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“PELAS CALMARIAS E VENTOS CONTRÁRIOS”: A TRAJETÓRIA DE FRANCISCO DE MELLO FRANCO NO RIO DE JANEIRO (1817-1823)

“THROUGH THE CALMS AND CONTRARY WINDS”: THE TRAJECTORY OF FRANCISCO DE MELLO FRANCO IN RIO DE JANEIRO, 1817-1823

Resumo

O artigo analisa os anos finais da trajetória de Francisco de Mello Franco (1757-1823), tomando como ponto de partida sua participação como primeiro médico da comitiva que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina em viagem ao Rio de Janeiro, onde uniu-se ao príncipe Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro I. Natural de Paracatu, Minas Gerais, Mello Franco realizou estudos médicos na Universidade de Coimbra e construiu sólida carreira em Lisboa como médico da Câmara Real, membro da Academia de Ciências e autor de conhecida produção intelectual. A análise privilegia as redes de sociabilidade e as articulações políticas e familiares que envolveram sua chegada e estadia no Brasil. Assim, procura-se enfatizar essas questões como elementos indissociáveis da trajetória intelectual de personagens com o seu perfil e que revelam aspetos na maior parte das vezes inacessíveis à mera análise de suas obras.

Palavras-chave:
Francisco de Mello Franco; Maria Leopoldina; José Bonifácio; Período Joanino; redes de sociabilidade

Abstract

This paper analyzes the final years of the brazilian physician Francisco de Mello Franco in Brasil between 1817 and 1823. Born in Paracatu, Minas Gerais Mello Franco studied medicine at the University of Coimbra and built a solid career in Lisbon as doctor of the Royal Chamber, member of the Academy of Sciences and author of well-known medical works. After more than 40 years abroad he has left Lisbon to move to Rio de Janeiro as the first doctor of the archduchess Leopoldina on her travel to marry the Prince Pedro de Alcântara. The analysis privileges the sociability networks and political and family articulations that have involved his life in Brazil. It aims to emphasize these issues as inseparable elements of the intellectual trajectory of intelectuals of that time revealing aspects that are often inaccessible to the mere analysis of their works.

Keywords:
Francisco de Mello Franco; Maria Leopoldina; José Bonifácio; Portuguese court; sociability networks

Introdução

Em 8 de dezembro de 1816, António de Araújo e Azevedo (1754-1817), o Conde da Barca, ministro dos Negócios da Marinha e Domínios Estrangeiros no Rio de Janeiro, emitiu aviso para Lisboa comunicando uma importante notícia. Contudo, pedia discrição a seus subordinados até que fosse feito o anúncio oficial:

El Rey nosso Senhor havendo recebido de seu Embaixador residente na Corte de França e do Seu Encarregado de Negocios em Vienna as mais agradaveis notícias sobre a desejada União de SAR o Principe do Brazil com a Filha de Sua Magestade o Imperador de Austria, Rei de Hungria e de Bohemia; E presumindo o Mesmo Senhor, que no dia de hoje já se terá concluído, e assignado em Vienna o respectivo Tratado Matrimonial, por isso que haviam mandado antecipar ao Marquez Estribiero Mor a credencial e Pleno-Poderes, necessários para esse efeito, Ordena-me que faça a esse Governo confidencial participação das referidas noticias, em quanto não são formalmente comunicadas, como o serão logo que nesta Corte se receba o competente Tratado Matrimonial.1 1 Aviso régio. 8 de dezembro de 1816. Arquivo Histórico Militar, 3ª divisão, 19ª Seção, Proc. 62. Todas as fontes e bibliografia utilizadas no artigo encontram-se referenciadas no mesmo. Os acervos documentais consultados pertencem ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Academia das Ciências de Lisboa, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e Arquivo Histórico Militar de Lisboa.

Tratava-se, é claro, da união de D. Pedro de Alcântara, filho do príncipe regente D. João e D. Carlota Joaquina, com a arquiduquesa Maria Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, Francisco I, e Maria Teresa da Nápoles e Sicília. O acordo já vinha sendo articulado desde fevereiro, quando D. João convocou o embaixador português em Paris, Pedro Vito de Meneses Coutinho, o sexto Marques de Marialva, para a missão. Com a chegada do diplomata na capital austríaca, no início de novembro, as negociações, já iniciadas pelo embaixador português, Rodrigo Navarro de Andrade, entraram na reta final possibilitando a assinatura do tratado no dia 28 (LUÍS, 2015LUÍS, Nuno Castro. O último Marquês de Marialva: um embaixador na Europa de Viena. História. Revista da FLUP, Porto , v. 4, n. 5, p. 37-52, 2015., p. 45).

Como se nota no aviso do Conde da Barca, não demorou para que a novidade repercutisse pela administração régia no Rio de Janeiro e em Lisboa. Por conta da distância que separava os noivos, optou-se pela solução de praxe nesses casos: a cerimônia seria celebrada por procuração na capital austríaca, com o tio da noiva, o Arquiduque Carlos, representando D. Pedro. Em seguida, deveria ser preparada uma longa viagem que levaria a Arquiduquesa à presença de seu marido no Rio de Janeiro, que só conhecera por retrato. Adiantando-se aos eventos, o ministro ordenava no mesmo aviso que fossem preparados os navios de guerra Dom João VI e São Sebastião para a jornada.

Para além dos conhecidos desdobramentos da união matrimonial para a história política luso-brasileira, os acontecimentos daquele mês de novembro também significaram um ponto de inflexão na trajetória de outros indivíduos que não estiveram diretamente implicados nos trâmites diplomáticos austro-portugueses. Para alguns desses, a viagem da arquiduquesa significaria uma oportunidade de redefinição de estratégias e posições de poder no ambiente de corte da nova capital, sobretudo diante da dramática situação fiscal e da crescente tensão política no Portugal daqueles tempos.

Este artigo se concentra nos anos finais da vida de Francisco de Mello Franco (1757-1823), médico natural de Minas Gerais que fez carreira em Lisboa no período de auge do reformismo ilustrado português. Nosso percurso tem início justamente no encontro de sua trajetória com a da arquiduquesa, na ocasião em que foi escolhido como primeiro médico de sua comitiva, e termina com seu falecimento numa ilha desabitada do litoral paulista em 1823. Durante os curtos anos que separam esses dois eventos, Mello Franco aparece como agente de complexas redes de sociabilidade, cujo percurso navega entre suas estratégias de ascensão socioprofissional e as circunstâncias que encontrou no inflamável contexto político da nova Corte. Como veremos, sua trajetória tangencia a dos inúmeros funcionários régios que circularam pelos domínios portugueses desde a segunda metade do século XVIII e que, ao mesmo tempo em que participavam ativamente dos fluxos de produção de conhecimento sobre o Império, negociavam prestígio e poder nas instâncias burocráticas da administração estatal e nos círculos intelectuais na esperança de garantir sua sobrevivência no jogo político (CRUZ, 2004CRUZ, Ana Lucia Rocha Barbalho. Verdades por mim vistas e observadas oxalá foram fábulas sonhadas: cientistas brasileiros do setecentos, uma leitura auto-etonográfica. Tese de doutorado em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004.; KURY, 2004KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). Revista Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11, p. 109-129, 2004. ISSN 1678-4758. Disponível em: <https://bit.ly/2LkkXU7>. Acesso em: 29 ago. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702004000400006.
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; NEVES, 2009NEVES, Guilherme Pereira das. Miguel Antônio de Melo, agente do império ou das luzes? In: VAIFAS, Ronaldo & MONTEIRO, Rodrigo (org.). Império de várias faces. São Paulo: Alameda , 2009, p.369-392; PEREIRA, 2002PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Um jovem naturalista num ninho de cobras: a trajetória de João da Silva Feijó em Cabo Verde, em finais do século XVIII. História: questões & debates, Curitiba, n. 36, p. 28-60, 2002. ISSN: 2447-8261. Disponível em: <https://bit.ly/2Ulyu1S>. Acesso em: 29 ago. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.5380/his.v36i0.2688.
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; SILVA, 2000SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do antigo regime português: 1750-1822. Tese de doutorado em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.).

Nossa análise dará ênfase justamente ao desenrolar dessas negociações no percurso de Francisco de Mello Franco. Mesmo que, por falta de espaço, não tenha sido possível uma apreciação aprofundada de suas obras, mostraremos como sua produção intelectual resultou não apenas de sua erudição, mas também de seus cálculos políticos em momentos cruciais de sua trajetória. Por fim, a narrativa se concentrará em três etapas principais: 1) sua trajetória em Portugal em meio às tensões políticas que se agravaram desde a partida da família real; 2) As circunstâncias da partida do médico para o Brasil e sua chegada à corte do Rio de Janeiro; 3) As intrigas em torno de sua suposta expulsão do paço e as controvérsias a respeito de seus anos finais.

As tensões políticas no reino sem corte

Natural de Paracatu, Minas Gerais, Francisco de Mello Franco foi enviado a Portugal ainda jovem por sua abastada família para realizar estudos médicos na Universidade de Coimbra. Ingressou na instituição em 1777, cinco anos após a inauguração dos Novos Estatutos, que iniciaram uma ampla reformulação pedagógica da instituição (FONSECA, 2014FONSECA, Fernando Taveira da. A dimensão pedagógica da reforma de 1772: alguns aspectos. In.: ARAÚJO, Ana Cristina (org.). O marques de Pombal a Universidade. 2ª edição. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014, p. 49-79.). A trajetória que viria a ter posteriormente confirmaria seu lugar entre os jovens luso-brasileiros que, formados na Universidade renovada, contribuíram como funcionários régios na criação de uma ampla rede de circulação de ideias e indivíduos visando o incremento das atividades produtivas do Império Português (DIAS, 2005DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A Interiorização da metrópole e outros estudos . São Paulo: Alameda, 2005.; MAXWELL, 2002MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a idéia do império luso-brasileiro. In: Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 157-207). Nesse sentido, parte de sua trajetória também reproduz muitas das tensões que marcaram as relações entre essa mesma intelectualidade reformista e o ímpeto conservador do Estado português. Ainda durante os anos na Universidade, experimentou os limites da tolerância estatal em relação aos novos ares ideológicos quando foi preso, em 1779, acusado de heresia e dogmatismo junto com outros estudantes de Coimbra (FREITAS, 2017bFREITAS, Ricardo Cabral de. Os sentidos e as ideias: trajetória e concepções médicas de Francisco de Mello Franco na ilustração luso-brasileira (1776-1823). Tese de doutorado em História das Ciências e da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017b.). Mesmo solto por perdão régio, em 1781, teve seu nome relacionado à autoria do poema satírico Reino da estupidez (1785) poucos anos depois, uma virulenta crítica ao estado de coisas na vida universitária durante os primeiros anos do reinado de D. Maria I.

Contudo, suas incursões pelo submundo da sedição não parecem ter surtido efeito negativo nos primeiros momentos de seu percurso profissional. Após a temporada à beira do rio Mondego, fixou residência em Lisboa, onde mostrou-se hábil articulador de uma carreira exitosa entre os círculos da elite médica da cidade, sempre navegando nas marés da política portuguesa. Apenas um ano após se estabelecer na capital, foi nomeado membro correspondente da Academia de Ciências de Lisboa contrariando o regulamento da instituição que exigia como requisito a publicação de pelo menos uma obra. Essa só viria três anos depois, quando apresentou à Academia o Tratado da educação física dos meninos (1790), produzida no bojo das publicações voltadas para os cuidados com a infância no Portugal da segunda metade do setecentos (ABREU, 2016ABREU, Laurinda. Portuguese experiences of artificial infant feeding in the late eighteenth century. Food and History, Turnhout, v. 14, n. 1, p. 55-79, 2016. ISSN: 2034-2101. Disponível em <https://bit.ly/2MJQKRt>. Acesso em: 29 ago. 2019. doi: https://doi.org/10.1484/J.FOOD.5.113855.
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). Já naquela época despontava como promessa no processo de renovação dos estudos médicos em Portugal, como atesta o parecer do abade Correia da Serra nas primeiras páginas da obra, no qual se refere ao jovem médico como “Membro da Comissão para o adiantamento da Medicina Nacional” (MELLO FRANCO, 1790SILVA, Francisco Innocencio da. Diccionario bibliographico portuguez, v. 3. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858., p. 2). Mesmo que não tenhamos mais detalhes sobre a suposta comissão, o fato é que Mello Franco progressivamente ocupou posições estratégicas na medicina portuguesa ao longo dos anos seguintes. Em 1792 fez parte da junta médica que declarou o impedimento de D. Maria I, sendo também nomeado médico da Real Câmara pelo príncipe regente em 1793.2 2 Registo Geral das Mercês de D. Maria I. Lv.20, fl.63. ANTT, Lisboa. O prestígio adquirido rendeu-lhe ainda o título de Cavalheiro Fidalgo em 17963 3 Registo Geral das Mercês de D. Maria I. lv.20, fl.351. ANTT, Lisboa. e, por fim, tornou-se deputado extraordinário na Junta do Protomedicato, em 1799,4 4 Decreto de 27 de novembro de 1799. ANTT, Ministério do Reino, livro 356, fl. 7. confirmando seu ingresso nos círculos da elite médica lisboeta da época.

Contudo, os ares cada vez mais nebulosos do cenário político europeu se fizeram sentir anos depois. Desde os tempos de Coimbra, nutria calorosa amizade com José Bonifácio, para quem enviou carta em tom grave em setembro de 1807:

Muito mal assombradas estão as nossas coisas politicas, e não sei como o nosso Ministério se tirará de tal aperto. Tudo o que se vê he tenebroso. Copenhague ficava em bombardeamento, mas os Dinamarquezes deffendião se encarniçadamente. Pobres Dinamarquezes, que constantemente seguirão mais? E que será de nós agitados pela França e Inglaterra. (MELLO FRANCO, 1807MELLO FRANCO, Justiniano. [Correspondência]. Destinatário: José Bonifácio de Andrada e Silva. Rio de Janeiro, 1º dez. 1819b. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Manuscritos, I-4,29,72.)

A missiva faz parte de um conjunto de cartas trocadas com Bonifácio às vésperas da invasão das tropas francesas em Portugal. Naquela altura, Mello Franco pretendia enviar Francisco, seu filho mais novo, para seguir estudos eclesiásticos em Coimbra, onde ficaria aos cuidados de seu amigo, professor na instituição. Contudo, acabaria desistindo da ideia por conta do conturbado contexto político e o rebento acabou enviado para o Brasil para aos cuidados de sua família em Minas Gerais.

A transferência da corte para o Brasil e a ocupação francesa significou duro revés para Portugal. Se, por um lado, o monarca estava à salvo do outro lado do Atlântico, de onde administrava a crise, por outro, as privações materiais e políticas tornaram-se a tônica no antigo reino, marcado por uma quase total paralisia econômica e com uma junta governativa subordinada ao jugo napoleônico (MALERBA, 2000). Mesmo após a definitiva derrota da ameaça francesa em 1811, a presença inglesa nos assuntos de Estado contribuiu para transformar a antiga capital do Império numa espécie de “protetorado informal” da Inglaterra, na expressão de José Sardica (2011, p. 347)SARDICA, José Miguel. A Europa napoleônica e Portugal: messinanismo revolucionário, política, guerra e opinião pública. Lisboa: Tribuna, 2011.. Para muitos setores da sociedade portuguesa, a humilhação da subordinação a uma nação estrangeira e o sentimento de orfandade em relação à coroa tenderiam a crescer nos anos seguintes gerando fortes tensões sociais.

Mello Franco permaneceu em Lisboa durante todo esse período, e apesar do caos social e político, aqueles foram os anos de consolidação de sua carreira. Em 1810, finalmente foi eleito sócio da Academia de Ciências de Lisboa, depois de vários anos como correspondente. Além de demarcar seu definitivo ingresso na elite intelectual lisboeta, a eleição também aponta indícios sobre sua posição na trama política no interior da Academia. Como definiu Ana Araújo (1998, p. 39)ARAÚJO, Ana Cristina. O processo político. In: MATTOSO, José (dir.) História de Portugal: o liberalismo. Lisboa: Estampa, 1998, p. 21-56., a expulsão das tropas de Junot em 1809 instalou em Portugal uma espécie de “lógica da traição”, que se voltava contra aqueles que supostamente haviam colaborado com os invasores. Na Academia de Ciências, esse clima se traduziu numa perseguição aos membros que haviam oferecido o título de sócio honorário ao general francês durante a ocupação, especialmente Domingos Vandelli, Joaquim de Foios e Francisco Borja Garção Stockler (SILVA, 2015SILVA, José Alberto Teixeira Rebelo da. A Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1834): ciências e hibridismo numa periferia europeia. Tese de doutorado em História e Filosofia das Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015., p. 85-86). Em um contexto tenso como esse, é provável que se qualquer suspeita dessa natureza pairasse sobre Mello Franco, sua eleição jamais seria possível.

Uma vez eleito, o médico foi hábil em aproveitar a boa maré. No vácuo deixado pelos membros perseguidos, dentre eles Vandelli, que se exilou em Londres, foi nomeado substituto efetivo da classe de ciências naturais em 1812, na mesma ocasião em que seu amigo de longa data, José Bonifácio, tornou-se Secretário da Instituição. No mesmo ano, também fez parte do núcleo de membros da agremiação responsável pela criação da Instituição Vaccínica de Lisboa, uma ousada iniciativa de difusão da vacina variólica por meio da criação de uma rede de vacinadores espalhados pelo reino (GOMES, 1812NAVA, Pedro. Capítulos da história da medicina no Brasil. Londrina: Eduel, 2004.).

Em 1814, fez mais uma aposta importante ao publicar os Elementos de higiene. Na introdução, não escondeu a intenção de fazer da publicação uma sucessora do Tratado da conservação da saúde dos povos, obra clássica publicada em 1756 pelo celebrado médico português Antonio Ribeiro Sanches (FRANCO, 1814MELLO FRANCO, Francisco de. Elementos de higiene ou ditames teóricos e práticos para conservar a saúde e conservar a vida. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa , 1814., p. XI). Ao longo do texto, faz questão de mostrar-se atento às tendências do pensamento médico europeu da época e defende uma função social regeneradora das ciências, em especial da medicina que, ao tratar simultaneamente da condição física e moral dos indivíduos, seria responsável, em última instância, pela manutenção da própria ordem social.

Por fim, sagrou-se vice-secretário da Academia de Ciências em pleito ocorrido em 1815, durante o secretariado de José Bonifácio. Mesmo que tenha alegado em carta ao professor de Coimbra seu descontentamento com o resultado, por conta do cansaço e das dificuldades que o cargo imporia à sua atividade clínica (MELLO FRANCO, 1817SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.), não se pode negar que a nomeação é indicativo claro de seu prestígio na instituição e do sucesso de suas estratégias de ascensão social e profissional naqueles anos.

Contudo, não se pode deixar de notar que a prosperidade de Mello Franco durante esse período se deu em meio a um ambiente social cada vez mais radicalizado. O sentimento de orfandade entre os portugueses atingiu níveis ainda mais altos com a elevação do Brasil a Reino Unido, em 1815. Na prática, como demonstrou parte expressiva da historiografia, a medida reordenava as tradicionais hierarquias entre metrópole e colônia e formalizava a geografia administrativa imposta ao Império Português a partir 1808 (ALEXANDRE, 1993ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na crise do antigo regime português. Porto: Afrontamento, 1993.; MALERBA, 2000MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000.; VILLALTA, 2016VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do antigo regime português (1788-1822). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016., p. 196). No plano simbólico, como destacou Kirsten Schutz, o evento teve representações distintas. Se, por um lado, significava o fortalecimento e unificação do Império, por outro, amplificava descontentamentos em relação à antiga colônia que agora afirmava papel central na nova ordem administrativa. Em outras palavras, a América, que se redimia da selvageria, agora passava a portar a coroa e, ao mesmo tempo que possibilitava a alguns vislumbrar um novo caminho para um suposto passado de glórias, a outros também alimentava o desejo de retorno à antiga ordem colonial (SCHULTZ, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p. 278-279). Assim, as reivindicações pelo retorno da família real aumentaram progressivamente, na mesma medida dos esforços da regência para alertar D. João a respeito da necessidade de tomar providências que mitigassem a penúria econômica e social do reino e afastassem o risco de rupturas (ARAÚJO, 1998ARAÚJO, Ana Cristina. O processo político. In: MATTOSO, José (dir.) História de Portugal: o liberalismo. Lisboa: Estampa, 1998, p. 21-56., p. 47).

No entanto, as tensões explodiram nos dois lados do atlântico em 1817. Em 6 de março, eclodiu forte movimento contestatório em Pernambuco. Frustrados com a permanência da centralização do poder no Rio de Janeiro, além dos altos encargos cobrados pelo governo, os revoltosos tomaram a cidade de Recife por três meses. Se, por um lado, a repressão régia foi violenta e bem-sucedida em abafar a insurgência, por outro, os abalos continuariam pelos meses seguintes. Em maio, um grupo ligado ao general Gomes Freire de Andrade se envolveu numa conspiração em Lisboa, com o objetivo de afastar os ingleses do controle das forças armadas e retomar a suposta soberania perdida de Portugal. Na sua Proclamação aos portugueses, os revoltosos conclamavam a população a sair de sua “apatia” e libertar-se do “jugo insuportável” do britânicos (ARAÚJO, 1998ARAÚJO, Ana Cristina. O processo político. In: MATTOSO, José (dir.) História de Portugal: o liberalismo. Lisboa: Estampa, 1998, p. 21-56., p. 47). No entanto, a conspiração foi descoberta e os revoltosos foram julgados e condenados ao exílio ou até mesmo à morte, como foi o caso de Gomes Freire.

Mello Franco se lançou ao mar não muito depois desses eventos. Como veremos, os tempos nebulosos da política teriam tido algum peso na sua decisão de retornar ao Brasil, embora sejam desconhecidos vestígios de seu envolvimento direto no turbilhão. De qualquer forma, ao partir desse momento, abriu mão de boa parcela de seu prestígio político e intelectual e prescindiu de parte significativa de sua influente rede de sociabilidade construída ao longo de décadas. Ao fim da travessia do Atlântico, encontrou-se envolvido nas intrigas de corte e privado da proteção de alguns de seus importantes aliados. Diante da situação adversa, colocou em prática novas estratégias para restabelecer sua clínica e o prestígio na nova terra, que, como viria a confessar, não via mais como sua após ter vivido na Europa durante a maior parte de sua vida (MELLO FRANCO, 1817cSCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.).

A volta ao Brasil: o “insalutífero Rio de Janeiro”5 5 A frase utilizada aqui foi cunhada por Francisco de Mello Franco ao descrever a capital em 1821 (MELLO FRANCO, 1829, p. 2)

O cruzamento dos caminhos do velho médico com os da jovem arquiduquesa teve como artífice o próprio Conde da Barca. Uma semana após o primeiro aviso régio, o ministro enviou outro a Lisboa, nomeando Mello Franco como primeiro médico de Leopoldina durante a viagem e Bernardino Antonio Gomes como segundo. Antônio de Almeida, por sua vez, ficou com a incumbência de servir como cirurgião da noiva de D. Pedro de Alcântara6 6 Aviso régio. 15 de dezembro de 1816. Arquivo Histórico Militar de Lisboa, Processos Individuais, Francisco de Mello Franco, Cx. 516 . A convocação daria início a um período de transformações drásticas na vida do médico de Minas Gerais. Depois de várias décadas estabelecido em Portugal, finalmente retornaria ao Brasil para apostar numa nova trajetória.

No Rio de Janeiro, por sua vez, a chegada da arquiduesa era esperada com grande ansiedade. A importância conferida ao evento é um dos exemplos mais bem acabados do tipo de relação simbólica estabelecida entre a coroa e o população da na nova capital. Com a instalação da família real na cidade, uma cultura de corte floresceu com efeitos abruptos sobre sua organização social, econômica e cultural. Não custa lembrar que desde o primeiro ano de sua chegada, o príncipe regente submeteu o Rio de Janeiro a uma ampla reforma urbana para adaptá-lo a seu novo papel de capital, o que incluiu a fundação da Biblioteca Real e do Jardim Botânico; a criação de uma fábrica de pólvora, da Real Academia dos Guarda-Marinhas e da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, dentre outros (SILVA, 2013SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp, 2013.; SCHWARCZ, 2002SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.). Essas transformações ofereciam aos residentes do Rio de Janeiro a até então inédita possibilidade de testemunhar a presença material do poder central diante de seus olhos. Nesse sentido, para uma monarquia do Antigo Regime, era essencial não frustrar expectativas e investir pesado nos simbolismos para afirmar os laços de fidelidade e união com seus súditos, garantindo assim a coesão política e social desejada. Ao analisar os rituais de corte nessa época, Kirsten Schultz e Jurandir Malerba nos mostraram como o estabelecimento de uma agenda de rituais, festas e cerimônias na cidade foi ferramenta fundamental do poder régio para o cumprimento desses objetivos. Cerimônias como o beija-mão, por exemplo, possibilitavam que indivíduos que jamais atravessariam o Atlântico pudessem dirigir-se diretamente à figura do monarca e apresentar suas demandas sem intermédio das complexas e demoradas instâncias administrativas que caracterizavam a arquitetura do poder no Estado português (MALERBA, 2000MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000.; SCHULTZ, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.).

Essa ritualização das relações entre monarca e súditos nos permite compreender as enormes expectativas em torno do matrimônio em 1817. Segundo Malerba (2000)MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., esperava-se que a cerimônia fosse um símbolo do fim da turbulência gerada pelos eventos em Lisboa e Recife e demarcasse a força da monarquia portuguesa tanto na política interna quanto nas relações diplomáticas. Para isso, o marquês de Marialva, responsável pela negociação do tratado matrimonial em Viena, foi incumbido de causar as melhores impressões e não economizou os vultuosos recursos do erário colocados à sua disposição. Chegou à capital austríaca acompanhado de extensa comitiva composta por 41 carruagens que levavam algo em torno de 77 pessoas, entre pajens, criados, oficiais etc. Durante sua estadia, os avanços no tratado foram comemorados com suntuosos bailes e jantares. No Brasil, as celebrações não foram menores. Missas, salvas de artilharia, girândolas e fogos de artifício alteraram a rotina da corte e reafirmavam diante dos olhos dos súditos as expectativas de uma recepção ainda mais grandiosa (MALERBA, 2000).

A essa altura, Mello Franco encontrava-se às voltas com a decisão que mudaria sua trajetória de maneira definitiva. Segundo Francisco Félix Pereira da Costa, médico da Armada Nacional e autor do manuscrito que melhor detalha a vida do médico de Minas Gerais (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000.), o Conde da Barca teria levado seu nome ao crivo de D. João à sua revelia. O ministro já constava entre os amigos mais próximos de Mello Franco há longo tempo e, desde que partira para o Brasil, em 1808, esforçava-se para convencê-lo a retornar para sua terra. Também teriam sido fundamentais as investidas de Jozé Egydio Alvares de Almeida, futuro Marques de Sto. Amaro e oficial da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, e do Dr. Manuel Luiz Alvares de Carvalho, ambos amigos do médico instalados no Rio de Janeiro. Segundo Pereira da Costa, esses últimos também foram responsáveis por intermediar a relação de Mello Franco com José Antonio de Seixas, que em 1816 partira do Rio de Janeiro para Lisboa, onde se hospedou na casa do médico por um ano enquanto realizava tratamento de saúde na cidade. Seixas, como afirma, prontificou-se a convencer Mello Franco desde sua chegada a Lisboa, afirmando que seus amigos lhe “preparariam um bom recebimento” no Brasil (COSTA, 1851COSTA, Francisco Félix Pereira da. Resumo histórico da vida de Francisco de Mello Franco: bacharel em Medicina pela Universidade de Coimbra, medico da Câmara do Senhor D. João VI, vice-secretário da Academia Real das Sciencias de Lisboa: commendador da Ordem de Christo. 1851. Lata 115, Documento 1. Rio de Janeiro: Arquivo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro., p. 15).

É difícil saber o que realmente o convenceu a retornar. Pereira da Costa, no entanto, aponta a dramática situação política e econômica de Portugal como principal motivação de decisão tão radical:

Nesta época, estava Portugal pobre, acabava a guerra que lhe tinha consumido todos os recursos; o comercio paralisado, a indústria aniquilada assim como a Lavoura pela falta de braços que a guerra lhe tirou; parte da Corte existia no Brasil, a emigração para este pais era continuada além disto o Governo do Reino Unido que aqui existia, mandou vir de Portugal contingentes de tropa e quase todos os navios de guerra, que ainda restavam da antiga marinha portuguesa, para virem sustentar os Direitos do Snr. D. João VI no sul do Brasil.

Portanto as circunstancias em que então se achava Portugal, desanimavam a todos que quisessem vender propriedades, porque havia pouco dinheiro para as comprar. Foi nesta situação que Mello Franco recebeu com surpresa a nomeação assignada pelo Conde da Barca. E cartas dos amigos dizendo-lhe, que viesse, que a sua fortuna estava feita: decidio então vir para o Rio de Janeiro, fiado nas promessas que lhe fizeram; iludia-se com o futuro que elle esperava fosse muito vantajoso, e tendo em grande honra a nomeação que acabava de receber, sendo escolhido para uma comissão importante. (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 16-17)

É provável que a possibilidade de um cenário político mais nebuloso no futuro tivesse pesado na decisão do médico. Por outro lado, não encontramos nenhum indício de que estivesse passando por dificuldades na antiga capital. Do ponto de vista material, pelo menos, as coisas pareciam fluir sem maiores entraves. Em 1817, herdou 20 itens, no valor de 6.400 réis cada, pelo testamento de D. Elena Luísa de Alvarenga, como pagamento de serviços médicos prestados. Dada a prosperidade da falecida, pode ser que sua clínica na elite de Lisboa ainda se sustentasse, apesar das dificuldades enfrentadas pelo reino7 7 No entanto, a data de abertura do inventário é 4 de novembro de 1817, o que torna provável que ele não tenha recebido o que lhe era de direito por já estar a caminho do Brasil. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Registo Geral de Testamentos, liv. 371, fl.114. . Já no âmbito familiar, Mello Franco era viúvo desde 1791, quando sua mulher, Rita de Castro, foi vitimada por um “ataque apoplético”8 8 Livro de Registro de Óbitos. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Paroquia de São Mamede 1778/1795, p.153v. Cota atual: LxO2-cx.12. . Na época do embarque para o Rio de Janeiro, dos quatro filhos que teve em seu casamento, Francisco era o único que não dividia mais o teto com o pai e os irmãos. Justiniano, o mais velho dos homens, embora já formado em medicina pela Universidade de Göettingen, de onde havia retornado em 1813, casado e com filhos, ainda não mostrava condições de se sustentar mesmo depois de seu pai tê-lo inserido em todos os espaços da elite médica lusitana dos quais fazia parte. As mulheres, Maria e Anna, por sua vez, ainda permaneciam solteiras, possivelmente à espera de um matrimônio que pudesse retirá-las da dependência do pai (FREITAS, 2017bFREITAS, Ricardo Cabral de. Os sentidos e as ideias: trajetória e concepções médicas de Francisco de Mello Franco na ilustração luso-brasileira (1776-1823). Tese de doutorado em História das Ciências e da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017b.). Como revelaria posteriormente, a possibilidade de renovar a sorte de seus filhos esteve entre as razões que o levaram a decidir pelo retorno ao Brasil.

De todo modo, uma vez que a nomeação foi aceita, os acontecimentos seguiram seu curso. Em 10 de maio a arquiduquesa assinou sua renúncia à sucessão da coroa imperial da Áustria, e três dias depois, foi realizada a cerimônia de casamento, justamente no dia do aniversário de D. João, uma feliz “coincidência”, como observou Schwarcz (2002, p. 327)SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.. De acordo com edição da Gazeta do Rio de Janeiro, o monarca convocou “grande gala” para o dia 26 na corte do Rio de Janeiro para receber as “felicitações do Corpo Diplomatico” e dos seus “Fieis Vassalos”. Também determinou que as fortalezas e navios de guerra estivessem embandeirados no dia e dessem “as salvas Reaes do estilo em similhantes ocasiões”.9 9 [9]  Gazeta do Rio de Janeiro, 20 de março de 1817.

A jornada da esposa de D. Pedro ao Brasil teve início em 3 de junho, quando partiu de Viena em direção à Itália acompanhada de grande comitiva10 10 Na verdade, a nota do Correio Braziliense de 8 maio de 1817 tomava o dia 10 como a data prevista para a partida. Correio Braziliense. vol.18. Londres: Officina do Correio Braziliense, 1817. p. 567. Contudo, na edição de junho do mesmo ano, noticiava que a saída da arquiduquesa teria ocorrido no dia 3. A edição também comentava os boatos de que a comitiva teria interrompido sua viagem por conta dos acontecimentos em Pernambuco naquele período, embora se apressasse em informar que os editores consideravam tal possibilidade improvável. Correio Braziliense. vol. 18. Londres: Officina do Correio Braziliense, 1817. p. 682. . Chegou a Florença no dia 13, e lá permaneceria até ir ao encontro da esquadra portuguesa em Livorno, de onde partiria para o Rio de Janeiro11 11 Gazeta do Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1817. . No entanto, a esquadra só iniciaria sua viagem de Lisboa até a cidade italiana no dia 6 de julho, sob o comando de chefe de esquadra Henrique da Fonseca Souza Prego. O atraso se explicava pelo contratempo imposto pelos revoltosos de Recife. Ironicamente, mesmo que a coroa se esforçasse para manter as aparências, o cenário político cada vez mais tenso insistia em se impor.

Paralelamente a esses eventos, nosso médico também se preparava para a partida. Em junho já se encontrava desvinculado das funções de vice-secretário da Academia de Ciências e passou a contar entre os sócios honorários da instituição (LISTA…, 1817). Foi substituído por Sebastião Trigoso, que ficou responsável pelo discurso da sessão pública daquele ano (TRIGOZO, 1817ALVARÁ régio. 22 abr. 1813 , Graças honoríficas, cód. 37. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro., p. i)12 12 A nomeação e partida de Mello Franco é comentada pelo próprio Trigoso em seu discurso da sessão de 24 de junho de 1817. . Também vendeu todos os seus bens na esperança de refazer sua fortuna no outro lado do Atlântico, embora, segundo Pereira da Costa, alguns amigos mais chegados o teriam aconselhado em contrário, já que não tinha como prever sua recepção na corte (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 18).

De fato, às vésperas da partida, o destino já indicava que seu estabelecimento no Brasil poderia ser mais tumultuado do que o esperado. Em 21 de junho, apenas 15 dias antes do início da jornada, morreu António de Araújo e Azevedo, o Conde da Barca, vitimado por uma febre nervosa.13 13 Gazeta do Rio de Janeiro. 28 de junho de 1817, ed. 51, p. 2 Se a relação entre o ministro de D. João e Mello Franco era mesmo tão próxima como afirma Pereira de Costa, não há dúvidas de que sua morte significava um revés para as pretensões do médico. Araújo e Azevedo foi figura de destaque da diplomacia portuguesa na virada do século. Durante o clima de polarização política que antecedeu a invasão francesa de 1807 em Portugal, havia rivalizado com D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao defender a aliança com Napoleão como a saída mais adequada para a crise. Após perder a disputa política, terminou a travessia oceânica preterido do cargo de ministro dos Negócios da Marinha e Domínios Estrangeiros em favor de seu rival. Contudo, voltaria a ocupar a pasta dois anos após uma febre maligna vitimar Coutinho, marcando seu retorno ao centro da arena política da corte, onde auxiliaria o príncipe regente na elevação do Brasil a Reino Unido em 1815 (ALEXANDRE, 1993MARCOS, João. O Conde da barca na política europeia do pré-liberalismo. Lisboa: Civilização, 1993.; MARCOS, 1993MARCOS, João. O Conde da barca na política europeia do pré-liberalismo. Lisboa: Civilização, 1993.). É possível que Mello Franco só tenha sido informado da morte após o início da viagem, e desembarcar no Brasil destituído do apoio de uma figura de tamanha envergadura tornava sua aposta numa nova vida na corte, mais arriscada. De fato, Pereira da Costa afirma que a morte do Conde da Barca o teria colocado nas mãos do ministro do Reino e seu desafeto, Thomaz Antonio de Villa Nova Portugal (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 21). No entanto, se as coisas realmente se apresentavam dessa forma, Mello Franco ainda teria a seu favor o apoio de José Egídio Álvares de Almeida, que naquela altura havia se tornado figura bastante próxima de D. João.

Durante a viagem, manteve contato frequente com José Bonifácio, a quem confessava os sofrimentos da família com os rigores da vida no mar e dava suas impressões sobre o que parecia ser sua primeira experiência no exterior desde que chegara a Portugal. Contou que “Depois de huma viagem pelas calmarias e ventos contrários chegámos a Liorne a 25 de julho, tendo sahido de Lisboa a 6” e que teria chegado a seus ouvidos que Leopoldina encontrava-se ansiosa pela partida definitiva. Sobre a arquiduesa, ainda acrescentou que “Oiço dizer que he huma senhora forte em Botanica e Mettalurgia, amiga dos sábios, e nada feia”. Por fim, não resiste às comparações entre a realidade portuguesa e os lugares por onde passava: “vejo com os olhos o que sabia por leitura e informações, vêm a ser, que os Portugueses estão muito atraz das outras Nações civilizadas; e que sem se-bolir nas molas principaes, tarde irão para diante” (MELO FRANCO, 1817a).

Finalmente, a esquadra partiu de Livorno com a arquiduquesa em 13 de agosto.14 14 Correio Braziliense de agosto de 1817. In.: Correio Braziliense. vol.19. Londres: Officina do Correio Braziliense, 1817. p.213 Após passagem pela Ilha da Madeira para reabastecimento, chegou ao Rio de Janeiro em 5 de novembro. A Gazeta do Rio de Janeiro noticiou o entusiasmo gerado pelo avistamento das naus na manhã daquela quarta-feira:

encherão-se logo de alvoroço os ânimos de todos os Portugueses, e os montes sobranceiros a esta Cidade começarão desde logo a cobrir-se de immenso povo, que com os olhos pregados no horizonte, aguardava impaciente a chegada da afortunada Nau, que trazia o complemento dos mais ardentes desejos. Mandou logo Sua Magestade ao Exmº Conde de Vianna, Gentil Homem de Sua Camara, que sahisse a barra, e comprimentasse em Seu Real Nome a S.A.R. Pelas 5 horas da tarde huma salva de 21 tiros de todas as fortalezas, e navios de guerra, saudou o Real Pavilhão, que se distinguia no topo da Nau D. João VI, concorrendo mesmo este Nome respeitado para aumentar o aplauso. As embarcações todas, que coalhavão o porto, estavão luzidamente adornadas de bandeiras, que na sua variada côr, e bem ajustada symetria fazião mais agradável representação.15 15 Gazeta do Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1817.

Ao fim da tarde, quando as embarcações aportaram no Arsenal da Marinha, a família real subiu à nau da arquiduquesa para conhecê-la. O Marquês de Castello Melhor intermediou o breve encontro que, pela primeira vez, colocou a jovem diante de seu marido, D. Pedro de Alcântara. O jornal mencionava o “alvoroço, com que o povo corria pelas ruas como transportado, e o immenso concurso, que juncava o Arsenal da Marinha”.16 16 Idem. O dia seguinte foi repleto de solenidades que contaram com a participação da fidalguia da corte, assim como de membros do corpo diplomático e altos funcionários do governo, tudo sob os olhos inquietos da população da capital.17 17 Os detalhes sobre as solenidades que se seguiram a chegada da Arquiduquesa Leopoldina ao Rio de Janeiro foram publicadas nas edições dos dias 8 e 9 de novembro da Gazeta do Rio de Janeiro.

Se o clima festivo contagiou a família Mello Franco não temos como saber, mas é certo que se houve algum entusiasmo com a chegada, logo se esvaiu. Em carta de 20 de novembro a Bonifácio, o médico mostrava-se desapontado com o que encontrara na cidade. Estava frustrado com a dificuldade em encontrar boa moradia - “muito más, muito caras” - e se via forçado a morar numa chácara cedida por amigos. Por fim, deixa entrever certo arrependimento com a escolha de voltar ao Brasil: “Já não tem remédio, e he penoso olhar para traz, quando de huma verde planície se entra em montanhas escabrosas” (MELLO FRANCO, 1817SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.b). Semanas depois, o tom pessimista ainda persistia em outra carta enviada a seu irmão, Joaquim, residente em Minas Gerais. Dessa vez, porém, dá mais indicações sobre os motivos que o levaram a deixar sua vida em Lisboa:

Quis a Providencia inexcrutável trazer-me ao Continente em que nasci. Senhora Magestade fez-me a honra de me nomear primeiro Médico da Princeza Real para ir buscar à Itália e acompanha-la até à Corte do Rio de Janeiro. Não por mim, mas por querer cumprir até o fim da minha vida com as obrigações de pai de famílias, aceitei a comissão. Graças a Deus aqui chegamos felizmente, com 4 meses de viagem. Trouxe toda a minha gente e queimei tudo quanto tinha, como quem por uma vez se retirava de Portugal. Está dado o passo, que não se pode retroceder. Deixei o certo pelo duvidoso, mas nunca serei taxado de imprudente. (MELLO FRANCO, 1817cSCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.)

De certo modo, há de se considerar que o pessimismo expressado após a chegada não era uma exclusividade de Mello Franco. Kirsten Schultz mostra que no processo de transferência da corte era comum que os exilados chegassem de Portugal maldizendo a nova terra. O estranhamento dos recém-chegados ao clima quente e úmido, além do temor de contrair doenças, amplificava o sentimento de privação em relação ao que se havia deixado para trás, em Lisboa. Não são raras as descrições depreciativas das condições de salubridade da cidade das igrejas, praças e ruas além dos hábitos de higiene duvidosos da sua população (SCHULTZ, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p. 112-113). A onipresença da escravidão também realçava o estranhamento. O enorme contingente de pessoas de pele negra submetidas a condições de vida degradantes apontava uma realidade incômoda e que muitas vezes havia permanecido distante daqueles que viviam na Europa (KARASCH, 2000KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras , 2000.).

Contudo, na correspondência com Bonifácio, Mello Franco dá a entender que tinha motivos a mais para se preocupar. Na ocasião de sua partida, o mineralogista o havia incumbido de apresentar à corte um requerimento solicitando sua aposentadoria, no entanto, diante da situação pouco favorável que encontrou no desembarque, o médico achou mais prudente retardar a apresentação do documento: “Ainda não apresentei o seu requerimento e pelo que já saberá, não convém tocar nisso, que só o tempo póde adoçar. (…) Ora basta. Para outra occasião serei menos reservado”(MELLO FRANCO, 1817bSCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002.). Havia pelo menos dez anos, Bonifácio desejava aposentar-se e retornar ao Brasil, mostrando-se frustrado com sua carreira em Coimbra e com a burocracia portuguesa (DOLHNIKOFF, 2012DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 69)18 18 Em carta a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em 1806, escrevia: “Estou doente, aflito e cansado, e não posso com tantos dissabores desleixos. Logo que acabe meu tempo de Coimbra e obtenha minha jubilação, vou deitar-me aos pés de SAR para que me deixe ir acabar o resto dos meus cansados dias nos sertões do Brasil a cultivar o que é meu” (MELLO FRANCO, 1806 apud DOLHNIKOFF, 2012, p. 69). . Na resposta, expressou preocupação com a missiva “magra e em demasia misteriosa” que recebera de Mello Franco, mas apesar do desânimo com a situação, insistia para que o médico apresentasse o documento de qualquer maneira: “Mas para desgraça minha o requerimento que levou e em que confiava vejo que terá a mesma sorte, que os outros dois antecedentes. Por quem é meu bom amigo, não tenha medo, entregue-o; e veja se é o meu redentor” (BONIFÁCIO, 1806 apud DOLHNIKOFF, 2012DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 69).19 19 Não sabemos o efeito do requerimento entregue por Mello Franco, mas Bonifácio finalmente conseguiria desvencilhar-se de suas atividades em Portugal e retornar ao Brasil em 1819 (DOLHNIKOFF, 2012, p. 69).

Infelizmente, Mello Franco não dá mais detalhes de sua situação, porém o relato de Pereira da Costa pode, mais uma vez, fornecer algumas pistas. Como já mencionamos, o biógrafo afirma que a morte do Conde da Barca havia deixado o médico desprotegido no jogo político da Corte. Na sua versão, a desavença incluiria o próprio D. João, que supostamente nutria desconfiança em relação à Mello Franco há muito tempo. Na ocasião em que o monarca subiu à nau da arquiduquesa para recepcioná-la, Costa afirma que o médico teria sido “mal recebido”, e que teria sido instruído a “não ir ao Paço sem obter licença” alguns dias depois (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 21). Se o desenrolar dos fatos foi realmente esse, é certo que, considerando a reforçada carga simbólica dos gestos reais na corte do Rio de Janeiro, conforme mostramos, a atitude do príncipe regente de fato apontava que a situação do médico ao desembarcar era de fato delicada. Mas é necessário ter cautela, pois, no afiado jogo das intrigas de corte, as reputações poderiam falar mais alto que as reais ações dos indivíduos.

“O mundo se governa quase sempre pelas aparências”: os últimos anos

No Elogio histórico de Mello Franco lido na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro em 1831, José Martins da Cruz Jobim dá outra versão dos fatos, e afirma que o monarca “acolheo com muito agrado, e benignidade” Mello Franco, e que só posteriormente, o médico teria sido vítima de intrigas na corte que o difamaram junto ao rei (JOBIM, 1831NEVES, Guilherme Pereira das. Miguel Antônio de Melo, agente do império ou das luzes? In: VAIFAS, Ronaldo & MONTEIRO, Rodrigo (org.). Império de várias faces. São Paulo: Alameda , 2009, p.369-392, p. 13). Ao que parece, teria sido acusado de participar da conspiração em Lisboa em 1817, e mesmo tendo conseguido provar sua inocência, “depunhão contra elle as suas opiniões liberaes, e tel-as era mais do que nunca hum crime na epoca, em que os acontecimentos recentes em Pernambuco trazião os cortesães em hum estado como convulsivo”. Segundo Jobim, a mera suspeita teria sido suficiente para determinar sua expulsão do paço, fazendo-o “perder as esperanças de huma retribuição dos sacrifícios que tinha feito” (JOBIM, 1831JOBIM, José Martins da Cruz. Elogio histórico de Mello Franco, lido na sessão pública da sociedade de medicina do Rio de Janeiro a 24 de abril de 1831. Rio de Janeiro: Typographia Imperial de E. Seignot-Plancher, 1831., p. 14).

A versão de Jobim foi reproduzida no curto verbete dedicado ao médico no Diccionario bibliographico portuguez, de Francisco Innocencio da Silva, que descreve “animos convulsos e irritados contra as doutrinas liberaes, a que Mello Franco era reconhecidamente afeiçoado” (SILVA, 1858SILVA, Francisco Innocencio da. Diccionario bibliographico portuguez, v. 3. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858., p. 10). Theophilo Braga, por sua vez, atribui a suposta expulsão à sua vinculação ao “partido político da emancipação do Brazil, de que era chefe o seu amigo José Bonifácio de Andrade” (BRAGA, 1898BRAGA, Teófilo. Historia da Universidade de Coimbra, v. 3. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1898., p. 697). Entre os biógrafos do século XX, José Martinho da Rocha limita-se a citar a versão de Pereira da Costa (ROCHA, 1946ROCHA, José Martinho da. Nosso primeiro puericultor. Rio de Janeiro: Agir, 1946.), e Augusto da Silva Carvalho classifica as acusações a Mello Franco como “mentiras ou calúnias” (CARVALHO, 1947CARVALHO, Augusto da Silva. Francisco de Mello Franco. In: CONFERÊNCIA NA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA, n.65, 1947, Lisboa. Anais. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1947, p. 1-50, p. 42).

Infelizmente, não sabemos o teor exato das acusações dirigidas ao médico, mas é certo que foi alvo de intrigas. Em 1819, foi agraciado com o Hábito de Cavalheiro da Ordem de Cristo pela segunda vez20 20 Carta. 23 de junho de 1819. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Projeto reencontro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, microfilme nº.77. Inicialmente, o médico recebeu apenas no hábito, mas no mês de outubro a comenda foi formalizada por decreto régio com lotação de 16 mil réis. Processo para requisição da condecoração com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscritos, C-0603,012 , já que havia abdicado da primeira oferta, realizada em 1813, em favor de seu filho Justiniano21 21 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Graças honoríficas, cód. 37. Inicialmente, o médico recebeu apenas no hábito, mas no mês de outubro a comenda foi formalizada por decreto régio com lotação de 16 mil réis. Processo para requisição da condecoração com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscritos, C-0603,012 . Alguns meses depois, deu a notícia a seu irmão, Joaquim, e apesar do pouco entusiasmo com título, não deixou de notar que a nomeação vinha em boa hora diante dos rumores sobre sua reputação: “Quis El Rey voluntariamente honrar-me com a Commenda; a qual, ainda que nada mudou a minha fortuna, servio de mostrar ao Publico de Portugal, e do Brasil, que eu não tinha desmerecido no serviço de S. Magestade; ouvendo-as mordem-se” (MELLO FRANCO, 1820).

Se, por um lado, não temos clareza quanto às movimentações de nosso personagem pelos meandros das intrigas de corte, seu desabafo com Joaquim deixa claro que foi alvo de acusações. No contexto de sensibilidades aguçadas que encontrou ao desembarcar na Corte, era natural que acusações de colaboração com movimentos conspiratórios - verdadeiras ou não - se tornassem arma política eficaz para arruinar reputações entre desafetos. Nesse sentido, também não ajudava o fato do médico ter deixado Lisboa não muito após a prisão dos conspiradores de 1817, embora não tenhamos encontrado nada que indique qualquer aproximação sua com os revoltosos.

Por outro lado, isso também nos leva a refletir sobre as efetivas inclinações liberais de nosso personagem. Pelas fontes a que tivemos acesso, Mello Franco nunca expressou crítica direta ao regime monárquico português. Tanto em suas manifestações públicas quanto privadas, sempre se mostrava como um típico representante do reformismo ilustrado comprometido com a reforma do império e fiel ao monarca. Quando ainda era vice-secretário da Academia de Ciências, não perdeu a oportunidade de rejeitar a destituição da monarquia absolutista francesa e expressou desprezo pelo despotismo napoleônico (MELLO FRANCO, 1817SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. XIII-XIV)22 22 A fala de Mello Franco se deu no discurso de abertura da sessão pública da Academia de Ciências, em junho de 1816, quando substituiu o Secretário José Bonifácio, que se encontrava em Coimbra. . Contudo, isso não significa que suas posições políticas não pudessem ter nuances mais variadas.

Miriam Dolhnikoff nos lembra que José Bonifácio também se mostrou profundamente comprometido com as reformas ilustradas e com a monarquia portuguesa ao longo de toda sua carreira. No entanto, não hesitou em abandonar seu autoexílio em Santos e retornar ao centro do debate político a partir 1821, quando acabaria apoiando a reivindicação das cortes constituintes convocadas pela Junta Provisória que governava Portugal desde sublevação no Porto. Segundo a autora, isso demonstrava que seu comprometimento com a reforma do império estava acima de seu apoio ao absolutismo de D. João VI. Assim, uma vez que esse modelo de governo se mostrou um empecilho às transformações que desejava ver implantadas, não hesitou em dar seu apoio à monarquia constitucional proposta pelas cortes em Lisboa (DOLHNIKOFF, 2012DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 111-118).

Com relação ao médico, contudo, cabe lembrar que uma das alcunhas que a historiografia fez pesar sobre seus ombros é a de autor de polêmicas obras anônimas. Além do Reino da estupidez, Mello Franco também é apontado como a pena por trás de pelo menos mais três escritos apócrifos. Dois deles são a Primeira e a Segunda Resposta ao Filósofo Solitário, publicadas em meio a um intenso debate gerado por obra homônima de inspiração rousseauniana que circulou por Lisboa em meados da década de 1780. O outro escrito é o conhecido Medicina theologica, que causou arrepios na censura lisboeta em 1794 ao fazer mordaz crítica à atividade confessional, que na concepção de seu autor, deveria se submeter ao crivo da medicina do corpo e da alma, supostamente mais apta a remediar o comportamento pecaminoso nos homens (FREITAS, 2017aFREITAS, Ricardo Cabral de. Entre remédios morais e físicos: discurso médico e comportamento humano na Medicina theologica (1794). Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, Santa Vitória do Palmar, v. 19, n. 17, p. 160-175, jan./jun. 2017a. ISSN 2175-3423. Disponível em: <https://bit.ly/30IL6lR>. Acesso em: 29 ago. 2019. doi: https://doi.org/10.14295/rbhcs.v9i17.421
https://bit.ly/30IL6lR...
).

Conforme já analisamos em outra ocasião, com exceção do Reino da estupidez, mesmo que o médico seja autor dessas obras anônimas, é improvável que o fato tenha desempenhado algum impacto sobre sua reputação durante sua estadia na corte do Rio de Janeiro (FREITAS, 2017bFREITAS, Ricardo Cabral de. Os sentidos e as ideias: trajetória e concepções médicas de Francisco de Mello Franco na ilustração luso-brasileira (1776-1823). Tese de doutorado em História das Ciências e da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017b.). Sem querer nos alongar demais no assunto, vale destacar que o conteúdo das Respostas não parece ter gerado mais polêmicas do que as concepções heterodoxas do Filósofo solitário, combatidas por elas. Ao defender a medicina da acusação de ser mera “arte de conjecturar”, por exemplo, os textos reforçam ideias médicas cada vez mais difundidas na sociedade portuguesa na época e que contaram com a simpatia crescente do Estado a partir da segunda metade do século XVIII (ABREU, 2011ABREU, Jean Luiz Neves. Nos domínios do corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.; BARREIROS, 2014BARREIROS, Bruno Paulo Fernandes. Concepções do corpo no Portugal do século XVIII: sensibilidade, higiene e saúde pública. Tese de doutorado em História, Filosofia e Património da Ciência e da Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2014.). Se o mesmo não poder ser dito sobre a Medicina theologica, cabe observar que a investigação na época levada a cabo pelo intendente geral de polícia de Lisboa, Pina Manique, prendeu o suposto autor sem jamais cruzar o caminho de Mello Franco e nem de seu círculo de sociabilidades conhecido (FREITAS, 2017b, p. 112-126). Além disso, a obra só parece ter sido atrelada à biografia do médico mineiro após a publicação do verbete sobre sua vida no dicionário de Innocencio Silva, em 1858, portanto 36 anos após sua morte. Seja como for, no rol de fatos conhecidos acerca das simpatias liberais do médico, é mais provável que seu passado universitário como “herege e dogmático” junto à inquisição e sua participação na crítica aos desmandos do governo mariano na Universidade de Coimbra tivessem mais peso na construção de sua imagem subversiva pelos seus desafetos do que a autoria das obras mencionadas.

De todo modo, apesar das dificuldades iniciais, o médico parece ter conseguido se estabelecer aos poucos na corte do Rio de Janeiro. Em 1818 teria retomado a atividade clínica, sua principal fonte de rendimentos desde que habitava em Lisboa, e passado a residir na Rua do Lavradio nº 15, além de ter adquirido “sege, carroagem, bestas e alguns escravos”, segundo afirma Pereira da Costa (1851, p. 25)MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000.. Augusto de Carvalho também relata que o médico teria passado a atuar no Hospital da Misericórdia não muito depois de sua chegada (CARVALHO, 1947CARVALHO, Augusto da Silva. Francisco de Mello Franco. In: CONFERÊNCIA NA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA, n.65, 1947, Lisboa. Anais. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1947, p. 1-50, p. 30). No início do ano, fez parte do corpo de sócios da Academia de Ciências de Lisboa que representou a instituição na ocasião da aclamação de D. João VI, ocorrida a 6 de fevereiro (SILVA, 1819, p. VI)23 23 A participação de Mello Franco na solenidade é citada em discurso de José Bonifácio na Academia de Ciências (SILVA, 1819. p. VI). As razões possíveis para a aclamação tardia de D. João VI são discutidas por Jacqueline Hermann (2007). . Mais um indício de que suas relações com o monarca não estariam em tão mau estado como alguns descreveram.

Em 1821, apresentou aquela que seria sua última obra à Academia Real das Sciencias de Lisboa, o Ensaio sobre as febres do Rio de Janeiro. Diante da suposta ausência de febres contagiosas na Corte, o médico pôs-se a analisar as causas do fenômeno ao observar as “particularidades da sua athmosphera, da sua localidade e da influencia, que devião ter na organização humana”(MELLO FRANCO, 1829SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do antigo regime português: 1750-1822. Tese de doutorado em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000., p. 2). Para Mello Franco, o caso do Rio de Janeiro exigia estudo específico, pois nem os estados febris propostos por William Cullen, na época bastante referenciados por seus pares europeus, seriam aplicáveis aqui. Baseando-se nos estudos de Tiberius Cavallo (1749-1809), William Henley (?-1779) produziu uma complexa teoria afirmando que a resposta para ausência de tais febres no Rio de Janeiro estaria relacionada à interação da eletricidade corporal dos indivíduos com a atmosfera carregada de fluidos elétricos da cidade.

Sem nos ater à criatividade de suas conclusões, cabe notar que, ao publicar a obra, Mello Franco posicionava-se em meio aos inúmeros sábios que tentavam se afirmar no ambiente intelectual da corte naqueles tempos. O ímpeto reformista que se seguiu à chegada da família real também passava pela constituição de um ambiente intelectual comprometido com a produção literária sobre questões locais (KURY, 2007KURY, Lorelai. (org.). Iluminismo e Império no Brasil: O Patriota (1813-1814). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.; SILVA, 2013SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp, 2013.).24 24 Sobre o estabelecimento de um ambiente literário local no Rio de Janeiro joanino, ver Kury (2007). Além de civilizar os costumes, era imprescindível combater as doenças e péssimas condições de higiene que melindravam os europeus que aqui aportavam. A coroa foi incentivadora direta de trabalhos científicos dessa natureza, incluindo os que se dedicavam a compreender as especificidades geográficas, climáticas e sanitárias da nova capital, a exemplo de Reflexões sobre alguns dos meios propostos por mais conducentes para melhorar o clima da cidade do Rio de Janeiro, escrita pelo médico da Câmara Real, Manuel Vieira da Silva, uma das primeiras obras publicadas após a criação da Imprensa Régia, em 1808. Para os sábios que aqui se estabeleciam, não passava despercebido que obras desse tipo eram vistas com bons olhos pelo poder real e vários se dedicaram ao estudo das especificidades sanitárias da corte, como José Maria Bomtempo, que produziu a Memória sobre algumas enfermidades do Rio de Janeiro, e o arquiteto José Joaquim de Santa Anna, que publicou a Memória sobre o enxugo geral desta cidade do Rio de Janeiro (1815). Diante disso, não estranha que Mello Franco tivesse se esforçado para produzir conhecimento original sobre sua nova cidade. À semelhança das outras publicações de sua carreira, foi perspicaz em escolher o tema e o momento ideal para escrever, aumentando suas possibilidades de angariar dividendos políticos e intelectuais com suas obras. No entanto, o impacto de sua obra acabou sendo póstumo. Apesar de tê-la apresentado à Academia em 1821, ela só viria a ser publicada em 1829 alguns anos depois de seu falecimento. Segundo Pedro Nava, contudo, o Ensaio teria permanecido como principal referência para o estudo das febres no Rio de Janeiro durante mais de cinquenta anos, até ser substituída pela obra de Torres Homem, em 1877 (NAVA, 2004NAVA, Pedro. Capítulos da história da medicina no Brasil. Londrina: Eduel, 2004., p. 52).

Enquanto escrevia o Ensaio, a Família Real finalmente cedia às pressões pela criação de uma constituição e retornou para Portugal em 3 de julho, deixando o príncipe D. Pedro como regente no Brasil. Maria Nizza da Silva mostra que, nessa época, o ambiente literário de algumas das principais cidades brasileiras encontrava-se inundado de livretos, folhetos e jornais comprometidos com a divulgação de novos conceitos políticos para uma população até então praticamente ignorante a respeito de termos como “constituição” e “liberdade”, embora ainda se mostrasse simpática à manutenção da monarquia e da união com Portugal (SILVA, 1999SILVA, Maria Beatriz Silva da. A cultura luso-brasileira. Lisboa: Estampa , 1999., p. 229-233).

Embora não haja notícia de que Mello Franco tenha se lançado no debate político durante esses tempos, o médico parecia contar com a simpatia de D. Pedro, o que indica que, se em algum momento houve animosidade contra sua figura no paço, o mal-estar tendeu e se dissipar após a partida de D. João VI. O Diário das Cortes Geraes revela que, no dia 29 de janeiro de 1822, uma apostila régia transmitida pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino conferia ao médico o “lugar de escrivão, da provedoria dos defuntos, e ausentes, capelas, e resíduos da villa de Pintangui”.25 25 Diario das cortes geraes, extraordinárias, e constituintes da nação portuguesa. Segundo anno da legislatura. Vol.6. Lisboa: Imprensa nacional, 1822. p.184. Era a segunda mercê do tipo que o médico recebia, e logo se apressou para solicitar permissão para indicar serventuário.26 26 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Desembargo do Paço, Código: 4 K, Notação: Cx. 67 Doc. 23. A graça foi concedida vinte dias após o fatídico 9 de janeiro de 1822, quando D. Pedro rompeu com a determinação das cortes para que retornasse a Portugal e se juntasse à família real, tornando a ruptura definitiva uma realidade cada vez mais próxima. Nesse sentido, a mercê a Mello Franco num momento tão decisivo pode indicar certa afinidade política entre o médico e o príncipe regente, o que, sem dúvida, aproximaria Mello Franco da postura pragmática de Bonifácio em relação ao governo joanino.

A saúde do médico, no entanto, já vinha se debilitando desde os anos anteriores. Em missiva de 29 de fevereiro de 1820, justificou a demora em responder as cartas que recebia de seu irmão por conta de um reumatismo no braço direito que o impedia de “escrever com facilidade”. Em seguida, noticiou ter enviado o decreto da murça honorária de Joaquim, cônego em Minas Gerais, e sentenciou com tom experiente: “Não se deve desestimar, visto que o mundo se governa quase sempre pelas aparências, e nessa altura faz expectação. Muito gôsto terão nossa Mâe e Irmãs de lha verem” (MELO FRANCO, 1820SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp, 2013.). A deterioração de sua saúde surtia efeitos diretos sobre os rendimentos de sua atividade clínica e a situação pecuniária voltava a preocupar, embora demonstrasse certo alívio em ver os filhos homens encaminhados:

VM sabe quais são as [ilegível] circunstancias sustentando há muitos anos [ilegível] famílias numerosas. Deos me tem dado saúde para as manter com fartura, e decência. Agora o horizonte tem-se mostrado mais negro. O Justiniano está Physico-Mor de São Paulo, e Inspetor da Vaccinação em toda a Capitania. Além da representação estes dous empregos podem sustenta-lo muito bem. Portanto em pouco tempo terei de menos esse para mim gravissimo ônus [sublinhado pelo autor]. Também espero que o Francisco tenha alguma arrumação em Villa Rica. Elle aqui se acha com sua mulher, e duas filhinhas que há 7 ou 8 meses vieram (dizem eles) para terem a consolação de me conhecerem. Quanto à nossa saúde digo, que eu vou andando, conforme deixar. (MELO FRANCO, 1820SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp, 2013.)

Poucos anos depois, segundo Pereira da Costa, o médico teria descoberto uma “lesão na trachea” e submeteu-se a um tratamento fora da cidade. Não muito após seu retorno, teria sido convencido por Justiniano a tratar-se em São Paulo por achar o clima mais adequado que o da corte. No entanto, a temporada na cidade não teria dado frutos e o médico decidiu retornar ao Rio de Janeiro, mas o mau estado de saúde cobrou seu preço na viagem de retorno. Faleceu na Ilha dos Porcos em 22 de julho de 1822 e ali mesmo foi enterrado (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 28).

Após a morte, a simpatia pela monarquia constitucional de Dom Pedro I continuou a render frutos e seus filhos continuaram a evocar seu nome em suas solicitações junto à administração estatal. Quando a ruptura efetiva com Portugal se consolidou, Justiniano seguiu os passos do padrinho, José Bonifácio, e engajou-se nas lutas pela independência em São Paulo. Em dezembro de 1822, entrou com pedido para ser condecorado com o hábito da recém-criada Ordem do Imperial Cruzeiro, afirmando sua fidelidade à nova nação “desde o primeiro momento em que o Despotismo foi banido de este rico e vasto Império”.27 27 Processo para requisição da condecoração com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscritos, C-0603,012. A condecoração havia sido concebida na ocasião da coroação D. Pedro I no início do mês, com o objetivo de homenagear brasileiros e estrangeiros notáveis na vida política da nação, agora emancipada de Portugal. No requerimento, Justiniano se refere à sua descendência de Francisco de Mello Franco e aos serviços prestados por seu pai na Câmara Real, além de ter anexado a ordem régia que lhe conferiu o Hábito da Ordem de Cristo, em 1819. Detentor do hábito desde 1813, Justiniano também destacou sua própria atuação como físico-mor interino das tropas da província de São Paulo, além das contribuições como inspetor geral da vacinação e na produção de regulamento para os hospitais da cidade. Também anexou atestados de seus superiores com elogios sobre sua atuação na organização do hospital militar da cidade e na luta na Legião das Tropas Ligeiras de São Paulo.28 28 Não sabemos, contudo, se Justiniano teve seu pedido atendido.

Quanto a Francisco, herdou o ofício de escrivão em Sabará, mercê conferida ao pai desde 1802.29 29 Carta régia. 30 de Agosto de 1802. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Maria I, lv. 67 fl. 108. Em 1826, solicitou declaração de isenção de donativos e terças partes dos rendimentos do ofício, do qual agora possuía mercê vitalícia. Além desses encargos, também deveria pagar uma pensão de 300 mil réis para subsistência de suas duas irmãs solteiras30 30 Diario Fluminense, 3 de março de 1826, p. 1. . Também solicitava receber os rendimentos acumulados entre a data da morte de seu pai e o momento em que assumiu o ofício, que se encontravam recolhidos aos cofres públicos. A resposta positiva do Imperador veio em 1827. O herdeiro ficaria isento dos encargos como solicitado, porém, por falta de documentos comprobatórios previamente exigidos pelo poder régio, continuaria privado dos rendimentos recolhidos após a morte de Mello Franco.31 31 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Desembargo do Paço, Código: 4 K, Notação: Cx. 67 Doc. 26.

Por fim, a sorte das filhas não parece ter sido a mesma. Pereira da Costa afirma que Anna e Maria jamais receberam a pensão que deveria ser repassada por Francisco, o que contribuiu para as enormes dificuldades pecuniárias que marcaram o final de suas vidas. Maria teria padecido da mesma doença de seu pai, razão de sua morte em 25 de abril de 1828. Anna, no entanto, não teria apresentado saúde frágil, mas sem ter do que se sustentar, foi obrigada a depender da caridade de amigos até o final da vida (COSTA, 1851MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 31-32).

Conclusões

Embora não se trate de um percurso biográfico tão peculiar para homens com seu perfil, a vida de Mello Franco em terras brasileiras nos lembra que trajetórias intelectuais não existem por si só. Num certo limite, são inconcebíveis sem as devidas conexões com relações pessoais, disputas políticas e todo o arsenal de escolhas disponível no horizonte de possibilidades de um ator histórico. Por outro lado, sua saga também aponta que redes de sociabilidade se constituem a partir de dinâmicas próprias a contextos locais e, uma vez alterada a geografia, seus equilíbrios se abalam. Assim, por mais que o médico tivesse conquistado prestígio e poder nos círculos políticos e intelectuais de Lisboa, nada disso era garantia de que os ventos continuariam a soprar a seu favor na antiga colônia. Mesmo que parte dos atores de suas redes permanecesse a mesma, suas posições na correlação de forças da política de corte haviam mudado. No entanto, foi justamente por saber manipular a fluidez de suas redes que Mello Franco conseguiu espaço de manobra suficiente para mover-se no jogo de intrigas e disputas da nova corte, garantindo a realização, mesmo que parcial, de seus objetivos.

Por fim, é oportuno observar que, embora uma análise mais detalhada de seu pensamento médico e de suas obras não tenha sido possível neste trabalho, nota-se que sua produção intelectual se manteve em íntima consonância com suas estratégias de ascensão política e profissional. Utilizou-se dela em momentos cruciais de sua biografia, como na entrada na Academia de Ciências; na consolidação de sua carreira na mesma instituição anos depois e, por fim, no momento de afirmação de uma nova cultura científica no Rio de Janeiro elevado a capital do Império. Se, por um lado, mostrou-se sempre atento aos caminhos dos debates médicos europeus de seu tempo, também foi hábil ao se debruçar sobre os temas que poderiam surtir mais efeitos no ambiente intelectual luso-brasileiro, de maneira a transformar folhas de papel em prestígio político e intelectual.

  • 1
    Aviso régio. 8 de dezembro de 1816. Arquivo Histórico Militar, 3ª divisão, 19ª Seção, Proc. 62. Todas as fontes e bibliografia utilizadas no artigo encontram-se referenciadas no mesmo. Os acervos documentais consultados pertencem ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Academia das Ciências de Lisboa, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e Arquivo Histórico Militar de Lisboa.
  • 2
    Registo Geral das Mercês de D. Maria I. Lv.20, fl.63. ANTT, Lisboa.
  • 3
    Registo Geral das Mercês de D. Maria I. lv.20, fl.351. ANTT, Lisboa.
  • 4
    Decreto de 27 de novembro de 1799. ANTT, Ministério do Reino, livro 356, fl. 7.
  • 5
    A frase utilizada aqui foi cunhada por Francisco de Mello Franco ao descrever a capital em 1821 (MELLO FRANCO, 1829, p. 2)
  • 6
    Aviso régio. 15 de dezembro de 1816. Arquivo Histórico Militar de Lisboa, Processos Individuais, Francisco de Mello Franco, Cx. 516
  • 7
    No entanto, a data de abertura do inventário é 4 de novembro de 1817, o que torna provável que ele não tenha recebido o que lhe era de direito por já estar a caminho do Brasil. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Registo Geral de Testamentos, liv. 371, fl.114.
  • 8
    Livro de Registro de Óbitos. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Paroquia de São Mamede 1778/1795, p.153v. Cota atual: LxO2-cx.12.
  • 9
    [9]  Gazeta do Rio de Janeiro, 20 de março de 1817.
  • 10
    Na verdade, a nota do Correio Braziliense de 8 maio de 1817 tomava o dia 10 como a data prevista para a partida. Correio Braziliense. vol.18. Londres: Officina do Correio Braziliense, 1817. p. 567. Contudo, na edição de junho do mesmo ano, noticiava que a saída da arquiduquesa teria ocorrido no dia 3. A edição também comentava os boatos de que a comitiva teria interrompido sua viagem por conta dos acontecimentos em Pernambuco naquele período, embora se apressasse em informar que os editores consideravam tal possibilidade improvável. Correio Braziliense. vol. 18. Londres: Officina do Correio Braziliense, 1817. p. 682.
  • 11
    Gazeta do Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1817.
  • 12
    A nomeação e partida de Mello Franco é comentada pelo próprio Trigoso em seu discurso da sessão de 24 de junho de 1817.
  • 13
    Gazeta do Rio de Janeiro. 28 de junho de 1817, ed. 51, p. 2
  • 14
    Correio Braziliense de agosto de 1817. In.: Correio Braziliense. vol.19. Londres: Officina do Correio Braziliense, 1817. p.213
  • 15
    Gazeta do Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1817.
  • 16
    Idem.
  • 17
    Os detalhes sobre as solenidades que se seguiram a chegada da Arquiduquesa Leopoldina ao Rio de Janeiro foram publicadas nas edições dos dias 8 e 9 de novembro da Gazeta do Rio de Janeiro.
  • 18
    Em carta a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em 1806, escrevia: “Estou doente, aflito e cansado, e não posso com tantos dissabores desleixos. Logo que acabe meu tempo de Coimbra e obtenha minha jubilação, vou deitar-me aos pés de SAR para que me deixe ir acabar o resto dos meus cansados dias nos sertões do Brasil a cultivar o que é meu” (MELLO FRANCO, 1806 apud DOLHNIKOFF, 2012, p. 69).
  • 19
    Não sabemos o efeito do requerimento entregue por Mello Franco, mas Bonifácio finalmente conseguiria desvencilhar-se de suas atividades em Portugal e retornar ao Brasil em 1819 (DOLHNIKOFF, 2012, p. 69).
  • 20
    Carta. 23 de junho de 1819. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Projeto reencontro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, microfilme nº.77. Inicialmente, o médico recebeu apenas no hábito, mas no mês de outubro a comenda foi formalizada por decreto régio com lotação de 16 mil réis. Processo para requisição da condecoração com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscritos, C-0603,012
  • 21
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Graças honoríficas, cód. 37. Inicialmente, o médico recebeu apenas no hábito, mas no mês de outubro a comenda foi formalizada por decreto régio com lotação de 16 mil réis. Processo para requisição da condecoração com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscritos, C-0603,012
  • 22
    A fala de Mello Franco se deu no discurso de abertura da sessão pública da Academia de Ciências, em junho de 1816, quando substituiu o Secretário José Bonifácio, que se encontrava em Coimbra.
  • 23
    A participação de Mello Franco na solenidade é citada em discurso de José Bonifácio na Academia de Ciências (SILVA, 1819. p. VI). As razões possíveis para a aclamação tardia de D. João VI são discutidas por Jacqueline Hermann (2007)HERMANN, Jacqueline. O rei da América: notas sobre a aclamação tardia de D. João VI no Brasil. Topoi, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 124-158, jul./dez. 2007. ISSN 2237-101X. Disponível em: <https://bit.ly/2NGSMkP>. Acesso em: 29 ago. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X008015006.
    https://bit.ly/2NGSMkP...
    .
  • 24
    Sobre o estabelecimento de um ambiente literário local no Rio de Janeiro joanino, ver Kury (2007)KURY, Lorelai. (org.). Iluminismo e Império no Brasil: O Patriota (1813-1814). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007..
  • 25
    Diario das cortes geraes, extraordinárias, e constituintes da nação portuguesa. Segundo anno da legislatura. Vol.6. Lisboa: Imprensa nacional, 1822. p.184.
  • 26
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Desembargo do Paço, Código: 4 K, Notação: Cx. 67 Doc. 23.
  • 27
    Processo para requisição da condecoração com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscritos, C-0603,012.
  • 28
    Não sabemos, contudo, se Justiniano teve seu pedido atendido.
  • 29
    Carta régia. 30 de Agosto de 1802. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Maria I, lv. 67 fl. 108.
  • 30
    Diario Fluminense, 3 de março de 1826, p. 1.
  • 31
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Desembargo do Paço, Código: 4 K, Notação: Cx. 67 Doc. 26.

Fontes

Fontes
  • ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Lista dos sócios da Academia Real das Ciências em junho de 1817. In: ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. História e memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, v. 5, pt. 1. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1817, p. XLVII-LIII.
  • ALVARÁ régio. 15 dez. 1802. Chancelaria de D. Maria I, lv. 66, fl. 343. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
  • ALVARÁ régio. 22 abr. 1813 , Graças honoríficas, cód. 37. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
  • ALVARÁ régio. 9 jan 1822. Desembargo do Paço, Código: 4 K, Notação: Cx. 67 Doc. 23. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro .
  • ALVARÁ régio. 3 ago. 1796 Registo Geral das Mercês de D. Maria I, lv. 20, fl. 63. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo .
  • ALVARÁ régio. 9 jun. 1793 Registo Geral das Mercês de D. Maria I, lv. 20, fl. 351. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo .
  • MELLO FRANCO, Justiniano. [Correspondência]. Destinatário: José Bonifácio de Andrada e Silva. Rio de Janeiro, 1º dez. 1819b. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Manuscritos, I-4,29,72.
  • Diario Fluminense, Rio de Janeiro, v. 7, n. 50, p. 1, 3 mar. 1826.
  • Gazeta do Rio de Janeiro, 8 nov. 1817.
  • Gazeta do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, v. 51, p. 2, 28 jun. 1817.
  • AVISO régio. 15 dez. 1816. Processos Individuais, Francisco de Mello Franco, Cx. 516. Lisboa: Arquivo Histórico Militar de Lisboa.
  • AVISO régio. 8 dez. 1816. 3ª divisão, 19ª Seção, Proc. 62. Lisboa: Arquivo Histórico Militar
  • CARTA régia. 30 ago. 1802. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo , Chancelaria de D. Maria I, lv.67 fl.108.
  • CATÁLOGO de livros do Sr. Dr. Francisco de Melo Franco. 1824Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Manuscritos , 06, 4, 006.
  • CERTIDÃO de Óbito. Livro de Registro de Óbitos, Paroquia de São Mamede 1778/1795, p. 153v. Cota atual: LxO2-cx.12. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo .
  • CORREIO BRAZILIENSE. Londres: Officina do Correio Braziliense, v. 18, 1817.
  • CORREIO BRAZILIENSE . Londres: Officina do Correio Braziliense , v. 19, 1817.
  • CORREIO BRAZILIENSE . Londres: Officina do Correio Braziliense , v. 20, 1818.
  • COSTA, Francisco Félix Pereira da. Resumo histórico da vida de Francisco de Mello Franco: bacharel em Medicina pela Universidade de Coimbra, medico da Câmara do Senhor D. João VI, vice-secretário da Academia Real das Sciencias de Lisboa: commendador da Ordem de Christo 1851. Lata 115, Documento 1. Rio de Janeiro: Arquivo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
  • DIARIO DAS CORTES GERAES, EXTRAORDINÁRIAS, E CONSTITUINTES DA NAÇÃO PORTUGUESA: segundo anno da legislatura. Lisboa: Imprensa nacional, v. 6, 1822.
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    Editado por

    Editores responsáveis pela publicação: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2020
    • Data do Fascículo
      2020

    Histórico

    • Recebido
      29 Jan 2019
    • Aceito
      29 Jul 2019
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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