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A SOCIOLOGIA CENSURADA: RAÇA, CLASSE E A PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS NA DITADURA MILITAR BRASILEIRA (1971-1977)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referidas no artigo.

CENSORED SOCIOLOGY: RACE, CLASS AND SOCIAL SCIENCE RESEARCH IN THE BRAZILIAN MILITARY DICTATORSHIP (1971-1977)

Resumo

O que acontece quando um Estado autoritário censura a pesquisa sociológica? Este artigo aborda aspectos das relações entre pesquisas científicas sobre o negro e a configuração repressiva assumida pelo aparato estatal quanto a seu debate acadêmico na Ditadura Militar brasileira. São objeto de análise três trabalhos em Ciências Sociais em São Paulo, a saber os mestrados de Edson Antonio Eustáquio (ELSP) e Eduardo de Oliveira e Oliveira (USP) e o doutorado de Eduardo Judas Barros (USP), estudos que tiveram como destino, respectivamente, o desaparecimento, o inacabamento e o silenciamento. Buscamos elaborar a hipótese da repressão à pesquisa em raça e classe nas Ciências Sociais, durante a década de 1970, como uma modalidade de censura ao pensamento crítico e à sua discussão pública no Brasil. A pesquisa sociológica foi rarefeita nesse período porque houve vigilância e efetiva repressão do Estado, a cargo da segurança do dogma oficial da democracia racial.

Palavras-chave
Ciências sociais; Pesquisa científica; Raça e classe no Brasil; Censura; Ditadura Militar

Abstract

What happens when an authoritarian State censors sociological research? This article addresses aspects of the relationship between scientific research on Blacks and the repressive configuration assumed by the State apparatus regarding its academic debate in the Brazilian military dictatorship. Three works in Social Sciences in São Paulo are analyzed, namely the master’s degrees of Edson Antonio Eustáquio (ELSP) and Eduardo de Oliveira e Oliveira (USP), and the Ph.D. of Eduardo Judas Barros (USP), studies that, respectively, disappeared, remained incomplete and were silenced. We sought to elaborate the hypothesis of repression of Social Science research on race and class during the 1970s as a form of censorship of critical thinking and its public discussion in Brazil. The scarcity of sociological research in this period was due to surveillance and effective repression by the State, protecting the official dogma of racial democracy.

Keywords
Social Sciences; Scientific research; Race and class in Brazil; Censorship; Military Dictatorship

Introdução

Em 1973, um filme que discutia o racismo, os conflitos e os dilemas de classe dos negros em ascensão social foi lançado no Brasil: Compasso de Espera. Dirigido pelo diretor branco Antunes Filho, narrava a vida de Jorge (Zózimo Bulbul), homem negro de classe média que vivia em São Paulo entremeado por preconceitos e dualidades sociais. De um lado, sua família, negra e pobre; de outro, a namorada e os amigos, brancos e abastados, habitando um universo que parecia não ser feito para alguém como ele (CARVALHO, 2012CARVALHO, Noel dos Santos. O produtor e cineasta Zózimo Bulbul: o inventor do cinema negro brasileiro. Revista Crioula, São Paulo, n. 12, nov. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/57858 . Acesso em: 30 jan 2020. doi: https://doi.org/10.11606/issn.1981-7169.crioula.2012.57858.
https://www.revistas.usp.br/crioula/arti...
). Censurado em 1969 pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), foi exibido nos cinemas apenas em 1975. Bulbul (apud CARVALHO, 2012CARVALHO, Noel dos Santos. O produtor e cineasta Zózimo Bulbul: o inventor do cinema negro brasileiro. Revista Crioula, São Paulo, n. 12, nov. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/57858 . Acesso em: 30 jan 2020. doi: https://doi.org/10.11606/issn.1981-7169.crioula.2012.57858.
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, s.p.) disse que ele foi enviado para a “censura no final de 70. Veio a ameaça de prisão. Diziam que no Brasil não tinha preconceito racial”.

O limiar dos anos 1970, sob Médici, assistiu a intensa violência política contra a oposição à Ditadura Militar, que não admitia o conflito social, tampouco sua discussão pública (NAPOLITANO, 2014NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.). O racismo foi alçado a tabu e revestido de contornos oficiais através do fomento à ideia de que o Brasil seria uma “democracia racial”. Em benefício de uma tradição de cordialidade, da “paz social” e dos preceitos da Doutrina de Segurança Nacional, “nos anos de ditadura militar, entre 1968 e 1978, a ‘democracia racial’ passou a ser um dogma, uma espécie de ideologia do Estado brasileiro” (GUIMARÃES, 1999GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo, Editora 34, 1999., p. 62).

Neste contexto, a censura a Compasso de Espera se desnuda com mais nitidez. A “democracia racial”, porém, já havia sido desconstruída por Florestan Fernandes, anos antes. Desde Brancos e negros em São Paulo (1959), escrito com Roger Bastide, até A integração do negro na sociedade de classes (1964), o sociólogo analisara o processo da inserção do negro na ordem capitalista a partir da desagregação da escravidão para a sociedade de classes, especialmente na cidade de São Paulo. Ele mostrou que a estrutura socioeconômica era seccionada por linhas de cor, e que o preconceito era um resíduo da escravidão a obliterar a integração social. O que passou a ser conhecido como o “mito da democracia racial brasileira” seria expressão de uma consciência falsa da realidade racial, ao pressupor a igualdade de fato entre brancos e negros no plano jurídico formal, mas também no quadro social.

Antunes Filho afirmou se inspirar no sociólogo para fazer Compasso de Espera: “Me interessava por esse problema. Como colocar o problema. Eu tinha questões [...] profundas que o Florestan Fernandes tinha colocado e que me influenciaram muito [...] Eu faço o negro com os seus problemas” (apud CARVALHO, 2012CARVALHO, Noel dos Santos. O produtor e cineasta Zózimo Bulbul: o inventor do cinema negro brasileiro. Revista Crioula, São Paulo, n. 12, nov. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/57858 . Acesso em: 30 jan 2020. doi: https://doi.org/10.11606/issn.1981-7169.crioula.2012.57858.
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, s.p.). Como o filme, o autor de uma sociologia crítica das mudanças sociais foi alvo da repressão do Estado pós-1964, que o via como um dos “inimigos ideológicos” (MOTTA, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: Cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014., p. 178) da nova ordem, devido, entre outros fatores, a sua filiação teórica marxista, e que por isso o expulsou da USP, em 1969. O Departamento de Ordem Pública e Social de São Paulo (DEOPS-SP, de 1924), por exemplo, já tinha produzido antes uma “quantidade enorme de relatórios, [o que mostra] o quanto o sociólogo era visto como um problema pelas autoridades [...]” (SEREZA, 2005SEREZA, Haroldo. Florestan: a inteligência militante. São Paulo: Boitempo , 2005., p. 140).

O enlace entre esses dois enredos nas trajetórias da Sociologia e da cinematografia durante a Ditadura permite vislumbrar particularidades das relações entre saberes sociológicos da questão racial brasileira e a configuração repressiva assumida pelo aparato estatal quanto a seu debate acadêmico nesses anos cruciais. Mas o que a combinação narrativa dessas histórias busca nesse artigo é conhecer ao menos três pesquisas em Ciências Sociais, na década de 1970, que, no percurso teórico da obra sociológica de Fernandes, abordaram a experiência da classe média negra e universitária em São Paulo, pesquisas que, ademais, foram igualmente assinaladas pelo manto da repressão institucional. São elas o mestrado de Edson Antonio Eustáquio, Estudo comparativo da evolução do negro estudante universitário, nas décadas de 50/60, em São Paulo, desenvolvido entre 1971-72 na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo; o mestrado/doutorado de Eduardo de Oliveira e Oliveira, Ideologia Racial - Estudo de Relações Raciais, realizado na USP de 1971-74; e o doutorado do indiano Eduardo Judas Barros, A situação do negro na classe média brasileira, na USP, em 1977. Essas pesquisas tiveram como destino, respectivamente, o desaparecimento, o inacabamento e o silenciamento. Argumentamos que foram, a seu modo e por caminhos distintos, direta ou indiretamente, censuradas pela ação localizada e/ou difusa do Estado policial, no contexto da repressão que se abateu sobre as universidades no regime militar (MOTTA, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: Cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014.).

Este artigo almeja elaborar a hipótese da repressão à pesquisa em Ciências Sociais sobre raça e classe, durante a década de 1970, como uma modalidade de censura ao pensamento crítico e à sua discussão pública no Brasil, e como desdobramento histórico do racismo brasileiro. O conceito de censura pode ser entendido amplamente como “qualquer ação do Estado que impeça, de maneira irrecorrível, a manifestação de ideias, sejam elas quais forem e independentemente do meio utilizado para isso” (CARVALHO, 2013CARVALHO, Julia. Amordaçados: uma história da censura e de seus personagens. Barueri: Manole, 2013., p. 10). Todavia, consoante Michel Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.), é necessário considerar também a analítica do poder (coercitivo) não como pura negatividade/proibição, mas como abordagem que enquadra o conjunto das técnicas de dominação e estratégias que estabelecem práticas e discursos de sujeição, com efeitos produtivos na cadeia social. Logo, o gesto censor expressa movimentos específicos, heterogêneos e diversos de exercício da repressão ao pensamento crítico, envolvendo intricadas e às vezes contraditórias relações de poder (KUHN, 1988KUHN, Annette. Cinema, Censorship and Sexuality, 1909-1925. London, New York: Routledge, 1988.).

Trabalhando com apoio de fontes documentais inéditas e inspirada teoricamente nas problematizações foucaultianas a respeito das interfaces entre poder e saber, a análise aqui proposta não está encaminhada para um exame detido das ideias dos cientistas sociais em evidência nos termos de uma história intelectual, mas antes em compreender as regras de interdição da censura (KUSHNIR, 2012KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo, 2012.) e a malha de ações que prenderam suas perguntas à teia insidiosa das coibições do Estado autoritário, fazendo-as apagar-se em seu tempo. Buscamos entender os porquês de estudos sociológicos sobre ascensão social e classe média negra serem aparentemente tão caros a sensibilidades persecutórias institucionais.

De mais a mais, a inquietação intelectual elementar que evoca a escrita desse artigo é a seguinte: o que acontece quando um Estado autoritário censura a pesquisa sociológica?

Edson Eustáquio e o negro universitário em São Paulo

Nascido em 1942 em Miguelópolis, norte do Estado de São Paulo, Edson Antonio Eustáquio foi um intelectual negro de caminhos singulares. De sua formação escolar básica só há notícia de ter frequentado o Seminário Diocesano de Taubaté e de ter feito cursos na Aliança Francesa e no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, ambos na capital paulista. Parece ter se envolvido com o universo das Artes Plásticas, tendo trabalhado na Bienal de São Paulo, em 1969. A formação superior se deu na Faculdade Mackenzie, também em São Paulo, na qual estudou Direito de 1967-71, e na Universidade do Chile, em Santiago, onde realizou cursos de graduação em Sociologia e Antropologia Cultural na Escola Internacional, respectivamente entre 1965-66, 1968 e 1970 - não está claro se completou esses cursos.

Nesse período chileno-brasileiro, intermeado pela formação jurídica que o faria advogado, sabemos que realizou “pesquisas de comunidades” em alguns países da América do Sul. No próprio Chile, esteve em Arica, Chuquicamata, Ancud e Castro, em 1965 e 1970; em Caracas, em 1967, ficou 36 dias pesquisando a “situação social do negro diante da conjuntura daquele país (observação sistemática e algumas entrevistas)”;3 3 Curriculum Vitae, circa segundo semestre de 1971, p. 4. São Paulo, Arquivo do Centro de Documentação e Memória da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (“Arquivo CEDOC/FESPSP”), Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio. no Peru, passou 23 dias em “observação sistemática do status social do negro”.4 4 Ibidem. Fazia cursos diversos sobre arte e também palestrava a respeito do “Estudo do Negro Brasileiro”5 5 Ibid. e de problemas raciais nos Estados Unidos, temas que se conjugaram no mestrado em Ciências Sociais na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) que Eustáquio frequentou por cerca de um ano e meio, de janeiro de 1971 a meados de 1972. Com antecedência, deve-se dizer que o mestrado não foi finalizado. Porém, sua breve passagem pela ELSP conservou no acervo dessa instituição parcos, mas valiosos papéis que permitem conhecer um pouco da sua trajetória acadêmica, principalmente o anteprojeto da pioneira pesquisa que ele almejava levar a cabo.

A ELSP ocupara posição central na formação das Ciências Sociais no Brasil na primeira metade do século XX, e as pesquisas sobre raça, organizadas em “estudos de comunidades”, marcados pela sólida base empírica e seguindo matriz estrutural-funcionalista, fizeram parte expressiva de suas linhas teórico-metodológicas, sobretudo na década de 1940, (LIMONGI, 1989LIMONGI, Fernando. A Escola Livre de Sociologia e Política. In: MICELI, Sergio (Org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Idesp/Finep, 1989.). Seu mais conhecido representante foi o sociólogo norte-americano Donald Pierson, autor de Negros e brancos no Brasil (1942), mas outros estudos de pós-graduação da Escola foram importantes, como os de Oracy Nogueira (1945-47) e Florestan Fernandes (1949FERNANDES, Florestan. Organização social dos Tupinambá. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949.), e também a pesquisa de Virgínia Bicudo, cientista social negra que defendeu (orientada por Pierson), em 1945, o pioneiro mestrado Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo, no qual analisou as restrições sociais decorrentes do preconceito racial e seus efeitos na consciência psicossocial da população afro-paulistana.

Os documentos da Secretaria Acadêmica da ELSP dizem que se matriculou no mestrado em janeiro de 1971 e completou os créditos requeridos em outubro deste ano. Em junho, houvera entregado para a escola cópias do anteprojeto, com prazo de três anos para se tornar dissertação final. Não há pista concreta do/a orientador/a, exceto o nome da socióloga Eva Maria Lakatos, em um bilhete, e, em outros papéis, o do também sociólogo Antonio Rubbu Müller, que foi professor da maioria das disciplinas cursadas por ele, e de cuja Teoria da Organização Humana (1957) pretendia fazer o suporte teórico do trabalho.

Estudo comparativo da evolução do negro estudante universitário, nas décadas de 50/60, em São Paulo foi concebido para ser uma análise em Sociologia (embora o autor também a tenha chamado de “Antropologia social”) aplicada com cerca de 20 estudantes negros em universidades de Ribeirão Preto, Campinas e São Paulo, onde se percebia “a olho nú uma certa resistência a ascensão do negro”.6 6 Estudo comparativo da evolução do negro estudante universitário, nas décadas de 50/60, em São Paulo (Anteprojeto de pesquisa), circa junho 1971, p. 3. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio. Não informa que universidades seriam. Mediante o exame do “relacionamento entre negros e brancos nos regimes universitários e pós-universitários”,7 7 Planejamento da pesquisa (rascunho), p. 1. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio. Eustáquio desejava então acompanhar a experiência de ascensão social e de integração educacional e profissional de um contingente que se qualificava através da considerável expansão do sistema universitário brasileiro naquela época, mas investigar, por outro lado, as contradições desse processo, ou seja, as “causas e consequência das barreiras que o negro encontra nas diversas carreiras profissionais ‘Liberais’ no processo social global do Brasil na época contemporânea”.8 8 Levantamento das Pesquisas em Processo no Brasil (Questionário), de Edson A. Eustáquio, Conselho Nacional de Pesquisas, p. 1. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio. Ele imaginava as “perspectivas de igualdade substancial em curto prazo [...] muito promissoras”,9 9 Estudo comparativo..., p. 2. donde um certo otimismo e a ambição de ultrapassar a dimensão teórico-científica, em nome de ações para “uma transformação rápida da precária situação do negro brasileiro”.10 10 Ibid.

Seu Curriculum Vitae apresenta a informação de que a pesquisa havia começado em 1966, mas não se detalha o que já havia sido feito. Quanto à justificativa, a sustentação mais profunda do argumento se baseava em uma comparação implícita com os Estados Unidos, país que passara por “transformações significativas no comportamento e atitudes inter-raciais”11 11 Levantamento..., p. 1. nos anos 1950-60, mudanças que estariam aos poucos reverberando no Brasil, pelo que ele acreditava. Em sentença confusa, Eustáquio questiona “por que a discriminação consequente do preconceito de côr de alguns países produz os mesmos danos para quem é passivo dela, que o racismo de outros tendo apenas como diferenciador a ausência dos conflitos que são ausentes nos primeiros e constantes nos segundos países”.12 12 Estudo comparativo..., p. 2. Em outras palavras, afirmando a ubiquidade do preconceito e do racismo lá e cá, ele operava uma interpelação à então alegada diferença - de natureza contrastiva - entre as relações raciais nos EUA e no Brasil. Por fim, ajuizava que, em face do progresso socioeconômico de negros “em países que até a pouco tempo dominava um aspecto desolador [...], de que maneira o Brasil poderá continuar com a sua reputação de sociedade racialmente democrática?”13 13 Ibid., p. 3.

Eustáquio desafiava, informado pela situação racial dos Estados Unidos, a ideia e a realidade da “democracia racial” brasileira, um dos dogmas nacionais mais sensíveis para a Ditadura, tanto no país quanto externamente.14 14 Cf. DÁVILA, Jerry.Hotel Trópico: o Brasil e o desafio da descolonização africana (1950-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. Embora tenha escolhido o mestrado da ELSP, a bibliografia do projeto se compunha, em grande parte, de autores da Escola Sociológica Paulista, liderada por Florestan Fernandes na USP nos anos 1950-60, que se caracterizou por estudos críticos de raça dentro de uma matriz sociológica estrutural (BASTOS, 2002BASTOS, Élide Rugai. Pensamento social da Escola Sociológica Paulista. In: MICELI, Sérgio (Org.). O que ler na ciência social brasileira. São Paulo: Sumaré/ANPOCS; Brasília/CAPES, 2002, p. 183-230.). Entre eles, estão Roger Bastide e Fernandes (1959BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 4. ed. São Paulo: Editora Global, 2008 [1959].), Fernando Henrique Cardoso (1962), Octávio Ianni (1962) e João Baptista Borges Pereira (1967).15 15 Por sinal, Borges Pereira é autor da única menção acadêmica encontrada nesta pesquisa sobre Eustáquio - em texto não publicado. Em 1973, ele diz: “Soube, também, que um pós-graduando da Escola de Sociologia e Política de São Paulo - Edson A. Eustáquio - realiza inquérito a respeito da situação do aluno negro na estrutura universitária paulista”. PEREIRA, João Baptista Borges. “Estudos antropológicos e sociológicos sobre o negro no Brasil: Aspectos históricos e tendências atuais”. Plano de Curso. ICH-UnB, IX Curso de Estudos Brasileiros, 2º Semestre de 1973, p. 13. São Paulo, Arquivo do Centro de Estudos Africanos da USP. Da ELSP, aparecem apenas Donald Pierson (1945) e Virgínia Bicudo (1945BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo. Edição organizada por Marcos Chor Maio. São Paulo, Editora Sociologia e Política, 2010 [1945].). Está presente também o estudo de Thales de Azevedo sobre raça e classe na Bahia (1955AZEVEDO, Thales de. As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955.). É fato que a não escolha da USP pode ser entendida no contexto de encalço às Ciências Sociais na instituição, mormente com as aposentadorias compulsórias, principalmente no pós-AI-5, em 1968, levando a um refluxo nas possibilidades de discussão sobre raça, classe e estrutura social. Todavia, embora haja um hiato de informação sobre a ELSP na Ditadura (SIMÕES, 2001SIMÕES, Júlio Assis. Um ponto de vista sobre a trajetória da Escola de Sociologia e Política. In: KANTOR, Íris et al. (Orgs.). A Escola Livre de Sociologia e Política: anos de formação 1933-1953: depoimentos. São Paulo: Escuta, 2001.), pode-se afirmar que a Escola não ficou à margem de seu raio de coerção. Com a saída de Pierson, em 1952, a instituição enfraqueceu financeiramente (muitos recursos vinham de fundações norte-americanas), se desarticulou academicamente e mergulhou em crises administrativas. O Estado policial manipulou aí seus tentáculos, porque após o Golpe, a Escola, vizinha da Maria Antonia da USP, e que ficava por isso no centro nervoso da efervescência intelectual e política de esquerda na década de 1960 em São Paulo, virou alvo da vigilância estatal. A ELSP viveu anos de tensão (GOHN, 2015GOHN, Maria da Glória. Depoimento. In: PERRUSO, Marco; ARAÚJO, Mônica da Silva (Orgs.). Ciência e política: memória de intelectuais. Rio de Janeiro: Mauad X/FAPERJ, 2015.), e era frequentemente fechada: “os alunos abandonavam as aulas para fazer manifestações; muitos eram perseguidos por participarem de centos acadêmicos e movimentos políticos” (BOSE, 2004BOSE, Monica. Gestão de pessoas no terceiro setor. Dissertação de Mestrado em Administração, FEA/USP, São Paulo, 2004., p. 159-60).

A apreensão mais nuançada da posição de Eustáquio no contexto global de relações entre seus planos sociológicos e a realidade abertamente desfavorável de discussão crítica da vida social negra ganha novos elementos quando descobrimos que ele tinha sido preso por agentes da Operação Bandeirante (OBAN) alguns meses antes de se matricular na ELSP. Conhecida por sua violência no uso da tortura, a OBAN foi uma experiência paramilitar e extralegal que envolveu o II Exército, a Aeronáutica, a Marinha, a Polícia Federal o SNI e o DEOPS-SP, entre outros órgãos, na centralização de informações, investigações e ações de combate aos crimes políticos e às organizações de oposição (os “inimigos internos” da Doutrina de Segurança Nacional) na jurisdição do II Exército, em São Paulo (JOFFILY, 2013JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo (1969-1975). Rio de Janeiro: AN; São Paulo: Edusp, 2013.). Iniciada em julho de 1969, daria origem ao Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (sistema “DOI-CODI”), em setembro de 1970.

Os agentes teriam prendido Eustáquio em sua casa, no bairro Mooca, em 23 de outubro de 1970, para “averiguações”. Descrito como estudante e de cor parda, não lhe foi atribuído no prontuário remetido pela OBAN ao DEOPS-SP nenhum pertencimento a “Organização subversivo-terrorista”.16 16 Prontuário n. 2043, de Edson Antonio Eustáquio, 29 dez. 1970 (Operação Bandeirante), p. 2. São Paulo, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Acervo DEOPS-SP, Fichas e Prontuários. A ficha não informa quanto tempo ficou detido, mas não deve ter sido muito, pois cerca de dois meses depois ele se matricularia na ELSP. É possível que o estudante de Ciências Sociais estivesse enredado no movimento estudantil no cenário de agitação e disputa políticas de fins dos anos 1960 entre a Maria Antonia, reduto tradicional de esquerda, e o Mackenzie - onde Eustáquio estudava Direito -, que abrigava estudantes “liberais e democratas” e integrantes do Comando de Caça aos Comunistas - embora a adesão às ideias e práticas desses segmentos não fosse absoluta (SANTOS, 2015SANTOS, Rafaela Mateus Antunes dos. O outro lado da Rua Maria Antonia: a atuação das juventudes de direita em 1960. Dissertação de Mestrado em História, UFF, Niterói, 2015.). Essa conjectura, entretanto, não sai, no estágio atual da pesquisa, da esfera da suposição.

Conquanto seja difícil afirmá-lo categoricamente, dada a exiguidade documental disponível - ou até o momento encontrada -, não seria descabido supor igualmente que sua relação ou aproximação com perspectivas críticas de pensamento social, ao menos desde meados dos anos 1960, como observamos em seu Curriculum, o tenha posicionado no radar da vigilância policial. Por sinal, seu investimento intelectual no mestrado pode ter exacerbado as preocupações das autoridades. Um documento administrativo da ELSP do final de 1971 mostra que “o aluno supra” pagaria um débito com a Escola “na ocasião de sua volta da viagem que fará mediante bolsa de estudos que conseguiu na Itália e Bélgica”.17 17 Memorando, Secretaria da Escola Pós-graduada de Ciências Sociais para a Tesouraria da ELSP, 30 nov. 1971. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio. Anos mais tarde, um telegrama do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) para o SNI, de agosto de 1978 listava, entre centenas de nomes de “brasileiros ligados à subversão atualmente vivendo no exterior”, o de Edson Eustáquio, residindo na Itália.18 18 Info relação brasileiros ligados à subversão atualmente vivendo exterior, Telegrama N43, ANIAC/02, CISA para SNI, 21 ago. 1978, p. 163. Comissão da Verdade da UFRN, Biblioteca Zila Mamede, Documentos Luíza Nóbrega. Disponível em: <https://bczm.ufrn.br/comissaodaverdade/.

IMAGEM 1
Edson Antonio Eustáquio, 1970

Ignoramos as motivações específicas, mas é patente que a estrutura de vigilância (nesse caso, a CISA) manteve interesse no paradeiro de Eustáquio, mesmo no exterior. Embora haja a impossibilidade de prová-lo, insistimos em considerar no bojo das possíveis razões, entre outras, seus estudos do negro brasileiro, posto que discutia assunto classificado como “subversivo” no pós-1968. Em verdade, a Lei de Segurança Nacional, de 13 de março de 1967, já arrolava entre os crimes contra a segurança nacional e à ordem política e social a incitação pública, além da “luta pela violência entre as classes sociais”, ao “ódio ou a discriminação racial”, disposição legal que foi mobilizada para coibir quaisquer debates sobre raça e classe (RIOS, 2014RIOS, Flávia. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. Tese de Doutorado em Sociologia, FFLCH-USP, São Paulo, 2014.). Thales de Azevedo (1975AZEVEDO, Thales de. Democracia Racial: ideologia e realidade. Petrópolis: Vozes, 1975., p. 53) anotou reveladora justificativa encontrada em relatório do general Jaime Portela, em janeiro de 1969, para a abertura de um inquérito policial-militar contra certa “campanha da imprensa” brasileira e estrangeira que estaria estimulando “estudos internacionais sobre a discriminação racial” no Brasil, “visando criar novas áreas de atritos e insatisfação com o regime as autoridades constituídas”.

Veremos adiante, neste artigo, de que modo (e se) casos similares ao de Eustáquio podem ajudar a fortalecer ou corroborar essa hipótese. Seja como for, não há qualquer registro ou indício de continuação ou conclusão da pesquisa, que articulou problemáticas de evidente atualidade, com questionamentos que seriam mais bem elaborados pelas Ciências Sociais no Brasil somente a partir dos anos 2000, devido, em boa medida, ao impacto social das afirmações afirmativas nas universidades públicas. Aparentemente, ele não retornou mais ao Brasil. Pode ter abandonado as Ciências Sociais e se empenhado em outra atividade ou profissão, assim como ter casado e por isso mudado de nome. Seu paradeiro pessoal é um mistério, e seu desaparecimento na literatura sobre raça no Brasil um fato inquietante.19 19 Por falta de outros meios, buscamos informação a respeito do paradeiro de Eustáquio principalmente através de sites e mecanismos de busca da internet. Não procuramos possíveis contatos pessoais no Brasil ou fora do país simplesmente por não termos conseguido encontrar, na pesquisa de arquivo, referências sólidas e rastreáveis de colegas, interlocutores ou amigos.

A próxima seção discute facetas da experiência político-ideológica desse grupo social que Eustáquio quis estudar, de modo a compreender melhor a economia sociológica dos estudos sobre universitários e classe média negra nos anos 1970, em São Paulo.

Universitários negros em São Paulo: política e discurso racial

Ao fim dos anos 1960, no rastro do “milagre econômico” e da modernização conservadora da ditadura militar, houve uma considerável expansão do sistema universitário brasileiro, em especial no setor privado, como efeito da Reforma Universitária de 1968. O número de estudantes aumentou em proporções inéditas. Mesmo que timidamente, muitos negros, principalmente em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, passaram também a ter acesso à educação superior. Esse quadro promissor, entretanto, para pensar com Fernandes (1959; 1964FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: o legado da “raça branca”. Prefácio de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008 [1964], v. 1.), não significou uma integração no processo de ascensão social, tampouco fez evanescer o racismo que atingia os negros de classe média no cotidiano de acelerado desenvolvimento econômico no Brasil. Para Joel Rufino dos Santos (1985SANTOS, Joel Rufino. O Movimento Negro e a crise brasileira. Política e Administração, Rio de Janeiro, v. 2, jul./set. 1985, p. 285-308. Disponível em: Disponível em: http://joelrufinodossantos.com.br/páginas/artigos/o-movimento-negro-e-a-crise-brasileira.asp . Acesso em: 04 jan. 2020.
http://joelrufinodossantos.com.br/página...
, p. 290), “disputando lugares com graduados brancos [...] em igualdade de condições, esses diplomados negros foram geralmente preteridos, ou remunerados em média 30% abaixo”; o autor diz ainda que “não se confirmou a geral expectativa de que a internacionalização e o acelerado crescimento da economia brasileira [anulariam] as desvantagens baseadas na cor”.

A percepção dessa emergente classe média universitária negra da permanência do preconceito, do racismo e da discriminação racial foi um dos elementos psicossociais que levaram à constituição do Movimento Negro contemporâneo no Brasil nos anos 1970 (RIOS, 2012RIOS, Flávia. O protesto negro no brasil contemporâneo (1978-2010). Lua Nova, São Paulo, v. 85, p. 41-79, 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ln/n85/a03n85.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-64452012000100003.
https://www.scielo.br/pdf/ln/n85/a03n85....
). Esse movimento teve expressão política e cultural também de uma forma universitária. Principalmente em São Paulo, mas também em outros lugares do país, grupos se organizaram no que Alex Ratts definiu como “Movimento Negro de base acadêmica”. Para o autor, os ativistas “[...] que [participaram] da reorganização do movimento negro contemporâneo, também se [situaram] no interior de algumas universidades públicas e privadas e [chegaram] a constituir grupos de estudo e de intervenção nesse âmbito [...]” (RATTS, 2011RATTS, Alex. Corpos negros educados: notas acerca do movimento negro de base acadêmica. Nguzu, Londrina, v. 1, n. 1, p. 28-39, mar./jul. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.uel.br/neaa/sites/default/files/revistas/nguzu_miolo_final.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020.
http://www.uel.br/neaa/sites/default/fil...
, p. 29). Pelos objetivos deste artigo, vamos nos ater ao recorte espacial de São Paulo.

Em maio de 1968, alunos da Faculdade de Direito da USP fundaram o mais antigo grupo de acadêmicos negros que se conhece no Brasil, o Movimento Universitário Negro (MUN). Uma matéria no Jornal do Brasil registrou os objetivos do movimento e algumas das opiniões de seus membros quanto aos problemas raciais brasileiros. O autor do texto escreveu que o grupo reivindicava “igualdade de direitos, oportunidades de apoio cultural e social aos estudantes e famílias negras e às sociedades que visavam a melhoria e aprimoramento cultural do negro brasileiro”. O estudante negro Nelson José de Freitas, filho de um cobrador de ônibus, disse o seguinte: “Nosso movimento não será só universitário. [...] devemos agir junto às famílias, aos movimentos negros, dando assistência social e jurídica, junto às crianças, animando-as e ajudando-as a continuar os estudos secundários e universitários [...]”. Nelson foi avaliado “sereno” pelo jornalista, que considerou “radical” outro membro, Natanael de Oliveira (“mulato”), por querer “dar ao movimento um caráter político e ‘partir para a briga’”. Seu “radicalismo” adveio do seguinte: “O estágio em que os negros se encontram é o mesmo da maioria dos brasileiros que vive esmagado por uma minoria. Por isso, nossa luta está inserida na luta de classes. Acredito que nenhum grupo consegue se impor se não tiver uma atuação política”. A conversa com o MUN encerrou-se em Paulo Matoso: “Nós não podemos pedir, devemos exigir. Não adianta comemorar o 13 de maio, nem chorar o que passou. O negro brasileiro precisa ter, de fato, acesso ao estudo, a cargos sociais e políticos”.20 20 Universitários negros iniciam em São Paulo luta por direitos, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º Caderno, 19 maio 1968, p. 20 (para todas as citações do parágrafo).

O discurso de seus integrantes remontava a uma tradição mais antiga de movimento negro de natureza comunitária e assistencial, a exemplo da Frente Negra Brasileira, nos anos 1930, e da Associação Cultural do Negro, mais atuante entre 1950-60 (DOMINGUES, 2007DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07 . Acesso em: 01 jan. 2020. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-77042007000200007.
https://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12...
; SILVA, 2013SILVA, Mário Augusto Medeiros da. A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000). Rio de Janeiro: Aeroplano, 2013.). Porém, o cruzamento entre protesto negro e enfrentamento político aberto e direto era algo novo, e manifestava mudanças na consciência social destes estudantes acerca da realidade social de raça, nessa década de grande ebulição política. Parecia haver também um vocabulário de luta social afinado com os Movimentos pelos Direitos Civis, principalmente o Black Power, então em emergência nos EUA: a importância da comunidade, a valorização da educação, a reivindicação de poder e também o flerte com a luta de classes (ROJAS, 2007ROJAS, Fabio. From Black Power to Black Studies: How a Radical Social Movement Became an Academic Discipline. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.), campo de referência conceitual não obstante comum, naquela época, entre movimentos políticos e sociais de oposição à ordem militar também no Brasil. Afora o artigo no Jornal do Brasil e uma breve citação no filme Compasso de Espera, pouco se sabe da história do MUN.21 21 Cf. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 maio 1968, 1º Caderno, p. 20; e ANTUNES FILHO, José Alves. Compasso de Espera. 1973. Filme (longa-metragem). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gjns-TgMQCU&t=513s. Acesso em: 20 mar. 2020.

Também em São Paulo, no limiar de 1970, o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN), fundado em 1971, congregou “[...] uma nova geração de pensadores e ativistas negros oriundos da população estudantil das universidades de São Paulo” (ALBERTO, 2011ALBERTO, Paulina. Terms of Inclusion: Black Intellectuals in Twentieth-Century Brazil. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2011., p. 287). O CECAN atuou com o teatro negro, através da “criação de uma identidade étnica, recuperando os valores culturais do povo negro por meio da mobilização e [...] do resgate da história e da cultura incorporando, em ambos, os elementos de luta e resistência” (SILVA, 2012SILVA, Joana. Centro de Cultura e Arte Negra - CECAN. São Paulo: Selo Negro, 2012., p. 13). Alguns de seus membros, como Hamilton Cardoso, Milton Barbosa e Rafael Pinto, estiveram mais tarde na origem da criação do Movimento Negro Unificado, em 1978.

Outra experiência processada em um fundo sócio-histórico afim, mas com proposta diferente de projeto sociopolítico, foi o Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros (GTPLUN), que atuou principalmente na década de 1970, em São Paulo. Liderado pela médica negra Iracema de Almeida (1925-2005), foi um importante grupo do movimento negro, congregando universitários e profissionais liberais afro-brasileiros na profissionalização do negro e valorização da herança cultural africana (TRAPP, 2018TRAPP, Rafael Petry. “Nós somos brasileiros vivos”: Iracema de Almeida, raça e educação profissional em São Paulo (década de 1970). Revista do Coletivo Seconba, Barreiras, v. 2, n. 1, p. 87-98, nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/seconba/article/view/5476 . Acesso em: 04 jan. 2020.
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).

O cientista político Ivair Santos (2005SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado: o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de São Paulo (1983-1987). Dissertação de Mestrado em Ciência Política, PPGCP-UNICAMP, Campinas, 2005., p. 56) relata que esse grupo, formado em 1972, era composto “quase que exclusivamente [por] universitários e profissionais liberais, [com] orientação voltada para uma integração do negro na sociedade”. Seus membros eram universitários e profissionais liberais negros que, apesar da formação acadêmica e aspirações socioeconômicas, deparavam-se “com barreiras tão difíceis e excludentes quanto aquelas que seus pais e avós haviam enfrentado” (DOMINGUES, 2020DOMINGUES, Petrônio. A redescoberta da África: O Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros. Acervo, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 101-127, jan./abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1526/1440 . Acesso em: 02 fev. 2020.
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, p. 113). Para um de seus fundadores, Antônio Leite, ser universitário negro ligava-se ao seguinte:

[...] a gente queria um algo mais que era que a comunidade negra, o grupo étnico negro, tivesse, de fato, representantes de peso que fossem respeitados aos olhos da sociedade e, quando houvesse uma ação mais dura, digamos da política, chegasse na Secretaria, no Governo e tivesse peso. [...] Discutimos muito lá [consultório de Iracema de Almeida] e surgiu o GTPLUN [...], em 1972. [...] O único que não era universitário era eu. Ser universitário já era uma forma de mostrar que a gente tinha universitários. Isso dava status. Eu não era, mas era empresário. (LEITE apud SANTOS, 2005SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado: o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de São Paulo (1983-1987). Dissertação de Mestrado em Ciência Política, PPGCP-UNICAMP, Campinas, 2005., p. 57).

A condição acadêmica, com efeito, era meio não apenas para a ascensão socioeconômica e a distinção pessoal, mas para se posicionar em ambiente social hostil, que negava pela discriminação racial a possibilidade de o negro ocupar espaços de poder. O GTPLUN, entre 1973 e 1978, teve mais de 1500 pessoas formadas em cursos de auxiliar de enfermagem, datilografia, entre outros. Iracema de Almeida (1980ALMEIDA, Iracema de. Entrevista. Jornegro, São Paulo, ano 3, n. 10, p. 4-6, 1980., p. 6) era enfática em dizer que “um ponto importante para todos nós é o mercado de trabalho, é a profissionalização, a melhoria de nível econômico do negro”. Desejava-se diminuir as distâncias entre as massas negras e a classe média, então em ascensão na Ditadura (TRAPP, 2018TRAPP, Rafael Petry. “Nós somos brasileiros vivos”: Iracema de Almeida, raça e educação profissional em São Paulo (década de 1970). Revista do Coletivo Seconba, Barreiras, v. 2, n. 1, p. 87-98, nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/seconba/article/view/5476 . Acesso em: 04 jan. 2020.
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).

Em 11 de outubro de 1976, o GTPLUN organizou, na Câmara de Vereadores de São Paulo, uma sessão solene ao chamado “Dia da Promoção Humana”, que o grupo celebrava nessa data. Na ocasião, Iracema declarou: “Estamos aqui reunidos [...] para a tomada de uma decisão: a participação e integração do afro-brasileiro”. Estar-se-ia diante de um “intricado problema, uma nebulosa que não se consegue ver”, uma “doença social”. Ela prossegue:

Nós não somos mais “fôlego vivo”; nós somos e dizemos com muito orgulho e responsabilidade: nós somos brasileiros vivos.

Não queremos mais, queremos o igual. G.T.P.L.U.N. está vigilante, fará soar os atabaques de Norte a Sul, de Leste a Oeste, clamando pela integração e participação do afro-brasileiro.

G.T.P.L.U.N. é um vigilante da Segurança Nacional.

Um povo só é realmente um povo quando constitui um todo harmônico, coerente e puro. G.T.P.L.U.N. “cochila, mas não dorme” - a integridade do grande gigante é uma de suas metas.

A Segurança Nacional é o seu eterno objetivo.

Senhores, G.T.P.L.U.N. agradece, G.T.P.L.U.N. reparte (ALMEIDA, 1976ALMEIDA, Iracema de. Discurso. Diário Oficial do Estado de São Paulo: São Paulo, 19 out. 1976., p. 76).

A “doença social” se afigura evidente: é o racismo, mas a palavra estava interditada publicamente. O clima de violência política era fruto, em parte, da Doutrina de Segurança Nacional, radicalizada no Brasil desde o AI-5, e que pressupunha o combate ao “inimigo interno” ou àquilo que pudesse ameaçar a coesão social imaginada pelos militares. Sendo assim, parece intrigante a defesa de Iracema do GTPLUN como “vigilante da Segurança Nacional”. O que significaria “Segurança Nacional”? Que estranha posição ela tomava entre mundos e perspectivas políticas tão discrepantes? Essa estranheza se dissipa, em certa medida, quando sabemos que ela havia sido candidata - impugnada por razões desconhecidas -, em 1968, à vereança de São Paulo pela Aliança Renovadora Nacional (TRAPP, 2018TRAPP, Rafael Petry. “Nós somos brasileiros vivos”: Iracema de Almeida, raça e educação profissional em São Paulo (década de 1970). Revista do Coletivo Seconba, Barreiras, v. 2, n. 1, p. 87-98, nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/seconba/article/view/5476 . Acesso em: 04 jan. 2020.
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).

Santos (2005SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado: o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de São Paulo (1983-1987). Dissertação de Mestrado em Ciência Política, PPGCP-UNICAMP, Campinas, 2005., p. 83) informa que a “ARENA contou com o apoio de figuras importantes da comunidade [negra] e de entidades como o GTPLUN [...]”, entre outras. Alguns dos membros desse grupo, como a própria Iracema (em 1969), fizeram cursos na Escola Superior de Guerra do Rio de Janeiro, local em que a Doutrina de Segurança Nacional foi gestada, a partir dos anos 1950. Evidentemente que seu discurso na Câmara foi protagonizado em um ambiente de autoridades públicas. Mesmo que se estivesse já no ano de 1976, nos estertores da fase mais dura do regime, ela talvez, em parte, performava a coreografia política possível no momento histórico, notadamente adverso, em nome de um pragmatismo que, através de contratos com o Poder Público, mantivesse o GTPLUN em um funcionamento regular. Petrônio Domingues (2020DOMINGUES, Petrônio. A redescoberta da África: O Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros. Acervo, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 101-127, jan./abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1526/1440 . Acesso em: 02 fev. 2020.
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, p. 109), em direção semelhante, diz que, “ao não inscrever a questão racial nos seus estatutos, o GTPLUN, estrategicamente, evitava se indispor com os governos militares, para os quais qualquer movimento de conscientização negra era visto como uma ameaça divisionista e impatriótica”.

Ainda que o GTPLUN não pautasse seu discurso público (SCOTT, 2013SCOTT, James. A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos. Lisboa: Letra Livre, 2013.) racial de modo aberto e se declarasse mesmo apolítico - em termos de relações com militância político-partidária -, o que se observou foi o seu “alinhamento com os governos do regime militar” (DOMINGUES, 2020DOMINGUES, Petrônio. A redescoberta da África: O Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros. Acervo, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 101-127, jan./abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1526/1440 . Acesso em: 02 fev. 2020.
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, p. 118). Apesar do alinhamento, o grupo foi monitorado pelo DEOPS-SP,22 22 Cf. Prontuário n. 34.378, Acervo DEOPS-SP, Prontuários. e sofreu um revés, em 1977. A entidade recebera 40.000 dólares da Inter-American Foundation. A IAF apreciava “a escolha do GTPLUN de um ritmo de desenvolvimento que enfatiza um progresso gradual atingido nesse caso através da consciência cultural e de treinamento profissionalizante” (IAF apud PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar Araújo. O Mundo Negro: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado em História, UFF, Niterói, 2013., p. 154). Contudo, mesmo em tempo de distensão política, os militares desaprovaram a cooperação, pois a IAF pontuava um “problema racial” no país, e suspenderam suas atividades no Brasil (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar Araújo. O Mundo Negro: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado em História, UFF, Niterói, 2013.). Assim, as relações de proximidade entre o GTPLUN e a Ditadura, embora incontestes (DOMINGUES, 2020DOMINGUES, Petrônio. A redescoberta da África: O Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros. Acervo, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 101-127, jan./abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1526/1440 . Acesso em: 02 fev. 2020.
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), foram marcadas por desconfiança e tensão.

Esse grupo foi uma das entidades que atuou sob o olhar da vigilância policial, sombra que perseguiu os movimentos negros na maior parte do século XX. Eles foram vigiados e em alguns casos acossados pela polícia política ao longo da década de 1970, como ilustrou Karin Kössling em sua dissertação As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). A autora analisou prontuários do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP) para entender as lógicas da vigilância estatal ao ativismo social e político antirracista. Ela mapeou os discursos policiais-militares sobre o protesto negro e a situação racial que deram guarida institucional para ações coercivas, principalmente contra o Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo, grupo de 1978 que estimulou um questionamento aberto da ideologia racial-democrática (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar Araújo. O Mundo Negro: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado em História, UFF, Niterói, 2013.). Kössling (2007KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2007., p. 251) considera que, além do temor à subversão e ao comunismo, e apostando na desarticulação de visões teóricas interseccionais entre raça e classe, a abordagem policial se baseava na “perspectiva de preservação da ‘democracia racial’ brasileira, evitando a introdução de ‘antagonismo racial’ pelos movimentos negros”.

Um achado importante da autora consiste no fato de que não foi apenas o antirracismo negro de ordem política que esteve na mira do DEOPS-SP nos anos 1970, mas igualmente “também a própria produção intelectual de cientistas sociais sobre a presença negra no Brasil fazia parte das preocupações deste órgão” (KÖSSLING, 2007KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2007., p. 98). É o caso do sociólogo negro Eduardo de Oliveira e Oliveira (1924-80), que, tal como Edson Eustáquio, também encetou estudos das transformações da consciência racial do negro paulista nesse período da Ditadura Militar, em um mestrado e parte de um doutorado - não concluídos - em Sociologia na USP, entre 1972 e 1978. Oliveira se projetara no quadro do pensamento social no Brasil pela discussão crítica do negro de seu próprio ponto de vista, de modo a fortalecer sua consciência intelectual, social e política (TRAPP, 2020TRAPP, Rafael Petry. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo: Alameda Editorial, 2020.). Por sua atuação como um intelectual público no Brasil e nos EUA, foi monitorado pelo DEOPS-SP em ao menos três atividades, entre 1976 e 1977. Uma foi o evento “O negro na vida norte-americana: da Independência aos nossos dias”, realizado nos MASP em setembro de 1976; a outra foi sua participação (junto de outros intelectuais negros, como Abdias do Nascimento e Clóvis Moura), no I Congresso das Américas Negras, na Colômbia, em agosto de 1977; e a terceira, a “Quinzena do Negro na USP”, realizada em maio de 1977 na Faculdade de Psicologia da USP.

No início de 1977, o sociólogo finalizava o texto de sua tese na USP (orientada por João B. B. Pereira), História e Consciência de Raça, que buscava traçar um panorama sócio-histórico da ideologia racial afro-paulista de 1900 a 1972. Essa pesquisa, que entre 1972-74 fora de mestrado, intitulada Ideologia Racial: estudo de relações raciais, desejava situar criticamente alguns acontecimentos na transição 1960-1970 que o faziam suspeitar de uma mudança na consciência racial dos negros em São Paulo. Entre esses fatos, estavam os bailes do Burro Negro de 1969 e 1970, que celebravam os negros que entravam nas universidades paulistas; à eleição dos parlamentares negros Adalberto de Camargo, em 1966, e Theodosina Ribeiro, em 1970; a atuação de entidades como ACN e o Aristocrata Clube (que tinha entre seus membros os integrantes do GTPLUN); notava, também, declarações na imprensa “que sugerem atitudes manifestas de conscientização de um grupo minoritário em busca de uma identidade, identidade que pode ser encontrada através de um ‘valôr’ que possa ser atribuído ao negro social e culturalmente”.23 23 OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e, Ideologia Racial - estudo de relações raciais (Projeto de pesquisa), 1971, p. 10. São Carlos, Unidade Especial de Informação e Memória da Universidade Federal de São Carlos, Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual. Ecoando Virgínia Bicudo24 24 Em sua dissertação, Bicudo (2010 [1945]) analisou atitudes raciais no campo das relações entre segmentos médios e populares de negros, mulatos e brancos na cidade de São Paulo, e concluiu ser aquele mundo restringido socialmente pelas linhas de cor e assolado pelo preconceito. Ela negava que a ascensão social eliminaria o preconceito, argumentado, em verdade, que “a ascensão social [faria] com que o negro [adquirisse] consciência racial” (GOMES, 2013, p. 101). e dialogando mais diretamente com Florestan Fernandes, ele se pergunta - semelhantemente a Eustáquio, que ele, todavia, jamais citou25 25 Uma minuciosa pesquisa nos papeis de Oliveira e Oliveira na UFSCAR não encontrou nenhuma referência. - se a assimilação do negro à sociedade de classes não estaria criando atitudes de inconformismo contra o preconceito racial, em um contexto que “faz com que nos questionemos se, na busca de uma ideologia, não estará êle [o negro] construindo uma consciência histórica com a qual poderá tornar-se o próprio agente de seu destino”.26 26 Ibid., p. 2.

As perguntas de sua dissertação/tese ficaram sem respostas formais,27 27 Em meio a muitos percalços, a tese não foi defendida. Cf. TRAPP, 2020. mas a Quinzena foi uma maneira de respondê-las. A proposta foi a de realizar um ciclo de debates organizado por negros e para negros, pois a maior parte do que se fizera até então na USP sobre o tema havia sido realizado por intelectuais brancos, sendo o mais proeminente deles Florestan Fernandes. No programa do evento, ele escreveu: “Esta quinzena, às vésperas dos 90 anos da abolição da escravatura […] caracteriza-se por [...] revelar o negro como criatura e criador. Numa palavra: Sujeito” (OLIVEIRA, 1977OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Uma Quinzena do Negro [1977]. In: ARAÚJO, Emanoel (Curador). Para nunca esquecer: negras memórias, memórias de negros. Brasília: MINC/Fundação Cultural Palmares, 2001., p. 287). O momento consistiu em palestras, rodas de conversa e exposições, e dela participaram intelectuais e ativistas negros - e alguns brancos - com os quais o sociólogo se relacionava academicamente em São Paulo, no Rio de Janeiro - também nos EUA. Beatriz Nascimento, Hamilton Cardoso, Clóvis Moura, entre outros, integraram o quadro do pensamento negro que Oliveira desejava compor.

A Quinzena chamou a atenção do DEOPS-SP. Conquanto considerasse a ideia “excelente”, um agente dizia ser “perigoso [que] a coordenação [estivesse] na mão do citado elemento”, Oliveira, que teria ligações com o movimento negro norte-americano e que chamara pessoas que vinham “desenvolvendo atividades no campo do ‘negro’ numa perspectiva negativa”,28 28 Dossiê 50-J-0, 5372, p. 122. Acervo DEOPS/SP. como a antropóloga Juana Elbein dos Santos. Tais informações foram repassadas por um informante da FFLCH ao DEOPS-SP através da Assessoria Especial de Segurança e Informação (ASI)29 29 As AESI foram agências setoriais de informação ligadas aos ministérios civis da administração federal, subordinados por sua vez ao SNI. Cf. MOTTA, 2008. da USP, que pressionou para que ele não obtivesse verba da FAPESP e nem apoio institucional da universidade para o evento, considerado suspeito (MOTTA, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: Cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014.). A trama evidencia que a difusão do pensamento social era ameaçada - de resto, um receio da Ditadura com o campo científico (LENT, 2019LENT, Herman. O massacre de Manguinhos. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; Edições Livres, 2019 [1978].) -, pois “a preocupação da comunidade de informação e segurança não era apenas com o protesto dos movimentos negros, mas também com a discussão das referidas temáticas” (KÖSSLING, 2007KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2007., p. 99).

As histórias - aqui brevemente relatadas - dos coletivos acadêmicos, grupos sociais e ideias políticas elaboradas por tais sujeitos - universitários negros - em São Paulo na referência histórica em análise demonstram, através de experiências distintas em suas especificidades, a inexorável generalidade das “tensões, ambiguidades e conflitos entre ações” desses agentes com as “reações das autoridades governamentais sob a vigência do regime militar” (RIOS, 2014RIOS, Flávia. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. Tese de Doutorado em Sociologia, FFLCH-USP, São Paulo, 2014., p. 33-34). Ou seja, por mais discrepantes que tenham sido os relacionamentos entre esses movimentos negros com o Estado na Ditadura, a problemática racial se impôs como marcador central nas abordagens da vigilância policial institucional contra as perspectivas imaginadas de conflito social, merecendo, por essa razão, ações constantes, embora difusas, de espionagem, controle e eventual censura de discussões e projetos de mudança social. O temor da introdução de uma “falsa problemática” racial também foi um denominador comum nesse processo, assim como a efetiva influência de conceitos políticos advindos dos intercâmbios entre o Brasil e os Estados Unidos na formação do ativismo negro (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar Araújo. O Mundo Negro: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado em História, UFF, Niterói, 2013.), como é o caso de Eduardo de Oliveira e Oliveira e dos insights teóricos que Edson Eustáquio vislumbrou em seu projeto inconcluso.

No próximo e último tópico, um episódio bem documentado de repressão institucional direta visando ao controle da produção em Ciências Sociais pode trazer elementos para pensar a história da vigilância aos estudos em raça - na intersecção com classe - no Brasil, jogando luz sobre o desafio de entender as razões da censura à pesquisa sociológica e os efeitos de poder que ações policiais arbitrárias podem acarretar para a produção do saber científico.

Eduardo Judas Barros e a classe média negra no Brasil

O episódio a seguir foi identificado e comentado por Karin Kössling (2007KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2007., p. 99) e Rodrigo Patta Sá Motta (2008MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os olhos do regime militar brasileiro nos Campi. As assessorias de segurança e informações das universidades. Topoi, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, jan.-jun. 2008, p. 30-67. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/topoi/v9n16/2237-101X-topoi-9-16-00030.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X009016002.
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, p. 50), mas, pela especificidade desses trabalhos em seus contextos de produção, não foi objeto de maior aprofundamento. Trata-se da censura levada a cabo por diferentes instâncias dos governos federal e estadual (de São Paulo) ao projeto de doutorado de Eduardo Judas Barros (1944-2008), natural de Goa (Índia), que em 1977 veio ao Brasil - onde se radicaria - para fazer a pós-graduação em Ciências Sociais na USP sobre a classe média negra no país. Em síntese, no mês de março de 1977, o Conselho de Segurança Nacional (CSN), via Ministério da Justiça (MJ) em Brasília, solicitou ao governador de São Paulo que intercedesse na ASI-USP para o cancelamento do trabalho, por tratar de assunto que supostamente ameaçava à segurança nacional - pedido que se realizou, afinal.

Seus planos chamaram a atenção das autoridades por causa de entrevistas que ele concedeu aos jornais A Tarde (Salvador) no início de fevereiro, e, no final do mês, ao também soteropolitano Jornal da Bahia e ao então influente Jornal do Brasil (Rio de Janeiro). Um radiograma da Polícia Federal relatou que, nessas entrevistas,30 30 Radiograma, DPF, SALVADOR BA NR 146 120 09/03 1225, 9 mar. 1977. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Coordenação de Documentos Escritos e Documentos do Executivo e do Legislativo, Fundo Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ), Processo GAB n. 100.104 - 3 mar. 1977, Eduardo Judas Barros, Código BR.AN.RIO.TT.0.MCP.PRO.738. Doravante “Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN”. o autor se encontraria em Salvador, na casa de George Alakija, psiquiatra negro baiano que fora um dos membros da delegação brasileira no Segundo Festival Mundial de Arte e Cultura Negra (Lagos), de 15 dejaneiroa 12 de fevereiro de1977. Nessa oportunidade, Alakija teria conhecido Fernando Mourão, que depois se tornaria por seu intermédio o orientador de Barros.

As reportagens documentaram algumas ideias do pesquisador sobre a conscientização da negritude dos “próprios negros” que, influenciados por fatores externos como as independências dos países africanos, estariam dando lugar ao que ele chamou “nova classe média negra”,31 31 Negro brasileiro adquire consciência da sua negritude, Jornal A Tarde, Salvador, 05 fev. 1977, s. p. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. nessa segunda metade dos anos 1970. Ele se mostrava inspirado em autores como João B. B. Pereira e Thales de Azevedo, mas Florestan Fernandes e Roger Bastide lhe haviam sido mais caros, por terem estudado detidamente os problemas da integração racial e da ascensão social no Brasil e “lançado a hipótese de que se estava formando em São Paulo uma classe média negra”,32 32 Indiano pesquisa negro brasileiro, Jornal da Bahia, Salvador, 25 fev. 1977, s. p. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. experiência social que ainda não havia sido pesquisada especificamente no quadro da integração do negro a sociedade de classe. Em suas palavras ao Jornal do Brasil, o estudo - programado para o Estado de São Paulo - compreendia essencialmente “o processo de formação da classe média negra e tento verificar até que ponto ela se está desenvolvendo e o grau de consciência que tem de sua negritude” - negritude que seria “um conceito do negro se julgar negro”.33 33 Sociólogo indiano estuda o comportamento da classe média negra brasileira, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 fev. 1977, p. 6. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. Sem que o assunto tenha sido claramente levantado nesta última reportagem, Barros salientou àquela altura não poder tirar conclusões sobre a existência ou não de racismo no Brasil, mas pontuou que “à nova classe média negra faltam muitos elementos para que possa ser equiparada à classe branca”.34 34 Ibid. Todavia, afirmou que uma de suas preocupações era saber se havia um “problema racista no Brasil”.35 35 Negro brasileiro adquire...

Tais informações são tudo que se sabe dessa proposta de pesquisa, insidiosamente conhecida apenas através dos arquivos da repressão. Embora fossem impressões preliminares, é evidente que a problemática que o absorvia e os questionamentos decorrentes de suas inquietações sociológicas significavam uma interpelação crítica ao dogmatismo racial-democrático e um desafio às tentativas de sufocamento por parte da Ditadura Militar da discussão acadêmica (e pública) sobre a estrutura social pelo prisma de raça e classe.

As autoridades federais, agindo por “mecanismos informais” (MOTTA, 2008MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os olhos do regime militar brasileiro nos Campi. As assessorias de segurança e informações das universidades. Topoi, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, jan.-jun. 2008, p. 30-67. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/topoi/v9n16/2237-101X-topoi-9-16-00030.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X009016002.
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, p. 51) e “por debaixo dos panos” (KÖSSLING, 2007KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2007., p. 99), ou seja, à margem de um processo judicial constituído (procedimento comum na censura, principalmente aquela exercida contra a imprensa), operaram rapidamente para neutralizar seus passos intelectuais e azedar sua vida acadêmica na USP, pois o estudante era também beneficiário de uma bolsa de pesquisa da FAPESP, que ficou então a perigo. Em documento “sigiloso”, “confidencial” e “urgente”, o general Hugo de Andrade Abreu, secretário-geral do CSN, escreveu para Armando Ribeiro Falcão, Ministro da Justiça, em 3 de março de 1977, informando que a pesquisa de “alienígena” Eduardo Barros estava em desconformidade com o Decreto n. 65.057, de 1969, e por isso não tinha sido autorizada pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNP - atual CNPq). Mesmo que não fosse classificada como “expedição científica”, objeto de regulação do decreto, o intento “do indiano” envolvia “exploração, levantamento, coleta [...] de material científico” (Art. 4º) em território brasileiro. Com base nesse dispositivo normativo especialmente sensível para estrangeiros, o general recomendou a suspensão da pesquisa, “inclusive por tratar de assunto polêmico, suscetível de criar tensões sociais indesejáveis e realmente inexistentes até então”,36 36 Aviso 068/77, CSN para o MJ, 3 mar. 1977, p. 1. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. a fim de resguardar, no limite, os “interesses nacionais”.37 37 Ibid., p. 2. A partir dessas ordens, a Polícia Federal foi acionada em São Paulo para localizar o pesquisador e interrogá-lo. Duas semanas depois, o Secretário-geral do MJ, Paulo Cabral, informou a Hugo de Abreu ter feito contato com o Barros, que teria dito, não se sabe sob quais condições ou termos de interrogatório, que “suas declarações à Imprensa foram um tanto deturpadas”.38 38 Aviso 8051, 17 mar. 1977, MJ para CSN, p. 1. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. No dia seguinte, o Ministro da Justiça solicitou ao governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins - aliado político de Geisel no estado (MOTTA, 2008MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os olhos do regime militar brasileiro nos Campi. As assessorias de segurança e informações das universidades. Topoi, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, jan.-jun. 2008, p. 30-67. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/topoi/v9n16/2237-101X-topoi-9-16-00030.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X009016002.
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) -, providências. Após “contatos” da PF com a Reitoria da USP, o estudante foi obrigado a trocar de tema. O que seria um pioneiro “A situação do negro na classe média brasileira” deu lugar a “Simbiose cultural - um estudo de continuidade e descontinuidade - Unidade cultural”, sobre Goa. Hugo de Abreu, dirigindo-se novamente para Armando Falcão, avaliou que “as medidas até então adotadas parecem suficientes para salvaguardar os interesses da Segurança Nacional, neste caso”.39 39 Aviso n. 139/77, 25 maio 1977, CSN para MJ. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. A pesquisa foi, assim, silenciada.

Por fim, o orientador Fernando Mourão, em informação remetida pela ASI-USP para a Polícia Federal em São Paulo em abril, procurou explicar, em uma narrativa teórica provavelmente constrangida pela censura policial nas universidades, a conjuntura de produção do projeto. Ele foi taxativo em assegurar que o estudante tinha formação “anti-comunista” adquirida de sua vivência em Goa (estado indiano que foi, até 1961, possessão colonial de Portugal) e não possuía intenção de contestação política, e argumentou que a pesquisa colocaria em xeque a tese “importada que apresenta o negro como um fenômeno étnico, tese que está começando a causar problemas da maior gravidade”.40 40 Informação reservada concedida pelo Prof. Fernando Mourão, n. 10 5/ASI/USP/77, de 13 abr. 1977, p. 2. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN. Segundo ele,

O problema surgido, acredito, está ligado, por um lado, a uma deturpação de suas afirmações pela imprensa e, por outro lado, a uma certa falta de clareza do candidato que deu mais ênfase a aspectos paralelos do que ao objetivo fundamental do trabalho que era de provar que o negro é, antes de tudo brasileiro e que uma maior integração social, no caso de São Paulo, deve-se em boa parte ao processo de desenvolvimento de acordo com a hipótese formulada, pouco antes de falecer, pelo Professor Roger Bastide, em artigo escrito a pedido de entidade governamental brasileira. O candidato pretendia dar mais ênfase aos aspectos culturais do que aos raciais, embora estes, aparentemente, tenham surgido como tema central, oferecendo uma imagem de pesquisa totalmente diferente.41 41 Ibid.

Não sabemos a que texto de Bastide (que faleceu em 1974) ele se referia, mas Mourão manejava argumentos teóricos de uma forma de pensar a questão etnicorracial brasileira que estava sendo fustigada pelo movimento negro ascendente na segunda metade dos anos 1970, composto por uma geração de ativistas e intelectuais antirracistas informada não apenas pelas “influências externas” (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar Araújo. O Mundo Negro: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado em História, UFF, Niterói, 2013.) das independências africanas e dos movimentos políticos afro-americanos, mas também pelos desdobramentos interpretativos das Ciências Sociais no Brasil, que, sobretudo42 42 O advérbio se justifica por Virginia Bicudo ter antecipado, 20 anos antes, elementos da crítica sociológica da Escola Paulista sobre o processo racial brasileiro, antecipação que, malgrado sua acuidade teórica, foi ignorada por décadas e não teve maiores desdobramentos no pensamento social brasileiro. Cf. GOMES, 2013. desde os anos 1960, particularmente em São Paulo, com a Escola Sociológica Paulista, desencadeara a desconstrução da “democracia racial”.

A contra-argumentação do movimento negro e de seus intelectuais orgânicos, como Eduardo de Oliveira e Oliveira, Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, entre outros, buscava - a despeito da influência e virtual hegemonia do marxismo no mainstream acadêmico e intelectual das Ciências Humanas na época em destaque (RODRIGUES, 2011RODRIGUES, Lidiane Soares. A produção social do marxismo universitário em São Paulo: mestres, discípulos e “um seminário” (1958-1978). Tese de Doutorado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2011.) - um entendimento teórico-político que reposicionasse o significante racial na formação histórica brasileira, colocando-o como ponto nevrálgico do protesto negro e das perspectivas de mudança social e de (re)construção democrática nacional.

Discussão

Na conversação intelectual sobre raça na década de 1970, primordialmente entre os intelectuais e ativistas dos movimentos negros, entrou em jogo uma nova variante explicativa das iniquidades sociais: o conceito de racismo. Uma de suas elaborações teóricas mais influentes foi o livro Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, do sociólogo argentino - radicado no Brasil desde 1969 - Carlos Hasenbalg, publicado em 1979HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.. Em diálogo com o pensamento social negro, a obra imputava ao racismo e à discriminação racial a reprodução e perpetuação das desigualdades entre os grupos de cor no Brasil no pós-Abolição. Doutorado em Sociologia defendido em Berkeley, em 1978, a obra era uma contraposição às teses das desigualdades raciais como herança da escravidão (FERNANDES, 1964FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: o legado da “raça branca”. Prefácio de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008 [1964], v. 1.), e deu grande impulso às lutas políticas negras e antirracistas nos anos seguintes, coincidindo com o fortalecimento dos novos movimentos sociais, a abertura política e o consequente desmonte do Estado autoritário e de suas instituições de vigilância e repressão. Hasenbalg, em 1995, deu um depoimento sobre o estado da sociologia de relações raciais na Ditadura:

Há vinte anos eram muito poucas as pessoas trabalhando esse tema. Eu tive medo de publicar o meu livro em 1979. Dez anos antes, Florestan Fernandes tinha sido expulso da USP, aposentado compulsoriamente. Durante todo esse período não se falou nada no país sobre relações raciais. Depois que Florestan publicou A Integração do Negro na Sociedade de Classes, em 1965, e em 72 publicou O Negro no Mundo dos Brancos, a produção na ótica sociológica era ínfima, as condições políticas não eram propícias. A Antropologia, sim, continuou estudando o candomblé, a umbanda, que não eram coisas tão “perigosas” (HASENBALG, 1998HASENBALG, Carlos. Relações Raciais no Contexto Nacional e Internacional. Estudos e Pesquisas, Niterói, v. 4, p. 9-41, 1998., p. 36; grifo nosso)

Até onde nossa investigação pôde identificar empiricamente, realmente foram escassas as iniciativas concretas de pesquisa do negro brasileiro nas Ciências Sociais - particularmente na Sociologia - no ciclo político militar, mas se nos configura temerário afirmar a inexistência - - ou no máximo a “latência” (SILVA, 2015SILVA, Viviane Angélica. Cores da tradição: uma história do debate racial na Universidade de São Paulo (USP) e a configuração racial do seu corpo docente. Tese de Doutorado em Educação, FEUSP, São Paulo, 2015., p. 23) - de debate acadêmico sobre a questão na Ditadura - consideração comum na literatura especializada de raça no Brasil. Se a discussão não aconteceu em padrões científicos ótimos e tradicionais (publicação de artigos, defesas de dissertações/teses, realização de eventos, formação de campos teóricos, entre outros fatores), foi não só porque as “condições políticas não eram propícias”, mas houve efetiva repressão do Estado, a cargo da segurança dos dogmas raciais oficiais.43 43 Processos semelhantes têm sido notados, por sinal, em outros contextos nacionais nas Américas Negras no século XX. Exemplos são as políticas de monitoramento e perseguição do FBI a sociólogos afro-americanos (Du Bois, Frazier e vários outros) nos Estados Unidos, nos anos 1950-60 (KEEN, 1999), e a transformação da temática racial em tabu nas Ciências Sociais da Cuba pós-revolucionária, em particular na década de 1970, quando o problema do racismo foi declarado oficialmente resolvido pelo regime cubano (VASALLO, 2012).

Como notou Thomas Skidmore em 1983SKIDMORE, Thomas Elliot. Race and Class in Brazil: Historical Perspectives. Luso-Brazilian Review, v. 20, n. 1, p. 104-118, Summer, 1983. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3513220?seq=1 . Acesso em: 04 jan. 2020.
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, a anemia do debate deu-se nomeadamente pela “repressão governamental”, pois “subversivos” eram não apenas membros da luta armada, “mas cientistas sociais com ideias”, o que incluía “acadêmicos que tinham levantado questões sobre a ‘democracia racial’ brasileira” (1983, p. 108).44 44 O que foi o caso dele próprio, pois autor de Preto no Branco: Raça e Nacionalidade no Pensamento Brasileiro (Paz e Terra, 1976), obra crítica ao caráter racista do pensamento social brasileiro. Kössling (2007, p. 99) identifica uma menção a ele em documento do DEOPS-SP, de 1977: Skidmore seria “‘extremamente perigoso’ para o Brasil, por tornar a abordar ‘o problema do negro’ em termos raciais”. Originalmente, Skidmore proferira essas palavras no simpósio “Race and Class in Brasil: New Issues and New Approaches”, realizado em fevereiro de 1980 no Centro de Estudos Afro-Americanos da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Eduardo de Oliveira e Oliveira, interlocutor de Skidmore, fora convidado para esse evento, mas, gravemente enfermo, não participou (faleceria no mesmo ano, aos 56 anos de idade). Sua enfermidade, antes emocional do que física, e a relativa falência de muitos de seus projetos, como a tese, se tornam mais inteligíveis quando se percebe seus esforços de produção sociológica e ativismo político submetidos às constrições difusas, mas persistentes da vigilância policial, como vimos mais acima no tocante à Quinzena do Negro, em 1977 (TRAPP, 2020TRAPP, Rafael Petry. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo: Alameda Editorial, 2020.). O sociólogo foi uma das milhares de pessoas que, talvez sem tê-lo sabido,45 45 Não encontramos evidências de que os sujeitos históricos dessa pesquisa soubessem ou tenham conhecido o efeito que suas ideias e projetos provocaram em termos da vigilância policial do regime militar. “foram espionadas, julgadas e prejudicadas pela comunidade de informações” (FICO, 2003FICO, Carlos. Espionagem, Polícia Política, Censura e Propaganda. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília Almeida (Orgs.). O Tempo da Ditadura: Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX - O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. V. 4, p. 167-205. , p. 181) mantida pela Ditadura Militar.

Essa pressão se abateu, distintamente na temporalidade e nos métodos, mas obedecendo à mesma diretriz normativa do contrato racial apregoado pela ordem militar, por sobre as pesquisas sociológicas - desaparecida - de Edson Eustáquio e - silenciada - de Eduardo Barros. Este último, embora alvo de censura direta do Estado em 1977, prosseguiu no Brasil e construiu sólida carreira na Universidade Estadual de Londrina, onde fundou um Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos (atual NEAB-UEL), em 1985; Eustáquio, pelo contrário, desapareceu como autor e virtual antecessor do estudo dos fundamentos sociológicos de um dos debates acadêmicos mais importantes feitos no Brasil entre o fim dos anos 1990 e início de 2000: as políticas de ação afirmativa para negros nas universidades públicas.

Analisando as políticas de censura das ditaduras de Brasil e Argentina contra editoras universitárias, o latino-americanista Peter T. Johnson disse, em 1978JOHNSON, Peter. Academic Press Censorship under Military and Civilian Regimes: The Argentine and Brazilian Cases, 1964-1975. Luso-Brazilian Review, v. 15, n. 1, p. 3-25, Summer, 1978. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3512898?seq=1 . Acesso em: 04 jan. 2020.
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(p. 4), que “acadêmicos e artistas criativos que não desejam ter seu trabalho sufocado podem deixar o país, uma ação que em parte contribui para a escassez de publicações de qualidade em Ciências Sociais em muitos países”.46 46 No original: “Scholars and creative artists not wishing their work stifled may leave the country, an action which in part accounts for the dearth of high quality social science publications in many countries”. Tradução nossa. A hipótese parece fazer bastante sentido para o destino de Edson Eustáquio como intelectual. Porém, não temos maiores dados para relacionar os movimentos da vigilância policial com suas pesquisas sociológicas, e, por isso, ignoramos razões mais bem definidas de seu apagamento. Entretanto, tal fato não deixa de assumir implicações históricas na intrincada teia de interdições provocada pelo autoritarismo militar no Brasil, tendo em mente suas múltiplas destruições, seja de fontes documentais, de direitos constitucionais, de ideias científicas, de vidas, de memórias, com perversos efeitos para as classes populares e grupos sociais marginalizados. Ou seja, não haver evidências pode ser, à vista disso, um documento, que aclara, em sua negatividade, as táticas e estratégias de produção da indigência científica e do desestímulo ao pensamento crítico e sua discussão pública.

Ainda, não deve passar despercebida a inquietante coincidência entre as escolhas temáticas dos três malfadados projetos de pesquisa, que identificaram, cada um a seu modo, a experiência singular da consciência racial em relação com a mobilidade social ascendente que acabou por produzir, conjuntamente a outros aspectos, o ativismo negro contemporâneo no Brasil. A inteligência policial das instituições de vigilância, por sua vez, estava ciente dos riscos políticos envolvidos em compreensões racializadas do processo social de formação das classes médias negras, pois, como disse Fernandes (1988FERNANDES, Florestan. O protesto negro. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 15-17, abr./jun. 1988., p. 17) logo após o término da Ditadura, “raça se configura como pólvora do paiol, o fator que em um contexto de confrontação poderá levar muito mais longe o radicalismo inerente à classe”.

A vigilância estatal manteve olhos atentos aos cientistas sociais que, em suas perspectivas teóricas e intervenções políticas entre 1964-85, promoveram “a aproximação entre os conceitos de ‘raça’ e ‘classe’” (KÖSSLING, 2007KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação de Mestrado em História Social, FFLCH-USP, São Paulo, 2007., p. 98), a exemplo de Florestan Fernandes, mas também Thales de Azevedo e Clóvis Moura - e, argumentamos, dos sociólogos aqui analisados e por aqueles inspirados. Essa atitude de suspeição se manifestou na própria abordagem da Ditadura Militar às manifestações culturais engajadas, que usufruíram de certa liberdade, ao menos até 1968, desde que estivessem eliminadas possíveis ligações com as classes populares (SCHWARZ, 1970SCHWARZ, Roberto. Cultura e política, 1964-1969 [1970]. In: SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar: ensaios selecionados. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.; SÜSSEKIND, 1985SÜSSEKIND, Flora. Censura: uma pista dupla. In: SÜSSEKIND, Flora. Literatura e vida literária: polêmicas, diários & retratos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1985, p. 17-70.).

Esses eventos de sequestro do horizonte de pesquisa de sociólogos negros ou de abordagens da temática racial na Ditadura ilustram, ainda, o que filósofa Sueli Carneiro (2005CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese de Doutorado em Educação, FEUSP, São Paulo, 2005., p. 97) definiu, inspirada em Michel Foucault e Boaventura Souza Santos, como “epistemicídio”, o apagamento histórico do pensamento negro. Em suas palavras:

O epistemicídio é [...] um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento [...]. Isto porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem desqualificá-los também, individual e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar o conhecimento “legítimo” ou legitimado.

Nesse sentido, refletimos que a censura às pesquisas sociológicas identificadas neste artigo representa um capítulo da história mais abrangente do racismo institucional brasileiro. O conceito pode ser entendido como a configuração das assimetrias raciais na composição estrutural das instituições sociais (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. Coleção Feminismos Plurais.), e que age por meio de dispositivos de poder articulados a formações discursivas específicas e normaliza assim contornos determinados de relações de poder-saber (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.).

Na Ditadura Militar, a ideologia racial-democrática pregou-se a uma orientação francamente conservadora do funcionamento das instituições estatais e foi articulada a um discurso de segurança voltado para a anulação estratégica do debate científico do conflito social. Segundo uma racionalidade burocrática racial, ao Estado autoritário importava controlar a narrativa política e conservar o status quo dessa estrutura geral de reprodução social através da censura à discussão pública sobre o racismo e do bloqueio das conexões teórico-políticas entre raça e classe no pensamento sociológico, intersecção vista como potencialmente disruptiva para a coesão ideológica nacional e a manutenção da ordem.

Conclusão

A resposta à inquietação alusiva ao que acontece quando um Estado autoritário censura a pesquisa sociológica encontrou nas situações identificadas e descritas neste artigo processos de vigilância, repressão e controle policial, que, associados a discursos de defesa e manutenção de uma ordem política, resultaram em silenciamento de ideias, obstrução de trajetórias e apagamentos de memória. Em nossa análise, a censura a cientistas sociais interessados na experiência negra brasileira torna-se mais inteligível quando se a entende como um gesto institucionalizado do racismo estrutural espraiado no tecido social.

Entendendo a censura às Ciências Sociais como uma coerção de natureza negativa porque contraproducente, inibidora do debate público sobre a realidade social, julgamos oportuno dizer as razões de avaliarmos a pesquisa sociológica importante e necessária, em vista, no limite, dos propósitos sociais para os quais ela se dirige. Parece-nos adequado e historicamente justo meditar em uma definição de Florestan Fernandes - que teve os seus 100 anos de nascimento comemorados em 2020 -, que, em uma carta de 1967, se viu como um “estimulador, que se empenha em criar condições para a pesquisa sociológica” (apud FREITAG, 1996FREITAG, Bárbara. Florestan Fernandes por ele mesmo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 10, n. 26, p. 129-72, 1996. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v10n26/v10n26a15.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-40141996000100015.
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, p. 139). As ideias do sociólogo reverberaram nas pesquisas de Edson Eustáquio, Eduardo de Oliveira e Oliveira e Eduardo Barros, as quais, por sua criticidade, encontram obstáculos interpostos pela ação subterrânea, difusa e multiforme do Estado. Em 1975, no livro A revolução burguesa no Brasil, um ensaio de sociologia histórica sobre as origens e os fundamentos do Estado autoritário brasileiro, Fernandes escreve:

De outro lado, não desvinculei a sociologia da pressão inexorável dos desafios que encadeiam o presente e futuro. Não está ao meu alcance criar uma sociedade ideal. Contudo, está ao meu alcance descrever o que, na sociedade existente, não é ideal para nenhuma espécie de existência humana em sociedade. Ora, essa descrição não pode ser nem tão “abstrata” e “formal” nem tão “estrutural” e “geral” que as palavras percam o sentido da linguagem comum. Os que não gostam de controvérsia sofrem com isso. Os que procuram a controvérsia como artifício do progresso do pensamento criador ficam encantados. A minha perspectiva não vai tão longe: trata-se de equacionar, sociologicamente, a negação de um presente indesejável (FERNANDES, 1975FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. , p. 10).

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  • TRAPP, Rafael Petry. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo: Alameda Editorial, 2020.
  • VASALLO, Clarisbel Gómez. Las ciencias sociales cubanas en el torbellino revolucionário: relaciones interraciales y discurso científico-social. Revista de la Universidad de La Habana, v. 273, p. 130-155, 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.revuh.uh.cu/index.php/UH/article/view/24 Acesso em: 04 jan. 2020.
    » http://www.revuh.uh.cu/index.php/UH/article/view/24
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referidas no artigo.
  • 3
    Curriculum Vitae, circa segundo semestre de 1971, p. 4. São Paulo, Arquivo do Centro de Documentação e Memória da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (“Arquivo CEDOC/FESPSP”), Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio.
  • 4
    Ibidem.
  • 5
    Ibid.
  • 6
    Estudo comparativo da evolução do negro estudante universitário, nas décadas de 50/60, em São Paulo (Anteprojeto de pesquisa), circa junho 1971, p. 3. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio. Não informa que universidades seriam.
  • 7
    Planejamento da pesquisa (rascunho), p. 1. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio.
  • 8
    Levantamento das Pesquisas em Processo no Brasil (Questionário), de Edson A. Eustáquio, Conselho Nacional de Pesquisas, p. 1. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio.
  • 9
    Estudo comparativo..., p. 2.
  • 10
    Ibid.
  • 11
    Levantamento..., p. 1.
  • 12
    Estudo comparativo..., p. 2.
  • 13
    Ibid., p. 3.
  • 14
    Cf. DÁVILA, Jerry.Hotel Trópico: o Brasil e o desafio da descolonização africana (1950-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
  • 15
    Por sinal, Borges Pereira é autor da única menção acadêmica encontrada nesta pesquisa sobre Eustáquio - em texto não publicado. Em 1973, ele diz: “Soube, também, que um pós-graduando da Escola de Sociologia e Política de São Paulo - Edson A. Eustáquio - realiza inquérito a respeito da situação do aluno negro na estrutura universitária paulista”. PEREIRA, João Baptista Borges. “Estudos antropológicos e sociológicos sobre o negro no Brasil: Aspectos históricos e tendências atuais”. Plano de Curso. ICH-UnB, IX Curso de Estudos Brasileiros, 2º Semestre de 1973, p. 13. São Paulo, Arquivo do Centro de Estudos Africanos da USP.
  • 16
    Prontuário n. 2043, de Edson Antonio Eustáquio, 29 dez. 1970 (Operação Bandeirante), p. 2. São Paulo, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Acervo DEOPS-SP, Fichas e Prontuários.
  • 17
    Memorando, Secretaria da Escola Pós-graduada de Ciências Sociais para a Tesouraria da ELSP, 30 nov. 1971. Arquivo CEDOC/FESPSP, Registros de alunos, Pasta de Edson Antonio Eustáquio.
  • 18
    Info relação brasileiros ligados à subversão atualmente vivendo exterior, Telegrama N43, ANIAC/02, CISA para SNI, 21 ago. 1978, p. 163. Comissão da Verdade da UFRN, Biblioteca Zila Mamede, Documentos Luíza Nóbrega. Disponível em: <https://bczm.ufrn.br/comissaodaverdade/.
  • 19
    Por falta de outros meios, buscamos informação a respeito do paradeiro de Eustáquio principalmente através de sites e mecanismos de busca da internet. Não procuramos possíveis contatos pessoais no Brasil ou fora do país simplesmente por não termos conseguido encontrar, na pesquisa de arquivo, referências sólidas e rastreáveis de colegas, interlocutores ou amigos.
  • 20
    Universitários negros iniciam em São Paulo luta por direitos, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º Caderno, 19 maio 1968, p. 20 (para todas as citações do parágrafo).
  • 21
    Cf. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 maio 1968, 1º Caderno, p. 20; e ANTUNES FILHO, José Alves. Compasso de Espera. 1973. Filme (longa-metragem). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gjns-TgMQCU&t=513s. Acesso em: 20 mar. 2020.
  • 22
    Cf. Prontuário n. 34.378, Acervo DEOPS-SP, Prontuários.
  • 23
    OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e, Ideologia Racial - estudo de relações raciais (Projeto de pesquisa), 1971, p. 10. São Carlos, Unidade Especial de Informação e Memória da Universidade Federal de São Carlos, Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual.
  • 24
    Em sua dissertação, Bicudo (2010 [1945]BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo. Edição organizada por Marcos Chor Maio. São Paulo, Editora Sociologia e Política, 2010 [1945].) analisou atitudes raciais no campo das relações entre segmentos médios e populares de negros, mulatos e brancos na cidade de São Paulo, e concluiu ser aquele mundo restringido socialmente pelas linhas de cor e assolado pelo preconceito. Ela negava que a ascensão social eliminaria o preconceito, argumentado, em verdade, que “a ascensão social [faria] com que o negro [adquirisse] consciência racial” (GOMES, 2013GOMES, Janaína Damasceno. Os segredos de Virgínia: estudo de atitudes raciais em São Paulo 1945-1955. Tese de Doutorado em Antropologia, FFLCH-USP, São Paulo, 2013., p. 101).
  • 25
    Uma minuciosa pesquisa nos papeis de Oliveira e Oliveira na UFSCAR não encontrou nenhuma referência.
  • 26
    Ibid., p. 2.
  • 27
    Em meio a muitos percalços, a tese não foi defendida. Cf. TRAPP, 2020.
  • 28
    Dossiê 50-J-0, 5372, p. 122. Acervo DEOPS/SP.
  • 29
    As AESI foram agências setoriais de informação ligadas aos ministérios civis da administração federal, subordinados por sua vez ao SNI. Cf. MOTTA, 2008MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os olhos do regime militar brasileiro nos Campi. As assessorias de segurança e informações das universidades. Topoi, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, jan.-jun. 2008, p. 30-67. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/topoi/v9n16/2237-101X-topoi-9-16-00030.pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X009016002.
    https://www.scielo.br/pdf/topoi/v9n16/22...
    .
  • 30
    Radiograma, DPF, SALVADOR BA NR 146 120 09/03 1225, 9 mar. 1977. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Coordenação de Documentos Escritos e Documentos do Executivo e do Legislativo, Fundo Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ), Processo GAB n. 100.104 - 3 mar. 1977, Eduardo Judas Barros, Código BR.AN.RIO.TT.0.MCP.PRO.738. Doravante “Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN”.
  • 31
    Negro brasileiro adquire consciência da sua negritude, Jornal A Tarde, Salvador, 05 fev. 1977, s. p. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 32
    Indiano pesquisa negro brasileiro, Jornal da Bahia, Salvador, 25 fev. 1977, s. p. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 33
    Sociólogo indiano estuda o comportamento da classe média negra brasileira, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 fev. 1977, p. 6. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 34
    Ibid.
  • 35
    Negro brasileiro adquire...
  • 36
    Aviso 068/77, CSN para o MJ, 3 mar. 1977, p. 1. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 37
    Ibid., p. 2.
  • 38
    Aviso 8051, 17 mar. 1977, MJ para CSN, p. 1. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 39
    Aviso n. 139/77, 25 maio 1977, CSN para MJ. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 40
    Informação reservada concedida pelo Prof. Fernando Mourão, n. 10 5/ASI/USP/77, de 13 abr. 1977, p. 2. Processo Eduardo Judas Barros/DSI/MJ-AN.
  • 41
    Ibid.
  • 42
    O advérbio se justifica por Virginia Bicudo ter antecipado, 20 anos antes, elementos da crítica sociológica da Escola Paulista sobre o processo racial brasileiro, antecipação que, malgrado sua acuidade teórica, foi ignorada por décadas e não teve maiores desdobramentos no pensamento social brasileiro. Cf. GOMES, 2013GOMES, Janaína Damasceno. Os segredos de Virgínia: estudo de atitudes raciais em São Paulo 1945-1955. Tese de Doutorado em Antropologia, FFLCH-USP, São Paulo, 2013..
  • 43
    Processos semelhantes têm sido notados, por sinal, em outros contextos nacionais nas Américas Negras no século XX. Exemplos são as políticas de monitoramento e perseguição do FBI a sociólogos afro-americanos (Du Bois, Frazier e vários outros) nos Estados Unidos, nos anos 1950-60 (KEEN, 1999KEEN, Mike Fores. Stalking the Sociological Imagination: J. Edgar Hoover’s FBI Surveillance of American Sociology. Westport: Greenwood Press, 1999.), e a transformação da temática racial em tabu nas Ciências Sociais da Cuba pós-revolucionária, em particular na década de 1970, quando o problema do racismo foi declarado oficialmente resolvido pelo regime cubano (VASALLO, 2012VASALLO, Clarisbel Gómez. Las ciencias sociales cubanas en el torbellino revolucionário: relaciones interraciales y discurso científico-social. Revista de la Universidad de La Habana, v. 273, p. 130-155, 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.revuh.uh.cu/index.php/UH/article/view/24 . Acesso em: 04 jan. 2020.
    http://www.revuh.uh.cu/index.php/UH/arti...
    ).
  • 44
    O que foi o caso dele próprio, pois autor de Preto no Branco: Raça e Nacionalidade no Pensamento Brasileiro (Paz e Terra, 1976), obra crítica ao caráter racista do pensamento social brasileiro. Kössling (2007, p. 99) identifica uma menção a ele em documento do DEOPS-SP, de 1977: Skidmore seria “‘extremamente perigoso’ para o Brasil, por tornar a abordar ‘o problema do negro’ em termos raciais”.
  • 45
    Não encontramos evidências de que os sujeitos históricos dessa pesquisa soubessem ou tenham conhecido o efeito que suas ideias e projetos provocaram em termos da vigilância policial do regime militar.
  • 46
    No original: “Scholars and creative artists not wishing their work stifled may leave the country, an action which in part accounts for the dearth of high quality social science publications in many countries”. Tradução nossa.

Editado por

Editores Responsáveis

Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2020
  • Aceito
    08 Dez 2020
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