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AS MÚLTIPLAS VIDAS DE SIMÓN BOLÍVAR E THOMAS JEFFERSON: NARRATIVAS (AUTO) BIOGRÁFICAS E PROJETOS DE MEMÓRIA NAS AMÉRICAS (SÉC. XIX – XX)1 1 Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. O artigo não foi publicado em plataforma de preprint. Ambos os autores participaram das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo.

THE MULTIPLE LIVES OF SIMÓN BOLÍVAR AND THOMAS JEFFERSON: (AUTO) BIOGRAPHICAL NARRATIVES AND MEMORY PROJECTS IN THE AMERICAS (19th - 20th CENTURies)

Resumo

Serão examinadas cinco biografias, duas destinadas à trajetória de Simón Bolívar e três à trajetória de Thomas Jefferson. A exposição foi dividida em duas partes. Na primeira, o cerne está nos capítulos finais das biografias dirigidas à liderança das independências da América Hispânica. Na segunda parte, serão analisados os arquivos de memória de Thomas Jefferson. Une as duas partes do artigo o pressuposto de que Bolívar e Jefferson projetaram imagens de si, legando projetos de memória à posteridade e caminhos ao seu próprio gerenciamento. Utilizou-se as biografias como fonte porque: 1. contribuem com e ampliam as perguntas que podem ser feitas a esses projetos de memória, a partir do enfoque comparativo; 2. auxiliam a averiguar como se estabelecem os cultos em torno dos personagens, cujas imagens se projetaram além dos espaços nacionais, sendo vinculadas ao destino do continente, pese a heterogeneidade das culturas políticas presentes no espaço americano.

Palavras-chave:
Simón Bolívar; Thomas Jefferson; Biografias; Arquivos de memória; Gerenciamento biográfico

Abstract

In this article, we will examine five biographies, two for Simon Bolivar’s trajectory and three for Thomas Jefferson’s. We divided the exposition into two parts. In the first one, we will focus on the final chapters of the biographies dedicated to the Hispanic America independence leadership. In the second part, we will focus on Thomas Jefferson’s memories archives. Both parts of this article are joint by the hypothesis that Bolivar and Jefferson projected images of themselves, bequeathing their projected memories to posterity and the ways on how to manage them. We take biographies as a source because 1. they contribute and expand the questions that can be asked of these memory projects in a comparative approach; 2. help to check how the cults around the characters are established, once those images are projected beyond their national spaces, being linked to the fate of the continent, despite the heterogeneity of the political cultures present in the American territory.

Keywords:
Simón Bolívar; Thomas Jefferson; Biographies; Memories archives; Biographical management

Introdução - Projetos de memória e biografias: do arquivamento e da subjetivação ao gerenciamento

Já há algumas décadas, verifica-se a redescoberta do indivíduo desde uma perspectiva muito peculiar, nutrida pelo interesse que alcança os “homens comuns”: a produção da memória. Arquivar-se tornou-se ato ordinário e revela-se, sobretudo e cada vez mais, nas redes sociais - um grande repositório de memória e construção de si. Perfis expressam a produção e o gerenciamento dos acontecimentos que conduzem à memória deificada em torno de um “sujeito celebrado”. Não é novidade querer ser lembrado; novidade reside, sim, na evidenciação da estratégia. E é essa que deve cativar a atenção para explicitar como a lembrança e o consumo de memórias investem sentido à vida pública e promovem a espetacularização. Não só os indivíduos produzem e gerenciam memórias como as consomem obstinadamente, visando impactar a comunidade.

O deslumbramento com o poder da memória na sociedade contemporânea assenta-se em elementos teórico-metodológicos variados (AVELAR, 2010AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da História: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, Revista do programa de pós-graduação em História da UFES, v. 24, p. 157-172, 2010.), mas é certo que é mantida a dificuldade em apreender e significar, coletivamente, as experiências traumáticas, oferecidas persistentemente pelo século passado. Emergência imperativa dessa dificuldade, e também o seu avesso, foi a globalização da memória (ROUSSO, 2014ROUSSO, H. Rumo a uma globalização da memória. História Revista, Goiânia, v. 19, n.º 1, p. 265-279, jan./abr. 2014.), que, ao orientar políticas públicas identitárias, passa a colocar um desafio à “prática” e à “escrita histórica”, de cunho acadêmico. Em tom entusiasmado (NORA, 2003NORA, Pierre. Entre Memória e História - A problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. Projeto História: revista do programa de pós-graduação do Departamento de História da PUC, São Paulo, v. 10, p. 7-28, dez. 2003. ), ou de advertência (RICOUER, 2007RICOUER, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas/SP: Editora da UNICAMP, 2007.), foram registrados os efeitos decorrentes do excesso de memória e de seu par, aparentemente antagônico, o esquecimento. A atitude crítica à evocação memorialística solicita investigar os mecanismos de produção e enquadramento de memórias.

Este artigo lida com os elos entre história, memória e biografia, fazendo uma análise de dois personagens que, entre outros, buscaram caminhos rumo à autonomia política em seus territórios. Rememorados como um “latino-americano sobre quem tem se escrito assiduamente” (PINO ITURRIETA, 2004PINO ITURRIETA, Elías. El divino Bolívar: ensayo sobre una religión republicana. 2ª. ed. Madrid: Editora Catarata, 2004., p. 9) e um norte-americano cujas “ideias vivem na esperança e nos sonhos das pessoas de outras nações” (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 23), são eles: Simón Bolívar4 e Thomas Jefferson5.

À primeira vista, Jefferson e Bolívar guardam poucas semelhanças. O estadunidense nunca participou ativamente das hostes militares, galgando postos e patentes. Geralmente, seu nome é associado aos homens de letras e artes, de espírito criativo. Bolívar, menos lembrado por sua ilustração mantuana e mais por ser o “homem da guerra e das dificuldades”, encarnou o General capaz de inspirar soldados a marcharem em direção aos cumes e precipícios, o que o coloca mais próximo da figura de George Washington. Se acrescentarmos seu perfil autoritário e centralizador, ele acompanharia, mais adequadamente, Alexander Hamilton, cujos “sonhos” bonapartistas são constantemente mencionados pela historiografia.

Todavia, este não é um trabalho que busca produzir uma aproximação aos sujeitos históricos, mas, sim, à maneira como arquivaram suas memórias e à forma como elas foram gerenciadas prospectivamente. Em virtude disso, chamaram-nos a atenção os recursos disponibilizados por ambos para, conscientemente4 4 polêmica, travada contra seu parceiro de longa data, John Adams. Os então inimigos enfrentaram-se em duas eleições marcadas por ataques pessoais e pela polarização entre seus partidos e grupos políticos. Adams venceu a primeira eleição, em 1796, e perdeu a segunda, em 1800. A vitória abriu espaço à hegemonia política construída em torno do nome de Jefferson e de seu partido - que governaria por sete mandatos consecutivos. Os embates em vida fizeram que Jefferson se tornasse um colecionador de inimigos e de polêmicas até 1826, ano de sua morte. As controvérsias não se limitaram ao campo da política, mas também aos assuntos morais, como no tema da escravidão, uma vez que o “Pai Fundador” foi senhor de escravos, apesar de ter escrito que “todos os homens nasciam livres e iguais diante de Deus”. Essas polêmicas resistiram à sua morte e seguiram sendo mobilizadas e gerenciadas por seu grupo de apoiadores, mas também por seus detratores. Emergentes na ambiência política apresentada, seguem vivas nas biografias construídas em torno de sua imagem. Essas escritas o projetam como um político hipócrita ou como um agente da liberdade. Esse assunto será tratado no decorrer do artigo. , elaborarem “retratos de si”, por meio de cartas, memórias ou autobiografias. Do mesmo modo, não é menor a constatação de que suas aspirações e projetos políticos continuam a reverberar de maneira difusa

no imaginário coletivo, ultrapassando suas localidades de origem. Tanto a “Pátria Grande” de Bolívar quanto a “busca pela felicidade” de Jefferson continuam a ecoar como desejos que extrapolam o tempo e o espaço. O gerenciamento da memória de ambos os associou à história e aos destinos de suas regiões. Um traço os une: atuam como chaves para decifrar os enigmas impostos a seus descendentes e, como tal, suas trajetórias fornecem explicação para os traumas do passado ou convertem-se em fonte para projetos futuros.

Graças à assiduidade com que se escreve acerca de ambos e à dimensão continental que lhes é atribuída, redescobre-se suas personas ininterruptamente, seguindo os roteiros por eles deixados. Portanto, explorar os roteiros bolivariano e jeffersoniano, com o propósito de apreender o padrão de escritura que os reifica, conduziu este trabalho à percepção de uma dupla operação: uma, que conjuga arquivamento e produção de memória, revelando o processo de subjetivação5 5 No tocante ao arquivamento e subjetivação: “Dessas práticas de arquivamento do eu se destaca o que poderíamos chamar de uma intenção autobiográfica. Em outras palavras, o caráter normativo e o processo de objetivação e de sujeição, que poderiam aparecer a princípio, cedem na verdade o lugar a um movimento de subjetivação. Escrever um diário, guardar papéis, assim como escrever uma autobiografia, são práticas daquilo que Foucault chamava a preocupação com o eu” (ARTIÈRES, 1998/1, p. 11). ; outra, que vincula gerenciamento e consumo de memória, manifestando a investidura de sentido coletivo.

Para explorar as questões expostas, este artigo divide-se em duas partes. Na primeira, concentra sua atenção em duas produções biográficas acerca de Simón Bolívar, a de Gerhard Masur e a de Salvador de Madariaga, publicadas respectivamente nos anos de 19466 6 Apesar de escrita em 1946, utilizou-se como fonte a primeira tradução da biografia para o espanhol, datada de 1960. e 1951. Embora a análise restrinja-se a duas biografias, elas se cruzam, subliminarmente, com o epistolário bolivariano. Isso porque as biografias fazem mais do que utilizar-se da correspondência como comprovação documental. Na segunda, dedica-se a três biografias relacionadas a Jefferson, elaboradas por James Parton, 1874; Dumas Malone, 1948-1981MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: Jefferson the Virginian. Boston: Little, Brown and Company, 1948. (v. 1)7 7 Malone dividiu a biografia de Jefferson em seis tomos, publicados entre 1948 e 1981. Essa questão será tratada adiante. ; Joseph Ellis, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998.. Diferentemente da primeira parte, que lida com biografias escritas na segunda metade do século XX, tendo a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria como marcadores contextuais, optou-se por avaliar as biografias de Jefferson em tempo estendido - foram abordados os perfis construídos em fins do século XIX e os que se seguiram por todo o século XX. Tal escolha intenta demonstrar como o problema central das biografias de Jefferson permanece o mesmo: é possível desassociar sua figura da história de seu país? Esse problema, frequentemente colocado aos estadunidenses, a partir da luta pelos direitos civis, traduziu-se em um paradoxo. Jefferson é o homem por trás da Declaração de Independência e desmistificá-lo é arriscar-se a colocar em questão um projeto de nação. Afinal, qual nação se quer representar? Jefferson explicita uma cisão ao personificar tanto os caros princípios da Declaração quanto os ideais sulistas derrotados pela Guerra Civil. O envolvimento político em tempos intranquilos forjou um homem cioso de sua imagem, levando-o a deixar pródigas mensagens em diversos arquivos. Cautelosa e incisivamente, conduzia os futuros analistas à concordância com sua permanência na vida pública norte-americana. Para pontuar a ação de Jefferson voltada ao arquivamento, recorrer-se-á ao acervo artístico de Monticello e aos seus livros de memória, Jefferson Anas e a Autobiografia. Para tratar do arquivamento, buscar-se-á a reflexão historiográfica.

1 Memória e elaboração narrativa

1.1 Salvador de Madariaga e Gerhard Masur:

plano geral das biografias

A biografia de Salvador de Madariaga acerca de Simón Bolívar causou controvérsia desde sua primeira publicação, em 1951. Vicente Lecuna8 8 Lecuna se envolveu com uma série de eventos políticos e ocupou vários cargos na Venezuela. No que se refere ao tema de nosso interesse, foi responsável pela organização do Archivo del Libertador, publicando-o no centenário de morte de Simón Bolívar, em 1930. Organizou sua correspondência em sete tomos - é esta a coletânea que nos serve de fonte. Participou da restauração da “Casa Natal do Libertador” e tornou-se membro da Academia Nacional de História, apresentando um estudo sobre as campanhas de Simón Bolívar. e a Sociedade Bolivariana da Venezuela responderam ao autor da biografia e reservaram à obra o lugar de proscrita. A lista dos “pecados históricos” cometidos por Madariaga incluía: a crítica ao republicanismo manifesta no desejo de Bolívar em coroar-se; o juízo severo às qualidades militares do general; a acusação de que os conflitos entre Bolívar e San Martín e entre Bolívar e Santander não contaram com uma análise imparcial por parte dos venezuelanos; a preponderância política atribuída à Manuela durante sua relação amorosa com Bolívar; a anotação da resistência de Bolívar em receber os sacramentos no leito de morte (HARWICH, 2003HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografia. Iberoamericana, [S.I.], v. 3, n.º 10, p. 7-22, 2003.). Quatorze anos depois da condenação, a Academia Nacional de História retratou-se em declaração pública.

Por ser a biografia mais extensa e detalhada, há nela uma profusão de citações de distintos documentos: cartas, proclamas, artigos de época, necrológico e testamento de Simón Bolívar, diários e memórias deixadas por amigos e inimigos políticos. Dividida em dois tomos, a quarta parte do segundo tomo responsabiliza-se pelo exame da derrota e do descrédito público dirigidos ao biografado. O plano narrativo da obra biográfica expressa-se nos títulos e subtítulos. O primeiro tomo tem como subtítulo Fracasso e esperança; o segundo Vitória e desengano. Dividido em quatro partes, o último tomo contempla o período entre o Congresso de Angostura, 1819, e a morte de Simón Bolívar, 1830. O epílogo, intitulado A renúncia póstuma, apresenta um Bolívar que discursa à história. Não apenas por seu caráter imaginativo, mas pelo que significa ao culto bolivariano9 9 Até meados da década de 1960, o debate historiográfico venezuelano encontrava-se rendido ao culto bolivariano, segundo Carrera-Damas. É impossível dissecar o culto no espaço deste artigo, registrou-se apenas que esse sustenta-se, sobretudo, na narrativa legada por Simón Bolívar. Ver: (CARRERA-DAMAS, 1969). , o epílogo será analisado neste artigo mais detidamente.

O plano da obra biográfica de Gerhard Masur revela que, pese a liberdade ser o mote escolhido para caracterizar o biografado, a ambição permeia sua trajetória de vida. Assim posto, liberdade e ambição operam como conceitos estruturantes da narrativa, demonstrando de que forma o perfil biográfico unifica o interesse pessoal e a concepção política republicana. As quatro partes que integram o conjunto da biografia intitulam-se: Homem de ambição, Homem da liberdade, Homem da glória, Homem de pesares. Centrados no homem, os títulos anunciam um exame compreensivo-subjetivo: ambição, glória, pesares e liberdade significam a vida narrada do personagem e aproximam as escritas de Masur e Madariaga. No presente artigo é de interesse a narração acerca dos últimos tempos de Simón Bolívar, no que se refere ao “homem dos pesares”. Masur também recorre a um capítulo síntese para julgar o personagem histórico, mobilizando o leitor para o culto heroico. Morte e transfiguração explica por que Bolívar, que morrera politicamente derrotado, seria, tempos depois, alçado a herói-mito, não apenas das nações que ajudara a libertar, mas da “nação americana”.

Apesar de as versões biográficas acerca de Simón Bolívar serem numerosas, a leitura de dois escritos do gênero revelou a similitude dos marcos cronológicos eleitos. Distinto é o julgamento dos biógrafos acerca dos acontecimentos. É importante compreender que os marcos cronológicos imprimem uma escolha narrativa, a antecedem inclusive, por isso a similitude não é um dado natural. Os acontecimentos estão à disposição do biógrafo, mas é o destaque a eles concedido que costura o texto biográfico.

Enquanto Madariaga caracteriza a personalidade do biografado por meio de referências históricas e lugares - os títulos das partes que compõem o segundo tomo assim o revelam: Põe-se o Sol nos Andes; O ocaso de César -, Masur atrela a subjetividade aos tempos vividos, reiterando a figura do hombre que se transfigura, conforme os acontecimentos. No que se refere aos marcos cronológicos, ambos os biógrafos destacam os seguintes acontecimentos: 1. o desentendimento entre Bolívar e Santander e a guerra entre Colômbia e Peru; 2. a Batalha de Boyacá e o Congresso de Angostura; 3. o Juramento no Monte Sacro. Para cada um desses acontecimentos, elabora-se uma orientação narrativa, assim, respectivamente: 1. a experiência de “desesperança, pesar e descrédito”; 2. o auge da vida política e guerreira de Simón Bolívar; 3. a premonição histórica de glórias continentais e a entrega de Simón à causa da liberdade. Esse último acontecimento traz à narrativa uma epifania: em moldes napoleônicos (ou cesaristas), Bolívar descobre-se capaz de libertar a América; concomitantemente, consagra-se e imola-se como persona política e histórica determinante para o continente. Retrospectiva e prospectivamente, os acontecimentos tornam-se marcos de origem: no passado amarra-se o futuro. Ao mesmo tempo, a narrativa modela alternativa e teleologia, conformando-as em par indissolúvel.

Da leitura de Masur, infere-se dois principais objetivos: a localização de Bolívar no século XX e a defesa do pan-americanismo. De posse do mapa dos acontecimentos-origem, o biógrafo concede a Bolívar a atemporalidade - localizá-lo em um tempo exigia retirá-lo de outro; o que parece anacrônico é equacionado como atemporal. A associação entre o projeto político bolivariano e a democracia sela, sugestivamente, a fusão entre anacronismo e atemporalidade. Junto disso, consagra a liberdade como valor supremo e mote da vida do biografado. Em seu julgamento final, o biógrafo equipara Bolívar a Winston Churchill, reforçando a ligação entre o general americano, o liberalismo e a democracia. A comparação pretendia inserir uma discussão política central: o projeto de unidade das repúblicas americanas. Assim, a derrota política de Simón Bolívar demonstrava ser ele o homem certo no tempo errado, uma vez que suas ideias não cabiam no século XIX, quando os conceitos de nacional e nacionalidade dominavam a prática política. A narrativa elaborava o reconhecimento sequencial de que: 1. o projeto bolivariano encontrava no século XX um ambiente temporal mais apropriado; 2. o projeto de unidade fora consagrado pela história prospectivamente. Apreendidas tais premissas, a democracia e o liberalismo assentavam-se ao projeto bolivariano, sobretudo quando vinculados à defesa do pan-americanismo:

[...] existe uma surpreendente analogia entre Bolívar e Winston Churchill: ambos são homens das dificuldades, da emergência na história do mundo. Um lutou para salvar um império; o outro para destruir um, de cujas ruínas surgiria um continente livre. E aqui chegamos à última razão que explica o desdém sofrido por Bolívar no século XIX. O século de Bolívar pensou em termos de nações e nacionalidades, mas Bolívar não acreditava que o conceito nacional fosse o último passo no desenvolvimento histórico. Pensava em continentes; e ainda que por uma cronologia externa pertencesse ao século XIX, por cronologia interna é um cidadão do século XX. A combinação de democracia e autoridade, a formação de enormes blocos regionais, a ideia de uma liga de nações livres: todos esses são conceitos de nossos tempos (MASUR, 1960MASUR, Gerhard. Simón Bolívar. México: Biografias Grandesa, 1960., p. 578).

Distintamente de Masur, para o biógrafo espanhol, Bolívar foi um homem de seu tempo e Napoleão Bonaparte tornou-se a imagem histórica a reverberar profundamente em sua alma. Em Rei sem coroa e Coroa sem rei, Madariaga associa os mitos napoleônico e bolivariano, argumentando que exatamente porque não se coroou Bolívar alcançou a posteridade - entre Iturbide e San Martín dividia com o segundo as glórias republicanas. O pressuposto definia uma sentença: o rompimento pela guerra exigia a adoção dos valores republicanos. Já a comparação entre Bolívar e Napoleão se apresenta como problema ao culto bolivariano, que nega vigorosamente o desejo do primeiro em se coroar. Na memória liberal e republicana, convivem atração e repulsa pelo mito napoleônico. Igualmente conhecedor de glória e descrédito, Napoleão experimentou o comando de exércitos vitoriosos e o exílio. De um lado, foi responsável pela expansão dos ideais da Revolução Francesa; de outro, o mais ativo agressor desses mesmos ideais, ao assumir a coroa (MADARIAGA, 1953MADARIAGA, Salvador. Bolívar: victoria y desengaño. México: Editorial Hermes , t. II, 1953. , TII). Para além da biografia e da discussão historiográfica, há um indício digno de nota: Napoleão e Iturbide foram figuras importantes para Simón Bolívar. Tal estima revela o lugar que Bolívar pretendia ocupar no espectro político e como pretendia ocupá-lo. Uma carta escrita para Santander expõe a complexidade da prática política cotidiana. Mesmo que Bolívar distancie-se dos liberais, render glórias a Napoleão e a Iturbide contrariava o significado político advindo da outorga do título de Libertador das repúblicas da Colômbia e da Venezuela.

Todos os dias temos notícia do imperador Iturbide e de seus maus sucessos em Veracruz. A Gaceta de Guayaquil lhe dará uma ideia das atas insurrecionais dos generais de Iturbide. Parece-me que essas atas são decisivas quanto à sorte daquele império. Esse é o caso para se dizer: pecou contra os princípios liberais e assim sucumbiu, como dizia Bonaparte de si mesmo. Que lição, amigo, para os que mandam hoje em dia! [...] Eu faço a minha confissão geral todos os dias, ou melhor, meu exame de consciência, e na verdade temo por meus pecados feitos contra a minha vontade, feitos em favor da causa, e por culpa dos godos. Quem sabe se algum dia me castigarão com alguma grave penitência pelo meu mal-entendido patriotismo? (LECUNA, 1965LECUNA, Vicente (Org.). Cartas del Libertador (1799-1817). 2. ed. Caracas: Fundación Vicente Lecuna; Banco de Venezuela, t. I-VII, 1964-69., R.935, p. 376-377)

Para Simón Bolívar, Iturbide e Napoleão pecaram contra os princípios liberais, que sagraram o constitucionalismo como o meio adequado para a solução dos impasses políticos. Em 1823, Bolívar pensava na guerra e não na organização das repúblicas. Temeroso com a forma pela qual seria julgado, “faz sua confissão e seu exame de consciência todos os dias”. Napoleão e Iturbide eram figuras políticas proeminentes para Bolívar, homens da guerra e das dificuldades, como ele próprio se identificava. Eram também homens que o alertavam das desgraças abatidas sobre aqueles que escapavam do “catecismo republicano”. Embora longe esteja o missivista do democrata pan-americano, fato é que a vida narrada tangencia o testamento do general das independências.

A complexidade dos tempos vividos por Simón Bolívar expressa-se, mimeticamente, na personalidade biografada, a ponto de permitir que personas muito distintas emerjam da pena dos biógrafos. Porém, a distinção não tem a ver apenas com a tentação pela imaginação, que se ocupa em preencher lacunas (LEVILLAIN, 1996LEVILLAIN, P. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMONND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ; FGV, 1996, p. 141-184., p. 141-184). Simón Bolívar não se torna o herói para todas as causas somente por conta da apropriação de seus escritos (HARWICH, 2003HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografia. Iberoamericana, [S.I.], v. 3, n.º 10, p. 7-22, 2003.). Antes, o culto não é exógeno ao homem, uma vez que a profundidade e a diversidade de seus dilemas possibilitaram que ele fosse traduzido como amante da liberdade, desejoso da Coroa para garanti-la, republicano ardoroso, chefe militar impiedoso. Esses perfis não se excluem; ao contrário, todos vão ao encontro do projeto de libertação do território americano. Por fim, mas não menos importante, Bolívar servia como representação do homem moderno, capaz de aderir à política identititária (estatista ou não) e à epopeia aventureira (guerreira e libertadora). Com tal riqueza de elementos a figurarem em seu perfil, estava pronto para tomar as alamedas das distintas repúblicas do continente.

1.2. O gerenciamento da memória: julgamento e culto

No julgamento final, Madariaga imagina uma renúncia póstuma, título que concede ao epílogo. Curiosa e sagazmente, a estratégia busca convencer dos erros e acertos do homem, evidenciando que a ambição o acompanhou pós-morte. Ao praticar o mea-culpa, Bolívar solicita compreensão por não ter podido libertar plenamente a América, motivo pelo qual abdica ao título de Libertador. Em sua última renúncia, destituía-se do que lhe restara como concretude para o culto - não dos cargos mundanos que ocupara, mas da glória que alcançara com a alcunha de Libertador. O biógrafo compreendera que o culto cívico possuía um lastro religioso, portanto, se apropria da linguagem mística. Conjuntamente, menciona a verdade da história como aquilo que ilumina a nova vida de Bolívar. Antes Libertador, agora, libertado pela coragem de despojar-se do título e da glória:

Bolívar se adiantou à marca da História e disse:

Compareço diante de vós para apresentar-lhes a primeira de minhas renúncias que faço com toda a alma. Daqui, só se pode falar com toda alma. Venho lhes apresentar a minha renúncia como Libertador. [...] Quero viver como se vive na História - com a luz da verdade. Dessas alturas, e já livre do barro mortal, que na terra envolve o espírito, vejo que esse título de Libertador que gravei com a espada na carne de cinco nações pesa hoje sobre o meu ser perene e o impede de se elevar com toda sua estatura sobre o fundo real das coisas verdadeiras. Não. Eu não sou o Libertador, e nem o fui jamais. [...] Fui ambicioso; e para satisfazer a minha ambição, não vacilei em extraviar, apenas seca a sua tinta, as constituições que jurara respeitar; nem me tremeu a mão ao esvaziar os lugares de sua juventude pelo recrutamento forçado e nem ao desolar campos e cidades com os horrores da guerra. Cruzei os Andes sob uma hecatombe e tomei Guayaquil sobre outra. [...] Verdade, mil vezes verdade que não os libertei. A essência da liberdade apoia-se precisamente no fato de que ninguém pode libertar a ninguém mais do que a si mesmo. Mas, é verdade também que, quando os dizia ser vosso Libertador, eu acreditava sinceramente. Porque havia chegado o momento em que a História exigia a vossa emancipação, e tanto a terra como o sangue e o espírito clamavam por vossa separação da Espanha. Fazia falta o homem. E o homem fui eu. Quem me designou para aquele destino histórico? Minha ambição (MADARIAGA, 1953MADARIAGA, Salvador. Bolívar: victoria y desengaño. México: Editorial Hermes , t. II, 1953. , p. 544-545).

A ambição complementava o perfil apresentado. Apoiado na correspondência de Simón Bolívar, o juízo de Madariaga coloca em xeque a existência de traços republicano-liberais na personalidade política do caraquenho e de uma causa a mobilizá-lo. Para o biógrafo, era ele movido pelo desejo de poder. Ao subtrair a complexidade do biografado, observamos um Bolívar unívoco, guiado pela ambição de mandar. O ressentimento bolivariano é examinado por Madariaga como um sintoma do chamado ancestral. A crítica à obra da independência, apesar de reconhecida pelo biógrafo, não nascia da experiência com a guerra ou com a administração, mas da atração que o passado exercia sobre o biografado.

Em suma, Bolívar abrigava dúvidas sobre a utilidade do aparato republicano porque o que lhe interessava era apenas o mando. À medida em que os céus abstratos iam obscurecendo-se com o entardecer de sua vida, a terra ancestral lhe atraía para o passado. Suas cartas (bem lidas, são a verdadeira história de seu espírito) revelam como ia aprendendo gradualmente a sabedoria as quais muitas instituições e tradições do regime espanhol zelavam (MADARIAGA, 1953MADARIAGA, Salvador. Bolívar: victoria y desengaño. México: Editorial Hermes , t. II, 1953. , p. 491).

Madariaga não compreendeu o ressentimento bolivariano e, considerando o lugar fronteiriço do gênero biográfico, poderia tê-lo feito. Contudo, não o compreendeu porque sequer lhe deu crédito10 10 Muitas esperanças foram depositadas na escritura biográfica de Madariaga: “Faltava ainda uma biografia que conseguisse conciliar a interpretação erudita mais objetiva possível da figura histórica às exigências da “visão oficial” da realidade bolivariana. Este foi, inicialmente, o propósito que deveria cumprir a obra de Salvador de Madariaga (1866-1978), no começo da década de 1940. Madariaga era espanhol, mas sua vocação democrática, sua oposição ao regime franquista e sua inegável estatura intelectual pareciam garantir um resultado à altura das esperanças” (HARWICH, 2003, p. 17). . Preferiu imputar a Simón Bolívar uma ambição desmedida, tecendo o perfil de um homem público constantemente vigilante. Ao seguir este caminho, apreendeu o projeto de memória do epistolário e o transferiu para a biografia. Cedeu ao roteiro de Simón Bolívar, que se esforçara para ser tomado como homem público vigilante. Na medida em que o Bolívar de Madariaga mostra-se movido tão somente por ambição e, para protegê-la, calculava e previa seus atos, o biógrafo empresta ao biografado onisciência. Assim, de maneira tortuosa, encontrava-se a biografia com o culto, mesmo que a esse pretendesse se antepor. Sobre a aproximação de Simón Bolívar às “instituições e tradições” pelas quais zelavam o regime espanhol, a orientação narrativa evidencia-se: não se tratava de refletir sobre a complexidade identitária da elite criolla, mas de apresentar a vitória do projeto civilizador da metrópole. A despeito da rebelião de um de seus filhos caros, esse mesmo filho confessava dever sua formação à pátria-mãe, a Espanha. Assim, a morte aproximava Bolívar da “verdadeira sabedoria”, atraindo-o para a terra ancestral e para o passado (colonizador)11 11 Não é casual que, ainda no epílogo, Salvador de Madariaga refira-se a uma trilogia de protagonistas do Novo Mundo. Apesar do tom crítico, atribui-se, por meio das palavras de um Bolívar arrependido, preponderância aos seguintes integrantes: “nós três fomos meros instrumentos de Algo que, nem mesmo agora, nos tem sido permitido compreender. Colombo não sabia que descobrira a América; Cortés não sabia que criara a República Mexicana; eu não sonhava que a alma, na dor do tirano Aguirre, que queimava em chamas de fogo nas planícies da Venezuela, o tiranizasse, derramando-se no mar de óleo estéril sobre seus vales outrora férteis”. (MADARIAGA, 1953, p. 545). .

Gerhard Masur também remete ao tema do culto a Bolívar. Para o biógrafo, a transfiguração12 12 Masur define transfiguração como o processo pelo qual Bolívar, anos após a morte, torna-se figura heroica inconteste, citada e louvada, de políticos a poetas. da figura bolivariana indicava que nações latino-americanas “se encontram todavia em processo de cristalização e o mito bolivariano é um elemento essencial de seu desenvolvimento” (MASUR, 1960MASUR, Gerhard. Simón Bolívar. México: Biografias Grandesa, 1960., p. 576). Incontestado o mito, as renúncias ao cargo, apesar de avaliadas como recurso político, não se atrelam à ambição pessoal. Para o alemão, mesmo após o descrédito público, Bolívar tinha atribuído a si a missão de manter unida a Grã-Colômbia. O Bolívar de Masur fez da independência hispano-americana uma empresa da liberdade (HARWICH, 2003HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografia. Iberoamericana, [S.I.], v. 3, n.º 10, p. 7-22, 2003.), projetando-se para o futuro como defensor do pan-americanismo. Masur admite o ressentimento bolivariano, representando-o por meio da “melancolia” e da “via-crúcis”.

A diferença entre os biógrafos e suas narrativas pode ser capturada por meio de duas perguntas: o ressentimento é um dado considerado? Como foram valorados os antagonismos que rondavam Bolívar? A resposta a cada uma delas revela a medida das concessões feitas à persona biográfica. Em nossa interpretação, comparativamente, o Bolívar de Masur é mais humano que o de Madariaga, embora a nenhum dos perfis escape a humanidade do biografado. A ambição não é ignorada por Masur, porém, ao contrário de tomá-la como resultado do cálculo político, ele a utiliza para ressaltar os antagonismos que cercavam seu personagem. Importa-lhe sublinhar a resistência às adversidades para a efetivação do projeto de unidade.

Bolívar tinha dito em várias ocasiões que a América do Sul só podia ser governada por um déspota astuto, mas que ele não queria se encarregar da missão. Sendo assim, por que não sacrificava em um altar essa crença, ou por que não seguia San Martín e retirava-se para um exílio voluntário? A resposta deve-se buscar no fundo da personalidade do Libertador: durante dezesseis anos lutou contra dificuldades insuperáveis. A derrota, as privações, o exílio, não tinham conseguido dobrar sua indômita vontade. Com a mesma invencível tenacidade aferrava-se agora às oscilantes colunas da República da Colômbia. Sua glória estava em jogo e não podia decidir renunciar a ela. Não podia permitir que nenhum ser humano destruísse sua visão de uma futura grandeza para a América do Sul. Se Bolívar tivesse renunciado em 1827, ter-se-ia poupado de uma infinita amargura de espírito, mas seu temperamento não teria tolerado jamais que se apartasse da participação na história de seu país; não era homem para viver como um aristocrata ocioso. À felicidade pessoal somente podia acompanhar a grandeza histórica e Bolívar iniciou sua via-crúcis (MASUR, 1960MASUR, Gerhard. Simón Bolívar. México: Biografias Grandesa, 1960., p. 519).

Se Gerhard Masur registra a humanidade de seu personagem, também o retira de seu tempo. Retirá-lo de seu tempo é um anacronismo necessário, pois é preciso trazer a discussão acerca da unidade americana, adequando-a aos valores da Guerra Fria. Essas são as opções narrativas de Masur: de um lado, antepõe-se ao culto, distanciando-se da genialidade de Simón Bolívar; de outro, o afirma, concentrando na figura do general a elaboração e a realização do projeto de unidade. Masur torna Simón Bolívar uma espécie de embaixador da causa pan-americana. Termina sua narrativa fazendo referência ao que denomina “testamento político de Simón Bolívar”. Nele, o venezuelano afirmava que a sua missão fora restrita: realizar a independência da América Hispânica. Da afirmação emerge a conclusão: deveriam esses povos passar por muitos estágios até alcançarem, após prolongada e amarga agonia, a condição de estados de uma grande república, a América (MASUR, 1960MASUR, Gerhard. Simón Bolívar. México: Biografias Grandesa, 1960., p. 519).

Compreender a relação entre a narrativa biográfica e o culto exige matizar o entusiasmo de Gerhard Masur. Para levar adiante os planos para a Grã-Colômbia, Bolívar contou com a cumplicidade de um grupo, razão pela qual é preciso perguntar: de que modo alcançou legitimidade para se investir como porta-voz de tal projeto? Bolívar teve em torno de si os generais que compunham a elite militar e política das repúblicas recém-fundadas. Compartilhar um projeto político concedia solidez ao grupo e a unidade americana funcionava como tema central, em meio às guerras e às ameaças de recolonização. Ajuizar que apenas Bolívar fora o responsável pela unidade da Grã-Colômbia (1819-1830) é obscurecer a participação ativa de um grupo que atuou como sustentáculo do processo de implantação e consolidação de tal projeto. Francisco de Paula Santander, vice-presidente da Grã-Colômbia, fora o braço executivo da República durante todo o tempo em que Bolívar se dedicara à campanha no Sul. Embora tenha sido contrário à unidade, a assegurou durante o período das guerras de independência, patrocinando a “empresa da liberdade” de Bolívar. Portanto, que se entenda o que está em jogo na narrativa: se a unidade era apenas fruto da vontade indômita de Simón Bolívar, a mortalidade da liderança criava um problema para o continente; sua morte selaria o futuro infeliz da América, marcado pelos conflitos oligárquicos. Seguindo esse raciocínio, melhor seria que o general fosse indispensável. Nessa leitura reside o patrocínio do culto. Poderia ser muita coincidência o fato de a interpretação sustentadora do culto encontrar-se com a narrativa elaborada pelo missivista - entretanto, não há coincidência alguma. Influência decisiva, o roteiro bolivariano abre os caminhos biográficos, demonstrando que a relação entre o arquivamento e o gerenciamento da memória é concreta e profícua.

2. Arquivamento e lugares de memória: Jefferson cultivando-se

Assim como Bolívar, Jefferson deixou à posteridade uma interpretação de si. No caso do advogado de Virgínia, não foi a indispensabilidade o elemento a afirmar seu perfil, mas, sim, sua ação revolucionária na história. Sob vários aspectos, a preocupação com o porvir tomou Jefferson mais obsessivamente do que havia feito com o venezuelano, gerando um conjunto ainda maior de memórias arquivadas.

Quando voltou para sua cidade natal, em 1768, após o período de formação em direito na Will & Mary College, Jefferson deu início à construção de sua nova morada, Monticello. Durante quarenta anos, empreenderia esforços para erguer uma mansão no alto de uma colina em Charlottesville. Monticello enquadra-se à expressão “lugar de memória” (NORA, 2003NORA, Pierre. Entre Memória e História - A problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. Projeto História: revista do programa de pós-graduação do Departamento de História da PUC, São Paulo, v. 10, p. 7-28, dez. 2003. ), pois, conforme indicou Merril Peterson (1998, p. 380)PETERSON, Merril. The Jeffersonian Image in the American Mind. Charlottesville: University of Virgínia Press, 1998., “sobre Jefferson, mais do que qualquer outro americano famoso, pode-se dizer que a história íntima deste homem era a história de sua casa”. Isso é correto, primeiramente, em razão de sua planta original e reformas terem sido projetadas pelo próprio Thomas Jefferson. Inspirado nos Quatro Livros da Arquitetura de Andrea Palladio, idealizou as colunas romanas que sustentam a entrada Oeste do prédio principal. Nos desenhos dos cômodos, incluiu lembranças e fez que o espaço atendesse a seus gostos e hábitos. Em seu quarto, por exemplo, construiu uma cama entre as paredes que guardavam as estantes com seus livros, atestando sua paixão pela leitura. No mesmo local, foram colocadas sua escrivaninha, lunetas e outras invenções, que deviam remeter ao homem de ciência. O cômodo tornou-se uma mistura peculiar de escritório, biblioteca e dormitório. A decoração também chama atenção em Monticello. Logo no salão da entrada Oeste, contempla-se a cópia de um busto de Alexander Hamilton, esculpido pelo italiano Giuseppe Ceracchi, em 1794. Aos poucos, avançando para o hall de entrada, outros semblantes capitais, em forma de quadros ou esculturas, vão surgindo para fazer companhia ao Primeiro Secretário do Tesouro. Esta é uma coleção intencionalmente reunida, ao longo da vida; afinal, Thomas Jefferson, ao se dar conta da fama,

começou a colecionar retratos e bustos daqueles que ele passou a chamar de “americanos dignos”. Antes de deixar os Estados Unidos, com destino à França em 1784, contratou o artista da Filadélfia, Joseph Wright, para pintar um retrato de George Washington; chegando à França, obteve um busto de Benjamin Franklin feito por Houdon e adquiriu outro busto de John Paul Jones, também de Houdon (WOOD, 2006WOOD, Gordon. Revolutionary Characters: What Made the Founders Different. NY: Penguin Press, 2006., p. 9).

Estão dispostos no hall, um busto esculpido por Houdon e uma pintura de Jefferson, da safra de Rembrandt Peale, elaborada em 1805, quando o dono da mansão ocupava o cargo de presidente dos EUA. Por todo o restante da casa, os próceres da nação, selecionados por Jefferson e imortalizados por artistas, acompanham o visitante. A coleção de Monticello reforça a conclusão de Wood a respeito da ciência de Jefferson acerca de seu lugar na história: “Seu propósito, ele disse, era ‘adicioná-los aos de outros personagens americanos principais que eu tenho ou terei’” (WOOD, 2006WOOD, Gordon. Revolutionary Characters: What Made the Founders Different. NY: Penguin Press, 2006., p. 9). Por isso, cuidou de perpetuar os nomes daqueles que, juntamente com ele, eram dignos de ser lembrados.

A distinção entre as culturas políticas ibérica e saxã reflete no modo em que cada qual consagra suas lideranças, portanto, pais fundadores e heróis são arquétipos singulares entre si. O mesmo ocorre com a percepção do grupo, os generais libertadores e os pais fundadores. Simón Bolívar hierarquizou o grupo de líderes da independência, colocando-se acima de todos, era ele o “homem das dificuldades”; a cultura heroica exige uma liderança insubstituível - o “Libertador”. Jefferson, pelo que sugere a galeria da mansão, acolhe os pais fundadores em sua vida íntima. Agindo como colecionador, não hierarquiza, antes, coloca, lado a lado, os ilustres e dignos americanos, mesmo que rivais em vida. Nessa apropriação, uma figura reforça a outra, afirmando a relevância de cada um no interior do grupo. O plural, por sua vez, anuncia uma concepção horizontal; são esses homens os “Pais fundadores”. Portanto, caminhar pelos salões da mansão é percorrer a história americana, toda ela insertada pelo próprio Jefferson.

Jefferson era conhecido por seus cadernos de anotações acerca dos mais variados assuntos, desde excertos de textos acadêmicos de direito ou de grandes nomes da literatura até a nomenclatura de plantas e frutos (WILSON, 1985WILSON, Douglas L. Thomas Jefferson’s Early Notebooks. The William and Mary Quarterly , v. 42, nº. 4, p. 433-452, out. 1985., p. 433-452). Os anos como secretário de Estado não escaparam à sua pena; observações acerca da sua rotina de trabalho resultaram em mais cadernos de notas. Em 1818, em The Jefferson Anas, ele organizou essas anotações juntamente com outras do período em que foi vice e presidente dos EUA. Logo na apresentação do livro, aos setenta e cinco anos de idade, Jefferson evidenciaria sua intenção, ao concentrar-se na narrativa dos anos em que serviu ao governo de George Washington. Ao descrever a importância daquela publicação, anuncia que nela poderiam ser encontrados seus conselhos ao Presidente, a fim de que a sua versão fosse confrontada com os eventos históricos de então, na busca pela verdade, mas, principalmente, “em prol de minha memória” (JEFFERSON, apudSAWVEL, 1903SAWVEL, Franklin B (ed.). The complete anas of Thomas Jefferson. NY, Round Table Press, 1903.).

A preocupação com seu perfil voltaria a cobrar-lhe ação três anos mais tarde. Em 1821, deu início à autobiografia, Memoir, correspondence, and miscellanies, from the papers of Thomas Jefferson, publicada com esse título pelo neto, Thomas Jefferson Randolph, em 1829. Essa escrita autorreferencial narra os eventos entre os Congressos Continentais, nos anos de 1774 a 1776, até seu retorno da França, em 1789. Com tal recorte temporal, cobre um período de sua vida pública omitido em The Jefferson Anas (1791-1809). Nas linhas deixadas à posteridade, Jefferson relevou acontecimentos polêmicos de sua trajetória, como os anos em que governou a Virgínia, abandonando o cargo no meio do mandato. Contudo, como Bolívar, que deixou seu epistolário repleto de escusas e senões, o americano devotou-se a produzir justificativas sobre pontos importantes e controversos pelo qual temia ser mal interpretado no futuro. Nesse quesito, surge a temática da escravidão. Como se sabe, Jefferson morreria escravocrata; ao contrário de Washington, escolheu não libertar os escravizados, em testamento. Apenas alguns criados mais próximos seriam libertados; entre eles, seus filhos ilegítimos (SCHWABACH, 2010SCHWABACH, Aaron. Thomas Jefferson, Slavery, and Slaves. Thomas Jefferson Law Review, v. 33:1, p. 1-60, 2010.). Porém, em sua autobiografia, fez questão de lembrar das leis que propôs à Assembleia da Virgínia, logo após a independência, quando defendeu o fim da escravidão, sendo voto vencido. A versão original da Declaração de Independência foi mencionada, com destaque à condenação ao tráfico de escravos, reproduzida no documento, mas retirada da versão final, aprovada em 4 de julho. Também ressaltou os aspectos positivos de sua vida, como a defesa da liberdade religiosa, dos investimentos públicos na educação e de seu papel como figura revolucionária, não apenas na América, mas sobretudo na França (VENTURINI, 2017VENTURINI, Mayara. A Escrita Autobiográfica de Thomas Jefferson: um projeto de representações de si. Dissertação (Mestrado) - Unesp, Franca, 2017.).

O arquivamento e a necessidade de controlar futuros mal-entendidos tornaram-se uma obsessão para Jefferson nos momentos finais de sua vida e transcenderam sua própria existência física. Para não haver dúvidas sobre como gostaria de ser lembrado, antes de morrer, fez um último desenho, a lápide de seu túmulo. Nela, deveriam conter as seguintes palavras: “aqui jaz Thomas Jefferson, autor da Declaração de Independência Americana, do Estatuto pela Liberdade religiosa da Virgínia e Pai/criador da Universidade da Virgínia”. Nesse último esboço, a exemplo do que ressaltara em sua autobiografia, a revolução, a liberdade e a educação mereceram sua atenção.

2.1. Da autobiografia às biografias: o enigma da esfinge

A autobiografia de Jefferson seguiria como a única versão pública de sua trajetória até 1874, quando James Parton lançou The Life of Thomas Jefferson: Third President of the United States. Se temia por sua imagem depois da morte13 13 Pouco menos de cinco meses antes de seu falecimento, próximo de completar oitenta e três anos de idade, Jefferson escreveu ao seu principal destinatário de missivas, James Madison. Pedia duas coisas ao amigo: “cuide de mim quando eu estiver morto, e se assegure de que eu tenha deixado com você as minhas últimas afeições”. (JEFFERSON, 1826) , a fortuna não poderia ter sido mais generosa com a escolha de seu primeiro biógrafo. Parton é considerado o pai da biografia moderna nos EUA, responsável por escrever os primeiros retratos biográficos de ilustres da história americana - como Aaron Burr, Benjamin Franklin e Andrew Jackson - e mundial - como Voltaire. Jornalista renomado, adepto ao livre pensamento e reconhecido entre os pares pela versatilidade, Parton escrevia para periódicos como o New York Illustrated News, o Atlantic Monthly e o New York Ledger. Segundo Milton Flower (1951)FLOWER, Milton. James Parton: The Father of Modern Biography. Durham, N. C.: Duke University Press, 1951., foi o primeiro jornalista a viver dos rendimentos de seus escritos, sendo os artigos mais rentáveis do que os livros. Apesar disso, obteve sucesso com algumas de suas biografias, como a de Horace Greeley (1855), que vendeu vinte e oito mil cópias em seis meses, e a de Aaron Burr (1858), que atingiu dezesseis reimpressões em cinco anos. Entre as biografias dedicadas a personagens americanos, a de Jefferson foi a última escrita por Parton. Depois dela, apenas apareceria a de Voltaire, em 1881. Talvez, a mudança na nacionalidade de seus biografados tenha sido uma resposta ao fracasso do livro acerca de Jefferson, mal recebido pela crítica e com baixa vendagem.

The Life of Thomas Jefferson foi publicada como conteúdo inédito em The Atlantic Monthly e ganhou, mais tarde, uma versão em formato de livro, com 764 páginas e 78 capítulos14 14 Não é possível precisar se tais textos apareciam no corpo do semanário ou em forma de suplemento. Entretanto, é possível encontrar alguns textos “originais”, que, depois, comporiam a biografia redigida por Parton. Para uma pesquisa, acessar: <https://www.theatlantic.com/author/james-parton/>. . Os capítulos são breves, mantendo o formato original, e abordam todos os períodos da vida de Jefferson, desde a união matrimonial de seus pais aos seus últimos dias. No prefácio à biografia, Parton revela a intenção de que essa fosse bem menor, porém, o desejo de que um número massivo de leitores tivesse informações a respeito da vida de Jefferson e sua época fez que as páginas abundassem. O acesso massivo se justificava, ainda segundo o biógrafo, por Jefferson ser um personagem fundamental para entender o momento pelo qual o país passava, quase uma década após o fim da Guerra Civil (1861-65). Conforme escreveu: “a melhor chance que a América republicana possui é uma adesão à linha geral da política da qual ele foi a personificação. Se Jefferson estava errado, a América está errada. Se a América está certa, Jefferson estava certo” (PARTON, 1883PARTON, James. The Life of Thomas Jefferson: Third President of the United States. Ed. 17. Boston/Cambridge: Houghton, Mifflin and Co/The Riverside Press, 1883., p. 3).

No momento em que a tragédia da guerra ainda assolava a alma dos americanos, Jefferson seria, ao mesmo tempo, guia e mentor, fornecendo clareza acerca das razões do fracasso e caminho para superação. Se, por um lado, o partido construído por ele instaurara a rebelião que dividiu o país, por outro, seus princípios trariam uma nova era de esperança ao povo. Isso dar-se-ia, segundo Parton, por meio de “um governo simples, barato e forte, que proteja todos os direitos, inclusive os da posteridade, em que todos os interesses estejam sob controle, não assumindo protagonismos, exceto aqueles que a constituição designa de forma incisiva” (PARTON, 1883PARTON, James. The Life of Thomas Jefferson: Third President of the United States. Ed. 17. Boston/Cambridge: Houghton, Mifflin and Co/The Riverside Press, 1883., p. 4). Fiel aos princípios que nomeia, a jornada do biógrafo resume-se à busca pelo Jefferson supostamente original: um sujeito gentil, bom marido, de qualidades físicas invejáveis e fácil trato com as pessoas. No campo do pensamento, caracteriza um homem capaz de aprender com os franceses como usar a razão pura. A superação dos dilemas da sociedade incitava tal uso, posto que conduziria a uma organização política em que os reis e a aristocracia seriam suplantados pela virtude e soberania do povo. Em suas palavras: “Jefferson possuía aquilo que faz a glória e a esperança da América mais do que qualquer outra criatura viva por nós conhecida” (PARTON, 1883PARTON, James. The Life of Thomas Jefferson: Third President of the United States. Ed. 17. Boston/Cambridge: Houghton, Mifflin and Co/The Riverside Press, 1883., p. 340).

É verdade que a biografia não expõe um homem infalível, porém, mesmo os defeitos abrem espaço para o autocontrole e uso da razão como forma de superar as tentações instintivas. Igualmente, as polêmicas de Jefferson não deixam de ser abordadas, dos embates às difamações públicas sofridas ao longo dos anos dedicados à política. Para Parton (1883, p. 733)PARTON, James. The Life of Thomas Jefferson: Third President of the United States. Ed. 17. Boston/Cambridge: Houghton, Mifflin and Co/The Riverside Press, 1883., “seus caluniadores [...] não o estavam atacando, mas a um ser inexistente, de suas próprias imaginações, a quem deram o nome de Thomas Jefferson”. Parton advoga em favor do biografado aproveitando as contendas para valorizar os ideais de Jefferson. Ao mesmo tempo, insere na narrativa a depreciação aos desafetos, foi o caso de Alexander Hamilton, descrito como excessivamente britânico, amante de monarquias, de pouco preparo intelectual e militarista; em suma: “um homem cuja história [...] foi um tecido de maquinações contra a liberdade de um país que não só o acolheu e lhe deu pão, mas o cobriu de honras” (PARTON, 1883PARTON, James. The Life of Thomas Jefferson: Third President of the United States. Ed. 17. Boston/Cambridge: Houghton, Mifflin and Co/The Riverside Press, 1883., p. 450). Tais características em Hamilton funcionavam como espelho: a imagem reversa fazia brilhar as virtudes de Jefferson, defensor das liberdades individuais15 15 Assim procedeu Francisco de Paula Santander em suas memórias, Apuntamientos para las memórias sobre Colombia y la Nueva Granada por el General Santander (1869), quando elegeu Simón Bolívar como sua “persona espelho”, afirmando, inclusive, valores partilhados pela comunidade de generais independentistas. Ver: (FREDRIGO, 2017). .

A imagem exemplar em The Thomas Jefferson Life não passou despercebida. Em uma longa resenha, escrita em abril de 1874 para a The North America Review, F.S.16 16 O autor é desconhecido, tendo se identificado apenas pelas iniciais F.S. denunciava a condescendência com que Parton apresentava Jefferson. Destacava que o biógrafo se esquivava das controvérsias, tais como “Black Sally”17 17 “Black Sally” diz respeito às acusações, feitas pelos concorrentes de Jefferson nas eleições de 1800, de que o candidato da Virgínia possuía relações conjugais com uma de suas escravas, Sally Hemmings. O tema será abordado adiante. e o “ateísmo”. Em tom conclusivo, afirmava que “esse tipo de crítica histórica não é muito lisonjeiro para a inteligência e a cultura dos leitores de Parton” (FS, 1874, p. 407). Entretanto, o resenhista não se opunha apenas à imagem imaculada de Jefferson. Considerando as tensões geradas pela Guerra Civil e o período de Reconstrução, é possível supor que a resenha pretendia expressar valores e objetivos políticos opostos àqueles nomeados por Parton. Mais do que uma crítica acadêmica à biografia, F.S. expunha uma visão contemporânea da América. Para ele, em Jefferson não residiriam as esperanças da nação, uma vez que a própria Guerra de Secessão integrava seu legado: “Jefferson é o autor das Resoluções de Kentucky, ‘a declaração de direitos da anulação’, como Calhoun as chamou, e, podemos acrescentar, da própria Secessão. Jefferson Davis apenas levou a cabo as doutrinas de seu homônimo” (FS, 1874, 410). Mencionar o líder dos confederados e o terceiro presidente dos EUA em sequência, usando a coincidência de serem homônimos, fortalece o vínculo entre Thomas Jefferson e os ideais separatistas. O debate a propósito da biografia de Parton sugere a centralidade de Jefferson à reconfiguração da política nacional e à reorganização de seu partido, o Partido Democrata18 18 O partido fundado por Jefferson foi o Partido Democrata Republicano, em 1793. Décadas depois, reorganizado por Andrew Jackson, passou a se chamar partido democrata. , tido como principal causador da contenda. Ao mesmo tempo, expõe a dissonância, colocando o legado jeffersoniano em disputa e produzindo versões conflituosas em torno de sua memória.

Apesar do pouco sucesso de crítica e público nos Estados Unidos, a interpretação referente ao lugar de Jefferson na cultura americana prevaleceu; era este Pai fundador à “consciência e razão da América”. Conforme ilustrou Gordon Wood (2006, p. 94)WOOD, Gordon. Revolutionary Characters: What Made the Founders Different. NY: Penguin Press, 2006., “a maioria dos americanos pensa de Jefferson o mesmo que o seu primeiro biógrafo profissional, James Parton, pensou. ‘Se Jefferson estava errado’, [...] ‘a América está errada’. ‘Se a América está certa, Jefferson estava certo’”. Portanto, as ambiguidades e o pensamento controvertido de Jefferson confundem-se com os dilemas da América. A terra das oportunidades e da liberdade é a mesma da segregação racial, assim como Jefferson é o redator da Declaração de Independência e o escravocrata que não liberta seus cativos no testamento. Por isso mesmo, há uma (ainda) insuperável associação entre a história americana e o perfil de Thomas Jefferson: sua imagem sofre alterações consoantes às interpretações acerca da história nacional. Conforme destacou Petsy Erkkila (2007, p. 277)ERKKILA, Betsy. Radical Jefferson. American Quarterly, v. 59, nº. 2, p. 277-289, jun. 2007., “muitos estudiosos de esquerda têm-se dedicado desde os anos 1970 a criticar Jefferson por seu racismo, sexismo e expansionismo”. Antes mesmo, na década anterior, apareceram os primeiros trabalhos a realizar esta tarefa: em 1961, Slavery and Jeffersonian Virginia de Robert McColley; em 1963, Jefferson and Civil Liberties: The Darker Side de Leonard Levy’s. Enquanto o enfoque do primeiro era, primordialmente, o paradoxo entre escravidão e liberdade, denunciando um Jefferson apologista da superioridade branca, característica manifesta inclusive em seus atos públicos; o segundo atacava aspectos mais amplos do comportamento político do presidente, demonstrando como seu pragmatismo o transformou em um personagem arrogante, favorável à perseguição partidária e pouco afeito ao desenvolvimento das liberdades cívicas. Ambos os livros se inserem na circunstância em que a luta pelos direitos civis reivindicava lugar aos negros e às mulheres na História dos Estados Unidos, trazendo-os para o centro da memória histórica nacional. Resultariam dessa movimentação novas interpretações relativas à Guerra Civil - asseverando que o fim da escravidão não trouxera consigo a igualdade étnica (MARTIN, 2006MARTIN, André. Guerra de Secessão. In: MAGNOLI, Demétrio (org). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2006, p. 219 -251.) - e a expansão para o Oeste - considerando o papel de indígenas, negros e mulheres para o sucesso da empreitada e o massacre promovido à época contra as populações nativas (ÁVILA, 2005ÁVILA, Arthur. Oeste historiográfico norte-americano: a Frontier Thesis vs. a New Western History. Anos 90, Porto Alegre, v. 12, n.º 21/22, p. 369-413, 2005.). Durante essas décadas, para conseguir espaço nas estantes das bibliotecas e livrarias, a imagem de Jefferson ampara-se em seus erros; e, consequentemente, nos erros da América.

A polêmica acadêmica torna pertinente examinar a aclamada biografia produzida por Dumas Malone, Thomas Jefferson and His Time. Dividida em seis tomos e dona de três mil páginas, o intervalo de trinta e três anos separa a publicação dos volumes primeiro (1948) e sexto (1981). Monumental esforço analítico e volumosa documentação (livros, cartas, documentos oficiais, diários, relatos, entre outros) conferem reconhecimento público ao biógrafo. Jefferson the President: Second Term, 1805-1809 (1974), o quinto volume, levaria o prêmio Pulitzer. Além da magnitude, essa biografia interpõe-se justamente no momento de transição da imagem de Jefferson, quando se revelava sua face obscura. Malone não cedeu ao elogio fácil, mantendo sua pesquisa distante das tendências do mainstream universitário. Até por isso, converteu-se em um game changer no universo das biografias de Jefferson, devido a sua obra ser fonte de intermináveis citações. Conforme Merril Peterson (1988, p. 237)PETERSON, Merril. The Jeffersonian Image in the American Mind. Charlottesville: University of Virgínia Press, 1998., “o trabalho de Malone está destinado a ter uma influência duradoura na maneira como as pessoas pensam sobre Jefferson e seu tempo, e provavelmente continuará sendo a biografia autorizada de seu assunto para as próximas gerações”. Ao contrário de James Parton, Malone era historiador profissional, formado em letras e com um doutorado em teologia pela Universidade de Yale. Após servir na Primeira Guerra Mundial, retornou aos EUA disposto a estudar história, obtendo seu doutorado em 1923 pela mesma universidade, onde também assumiu cargo de professor. Seu interesse por Jefferson manteve-se ao longo de sua trajetória, tendo participado da organização e edição de alguns livros a respeito do terceiro presidente dos EUA, quando ocupou o cargo de editor-chefe da Harvard University Press. Porém, a sua “jornada com o Sr. Jefferson”19 19 Título de um livro de memória inconcluso, escrito por Malone (Cf. PETERSON, 1988). teria início oficial em 1945, ao assumir posto de professor em Columbia. Com tempo para a pesquisa e alunos sob sua orientação, deu forma ao primeiro volume da biografia de Jefferson, Jefferson the Virginian, de 1948. Distintamente de Parton, o livro teve sucesso de vendas e crítica.

No primeiro volume, Malone anunciou o desafio do trabalho: ser facilmente “compreendido, relacionando a carreira de Jefferson à sua idade, sendo fiel à sua própria cronologia” (MALONE, 1948MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: Jefferson the Virginian. Boston: Little, Brown and Company, 1948. (v. 1), p.10). A deferência do biógrafo à cronologia estabelecida por seu biografado induz ao raciocínio de que os fios narrativos deixados soltos por Jefferson seriam, então, amarrados pela ação do intérprete. Ao entrar em estado de alerta para observar esta complexa operação narrativa, foi possível concluir que, como Bolívar, Jefferson aposta e convence os futuros redatores de sua trajetória. Apesar de toda acuidade, Malone foi fisgado pelo roteiro pré-estabelecido por Jefferson - também aqui o projeto de memória se viu reforçado. A obsessão do professor de Columbia - realizar o casamento perfeito entre a biografia e a história - nascia da interpretação de que um sujeito multifacetado como Thomas Jefferson, o “Leonardo Americano”, apenas seria compreendido se seu perfil fosse submetido aos “fatos”. Essa premissa resultou em seis volumes; a princípio, seriam quatro. Os anos de Jefferson como presidente ganharam dois tomos, um para cada mandato.

Na obra de Malone, Jefferson não é um personagem ambíguo, mas complexo. Embora suas contradições estejam expostas na biografia, seu pensamento não é tomado uniformemente. Sua intenção era a de apresentar Jefferson não “como uma personalidade estática, um retrato na parede, mas como um homem vivo, em crescimento, mutável - sempre a mesma pessoa, mas nunca a mesma coisa” (MALONE, 1948MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: Jefferson the Virginian. Boston: Little, Brown and Company, 1948. (v. 1), p. 10). Nesse sentido, a mudança de pensamento de Jefferson não era resultado de mau-caratismo, e nisso Dumas Malone acreditava, mas de praticidade e capacidade de reconhecer quando uma ideia não lograria resultado20 20 Essa perspectiva vai sendo evidenciada e reforçada, durante a escrita dos tomos. Quando Malone analisa o respeito de Jefferson à doutrina dos Direitos Naturais, ele menciona que “além de ser um pensador honesto, ele era prático; e durante os anos em que formulava seu próprio ideário, ele considerou as características e os méritos das várias formas de governo”. (MALONE, 1948, p. 176) . No entanto, nada do que foi dito implica que Malone não tivesse um juízo a respeito de Jefferson. Se fosse definida a imagem legada por seu biógrafo, ao final dos seis volumes, seria a do defensor da liberdade. Em suas palavras, a liberdade era a principal preocupação de Jefferson “e sua maior ênfase estava na liberdade do espírito e da mente” (MALONE, 1948MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: Jefferson the Virginian. Boston: Little, Brown and Company, 1948. (v. 1), p. 9-10). Como explica Peterson, “Malone nunca poderia separar sua escrita do sentimento patriótico sobre seu país. Ele acreditava na grandeza americana, na grandeza dos grandes homens, acima de tudo na grandeza da ‘grande geração’ da Virgínia” (PETERSON, 1988PETERSON, Merril. Dumas Malone: An Appreciation. The William and Mary Quarterly, Third Series, v. 45, nº. 2, p. 237-252, abr.1988., p. 248). Assim mesmo, críticas e assuntos polêmicos estão todos incluídos na obra. Diferentemente do que fizera Parton, a acusação de que o presidente possuía um caso com uma de suas escravas, Sally Hemmings, aparece no quarto volume de Malone, Jefferson the President: First Term, 1801-1805 (1970), mesmo que em forma de apêndice. Apesar de tratar o caso como lenda, não o omite. Do mesmo modo, ao contrário do que havia feito o próprio Jefferson, não se esquece de inserir os anos em que ele esteve à frente do governo da Virgínia, desempenhando a função de maneira desastrosa.

Encontrou-se a mesma complexidade no volume três, Jefferson and the Ordeal of Liberty (1962), que demorou onze anos para ficar pronto. Nele, acompanharam-se os acontecimentos do período em que o futuro presidente dos EUA deixara o posto de secretário de Washington, envolvendo-se em desavenças com Alexander Hamilton, fato que levaria à formação de seu próprio partido político. Da longa trajetória de Jefferson, para Dumas Malone, esse era o momento em que o personagem não se adequava à trama, circunstância em que Jefferson mais fugiu a seus princípios. Para ele, a chave para entender essa inadequação era Hamilton. Assim como Parton, Malone apresenta Hamilton como um “gênio do mal”, capaz de despertar em Jefferson seus sentimentos mais selvagens. Porém, ao expor essa contenda, Malone nem sempre tomou o partido de Jefferson ou buscou, como fizera Parton, representá-lo por uma imagem invertida (virtuosa), criando um jogo de espelho. Por exemplo, no imbróglio envolvendo a formação do Banco Central, retratado no volume dois, Malone entendeu que Hamilton estava do lado “certo” da história (MALONE, 1951MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: The Rigths of Man. Boston: Little, Brown and Company , 1951. (v. 2), p. 337-351).

Ao apresentar um personagem multifacetado, obedecendo à sua própria cronologia, Malone inaugurou uma interpretação complexa de Thomas Jefferson, tornando-a modelo. A partir de então, essa passaria a ser a forma de se dirigir ao autor da Declaração de Independência. No entanto, a abordagem mantinha o enlace entre a vida do biografado e a identidade dos EUA; Malone enfrentou essa dificuldade e a compreendeu como um dilema:

[...] se a história de Jefferson simplesmente se fundisse com a história do país, obviamente, não seria mais uma biografia. Malone estava bem ciente do problema, especialmente nos volumes intermediários de Jefferson and His Time. Idealmente, ele disse, empregando a música como sua metáfora favorita, a biografia de um homem público não deveria ser uma performance solo nem uma sinfonia orquestral, mas um concerto (PETERSON, 1988PETERSON, Merril. Dumas Malone: An Appreciation. The William and Mary Quarterly, Third Series, v. 45, nº. 2, p. 237-252, abr.1988., p. 247).

Entre as biografias a respeito de Jefferson que encerram o século XX, a que melhor aborda a simbiose entre sua vida e a história dos EUA é America Sphinx: the character of Thomas Jefferson, de Joseph Ellis, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998.. Das que foram consultadas, é a menor, com 480 páginas. Como o livro de Parton, encerra-se em um volume, porém, distintamente das duas outras biografias, não pretende cobrir todos os detalhes da vida. Por esse motivo, o biógrafo seleciona, a seu critério, os eventos que envolviam Jefferson: o Segundo Congresso Continental; os anos em que atuou como embaixador em Paris; a organização do partido político; o primeiro mandato como presidente; o retorno a Monticello. O segredo do livro encontra-se no título sugestivo, que atribui a Jefferson papel chave na epopeia americana, similar ao da Esfinge, na tragédia grega Édipo Rei.

O prólogo, Jeffersonian Surge: America 1992-93, explica a analogia supracitada. Nele, Ellis relembra alguns acontecimentos que marcaram a comemoração dos duzentos e cinquenta anos de nascimento do personagem em questão. Começa sua narrativa passando em revista os monumentos dedicados a Jefferson, comparando-os com os erguidos em homenagem a outros personagens da Revolução Americana. Em relação ao Obelisco de George Washington, impessoal, frio, sem o semblante do homem a quem faz referência, a estátua de bronze, de quase três metros, permite contemplar um Jefferson encarnado, com rosto e corpo definidos. Abrigada por um Memorial na cidade de Washington, cujas referências neoclássicas agradariam a Jefferson, sua estátua se vê acompanhada e protegida pela Declaração de Independência, localizada às costas daquele que foi consagrado como seu autor principal. Se Washington materializa-se por meio de uma abstração, Jefferson é um homem, com semblante definido e ideias próprias, o mais humano dos Pais fundadores, o “americano qualquer” (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 5). Em seguida, Ellis menciona momentos decisivos da história dos EUA em que a personalidade de Jefferson foi evocada para restaurar a confiança nos destinos da América, assentando-a nos sólidos ensinamentos do advogado da Virgínia. Comenta a performance de Franklin D. Roosevelt, quem, espetacularmente, assinou e promulgou o New Deal, na mesma escrivaninha utilizada por Jefferson para rascunhar a Declaração de Independência (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 8). É este o documento mais admirado e respeitado pelos americanos, que transferiam a seu idealizador iguais sentimentos. Enquanto “apóstolo da liberdade”, alcunha estabelecida pelo próprio Roosevelt, “Jefferson guarda o Credo Americano neste nível inspirador, inerentemente imune ao ceticismo acadêmico e num lugar onde os americanos comuns podem se reunir para falar juntos as palavras mágicas” (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 11)21 21 As palavras mágicas aludem à famosa frase do preâmbulo da Declaração de Independência que diz: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade”. . A invulnerabilidade de Jefferson aos ataques da academia e dos historiadores podia ser constatada na forma pela qual o aniversário de seu nascimento fora celebrado. Essa leitura da comemoração levou Ellis a classificar o momento como um “surto jeffersoniano”, incomparável ao sucedido à época dos festejos dos nascimentos de Washington, Franklin e Adams (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 16). Foi justamente esse fato que o conduziu a escolher o seu próximo objeto de pesquisa, convertendo-o em livro seis anos mais tarde. Assim como Malone, Joseph Ellis é historiador de formação, com doutorado em Yale e estudos dedicados à Early America. Direcionou suas atividades para a organização de biografias: escreveu sobre John Adams, Jefferson, George Washington, Madison, Hamilton, John Jay, entre outros. Em 1993, acabara de publicar a biografia sobre Adams e, por isso, o evento em torno do nascimento de Jefferson capturou sua atenção.

Como historiador profissional que recentemente decidiu tornar Jefferson seu próximo projeto de estudos, achei isso uma visão bastante desconcertante e cheia de implicações ameaçadoras. Jefferson não era como a maioria das outras figuras históricas-mortas, esquecido e indiferentemente entregue aos historiadores, que presumidamente servem como uma espécie de guardiões da sepultura de suas memórias soterradas, com as quais ninguém realmente se importa. [...] Muitos americanos se importavam profundamente com o significado de sua memória. Ele havia se tornado a Grande Esfinge da história americana, a pedra de toque enigmática e indecifrável para as convicções mais estimadas e verdades contestadas da cultura americana. Era como se um patologista, prestes a fazer uma autópsia, tivesse descoberto que o corpo na mesa de operações ainda estava respirando (ELLIS, 1988ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 12).

Jefferson se impunha ao historiador como a esfinge de Édipo, que diz: “decifra-me ou te devoro”. Intrigava Ellis e contribuía para manter o enigma insolúvel o fato de que, ao contrário do “surto jeffersoniano” verificado junto à opinião pública, no mundo acadêmico, o movimento era oposto: “uma vez já tido como símbolo de tudo aquilo que era certo na América, Jefferson transformou-se na pedra de toque para quase tudo o que era errado” (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 18). Feita essa constatação, o autor se dirige ao debate historiográfico. Por um lado, Ellis aponta historiadores mais moderados, como Peter Onuf e Gordon Wood. Este último chegou a afirmar que o “problema de Thomas Jefferson não foram suas falhas inevitáveis, mas as nossas expectativas irrealistas” (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 22). Por outro, entre os acadêmicos mais exaltados, cita Paul Finkelman e Robert Cooley, nomeando-os, respectivamente, “chefe da ofensiva” e “estrela do espetáculo”. Enquanto um acusava Jefferson de hipocrisia, outro reivindicava-se como descendente “simbólico” de Thomas Jefferson e Sally Hemmings. Aliás, a biografia de Ellis é a primeira a confirmar a acusação dos adversários políticos de Jefferson. Desde 1974, evidências apontavam para a veracidade do envolvimento e, contrariando o que Malone escreveu em seu quarto volume, a lenda tornou-se fato histórico em 199822 22 O primeiro livro com informações históricas consistentes sobre esse relacionamento foi Thomas Jefferson: An Intimate History, de Fawn Brodie, de 1974. Em 1998, um teste de DNA pôs fim à contenda, confirmando a paternidade de Jefferson por meio da comparação genética entre seus descendentes e os membros da família Hemmings. . A ira da academia por Jefferson aprofundou-se. O próprio Ellis escreveu algumas linhas a esse respeito no prólogo:

Nós já sabíamos que Jefferson era um personagem raro que viveu a contradição central da História americana, que produziu a mais igualitária e inspiradora promessa da história moderna, mesmo vivendo sua vida entre duzentos escravos. Agora também sabemos que ele foi pai de vários filhos com uma dessas escravas, enquanto defendia que a mestiçagem racial era uma das causas principais pelas quais a escravidão dificilmente seria suprimida. Antes da evidência do DNA, podia-se razoavelmente concluir que Jefferson estava vivendo um paradoxo. Agora será difícil evitar a conclusão de que ele estava vivendo uma mentira (ELLIS, 1998ELLIS, Joseph J. American Sphinx. The Character of Thomas Jefferson. NY: Vintage Books, 1998., p. 24-25).

Como Parton e Malone, Ellis não resistiu à tentação. Ao tornar equivalentes um fato da vida de Jefferson e uma característica da história dos Estados Unidos, as identifica. Desta feita, abre espaço para questionar: se Jefferson viveu uma mentira e a história de seu país é idêntica à sua vida, a independência e a trajetória americana foram forjadas pela mentira? A sombra da escravidão foi afastada pelos Direitos Civis ou Jefferson permanece atual, demarcando as dificuldades em suprimir a questão racial na América branca de Donald Trump? O enigma de Jefferson dirige-se a quem se põe diante dele, a interrogá-lo e(ou) a decifrar sua relação com a América. O custo de desvendar a verdade pode ser o de se descobrir cúmplice de seus malfeitos; é perceber que “por detrás de uma grande fortuna, há sempre um crime”, como alertou Balzac. Considere-se também uma armadilha às gerações futuras: Jefferson cultivou a ideia de que existe algo a ser decifrado, algo escondido nas miríades da memória, capaz de redimir o homem (ele próprio) dos pecados. Seus feitos exemplares e sua vida revolucionária ofuscam as falhas humanas. Inevitável é a pergunta: como seria esse homem o mantenedor de uma instituição tão arcaica e desumana como a escravidão? Ao mesmo tempo em que permitem a dúvida, as biografias perpetuam Jefferson, a Esfinge, na memória pública norte-americana. Mesmo desafiados a expor sua face obscura, os biógrafos o oferecem à admiração do “americano qualquer”.

Conclusão - Heróis e Pais fundadores: servindo a todas as causas ou criando causas a todos os destinos?

Este artigo buscou debater e demonstrar a relação entre cultivo e gerenciamento da memória e a escrita biográfica, sobretudo. A memória foi apropriada, metodologicamente, tendo em vista duas de suas potencialidades: 1. a subjetivação - a ação de arquivamento e(ou) cultivo de si - que visasse a sedimentar um projeto de memória, mesmo que desse não se pudesse ter onisciência (ARTIÈRES, 1998ARTIÈRES, Phillippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, Revista da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, n.º 21, 1998/1. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2061/1200>. Acesso em: 9 ago 2019. (dossiê arquivos pessoais)
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/1); 2. a demanda pública que consome, adéqua e especula a memória, validando seu gerenciamento (CUESTA BUSTILLO, 1998CUESTA BUSTILLO, Josefina. La memoria del horror, después de la II Guerra Mundial. In: Memoria e Historia. Madrid: Editora Marcial Pons, 1998, p. 81-104.), a ponto de estabelecer o culto heroico (como é o caso de Bolívar) e a simbiose com a nação, apontando para o dilema em apartar o homem da história coletiva (como é o caso de Jefferson). Nota-se que, apesar da separação metodológica, visível na divisão deste artigo, as implicações se aproximam. Embora tenha-se discorrido acerca dos projetos de memória e seus respectivos recursos de gerenciamento nas partes I e II, cada qual dedicada a uma liderança, fato é que tal escolha revela apenas uma comodidade estrutural, associada à exposição argumentativa. Mais relevante do que isso, é a certeza de que o culto heroico e a simbiose com a história da nação apresentaram-se, igualmente, aos biógrafos de Simón Bolívar e Thomas Jefferson. Então, o que os diferencia, para além dos roteiros transmitidos? A construção das narrativas biográficas e o modo pelo qual cada biógrafo, imerso em sua cultura e ambiência política, lidaria com a memória legada pelo personagem. Portanto, buscou-se elucidar que um projeto de memória é inútil e efêmero se não há o gerenciamento da posteridade. E por qual motivo o interesse de gerenciamento emerge? No caso de Simón Bolívar e Thomas Jefferson, pensou-se em dois motivos intrinsecamente associados: 1. o controle das expectativas temporais que conduzem os projetos políticos coletivos, afinando-os às tempestuosas construções nacionais; 2. a fortaleza em exprimir uma razão cultural identitária, em meio a um futuro incerto. Se as nações globalizaram-se, os heróis e os pais fundadores ainda expressam a particularidade cultural, capaz de unificar os desejos, ao recorrer a uma história comum. Assim, as biografias - a historiografia e os lugares de memória - realizam mais do que prometem: não se trata de ser exemplar ou investigar a vida individual tão-somente, mas de conformar expectativas e reafirmar identidades. E que não haja dúvida: estratégias de gerenciamento ainda funcionam nas décadas iniciais do século XXI.

Ambas as lideranças analisadas se mantêm vivas; assustadoramente, respirando durante a autópsia. Ocupam espaços privilegiados na história nacional e continental. O documento escrito por Jefferson, advogando “o direito à vida, à propriedade e à busca pela felicidade”, inspiraria a Declaração de Independência da Venezuela de Bolívar, trinta e cinco anos mais tarde. A Pátria Grande de Bolívar ecoa (agora com menos força) pelos rincões da América Hispânica até os subúrbios de Macondo. A utopia aproxima os projetos políticos e de memória. Porém, é necessário traçar limites: o surto jeffersoniano e o culto bolivariano projetam símbolos díspares. Jefferson não é alçado a “herói para todas as causas”, mas à “causa de todos os destinos”. Para o bem ou para o mal - o providencialismo cristão, de matriz católica, e o Destino Manifesto parecem se confrontar nessas projeções. A manutenção da narrativa heroica baseia-se na orientação à vida prática. O culto bolivariano resguarda uma ética fundadora, nascida das guerras de independência e da leitura político-historiográfica dos patriotas (TORRES, 2009TORRES, Ana Teresa. La herencia de la tribu: del mito de la independencia a la Revolución Bolivariana. Caracas: Editorial Alfa, 2009.). Simón Bolívar é herói máximo e sua glória advém da ruptura com a Espanha - em potência, o amante da liberdade (MASUR, 1960MASUR, Gerhard. Simón Bolívar. México: Biografias Grandesa, 1960.) supera a persona contrita (MADARIAGA, 1953MADARIAGA, Salvador. Bolívar: victoria y desengaño. México: Editorial Hermes , t. II, 1953. ). Jefferson é o guardião do Credo Americano, nele se pensa ao repetir as “palavras mágicas”. Antes da historiografia e das biografias retornarem aos mitos para apreendê-los, as autoimagens dos próceres do Continente expandem-se como fractais pelos caminhos da memória histórica. A mensagem que ecoa de suas vozes ou de seus porta-vozes possui significado transformador. Assim permanecem porque a interpretação se encarrega de torná-los, heróis ou pais fundadores, contemporâneos aos seus destinatários.

  • 1
    Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. O artigo não foi publicado em plataforma de preprint. Ambos os autores participaram das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo.
  • 4
    polêmica, travada contra seu parceiro de longa data, John Adams. Os então inimigos enfrentaram-se em duas eleições marcadas por ataques pessoais e pela polarização entre seus partidos e grupos políticos. Adams venceu a primeira eleição, em 1796, e perdeu a segunda, em 1800. A vitória abriu espaço à hegemonia política construída em torno do nome de Jefferson e de seu partido - que governaria por sete mandatos consecutivos. Os embates em vida fizeram que Jefferson se tornasse um colecionador de inimigos e de polêmicas até 1826, ano de sua morte. As controvérsias não se limitaram ao campo da política, mas também aos assuntos morais, como no tema da escravidão, uma vez que o “Pai Fundador” foi senhor de escravos, apesar de ter escrito que “todos os homens nasciam livres e iguais diante de Deus”. Essas polêmicas resistiram à sua morte e seguiram sendo mobilizadas e gerenciadas por seu grupo de apoiadores, mas também por seus detratores. Emergentes na ambiência política apresentada, seguem vivas nas biografias construídas em torno de sua imagem. Essas escritas o projetam como um político hipócrita ou como um agente da liberdade. Esse assunto será tratado no decorrer do artigo.
  • 5
    No tocante ao arquivamento e subjetivação: “Dessas práticas de arquivamento do eu se destaca o que poderíamos chamar de uma intenção autobiográfica. Em outras palavras, o caráter normativo e o processo de objetivação e de sujeição, que poderiam aparecer a princípio, cedem na verdade o lugar a um movimento de subjetivação. Escrever um diário, guardar papéis, assim como escrever uma autobiografia, são práticas daquilo que Foucault chamava a preocupação com o eu” (ARTIÈRES, 1998/1ARTIÈRES, Phillippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, Revista da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, n.º 21, 1998/1. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2061/1200>. Acesso em: 9 ago 2019. (dossiê arquivos pessoais)
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    , p. 11).
  • 6
    Apesar de escrita em 1946, utilizou-se como fonte a primeira tradução da biografia para o espanhol, datada de 1960.
  • 7
    Malone dividiu a biografia de Jefferson em seis tomos, publicados entre 1948 e 1981. Essa questão será tratada adiante.
  • 8
    Lecuna se envolveu com uma série de eventos políticos e ocupou vários cargos na Venezuela. No que se refere ao tema de nosso interesse, foi responsável pela organização do Archivo del Libertador, publicando-o no centenário de morte de Simón Bolívar, em 1930. Organizou sua correspondência em sete tomos - é esta a coletânea que nos serve de fonte. Participou da restauração da “Casa Natal do Libertador” e tornou-se membro da Academia Nacional de História, apresentando um estudo sobre as campanhas de Simón Bolívar.
  • 9
    Até meados da década de 1960, o debate historiográfico venezuelano encontrava-se rendido ao culto bolivariano, segundo Carrera-Damas. É impossível dissecar o culto no espaço deste artigo, registrou-se apenas que esse sustenta-se, sobretudo, na narrativa legada por Simón Bolívar. Ver: (CARRERA-DAMAS, 1969CARRERA-DAMAS, G. El culto a Bolívar: esbozo para um estúdio de la historia de las ideas en la Venezuela. Caracas: Fundação do Instituto de Antropologia y História/ Universidad Central de Venezuela, 1969.).
  • 10
    Muitas esperanças foram depositadas na escritura biográfica de Madariaga: “Faltava ainda uma biografia que conseguisse conciliar a interpretação erudita mais objetiva possível da figura histórica às exigências da “visão oficial” da realidade bolivariana. Este foi, inicialmente, o propósito que deveria cumprir a obra de Salvador de Madariaga (1866-1978), no começo da década de 1940. Madariaga era espanhol, mas sua vocação democrática, sua oposição ao regime franquista e sua inegável estatura intelectual pareciam garantir um resultado à altura das esperanças” (HARWICH, 2003HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografia. Iberoamericana, [S.I.], v. 3, n.º 10, p. 7-22, 2003., p. 17).
  • 11
    Não é casual que, ainda no epílogo, Salvador de Madariaga refira-se a uma trilogia de protagonistas do Novo Mundo. Apesar do tom crítico, atribui-se, por meio das palavras de um Bolívar arrependido, preponderância aos seguintes integrantes: “nós três fomos meros instrumentos de Algo que, nem mesmo agora, nos tem sido permitido compreender. Colombo não sabia que descobrira a América; Cortés não sabia que criara a República Mexicana; eu não sonhava que a alma, na dor do tirano Aguirre, que queimava em chamas de fogo nas planícies da Venezuela, o tiranizasse, derramando-se no mar de óleo estéril sobre seus vales outrora férteis”. (MADARIAGA, 1953MADARIAGA, Salvador. Bolívar: victoria y desengaño. México: Editorial Hermes , t. II, 1953. , p. 545).
  • 12
    Masur define transfiguração como o processo pelo qual Bolívar, anos após a morte, torna-se figura heroica inconteste, citada e louvada, de políticos a poetas.
  • 13
    Pouco menos de cinco meses antes de seu falecimento, próximo de completar oitenta e três anos de idade, Jefferson escreveu ao seu principal destinatário de missivas, James Madison. Pedia duas coisas ao amigo: “cuide de mim quando eu estiver morto, e se assegure de que eu tenha deixado com você as minhas últimas afeições”. (JEFFERSON, 1826JEFFERSON, Thomas. Correspondência a James Madison. Library of Congress, Washington, D.C, 17 fev. 1826. Disponível em: <https://www.loc.gov/exhibits/jefferson/215.html>. Acesso em: 19 nov. 2019.
    https://www.loc.gov/exhibits/jefferson/2...
    )
  • 14
    Não é possível precisar se tais textos apareciam no corpo do semanário ou em forma de suplemento. Entretanto, é possível encontrar alguns textos “originais”, que, depois, comporiam a biografia redigida por Parton. Para uma pesquisa, acessar: <https://www.theatlantic.com/author/james-parton/>.
  • 15
    Assim procedeu Francisco de Paula Santander em suas memórias, Apuntamientos para las memórias sobre Colombia y la Nueva Granada por el General Santander (1869), quando elegeu Simón Bolívar como sua “persona espelho”, afirmando, inclusive, valores partilhados pela comunidade de generais independentistas. Ver: (FREDRIGO, 2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar: das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: Editora da UFG, 2017.).
  • 16
    O autor é desconhecido, tendo se identificado apenas pelas iniciais F.S.
  • 17
    “Black Sally” diz respeito às acusações, feitas pelos concorrentes de Jefferson nas eleições de 1800, de que o candidato da Virgínia possuía relações conjugais com uma de suas escravas, Sally Hemmings. O tema será abordado adiante.
  • 18
    O partido fundado por Jefferson foi o Partido Democrata Republicano, em 1793. Décadas depois, reorganizado por Andrew Jackson, passou a se chamar partido democrata.
  • 19
    Título de um livro de memória inconcluso, escrito por Malone (Cf. PETERSON, 1988PETERSON, Merril. The Jeffersonian Image in the American Mind. Charlottesville: University of Virgínia Press, 1998.).
  • 20
    Essa perspectiva vai sendo evidenciada e reforçada, durante a escrita dos tomos. Quando Malone analisa o respeito de Jefferson à doutrina dos Direitos Naturais, ele menciona que “além de ser um pensador honesto, ele era prático; e durante os anos em que formulava seu próprio ideário, ele considerou as características e os méritos das várias formas de governo”. (MALONE, 1948MALONE, Dumas. Jefferson and His Time: Jefferson the Virginian. Boston: Little, Brown and Company, 1948. (v. 1), p. 176)
  • 21
    As palavras mágicas aludem à famosa frase do preâmbulo da Declaração de Independência que diz: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade”.
  • 22
    O primeiro livro com informações históricas consistentes sobre esse relacionamento foi Thomas Jefferson: An Intimate History, de Fawn Brodie, de 1974. Em 1998, um teste de DNA pôs fim à contenda, confirmando a paternidade de Jefferson por meio da comparação genética entre seus descendentes e os membros da família Hemmings.

Referências bibliográficas

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Editado por

Editores Responsáveis: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2019
  • Aceito
    05 Fev 2020
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