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HECHT, SUSANNA B. THE SCRAMBLE FOR THE AMAZON AND THE “LOST PARADISE” OF EUCLIDES DA CUNHA. CHICAGO: CHICAGO UNIVERSITY PRESS, 2013.

HECHT, SUSANNA B.. THE SCRAMBLE FOR THE AMAZON AND THE “LOST PARADISE” OF EUCLIDES DA CUNHA.CHICAGO: CHICAGO UNIVERSITY PRESS, 2013

Há muitas probabilidades do mais recente livro de Susanna B. Hecht The scramble for the Amazon and the "lost Paradise" of Euclides da Cunha, publicado em 2013 pela Chicago University Press, ser a mais recente e atualizada história da odisseia amazônica na transição do século XIX para o XX. Segundo consta na biografia da autora na página da Luskin School of Public Affairs da Ucla, Amazon odyssey foi, aliás, o título com que inicialmente Susanna Hecht pensou batizar esta sua obra, que tem sido encomiasticamente louvada tanto no meio editorial como no meio acadêmico.

Trata-se de uma história da Amazônia no contexto político-econômico neoimperialista do boom da indústria da borracha, período em que se intensificou e internacionalizou a cobiça pelos recursos naturais daquela imensa floresta tropical, tornando inadiável a definição da soberania das respectivas fronteiras. Susanna Hecht leva-nos do Rio de Janeiro aos confins da selva pela mão de Euclides da Cunha, engenheiro, escritor, jornalista e geógrafo brasileiro, celebrizado pelo seu livro sobre o conflito de Canudos, Os sertões, e que dedicou grande parte da sua vida e obra ao estudo do hinterland do seu país. Em 1904, Euclides integrou a Comissão Mista de Reconhecimento do Alto Purus, constituída para resolver a disputa de limites entre o Brasil e o Peru nesse território.

O livro divide-se em cinco partes, desenvolvidas de forma desigual. A primeira e a última funcionam como uma espécie de introdução e epílogo ao cicerone Euclides, as três do meio são aquelas que verdadeiramente nos levam até a Amazônia.

A viagem começa na segunda parte do livro, talvez a mais bem conseguida de todas, na qual Hecht faz um interessante levantamento da configuração real e imaginária do traçado do território brasileiro nos últimos três séculos. De Alexandre de Gusmão ao barão do Rio Branco, a autora mostranos como os critérios de definição de fronteiras se foram adaptando e reagindo às flutuações políticas e econômicas e como, ressoando das disputas africanas do outro lado do oceano, o princípio da ocupação efetiva da terra se foi impondo em detrimento de outras formas de caução da soberania. Hecht apresenta-nos um bem cosido patchwork diacrônico de histórias que dão forma a uma complexa história da Amazônia na amplitude de tudo o que ela alberga de experiência, mas também de esperança e ambição. A tragédia da expedição do Kourou em 1765, na qual se estima que terão morrido três quartos dos cerca de 12.000 homens que constituíram o grupo da primeira e última tentativa de colonização massiva e voluntária da Guiana francesa e o semelhante, embora proporcionalmente mais modesto, infortúnio dos cerca de 1.200 portugueses que, em 1770, Pombal decidiu deslocar de Marrocos para o Amapá, para aí fundar uma Nova Mazagão, são alguns dos exemplos que compõem a antologia das tentativas de domesticação pré-industrial do território amazônico e que ilustram com grande vivacidade o lastro de derrotas com que se chegou ao século XX neste duelo entre homem e natureza.

De seguida, Hecht pormenoriza esta antologia com um mapeamento dos principais litígios e especulações que internacionalizaram a história da Amazônia. Por razões óbvias, confere particular atenção ao interesse que, desde meados do século XIX, os Estados Unidos da América foram revelando sobre a região: desde os planos, de 1860, de criação de uma "nova Libéria" colonizada com escravos libertos vindos dos EUA, às predatórias negociações com a Bolívia, de 1899, em torno da exploração e do reconhecimento de soberania dos territórios do Acre. Por razões que se prendem à necessidade de enquadramento do trabalho de Euclides, a autora dedica-se, depois, sobretudo, ao conflito entre o Peru e o Brasil relativamente à bacia hidrográfica que se estende entre os rios Madeira e Javari, como escreveu Euclides: "o maior território alguma vez em disputa entre duas nações, 720.000 quilômetros numa das zonas menos conhecidas do mundo".

A terceira parte do livro acompanha os progressos desta disputa no terreno. Seguindo os passos de Euclides da Cunha, Hecht transporta-nos de Belém a Manaus e daí para o interior da floresta, aproveitando para nos dar a conhecer a geografia dos seringais, dos engenhos de produção de látex e das tensões sociais associadas às dinâmicas de trabalho e exploração da economia da borracha. Parte do percurso por esta zona de litígio é feito diretamente pela pena de Euclides da Cunha, uma vez que Hecht publica aqui longas traduções da correspondência e dos relatórios de viagem do escritor e jornalista brasileiro, bem como de muitos dos artigos que compõem a edição póstuma de À margem da história (Porto: Chardron, 1909). A qualidade e a elegância da tradução para o inglês dos textos de Euclides é um dos grandes méritos deste The scramble for the Amazon.

Na quarta parte, um estimulante capítulo sobre a cartografia euclidiana constitui um dos pontos altos do livro. Partindo da análise das várias etapas que constituíram o processo de mapeamento do território do alto Purus, Hecht apresenta uma interessante reflexão sobre a natureza eminentemente interpretativa dos mapas e do seu valor como dispositivos políticos e sociais de controle e poder. A partir desta ideia, capta com particular sensibilidade o significado mais profundo do conjunto da obra de Euclides no esforço de criação de uma episteme patriótica (p. 351). Nos capítulos 20 e 21, através de uma leitura cruzada da produção literária e cartográfica, Hecht vai mais longe e aventura-se em interpretações de maior alcance acerca do trabalho de Euclides, relacionando-o com o que chama uma "etnografia tropicalista". Não obstante o indiscutível apelo das suas propostas analíticas, Hecht caminha amiúde em terreno movediço: por exemplo, quando se entrega a uma aproximação interpretativa entre orientalismo e tropicalismo, ou quando tenta integrar o "Paraíso perdido" de Euclides numa espécie de versão tropical do manifest destiny norte-americano. Hecht tem a este respeito discernimentos muito intuitivos, mas infelizmente não os coloca em diálogo com o vastíssimo debate – coevo e historiográfico, de Euclides a Darcy Ribeiro – sobre a formação e o sentido do Brasil.

Descrito pela própria autora como "part biography, part social history, part nature writing, part geographic translation", The scramble for the Amazon é um empreendimento que, de fato, conta com a originalidade e o arrojo na lista das suas mais destacadas qualidades. O deslumbramento com os indiscutíveis benefícios da interdisciplinaridade não deve, contudo, obstruir a capacidade de visão crítica. Não obstante o seu fôlego acadêmico e a audácia epistemológica – estendidos ao longo de 600 páginas, 50 delas de exaustiva bibliografia – a obra de Hecht padece de limitações e fragilidades que merecem ser expostas e discutidas.

Tratando-se principalmente de carências de contextualização ou mesmo, por vezes, de imprecisões históricas, as falhas a apontar a este livro são, sobretudo, do domínio da crítica do historiador. O título do livro é um dos seus pontos fortes. No entanto, é logo aqui que se começa a sentir falta de alguma coisa, já que o feliz e prometedor cruzamento de imagens, scramble for the Amazon e lost paradise, anunciam um enquadramento e uma problematização histórica que nunca chegam verdadeiramente a ser desenvolvidos. Seria de esperar que a autora pusesse o conceito scramble for the Amazon a dialogar com o seu parceiro scramble for Africa e que, em benefício da compreensão da relevância do fenômeno americano, se detivesse numa reflexão mais apurada sobre o contexto neoimperialista de finais de Oitocentos e as respectivas tensões e ambições políticas subjacentes à internacionalização dos processos de ocupação do hinterland africano.

Na segunda parte do livro, Hecht debruça-se sobre os princípios jurídicos que enquadram a questão da posse de terra nullius, mas fá-lo, sobretudo, para explicar a estratégia do barão do Rio Branco na consolidação das fronteiras do Brasil a partir do princípio do uti possidetis, passando demasiado rápido pelo contexto internacional a partir do qual se iniciou o debate sobre a mudança de paradigma relativa ao reconhecimento de soberania. Hecht faz de fato alusão à Conferência de Berlim de 1884-1885 (p. 83), mas menciona apenas a presença da França, da Inglaterra, da Alemanha, da Itália e da Bélgica como negociadores, esquecendo-se incompreensivelmente de Portugal, que não só foi quem propôs a organização daquele encontro como era país cujas reivindicações territoriais em África se revelavam mais ambiciosas do que as italianas, belgas ou alemãs. Existem, ao longo de todo o livro, esparsas referências ao panorama internacional, mas fica a faltar uma análise de maior envergadura que permita observar a odisseia da Amazônia em contexto com o que se passava ao mesmo tempo noutras partes do mundo, em particular no respeitante ao equilíbrio de tensões na Europa e às respectivas repercussões em África.

A outra imagem do título, lost Paradise, pedia também ser historicizada, mas tal não acontece. Hecht dá-nos a perceber que "Paraíso perdido" é o título que Euclides imaginou para a sua nunca concretizada magnus opus sobre a Amazônia, mas, para grande pena do leitor, fica-se por aí. Este silêncio é tanto mais difícil de compreender quanto a autora consultou as cartas enviadas por Euclides em 1905, de Manaus, a Coelho Neto, Artur Lemos e José Veríssimo, nas quais aquele comunica aos seus amigos a intenção de "vingar a Hyleia" através de um livro a que chamaria "Paraíso perdido" (Hyleia foi designação atribuída à Amazônia pelo naturalista Alexander Humboldt depois da sua viagem científica ao continente americano entre 1799 e 1804). A mesma correspondência em que Euclides discorre sobre o caráter aparentemente indesvendável do cenário natural que foi encontrar no extremo norte do seu país, uma Amazônia que "recorda a genial definição do espaço de Milton: esconde-se a si mesma". Pouco tempo depois, no prefácio de 1907 para o livro Inferno verde, de Alberto Rangel, Euclides volta a evocar a mesma imagem, escrevendo que, na Amazônia, "a terra é ainda misteriosa. O seu espaço é como o espaço de Milton: esconde-se a si mesmo". Este espaço de Milton é a Terra – "(...) cobre-te, ó terra, de árvores, de plantas/Que te adornem co’um manto de verdura (...)" (canto VII) – do celebérrimo poema Paradise lost (1667) de John Milton, ao tempo contando já com pelo menos três traduções portuguesas, sendo de todas a mais notável a de Lima Leitão de 1840.

Pode, com efeito, fazer sentido questionar a opção de Hecht em traduzir para "Lost paradise" o "Paraíso perdido" imaginado por Euclides. Uma vez que o próprio tornou evidente que tinha a imagem do espaço inescrutável de Milton a auxiliá-lo na sua representação da paisagem amazônica, talvez a tradução inglesa de "Paraíso perdido" que mais se aproxima da essência original do projeto seja mesmo, literalmente, "Paradise lost" e não "lost Paradise".

Não é, na verdade, difícil reconstituir as ambições intelectuais que estariam por detrás do provável e pouco ingênuo jogo de espelhos que Euclides decidiu fazer entre o livro vingador, com o qual julgava poder vir a consagrar-se definitivamente como escritor, e aquela consagradíssima referência literária. O perfil psicológico de Euclides permite-nos pensar nisso e muito mais. Depois do sucesso de Os sertões, Euclides sentiu-se bem na pele de Jeremias, armado de bloco de notas e de máquina de escrever para dar voz à terra muda do seu Brasil. "Decididamente nasci para Jeremias destes tempos", escrevera em carta a Coelho Neto, deixando a ironia protegê-lo do que poderia ser tido por uma mitologia pessoal. Mas parte da genialidade dos escritos de Euclides reside precisamente naquilo que revelam como produto de uma rara combinação entre espírito de missão, racionalismo científico e inquietude existencial: ao mesmo tempo que sentia tentado a ser porta-voz da terra incognita, Euclides temia ver-se esmagado pela grandeza do seu infinito. Por isso se queria distanciar da genealogia narrativa dos naturalistas: "se realmente conseguir escrever o livro anunciado não lhe darei título que se relacione demais com a paragem onde Humboldt aventurou as suas profecias e onde Agassiz cometeu os seus maiores erros". Por isso queria escrever uma obra de vingança, mas simultaneamente de rendição, um livro rendido aos imperativos de humildade impostos pela amplitude do enigma narrado: "Escreverei um Paraíso Perdido (...) em cuja amplitude eu me forre de uma definição positiva dos aspectos de uma terra que, para ser bem compreendida, requer o trato permanente de uma vida inteira". No fundo, um livro necessariamente positivista, de caráter científico e analítico, mas filosoficamente forrado contra o erro.

Faria todo o sentido que a especificidade desta "visão do paraíso" de Euclides fosse explorada e aprofundada em The scramble for the Amazon and the "lost Paradise" of Euclides da Cunha. O título insinua-se. O conteúdo, porém, atraiçoa-o. A ausência de uma abordagem de história cultural que estabelecesse um diálogo – por mínimo que fosse – entre o título do livro de Hecht e a vastíssima historiografia das "visões do paraíso" não deixa de decepcionar. A obra de referência de Sérgio Buarque de Holanda, Visões do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil (1959) é, de resto, uma ausência a apontar na bibliografia de Hecht.

Para além da insuficiente integração de alguns dos seus principais temas nos respectivos debates historiográficos, outra debilidade que se justifica apontar a The scramble for the Amazon é a inconstância dos níveis de análise. A narrativa passa da cobiça americana pelos territórios amazônicos à perfídia da vida conjugal de Euclides sem que fique nítida a relação entre as duas esferas. Hecht oscila entre o macro e o micro de forma algo desequilibrada e, sobretudo, prestando pouca atenção ao meso. Embora fascinante, e contada por Hecht com elegância formal e até com fôlego literário, a dimensão privada do cidadão Euclides precisaria de mais ajuda de uma perspectiva meso para se perceber a sua relevância para o tema do livro: a Amazônia.

Essa perspectiva intermediária em falta é claramente a dimensão da política, da sociedade e da cultura brasileiras. É a história do Brasil o elo enfraquecido deste livro e que poderia tornar mais sólida a ligação entre o alto Purus e a travessa da Piedade, onde Euclides foi assassinado em 1909. A importância política do processo de definição de fronteiras, o periclitante jogo social de domínio do hinterland brasileiro, a relevância da produção de Euclides da Cunha para a identidade de um imaginário nacional brasileiro e até mesmo os percursos individuais de Euclides ou de Rio Branco necessitavam ser mais bem situados no contexto político do Brasil da época. O próprio fenômeno da economia da borracha, que Hecht domina em profundidade, encontra-se insuficientemente relacionado com os desafios da economia nacional brasileira de então.

Concorrem ainda para prejudicar a perspectiva histórica do livro a inconsistência de algumas observações generalistas, bem como uma série de erros factuais dispersos. Se para alguns destes lapsos de menor importância se pode procurar justificação numa pontual desatenção ou na pouca familiaridade com a língua portuguesa, outros são difíceis de aceitar num livro com a chancela da Chicago University Press, editora cujo prestígio acadêmico deveria garantir equivalente rigor científico. Um revisor literário brasileiro não só teria evitado os vários erros de grafia do português que se podem encontrar no livro, como certamente não teria deixado escapar graves equívocos históricos como, por exemplo, o da página 17 em que Hecht confunde Benjamin Constant (Lausanne, 1767-1830), pai moral da primeira Constituição brasileira de 1824 como de todas as constituições liberais nas quais foi introduzido o princípio do poder moderador, com Benjamin Constant de Magalhães (Rio de Janeiro, 1833-1891), político brasileiro republicano. Na página imediatamente a seguir, outro engano assume contornos quase hilariantes quando Hecht escreve que d. João VI "impulsively abandoned the throne to his child king d. Pedro I" deixando no Brasil por legado "an ambiguous constitution, and a Brazilian native son to incarnate his regime". Desnecessário será lembrar que d. João VI nunca abdicou do trono português – ao ser coagido pelas Cortes a regressar a Lisboa em 1821, o que fez foi colocar o seu filho d. Pedro como regente – e que foi d. Pedro I quem partiu para Portugal em 1831 (abdicando do trono por vontade própria e não "sent to exile" como diz Hecht), deixando para trás uma ambígua constituição e um filho nascido já em território brasileiro (futuro d. Pedro II).

As incorreções relativas à história política brasileira continuam: na página 25, Hecht chama "primeiro barão do Rio Branco" ao visconde do Rio Branco; na página 40 confunde as datas das duas revoltas da Armada (de 1891 e de 1893) e diz que Floriano ascendeu ao poder em novembro de 1893 (quando na verdade foi em 1891); na página 76, chama "João de Bastos" ao fotógrafo que captou as únicas conhecidas imagens de Canudos, em vez de Flávio de Barros; na página 78, diz que o presidente que sofreu o atentado no Rio de Janeiro em novembro de 1897 foi Campos Sales, quando na verdade foi Prudente de Morais. Não se compreende ainda como é possível que Hecht repita por duas vezes, em distintas passagens do texto (páginas 51 e 60), que, em 1896-1897, Canudos era a segunda maior cidade de Bahia a seguir a Salvador! Sustentando esta insólita afirmação apenas em bibliografia secundária de três acadêmicos americanos, sem qualquer referência a uma fonte primária (por exemplo, a Synopse do Recenseamento do Brazil de 1890, disponível on-line) que, caso tivesse sido consultada, imediatamente desmentiria aquele engano. A ser verdade (o que se torna difícil de confirmar porque Hecht não cita as respectivas páginas), é grave que três distintos livros de história publicados por editoras norte-americanas de prestígio reproduzam este erro clamoroso, mas mais preocupante é o fato de Hecht ter acreditado neles e, numa obra desta ambição, não ter sentido necessidade de ir verificar as informações que transmite.

Mas talvez mais graves que os lapsos factuais sejam as várias considerações históricas desprovidas de rigor crítico que se podem encontrar no livro. Com bastante ligeireza e com uma assertividade que não deixa grande margem para discussão, Hecht subscreve teses mais do que politicamente comprometidas e, na verdade, na sua maioria, já historiograficamente ultrapassadas. Por exemplo, nas páginas 20 e 21 apresenta-nos uma imagem de d. Pedro II como um soberano absolutista, hedonisticamente entregue aos seus livros e às suas amantes, indiferente aos destinos da nação, interessado em ouvir os relatos dos exploradores de terras brasileiras mais pelas descrições de episódios empolgantes do que pelo desejo de aprofundar o conhecimento do país que governa. Acreditemos que, por desconhecimento, a autora não faz a este propósito qualquer referência à fortíssima ligação de d. Pedro II ao Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Mais adiante, na página 85, refere-se a uma das mais importantes personalidades políticas do Império, o visconde de Rio Branco, como uma figura quase ofuscada pelo próprio filho e que conseguiu uma sinecura como senador graças aos favores de d. Pedro II. Em certas passagens, fica-se com a impressão que Hecht se limitou a reproduzir o discurso de alguns agentes históricos sem fazer incidir sobre eles qualquer tipo de filtro crítico.

O domínio da interlocução histórica é o principal problema de The scramble for the Amazon. Na pegada do seu objeto de estudo, Hecht propôs-se escrever a história da "terra sem história" e, sem dúvida alguma, contribuiu para esse propósito com o seu extraordinário conhecimento da geografia e do bioma amazônico desde tempos pré-colombianos, assim como com a sua experiência de várias décadas no terreno natural e social da Amazônia. Mas, infelizmente, ao longo do livro, são várias as debilidades históricas e historiográficas que concorrem para perturbar o pleno cumprimento do seu objetivo.

Se é certo que, no seu particularismo disciplinar, muitas das insuficiências não comprometem a obra no seu conjunto, também é verdade que imprimem ruído à leitura e contribuem para um certo desapontamento com que, ao chegar às últimas páginas, o leitor mais atento e esperançado fecha o livro, conjecturando sobre o que ele poderia ser. Talvez faça sentido a este respeito evocar o que escreveu Euclides sobre a Amazônia: "para vê-la deve renunciar-se ao propósito de descortiná-la", e aplicá-lo a The scramble for the Amazon. Um livro a que se deve renunciar ao propósito de descortinar para poder usufruir das qualidades do seu fôlego.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2014
  • Aceito
    27 Maio 2014
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