Iván, op. cit., p. 314-315.
  • 35
    CLENDINNEN, Inga. “Fierce and unnatural cruelty”: Cortés and the conquest of Mexico. Representations, 33, 1991. MERRIM, Stephanie. Civilización y barbarie: Prescott como lector de Cortés. In: CHANG-RODRIGUEZ Raquel & BEER, Gabriella de (ed.). La historia en la literatura iberoamericana. Nova York: City College, 1989.
  • 36
    ERNEST, John. Reading the romantic past: William H. Prescott’s History of the conquest of Mexico. American Literary History, n. 5, 1993, p. 238.
  • 37
    ERNEST, John, op. cit., p. 233.
  • 38
    WERTHEIMER, Eric. Noctography: representing race in William Prescott’s History of the conquest of Mexico. American Literature, 67, 1995, p. 314.
  • 39
    WERTHEIMER, Eric, op. cit., p. 313; como se referia ao México, supõe-se que Wertheimer inclua o país na América do Sul ou Central.
  • 40
    KAGAN, Richard L., op. cit., p. 230.
  • 41
    Cf. FREITAS NETO, José Alves. O resgate da crônica, questões sobre etnia e a identidade na América hispânica do XIX. In: Ideias, vol. 1, n. 1, Campinas, 2004.
  • 42
    CRESPO, Horacio. El erudito coleccionista y los orígenes del americanismo. In: ALTAMIRANO, Carlos & MYERS, Jorge (coord.). Historia de los intelectuales en América Latina, vol. I: La ciudad letrada, de la conquista al modernismo. Buenos Aires: Katz, 2008, p. 290-311, p. 308.
  • 43
    Essa tradução demorou dezesseis meses e a ela García Icazbalceta anexou um apêndice com correções e retificações escritas para melhorar a obra de Prescott. A atitude do mexicano mostra muito de sua concepção de ciência e de história. Voltaremos a este assunto.
  • 44
    García Icazbalceta, carta a José F. Ramírez, 22 de janeiro de 1850.
  • 45
    Doravante, podemos citar as cartas entre Joaquín García Icazbalceta (JGI) e William H. Prescott (WHP) colocando, entre parênteses, as iniciais do emissário em primeiro lugar, separadas por hífen das do destinatário. Em outros momentos, quando o próprio corpo do texto deixar claro o emissário e o destinatário, não colocaremos a citação completa para não ficar muito carregado de notas. Saiba o leitor que todas as cartas foram conferidas em arquivos mexicanos e na Universidade do Texas, mas encontram-se publicadas em: ANTUÑAMO, Francisco de & BERAZA, Felipe García. Correspondencia entre los historiadores William H. Prescott y Joaquín García Icazbalceta. México: Instituto Mexicano Norteamericano de Relaciones Culturales, 1984, cuja transcrição é fiel aos originais.
  • 46
    Fatos que marcam o fim do recorte escolhido por Prescott em sua narrativa. Pedro de la Gasca foi presidente da Audiência de Lima e um dos responsáveis por debelar a rebelião de Gonzalo Pizarro. Foi embora do Peru em 1550. Francisco de Toledo, por sua vez, foi o quinto vice-rei do Peru, cargo que exerceu até 1581.
  • 47
    Rodrigo Martínez Baracs nos chama a atenção para uma carta, de 1854, em que Prescott escreve para a madame Frances Calderón de la Barca, chamando García Icazbalceta de um “traductor sensiblero”. Por sua vez, o hábito de alterar os textos que publicou vão ainda além. Um cotejamento feito por Georges Baudot nos arquivos da Benson Library onde estão os manuscritos e anotações de García Icazbalceta revelou, por exemplo, que a carta de 1521, do licenciado Zuazo, foi editada. O mexicano retirou ou alterou expressões que considerou licenciosas (MARTÍNEZ BARACS, Rodrigo. La correspondencia de Joaquín García Icazbalceta y Manuel Remón Zarco del Valle. Histórias, n. 61, 2005, p. 44 e 49).
  • 48
    Cf. JAKSIĆ, Ivan, op. cit., último capítulo.
  • 49
    Cf. FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Patria mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Paco Editorial, 2012, p. 199.
  • 50
    AESCHBACHER, W. D. Historical organization on the great plains. North Dakota History, vol. 1, n. 34, 1967, p. 93-104.
  • 51
    A publicação existe até hoje. O acervo da revista (entre os anos de 1815 e 1900) foi digitalizado e encontra-se disponível na Biblioteca da Universidade de Cornell, no endereço: <http://digital.library.cornell.edu/n/nora/nora.html>. Acesso em: 08/01/2017.
  • 52
    JACKSIC, Ivan, op. cit., p. 362-374.
  • 53
    “The general views of the Introduction will prepare the reader for the particulars of the Conquest, and that the great public events narrated in this will, without violence, open the way to the remaining personal history of the hero who is the soul of it. Whatever incongruity may exist in other respects, I may hope the unity of interest, the only unity held of much importance by modern critics, will be found still to be preserved.” PRESCOTT, William H. History of the conquest of Mexico, with a preliminary view of ancient Mexican civilization, and the life of the conqueror, Hernando Cortés, 3 vol. Nova York: Harper and Brothers, 1843, p. XI.
  • 54
    PRESCOTT, William H., apud LEVIN, David. History as romantic art: Bancroft, Prescott, Motley, and Parkman. Stanford: Stanford Univ. Press, 1959, p. 11.
  • 55
    JAKSIĆ, Ivan, op. cit., p. 17.
  • 56
    GONZÁLEZ & GONZÁLEZ, Luís. Nueve aventuras de la bibliografía mexicana. Historia Mexicana 37, vol. X, n. 1, México: El Colegio de México, julio-septiembre 1960, p. 32.
  • 57
    Cf. FERNANDES, L. E., op. cit., cap. 4.
  • 58
    GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín, apud MILLARES CARLO, Agustín. Prólogo. In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín. Bibliografía mexicana del siglo XVI – catálogo razonado de libros impresos en México de 1539 a 1600. México: Fondo de Cultura Económica, 1954, p. 7.
  • 59
    GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín, op. cit., 1954, p. 21.
  • 60
    GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín, apud GONZÁLEZ & GONZÁLEZ, Luís, op. cit., p. 30.
  • 61
    De Prescott para Alamán, apud JAKSIĆ, Ivan, op. cit., p. 332.
  • 62
    JAKSIĆ, Ivan, op. cit., p. 367.
  • 63
    RAMÍREZ, José Fernando, apud RUTSCH, Mechthild. Natural history, national museum and anthropology in Mexico. Some reference points in the forging and re-forging of national identity. Perspectivas Latinoamericanas, vol. 1, Nagoya, 2004, p. 89-122, p. 97.
  • 64
    RAMÍREZ, José Fernando, apud RUTSCH, Mechthild, op. cit., p. 97.
  • 65
    Prólogo da Colección de documentos para la historia de México. Essa afirmação de começo de carreira cai por terra quando lemos um balanço de sua produção, feita décadas depois, em 1884, em carta a Nicolás León, de 6 de maio, que queria ajuda sobre história e uma conversa sobre as “antiguidades mexicanas”, seu passado indígena: “...en cuanto a conferenciar sobre algunos puntos de antigüedades mexicanas, es deber mío advertirle que nunca me he ocupado con el estudio de ellas, pues como U. ve, todos mis escritos versan sobre el primer siglo de la dominación española, y algo de bibliografia”. BERNAL, Ignacio (org.). Correspondencia de Nicolás León con Joaquín García Icazbalceta. Cidade do México: Unam, 1982, p. 29.
  • 66
    Prescott limitou-se a responder que “Me alegra mucho oír de la publicación de la Residencia de Cortés. Seguramente habrá muchos documentos valiosos en los Archivos Mexicanos que ilustren la temprana historia del país, que debe darse, de manera provechosa, al mundo”, em carta de abril de 1853.
  • 67
    No ocaso do Santannismo mexicano, iniciou-se a chamada reforma liberal que, por sua vez, gerou os primeiros cuartelazos aos brados de “religión y fueros”. Durante a administração de Ignácio Comonfort, “el proceso de reformas liberales, en particular las implicaciones de la Ley Lerdo y el ambiente de confrontación que hacia finales de 1856 generó […dos] campaña[s] sobre Puebla”, a que se refere García Icazbalceta. VILLEGAS REVUELTAS, Silvestre. Santannismo, Reforma liberal y las campañas de Puebla en 1856. Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, n. 40, Cidade do México, julio-diciembre 2010, p. 13-52, p. 14.
  • 68
    Assinalamos neste texto que a correspondência, a tradução e a edição de obras eram meios para realizar tal aspiração. Mas a busca por interlocução mundial também levou intelectuais latino-americanos, como Varnhagen e Vicente Fidel López, a escreverem e publicarem estudos diretamente em francês.
  • 69
    Outros “garimpeiros de documentos”, que publicaram tomos e criaram tais corpora documentais para a história nacional existiram em muitos lugares, tanto na Europa quanto na América, como François Guizot, na França (que publicou, entre 1822 e 1830, duas coleções de documentos históricos) ou Pedro de Angelis, na Argentina (e sua Colección de obras y documentos relativos a la historia antigua y moderna de las provincias del Río de La Plata, de 1836).
  • 70
    WASSERMAN, Fabio. La historia como concepto y como práctica: conocimiento histórico en el Rio de la Plata (1780-1840). Revista História da Historiografia, n. 04, Ouro Preto, março de 2010, p. 15-36.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2017
  • Aceito
    19 Jun 2017
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@usp.br