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O retrato de Anna de La Grange como Norma, de Louis-Auguste Moreaux: a retratística teatral e a circulação de modelos no Brasil do século XIX

The portrait of Anna de La Grange as Norma, by Louis-Auguste Moreaux: theatrical portraiture and the circulation of models in nineteenth-century in Brazil

RESUMO

Este artigo analisa a pintura de Louis-Auguste Moreaux intitulada O retrato da atriz Lagrange (Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro), exposta em 1860 em homenagem à atriz e cantora francesa Anna de La Grange em seu papel como Norma, personagem da ópera de Vincenzo Bellini. O artigo analisa a crítica do período, a carreira de Anna de La Grange, os modelos internacionais acerca da retratística teatral e sua circulação no Brasil, além da renovação da retratística na coleção de pinturas da Academia Imperial de Belas Artes.

PALAVRAS-CHAVE
Retrato; Anna de La Grange; Louis-Auguste Moreaux

ABSTRACT

This article analyses Louis-Auguste Moreaux’s painting titled The Portrait of the actress Lagrange (National Museum of Fine Arts, Rio de Janeiro), exhibited in 1860 in honor of the French actress and singer Anna de La Grange in his role as Norma, character of Vincenzo Bellini’s opera. The article analyzes the criticismo of the period, the career of Anna de La Grange, the international models about theatrical portraiture and its circulation in Brazil, as well as the renewal of portraiture present in the collection of paintings of the Imperial Academy of Fine Arts.

KEYWORDS
Portrait; Anna de Lagrange; Louis-Auguste Moreaux

Ao pensarmos na ópera Norma, lembramos da interpretação magistral e suprema de Maria Callas. Cantora inigualável e de uma beleza marcante, Callas deu à personagem de Vincenzo Bellini um forte caráter, sensualidade e exuberância condizentes com a história da alta sacerdotisa gaulesa. Callas interpretou Norma no Brasil em 1951, em São Paulo e no Rio de Janeiro, levando aos brasileiros a monumentalidade de sua voz, de sua interpretação em gestos e olhares penetrantes.

Se a história da ópera ganhou novos contornos com Maria Callas, também o século XIX celebrou grandes atrizes e cantoras de sucesso internacional na Europa e nas Américas. Um dos principais nomes foi a francesa Anna de La Grange. Quase cem anos antes da presença de Callas no Brasil, La Grange aportou no Rio de Janeiro para atuar em um dos papéis mais marcantes de sua carreira - Norma -, imortalizada no palco e também no retrato pintado pelo artista francês Louis-Auguste Moreaux, em 1860, hoje conservado no Museu Nacional de Belas Artes (Figura 1).

Figura 1
LOUIS AUGUSTE MOREAUX. Rocroy, França 1817 - Rio de Janeiro, RJ 1877. Pintura Estrangeira. Retrato da atriz Lagrange, 1860, óleo sobre tela, 260 x 174 cm, assinada L. Auguste Moreaux 1860. Coleção Museu Nacional de Belas Artes/Ibram. Fotografia: Acervo Museu Nacional de Belas Artes/Ibram

O retrato feito em homenagem à atriz e cantora francesa contém elementos interessantes da retratística teatral já consolidada por grandes artistas na Europa. Como bem ressaltam Allard e Scherf (2006)ALLARD, Sebastien; SCHERF, Guillhem. Identités de substitution. Catalogue Portraits Publics Portraits Privés. 1770-1830. Paris: RMN, 2006. , essa tipologia procurava enobrecer o retratado e sua condição, “manifestando a importância doravante concedida à celebridade como valor de reconhecimento social”2 2 É de nossa responsabilidade a tradução para o português de todas as citações. . Constituía ainda uma espécie de “encarnação” da atriz com seu personagem, passeando, como afirmam esses autores, entre o retrato alegórico - com o retratado travestido de suas caracterizações - e o retrato de condição, o qual exprimia sua natureza social (ALLARD; SCHERF, 2006ALLARD, Sebastien; SCHERF, Guillhem. Identités de substitution. Catalogue Portraits Publics Portraits Privés. 1770-1830. Paris: RMN, 2006. , p. 282-285).

Louis-Auguste Moreaux, residente no Rio de Janeiro desde 1841 (Jornal do Commercio, n. 13, 15/1/1841)3 3 A chegada ao Rio de Janeiro ocorreu no dia 14 de janeiro com o irmão François-René Moreaux, mas eles passaram, antes, por Salvador. Há notícias de encomendas recebidas por François-René na Bahia, já em 1839. , retrata Anna de La Grange em seu papel magistral a partir de uma encomenda destinada à honra da cantora e à Pinacoteca da Academia Imperial de Belas Artes. Ao integrar o conjunto de pinturas da instituição, Moreaux promovia a renovação do gênero da retratística já consolidado pelos retratos do Imperador Pedro II ou dos homens ilustres ou heróis, propondo a representação de uma figura feminina apreciada pela sociedade, atualizando a noção do exemplo e da virtude - centralizadas, agora, no mundo artístico - e demonstrando ainda a circulação dos modelos europeus da tipologia do retrato teatral no ambiente brasileiro.

Levando em conta esses fatores, pretende-se analisar, neste artigo: 1) o detalhamento da obra realizada por Moreaux, sua abordagem ao tema do retrato teatral no Rio de Janeiro, elucidando a recepção às suas pinturas nas exposições cariocas; 2) uma breve análise da carreira de Anna de La Grange na Europa e no Rio de Janeiro; 3) a formação dos modelos internacionais relativos à retratística do teatro, suas funções e seus principais personagens, sua recepção crítica e também a representação de Norma por outras atrizes, tecendo comparações à Anna de La Grange; 4) o ambiente social e artístico brasileiro na recepção ao retrato teatral produzido por Sébastien-Auguste Sisson na gravura e Manuel Chaves Pinheiro na escultura, e a renovação desse gênero de retrato promovida por esses artistas. Finalmente, destacaremos a entrada da obra de Moreaux na Pinacoteca da Academia, onde o tamanho da pintura, a figura feminina e o fato de integrarem essa coleção se colocam como fundamentais à renovação da retratística no Brasil.

O retrato de Anna de La Grange e a ópera Norma

O retrato de Anna de La Grange como Norma foi exposto pela primeira vez em 1860 na Casa Bernasconi, estabelecimento localizado desde 1853 na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. A casa vendia espelhos e objetos decorativos, acessórios para desenho e pintura, gravuras de figuras ilustres, e expunha, eventualmente, obras de artistas residentes ou de passagem pela cidade. Após a exibição na Casa Bernasconi, o retrato de Anna de La Grange foi mostrado na Exposição Geral da Academia Imperial de Belas Artes daquele mesmo ano, dando continuidade às críticas em torno da pintura.

A atriz Anna de La Grange aparece de corpo inteiro em tamanho natural caracterizada como Norma, posicionada acima de uma pedra em meio à natureza, vestida com uma indumentária prateada e capa azul, portando uma coroa de carvalhos dourada na cabeça, com os braços e o ombro esquerdo ligeiramente à mostra. “Figura majestosa”, de uma “carnação perfeita” e “modelado escultural” - segundo nos aponta Gonzaga-Duque (1995, p. 106)4 4 A primeira edição data de 1888. - ela olha para a direita e aponta para a esquerda, em um gesto imponente. Do lado direito, quase na metade da tela, aparece de maneira sutil a sua foice dourada. A composição nos remete, possivelmente, à cena do primeiro ato da ópera Norma, quando a personagem principal está com as demais sacerdotisas na natureza e, posicionada de forma elevada física e espiritualmente sobre a pedra druídica, reforça a relação com o divino também evidenciada pelo seu gesto.

Escrita por Vincenzo Bellini em 1831, a ópera Norma estreou no Teatro Scala de Milão com a performance da célebre atriz Giuditta Pasta como Norma e de Giulia Grisi como Adalgisa. Norma é uma alta sacerdotisa gaulesa, única intérprete da vontade divina que divide o amor do romano Pollione - com quem tem dois filhos de forma secreta - com Adalgisa. A trama se passa entre romanos e gauleses e a dominação dos primeiros sobre os segundos aproximadamente em 50 a. C, girando em torno do amor e da disputa entre os três personagens - Norma, Pollione e Adalgisa. Percebendo o amor de Pollione por Adalgisa, Norma, desesperada, pensa no suicídio e, antes, em assassinar os próprios filhos para punir o amante, evocando a personagem da mitologia grega Medéia, cuja história inspirou uma série de pinturas e também de óperas, como aquelas escritas por Marc-Antoine Charpentier em 1693, ou por Luigi Cherubini em 1797. Sem coragem para o ato, Norma decide deixar seus filhos para a futura esposa de Pollione, Adalgisa, e, chamando-a para comunicar a decisão, surpreende-se com o ato da virgem, que desiste de seu amor. Adalgisa, reconhecendo o valor e o sentimento de Norma, une-se a ela na retomada do amor desta por Pollione. A trama, no entanto, ganha outros contornos, seguindo com o triângulo amoroso e suas consequências para os druidas, que acreditam na ajuda de Norma para se livrarem da dominação romana. Ao final da ópera, contudo, o segredo maior de Norma é revelado ao Templo, isto é, que sua sacralidade fora tocada pelo amor do romano Pollione. Ela roga pela vida dos filhos e, condenada, segue com Pollione para a morte (DICTIONNAIRE chronologique..., 1986, p. 210-211). Norma encarna, assim, o romantismo de uma personagem tomada por um conflito moral. Ela titubeia, duvida e transita entre a razão e a emoção, tornando-se, finalmente, a heroína que se sacrifica em prol da verdade e do amor (SACCO, 2012SACCO, Laure Helene. Norma personnage tragique de l’ópera romantique. Arzanà. Cahiers de Littérature Médievale Italienne, n. 14, 2012., p. 147-157).

No Brasil, a ópera havia sido apresentada em duetos já no início da década de 18405 5 Não é intenção deste artigo discorrer sobre a história da ópera no Brasil, mas apontar alguns elementos importantes à compreensão da pintura. No caso de Norma, ver Diário do Rio de Janeiro, n. 192, 1/9/1842. Para uma análise mais detalhada da cena musical no Rio de Janeiro oitocentista, ver: Ayres de Andrade, 1967. , mas sua apresentação completa deu-se, pela primeira vez, em 17 de janeiro de 18446 6 “Terá logar a primeira execução da ópera Norma, música do mestre Bellini” (Diário do Rio de Janeiro, n. 6.525, 17/1/1844). No papel de Norma estava Augusta Candiani, como Adalgisa, Margarida Deperini, e como Pollione, Angiolo Graziani. , no Teatro de São Pedro de Alcântara no Rio de Janeiro. No caso de La Grange, a cantora fora contratada com sua companhia para executar diversas óperas no Rio de Janeiro por dois anos, entre 1858 e 1860, em um contrato considerado bastante ousado e caro, segundo nos informam os jornais do período.

As apresentações anteriores à chegada de La Grange despertaram o interesse de outros artistas. Antes da pintura feita por Moreaux em 1860, um retrato de Norma foi executado pelo artista italiano Gregório Corelli em 1850 e exibido na Exposição Geral da Academia Imperial de Belas Artes daquele ano. Corelli foi criticado de forma bastante negativa pela imprensa:

[...] dei meia volta á direita e encarei com a Norma do Sr. Corelli! Faltão-me expressões para manifestar o que se passou em mim. Lembrei-me das sensações que eu experimentára ha annos nesta mesma sala á vista de uns retratos do finado marquez de Maricá e dos Drs. Paula Candido e Borges Monteiro. [...] Fiquei indignado. Enterrei o chapéo na cabeça, e atirei me como doudo pelo corredor fóra, acotovelando duas senhoras que vinhão entrando, e que, com toda a razão me chamárão grosseiro. [...] ao chegar à grade atirei com o livrinho à cara do porteiro, e jurei não pôr mais os pés na Academia chamada das Belas Artes! [...] Por maior que fosse meu prazer em contemplar a producção destes artistas, seria muito inferior ao calafrio que sinto correr-me pelo corpo ao lembrar-me da horribilíssima Norma do Sr. Corelli. Z. (Jornal do Commercio, n. 345, 17/12/1850)7 7 Na transcrição de trechos de periódicos foi mantida a grafia original. .

Não há vestígios materiais da pintura de Corelli, pintor romano que, segundo Ferreira (1994, p. 358)FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e letra. São Paulo: Edusp, 1994., radicou-se no Brasil em 1828 e apresentava-se na imprensa fluminense como pintor histórico e retratista da Accademia di Belli Arti di Roma. Mantinha ateliê na Rua do Ouvidor, onde expôs ao público, em 1828, uma série de obras de sua autoria (Diário do Rio de Janeiro, n. 0900003, 3/9/1828), abrindo também nesse local uma escola de desenho de figuras e ornatos: “o dito Corelli promete a ensinar os seus Discípulos, que no fim de hum anno estarão capaz [sic] de poder tirar hum Retrato pois tem hum methodo mui fácil para ensinar” (Jornal do Commercio, n. 320, 29/10/1828). O método, no entanto, parece não ter sido empregado em sua Norma de maneira eficaz, resultando na crítica negativa de Z. ao passar diante da pintura na Academia8 8 Corelli tinha uma grande coleção de objetos de história natural e, além disso, enveredou para os espetáculos dos cosmoramas entre 1830 e 1850 (MIRANDA DA SILVA, 2006). .

Dez anos depois da Norma de Corelli e em homenagem a La Grange, uma nova Norma, aquela de Moreaux, é exibida no Rio de Janeiro. Como apontado acima, o pintor expõe o retrato em maio de 1860 na Casa Bernasconi, meses antes da Exposição Geral de Belas Artes:

Acha-se exposto em casa do Sr. Bernasconi a rua do Ouvidor um magnifico retrato de Mme. de La Grange, feito pelo Sr. Augusto Moreaux. A eminente artista esta representada no tamanho natural e em trages de Norma. A scena é quando a sacerdotisa gauleza impõe silencio aos druidas e lhes vaticina os futuros destinos da superba Roma. (Diário do Rio de Janeiro, n. 61, 23/5/1860).

Após a notícia no Diário do Rio de Janeiro, há uma nota mais longa e crítica no Correio Mercantil, n. 150, de 31 de maio de 1860 (grifos nossos), que vale a pena reproduzir:

O annuncio de que se achava exposto na casa do Sr. Bernasconi um retrato da exímia artista guiou-nos a i-lo observar, e em verdade atonitos ficámos vendo com tanta fidelidade e precisão reproduzida a distincta artista perto da pedra druidica, intimando paz aos druidas. A semelhança é perfeita, e diremos até que parece destacar-se do quadro a figura imponente da sacerdotiza e tomar movimento. Honra seja tributada ao insigne artista L. Augusto Moreau que, segundo somos informados, é o autor da pintura. A moldura é tambem obra prima de gosto, trabalha, e de optimo effeito; no alto della estão as armas das duas casas reunidas de La Grange e Stanckviche, trabalho tambem muito bem acabado, obra do Sr. Bernasconi. Consta-nos que o complexo dessa exposição foi idéa de um distincto cavalleiro, partidista de Mme. de LaGrange, que mandou tudo fazer á sua custa para offerecer-lhe no dia do seu regresso, a fim de ser ao depois colocado na Pinacotheca, obtendo para isso a competente permissão. É um facto que honra a seu autor e à memoria de Mme. de La Grange, que não morrerá no coração dos diletanttes do Rio de Janeiro, ficará perpetuada na capital do Imperio de Santa Cruz, com o seu retrato ao natural, e no costume em que ella estreou, como monumento de sua visita artistica nas plagas de Cabral. É assim que se galardôa o merito; e sirva este exemplo para testemunhar que os diletantti do Rio de Janeiro sabem aprecia-la. M. C.

A nota relata a encomenda da obra como homenagem à cantora. A moldura eterniza também a importância do segundo casamento de La Grange com o oficial russo Stankowich. E, finalmente, a competência do pintor é elogiada em razão da verossimilhança e do caráter imperioso da composição, em perfeito acordo com a personagem Norma e com a fisionomia de La Grange.

A tela foi apresentada na Exposição Geral da Academia meses depois, em dezembro, e ali apareceu com a seguinte descrição: “Retrato de Anna de Lagrange9 9 O nome aparece grafado de maneiras diferentes em algumas publicações. na Ópera Norma. Propriedade: Academia Imperial de Belas Artes, oferecida por André Pereira de Lima” (LEVY, 2003LEVY, Carlos Maciel. Exposições gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes. Período monárquico. Catálogo de Artistas e Obras entre 1840 e 1884. Rio de Janeiro: ArteData, 2003. , p. 145). André Pereira de Lima era advogado, censor do Conservatório Dramático (COSTA-LIMA NETO, 2008COSTA-LIMA NETO, Luiz. O teatro das contradições: o negro nas atividades musicais nos palcos da corte imperial durante o século XIX. Opus - Revista electronica da Anpomm, v. 14, n. 2, 2008.) e traduziu a tragédia de Alfieri, Virginia, para o português em 1843. A notícia acima, ainda de maio de 1860, revela já a intenção do tal “partidista de Mme. de La Grange”, comitente da obra e, possivelmente, o mesmo Pereira de Lima, de realizar a doação para a Pinacoteca da Academia.

As críticas em torno da tela enveredaram, no entanto, para caminhos distintos. Há elogios à obra e comentários sobre a competência e a personalidade do pintor:

O Sr. Luis Moreaux foi certamente mais bem dotado pela natureza do que o seu irmão [René Moreaux], mas o seu caracter tímido, a sua modestia e a falta de ambição o deixaram sempre de parte. Não quiz se fallasse delle; e porque tanto o retrato de Mme. Lagrange no papel de Norma nos daria o direito de reclamar contra tal indifferença. Este retrato da grande cantora é de um porte magnífico: o garbo é nobre e magestoso; o gesto contido, a cabeça cheia de inspiração, a roupa atada com gosto e reserva; a obra toda é de um mestre. Por que o Sr. Moreaux teima em ficar de parte?. (Diário do Rio de Janeiro, n. 26, 26/1/1861).

Ainda que o crítico considere uma certa ausência e “falta de ambição” de Moreaux no ambiente artístico brasileiro, ele já havia exposto outras obras nas Exposições Gerais, entre pinturas de história e também retratos e, nesse último caso, de atores e atrizes ou de personagens literários, sozinhos ou em cena. Em 1845, apresenta, entre outras obras, uma tela sobre Lucia de Lammermoor, personagem do romance de Walter Scott, A noiva de Lammermoor, publicado em 1819, e também da ópera em três atos de Gaetano Donizetti, com estreia em 1835. Uma parte dessa ópera havia sido apresentada apenas em música em maio de 1845 no Rio de Janeiro. Poderia ter inspirado Moreaux nessa tela que adornava o Palácio de São Cristóvão (Correio Mercantil, n. 74, 15/3/1856), infelizmente hoje destruída.

Comprovando seu interesse pelos temas relacionados à ópera ou à literatura, Moreaux também realiza um retrato de Bocage, cópia da tela de autoria do pintor Henrique José da Silva. O quadro original foi pintado pelo artista português em 1805 e estava exposto no Club Fluminense ao menos desde 1865, conforme notícia do Jornal do Commercio, n. 361, de 30 de dezembro desse mesmo ano10 10 Acerca dessa tela, refere-se o Correio Mercantil, n. 254, de 17/9/1865: “O quadro, adornado com muito gosto e propriedade, ficava debaixo de um pequeno docel, sobre o qual descansava uma lyra. Da parte inferior do quadro pendia uma fita, onde se lia em letras de ouro um verso de Bocage, alusivo ao próprio poeta”. .

Antes da chegada ao Brasil, Moreaux expõe no Salão parisiense de 1838 um Fausto, sob o número 131611 11 A obra também aparece em: Catalogue d’une reunion intéressante de tableaux, aquarelles et dessins en tous genres, de l’École Moderne, Paris, 1838. . Esse é um dos indícios da participação de Moreaux nos Salões franceses e pouco sabemos sobre sua formação, surgindo em alguns documentos ao lado dos irmãos François-René e Léon Moreaux. Moreaux aparece nos registros de alunos para estudar no Musée du Louvre em 183412 12 Livro de registro Élèves (1834-1840). Archives Nationales, Paris, France. Archives des Musées Nationaux. LL06. Cartes d’études delivrées aux élèves (ordre chronologique). 1834-1840. Microfilm. , sob o número 447, com a idade de 18 anos, sete anos antes de chegar ao Rio de Janeiro. Seu nome aparece indicado no ateliê de Gros junto aos irmãos François-René e Léon, mas não foram encontradas indicações mais precisas de seus estudos nos registros da École Nationale des Beaux-Arts. No catálogo oficial do Salon de 1838, há uma breve descrição de seu Fausto extraída da obra de Goethe:

É em direção a ti que meus olhares são atraídos, licor envenenado! Tu que dás a morte. Eu te saúdo como um brilho pálido na floresta escura. Em ti eu honro a Ciência e o espírito do homem; tu és a mais doce essência dos sucos que proporcionam o sono; tu conténs todas as forças que matam. Vem ao meu resgate!13 13 No original: “C’est donc vers toi que mes regards sont attirés, liqueur empoisonnée! Toi qui donnes la mort. Je te salue comme une pâle lueur dans la forêt sombre. En toi j’honore la Science et l’esprit de l’homme; tu es la plus douce essence des sucs qui procurent le sommeil; tu contiens toutes les forces qui tuent. Viens à mon secours!”. .

Embora Moreaux tivesse certa experiência na produção de retratos de grandes figuras ligadas ao mundo artístico, musical e literário desde Paris, no caso da atriz Anna de La Grange como Norma, um crítico não reconhece totalmente suas habilidades:

É um bello painel o do Sr. Luiz Augusto Moreaux, presente feito à academia, representando a figura da Norma, na ópera deste nome. A figura destaca-se bem do fundo harmonioso; a expressão solemne da cabeça, o braço pendido, cuja mão pega na capa; esta e a túnica são bem estudadas; o braço direito, porém, que está estendido, é defeituoso, e parece não sahir precisamente do hombro. Por outro lado, o autor sacrificou a verdade ao effeito da figura, pois que esta se acha toda allumiada, quando a acção passa-se em uma selva e à noite, ou ao approximar da noite.

O catálogo da academia dá este quadro como retrato da Sra. De-Lagrange. Mas cremos que apenas o devia dar como uma lembrança della no papel de Norma, pois a phyisionomia da figura não se parece com a da célebre cantora. (Correio Mercantil, n. 11, 11/1/1861 - grifos nossos).

Nesse artigo não assinado, o crítico destaca algumas características positivas - “expressão solene” e “fundo harmonioso” - e negativas - defeitos anatômicos no braço estendido - , criticando ainda a invenção do artista em colocar Norma em uma ambiente iluminado, quando a ação se passa à noite. A tela, no entanto, apresenta uma atmosfera noturna, e a cena ilumina-se, aparentemente, pelo clarão da Lua no plano superior direito da tela, ou por vestígios de fogo na mata. Ele considera, finalmente, que a fisionomia não se parece com aquela de Anna de La Grange, contrariando de forma direta o crítico anterior, que vira a obra na casa Bernasconi e assinalava a fidelidade, a precisão e a semelhança perfeita da cantora. De fato, o crítico M.C parece ter razão. Se recorrermos à fotografia de Anna de La Grange como Norma, feita em Madri14 14 Agradeço a Paulo Kühl (Unicamp) pelo alerta à informação e envio das fotografias. possivelmente em seu retorno à Europa no início da década de 1860, comprovamos a capacidade de Moreaux em captar a fisionomia da personagem (Figura 2). Nela, La Grange aparece com indumentária semelhante àquela do Rio de Janeiro, portando a coroa de carvalho na cabeça e fazendo o mesmo gesto eternizado na pintura de Moreaux. O formato do rosto, os olhos ligeiramente caídos, o nariz fino e longo são bastante parecidos, além do mesmo olhar presente na fotografia.

Figura 2
Jean Laurent. Mme. Lagrange. Anterior a 1863. Papel fotográfico sépia, 9,2 x 5,5 cm. Acervo Biblioteca Digital Memoria de Madrid

A tela de Moreaux suscita, assim, comentários em relação à verossimilhança e, portanto, ao realismo da composição, elementos indicadores da competência de Moreaux ao público e também à Academia, uma vez que a tela, a partir daquele ano, entrava para a instituição. E quem era Anna de La Grange, que aqui permanece por dois anos, homenageada pela pintura e presente na Academia Imperial de Belas Artes?

Anna de La Grange

Fotografias, gravuras e pinturas, além da tela feita por Moreaux comprovam a celebridade da atriz e cantora, ovacionada em suas apresentações no Rio de Janeiro:

Na última apresentação da Norma, a Sra. De La-Grange causou verdadeiro delírio: sabes porque? Porque ella tem alma de artista, porque seu coração arde nesse fogo sagrado que se communica rápido como a eletriccidade; porque sua intelligencia vigorada pelo estudo domina as multidões.

Como cantora e como actriz a Sra. De La-Grange tem tão seguro o triumpho, que não receio apontar-te alguns pequenos defeitos que julgo reaes. A extensa voz da artista que abrange notas de soprano e de contralto, carece de força e de melodia; à excepção de poucas notas graves e de algumas agudíssimas, que são admiráveis, a voz da Sra. De La-Grange treme ligeiramente, e precisa de suavidade; além disso, a pronunciação não é boa.

Estas pequenas imperfeições porém desapparecem, furtão-se à apreciação quando a artista está em scena. [...] Na parte dramática a Sra. De La-Grange é perfeita; as contracções das feições, o volver dos olhos, o mover dos lábios, o acenar dos braços, o andar, todos os gestos enfim são da mais rigorosa precisão, da mais completa e perfeita expressão. (Jornal do Commercio, n. 273, 4/10/1858).

Anna de La Grange (1825-1905) nasceu em Paris e estreou na cena musical na Itália, aos 16 anos, sendo orientada, de perto, por Rossini. Em 1844, fez grande sucesso com a ópera Nabuco, de Verdi, no Teatro de Varese, considerada sua estreia diante de um grande público italiano, conforme nos descreve seu biógrafo Emile de Chevalier ainda em 1856CHEVALIER, Henry-Émile. Biographie de Mme. Anna de La Grange. Montreal: Senecal et Daniel, 1856.. Ele destaca sua celebridade antes de sua chegada ao Brasil: “Ela ocupou o segundo papel. Mas seu canto e sua atuação foram tão vigorosos,, tão originais e tão cativantes que a prima donna foi eclipsada e todas as honras da noite se voltaram à nossa heroína”15 15 No original: “Elle remplissait le deuxième rôle. Mais son chant et son jeu étaient si frais, si originaux et si entraînants que la prima donna fut eclipsée et tous les honneurs de la soirée revinrent à notre héroïne”. (CHEVALIER, 1856CHEVALIER, Henry-Émile. Biographie de Mme. Anna de La Grange. Montreal: Senecal et Daniel, 1856., p. 49).

A carreira seguiu notável nas óperas Lucia de Lammermoor, O barbeiro de Sevilha, Norma, entre muitas outras. O crítico francês Félix Jahyer dedica um longo texto em sua homenagem no Paris-Théatre CLXXI, onde sua fotografia feita por Alphonse-Justin Liébert e editada por Lemercier & Cie. (PORTRET van Ana..., s. d.PORTRET van Ana de La Grange, by Alphonde-Justin Liébert, c. 1871-before 1876. Rijksmuseum. Disponível em: <https://www.rijksmuseum.nl/en/collection/RP-F-2001-7-1639C-15>. Acesso em: 13 nov. 2018.
https://www.rijksmuseum.nl/en/collection...
) figura na capa em corpo inteiro, com trajes elegantes. Sobre seu sucesso, Jahyer afirma:

Em Veneza ela teve, em 1848, seu primeiro triunfo excepcional. Depois de uma apresentação em grande espetáculo dos Horácios, de Mercadante, à qual assistiam o Conde de Chambord e o ilustre compositor, o canal se povoou de mais de 20.000 gôndolas, e três serenatas foram dadas aos seus dois personagens e à grande tragédia lírica que tinha tanto contribuído ao sucesso dessa bela noite. (JAHYER, s. d.JAHYER, Felix. Anna de La Grange. Paris-Théâtre, CLXXI. Recueil factice d’articles de presse concernant: Anna de la Grange. Emmy La Grua. Aroldo Lindi. Paris: s/éd, s/d .)16 16 No original: “à Venise elle eût, en 1848, son premier triomphe exceptionnel. Après une representation à grande spectacle des Horaces, de Mercadante, à laquelle assistaient le comte de Chambord et l’illustre compositeur, le canal se peupla de plus de 20.000 gondoles, et trois sérenades furent données à ceux deux personnages et à la grande tragedienne lyrique qui avait tant contribué au succès de cette belle soirée”. .

Também brilhou nos palcos de São Petersburgo, Dresden, Berlin, Viena, cantando em vários idiomas. Após temporada na Rússia, ela parte para os Estados Unidos e, posteriormente, para o Brasil, onde permaneceu por dois anos ganhando uma quantia de 40.000 francos por mês, considerada extremamente alta para o período, conforme já destacamos acima. Termina esta temporada em Buenos Aires, em 1860, retornando em 1863 para os Estados Unidos, onde apresenta várias óperas em Boston e Chicago com sua companhia (PRESTON, 2017PRESTON, Katherine. Opera for the people: English language opera & woman managers in late 19th century America. New York: Oxford University Press, 2017.). Sobre as performances de La Grange, Jahyer continua:

Mme. de la Grange tinha uma voz muito extensa, flexível, ágil e brilhante, que ela manejava com uma rara pureza de execução. Na correção, ela unia a graça, o charme, a sensibilidade e atingia frequentemente os mais altos impulsos dramáticos. Ninguém a ultrapassava, no quarteto de Rigoletto, quando ela lançava a nota com uma emoção desoladora e um poder irresistível. Artista de raça, encontrava-se sempre à altura da concepção dos mestres, sabendo expressar os sentimentos os mais ternos e os mais humanos, sempre guiada pelo sopro da inspiração?17 17 No original: “Mme. de la Grange avait une voix très étendue, souple, agile et brillante, qu’elle maniait avec une rare pureté d’exécution. A la correction, elle joignait la grâce, le charme, la sensibilité et attegnait souvent aux plus hauts élans dramatiques. Personne ne l’a dépassée, dans le quatuor de Rigoletto, où elle lançait la note avec une émotion déchirante et une puissance irrésistible. Artiste de race, on la trouvait toujours à la hauteur de la conception des maîtres, sachant exprimer le sentiments les plus tendres et les plus humains, toujours guidée par le souffle de l’inspiration”. . (JAHYER, s. d.JAHYER, Felix. Anna de La Grange. Paris-Théâtre, CLXXI. Recueil factice d’articles de presse concernant: Anna de la Grange. Emmy La Grua. Aroldo Lindi. Paris: s/éd, s/d .).

Anna de La Grange também foi representada em mármore, em um busto (ELIAS, 1928ELIAS, Feliu. L’escultura catalana moderna. v. 2. Barcelona: Editorial Barcino, 1928. , p. 173) presente no Conservatório de Madri, cidade onde igualmente se tornou uma das principais cantoras de ópera. Em sua volta a Paris, atinge seu auge com La traviata - que já havia sido apresentada com louvor em Nova York. Dedica-se, posteriormente, à formação de novas cantoras líricas e figura, na história da ópera francesa e italiana, em um lugar de destaque ao lado de Giuditta Pasta e Maria Malibran.

A retratística teatral, a representação de Norma

Atores, atrizes, cantoras e cantores foram representados por meio de gravuras, esculturas, pinturas e fotografias ao longo da história, assim como já vimos com Anna de La Grange. Desde a sua caracterização como o personagem - elementos também concernentes ao retrato alegórico, onde o retratado aparece vestido ou portando signos de determinado tipo, mitológico ou teatral - ou simplesmente como uma senhora da sociedade, as composições reforçavam determinados valores burgueses e culturais, mostrando a sua condição.

No caso do retrato como personagem, foi de suma importância a escola artística inglesa na representação de seus atores e atrizes, especialmente no século XVIII, elevando a tipologia do theatrical portraiture por meio de sua forte tradição nas artes dramáticas, especialmente nas tragédias de Shapeskeare, como nos relata West (1986, p. 9-15)WEST, Shearer. The theatrical portrait in eighteenth century London. V. 1. PhD Thesis. St. Andrews University, 1986.. Peter Lely, Godfrey Kneller, William Hogarth e Joshua Reynolds deram ao gênero um caráter grandioso, mas não sem a referência de Watteau na França e seu novo olhar para a representação de atores e atrizes ao lado do gênero das fêtes galantes (WEST, 1986WEST, Shearer. The theatrical portrait in eighteenth century London. V. 1. PhD Thesis. St. Andrews University, 1986., p. 15-26).

No século XIX, o retrato teatral e feminino ganha mais espaço e notoriedade, sobretudo nos Salões franceses. É verdade que os retratos masculinos alcançaram bastante sucesso com Garrick na Inglaterra, Mollière, Talma ou mesmo com a figura do ator trágico de Manet, mas os retratos femininos tiveram enorme notoriedade e recepção crítica nos Salões, fazendo com que as retratadas se tornassem ainda mais célebres.

Pintores como Carolus-Duran e Giovanni Boldini realizaram uma série de telas representando as mulheres do teatro de forma elegante e sensual, elevando-as por meio da pintura, dando ao retrato de ator e atriz uma conotação moderna e elegante. Foi certamente Sarah Bernhardt quem incorporou no século XIX todas essas características, como notamos no retrato executado por George Clairin (PORTRAIT of Sarah..., s. d.PORTRAIT of Sarah Bernhardt. Petit Palais. Musée des Beaux-Arts de la Ville de Paris. Disponível em: <http://www.petitpalais.paris.fr/en/oeuvre/portrait-sarah-bernhardt>. Acesso em: 13 nov. 2018.
http://www.petitpalais.paris.fr/en/oeuvr...
): exuberância, modernidade, sensualidade, elegância, beleza e força (Catalogue sur Scène en 1900, 2003). Prevaleceram ainda o reconhecimento e a admiração do público à atriz, independente e a despeito até mesmo do papel que ela desempenhava, resultando em sua aceitação e inserção na sociedade, numa espécie de transferência de seu heroísmo artístico para a vida social.

Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que o retrato de ator e atriz abarcou antes outros valores bem mais tradicionais, sobretudo no que diz respeito ao universo solene da Comédie Française. Os retratos das figuras mais célebres eram expostos no Théâtre-Français, prática essa que demonstrava a notoriedade do artista e o alçava a uma espécie de memorial de consagração. Um dos primeiros foi o retrato de Michel Baron feito por François le Troy, mas podemos também citar como grandes exemplos os retratos de Lekain no papel de Orosmane, feito por Simon Bernard Lenoir, e Mme. Desmares como Thalia, por Coypel, todos executados no século XVIII (SANJUAN, 2011SANJUAN, Ágathe. Les collections d’oeuvres d’art de la Comédie Française. Catalogue La Comédie-Française s’expose au Petit Palais. Paris: Éditions Paris Musées, 2011., p. 16-17).

Das paredes do teatro, os atores passaram, eles próprios, a não só cultivar o retrato de ator e atriz, seu ou de seu colega, mas também a incentivar a compra de retratos para serem colocados no ambiente do teatro, como bem relata Sanjuan (2011, p. 17)SANJUAN, Ágathe. Les collections d’oeuvres d’art de la Comédie Française. Catalogue La Comédie-Française s’expose au Petit Palais. Paris: Éditions Paris Musées, 2011.. Nesse sentido, a autora menciona a compra dos retratos em escultura de Mlle. Mars no papel de Celimène, por Gabriel Thomas, ou de Rachel no papel de Fedra, por Francisque Duret, ambos de 1865. A prática da compra de bustos e esculturas foi intensificada por Arsène Houssaye, um dos administradores da Comédie Française e crítico de arte, cujos escritos eram correntes sobre os Salões franceses. Nesse ponto, há uma estreita relação entre o administrador do local, o comitente da obra e a exposição do retrato no recinto, em um paralelo interessante com a atuação, no Rio de Janeiro, de Pereira de Lima, figura ligada ao ambiente do teatro e comitente da pintura em homenagem a La Grange, ainda que sua exposição e permanência tenham acontecido em ambiente distinto do teatro.

O vestuário e a caracterização do papel eram elementos fundamentais aos retratos de atores e atrizes, assim como sua expressão e movimento, isto é, a tradução pela pintura de sua dramaticidade. Voisin (2011)VOISIN, Olivia. Le portrait du Comédien ou la Fabrica d’une Aura. Catalogue La Comédie-Française s’expose au Petit Palais. Paris: Éditions Paris Musées, 2011. menciona que Simon-Bernard Lenoir foi um dos grandes artistas na consagração desse tipo, com o retrato de Mme. Vestris como Electre, pintado em 1770, seguido por outros como Pierre Antoine Vafflard e sua Mlle. George no papel de Eriphyle, executado em 1805. Nesse último caso, ele associa ainda a sua forte expressão com uma grande sensualidade do decote (VOISIN, 2011VOISIN, Olivia. Le portrait du Comédien ou la Fabrica d’une Aura. Catalogue La Comédie-Française s’expose au Petit Palais. Paris: Éditions Paris Musées, 2011., p. 96), assim como a pintura feita por François Gérard, acentuando a abertura da vestimenta na representação de Mlle. Duchesnois como Didon (PORTRAIT de Mademoiselle ..., s. d.PORTRAIT de Mademoiselle Duchesnois (1777-1835), sociétaire de la Comédie-Française, dans le rôle de Didon. Petit Palais. Musée des Beaux-Arts de la Ville de Paris. Disponível em: <http://parismuseescollections.paris.fr/fr/musee-carnavalet/oeuvres/portrait-de-mademoiselle-duchesnois-1777-1835-societaire-de-la-comedie#infos-principales>. Acesso em: 13 nov. 2018.
http://parismuseescollections.paris.fr/f...
). Todos constituem tipos femininos fortes a partir do personagem e da atuação do retratado conferida no retrato. Moreaux compõe o retrato de Anna de La Grange com estes princípios: a grandeza imposta pela indumentária e pelo acessório, a forte expressão da personagem, o corpo impositivo e sólido, quase uma fusão entre sua figura e a força da rocha que compõe a cena. São elementos recorrentes no mundo do teatro e das grandes cantoras de ópera após o período da Restauração e especialmente durante a Monarquia de Julho, quando as apresentações são cada mais numerosas, novas óperas surgem e a figura da mulher diva conquista um espaço definitivo na história das artes dramáticas18 18 A esse respeito, ver: Authier, 2005. , antes, portanto, dessa nova interpretação do tipo específico de retratística consolidado por Sarah Bernhardt nas décadas seguintes.

No caso específico da ópera Norma, Pasta e Grisi interpretaram Norma e Adalgisa, e foram retratadas por artistas. Pasta como Norma aparece sozinha neste sketch de 1831, acima da pedra e com gesto solene, segurando a foice de ouro nas mãos (Figura 3).

Figura 3
Giuditta Pasta in Norma. Incisione colorata, 1831. Milano, Museo Teatrale alla Scala

Grisi também como Norma foi retratada em gravuras, sobretudo quando se apresentou em Londres nas temporadas de 1837, 1843 e 1855. Nos sketchs, Grisi ora aparece com a foice, ora sem ela, com sua indumentária e o olhar voltado para o céu. Nessa gravura de 1837, vemos a cantora com o grupo de sacerdotisas ao fundo, posicionada acima da pedra, foice nas mãos e olhar mirando o céu (Figura 4).

Figura 4
Richard James Lane. Image of Giulia Grisi as Norma in the first scene of the opera Norma. 1837. Litogravura. Victoria&Albert Museum

Em outras gravuras, está com a indumentária dos druidas, coroa de carvalho e foice nas mãos, ora com as mãos em repouso (GIULIA..., s. d.), ora com o gesto eloquente de Norma, como também aparece em Moreaux (Figura 5).

Figura 5
W. Mote. Giulia Grisi, la Norma. 1844. The New York Public Library. Digital Collection

A sensualidade de Grisi nessa gravura é, no entanto, mais acentuada se comparada à de La Grange, deixando o colo à mostra, a cintura marcada e o tecido mais colado ao corpo, à maneira das esculturas antigas. Já Pasta é representada na tela de François Gérard apenas com sua tradicional indumentária e a coroa, sem a foice nem o gesto, apenas com o olhar distante e reflexivo, segurando de forma veemente a túnica em seu corpo (FRANÇOIS..., s. d.FRANÇOIS Gérard, ritratto della cantante giuditta pasta.jpg. (2019, March 8).Wikimedia Commons, the free media repository. Retrieved 20:53, July 17, 2019 from <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=File:Fran%C3%A7ois_g%C3%A9rard,_ritratto_della_cantante_giuditta_pasta.jpg&oldid=342010610>. Acesso em: 13 nov. 2018.
https://commons.wikimedia.org/w/index.ph...
). La Grange foi comparada a Pasta por Émile Chevalier (1856, p. 86)CHEVALIER, Henry-Émile. Biographie de Mme. Anna de La Grange. Montreal: Senecal et Daniel, 1856.: “como primma donna, ela é para mim, a ressurreição de Madame Pasta, a Norma encantadora, a Anna Bolena inimitável, a Lucrezia Borgia sem rival”19 19 No original: “comme prima donna, elle est pour moi, la résurrection de Madame Pasta, la Norma ravissante, l’Anna Bolena inimitable, la Lucrezia Borgia sans rivale”. .

Na América do Sul, também Adelaide Corradi de Pantanelli interpretou Norma, sendo retratada pelo artista francês Raymond Quinsac de Monvoisin no Chile em 1845 (Figura 6).

Figura 6
Raymond Quinsac de Monvoisin. Adelaida Corradi de Pantanelli como Norma. 1845.145 x 113 cm. Museo Histórico Nacional do Chile. Fonte: Raymond Quinsac de Monvoisin (Wikipédia)

A cantora tem o semblante contraído, possivelmente em dúvida no que se refere à morte que percorre seu pensamento em relação aos filhos, a ela própria ou a Pollione, evidenciada pelo punhal desembainhado em sua mão direita. A pintura de Monvoisin foi também uma homenagem e presenteada à cantora, passando em doação ao Museu Histórico Nacional do Chile em 1940, segundo nos relata Ramón. Há ainda uma cópia dessa pintura realizada por Clara Filleul, discípula de Monvoisin, realizada com ligeiras modificações que denotam a tristeza e derrota da personagem que, segundo Ramón, são elementos ligados também à vida de Filleul na sociedade chilena (RAMÓN, 2013RAMÓN, Emma de. Norma y el desacato: la sociedad chilena frente à la irrupción de las mujeres artistas (1840-1850). In: SEMINÁRIO HISTÓRIA DEL ARTE Y FEMINISMO. RELATOS LECTURAS ESCRITURAS OMISIONES. Santiago: Museu Nacional de Bellas Artes, 2013, p. 23-40. ).

As grandes heroínas do teatro e da literatura encontraram, em sua maioria, uma representação tão forte na retratística quanto seus papéis no palco, reforçando, a um só tempo, a história à qual pertenciam, a interpretação com suas vozes, gestos e expressões, o reconhecimento público e a homenagem por meio do retrato.

Nesse sentido, vale a pena lembrar o quanto essa noção se aproxima do exemplo moral do retrato, especialmente aquele ligado ao homem ilustre. Se os retratos de personagens da política, da religião e das artes serviam como modelos de virtudes a partir de suas ações no mundo, levando à formação de galerias e exposições de retratos em locais públicos (POMMIER, 1998POMMIER, Édouard. Théories du portrait: de la Renaissance aux Lumières. Paris: Gallimard, 1998., p. 24-28) e reforçando ao público seu caráter educativo, a noção da figura ilustre ganha certa renovação. Pommier (1998, pp. 24-25)POMMIER, Édouard. Théories du portrait: de la Renaissance aux Lumières. Paris: Gallimard, 1998., ao mencionar o poder do retrato, associa-o ao “reconhecimento”, ao “conhecimento” do indivíduo e da história, ao “exemplo” a ser imitado e admirado. Essas noções podem ser tomadas de empréstimo para essa tipologia corrente no século XIX. Ao retratar as figuras ilustres do teatro, procurava-se não apenas ressaltar o seu papel no mundo das artes ao representar os grandes personagens da história e elevar os maiores autores das peças teatrais e das óperas, mas também aproximar a sociedade desse universo artístico e dessas figuras, admiradas pelo público e igualmente tomadas como exemplo em sua virtude artística por seu ofício e seu personagem, como veremos no Brasil por meio da pintura e da gravura.

A retratística do teatro no Rio de Janeiro

A representação de atores, atrizes, cantoras e cantores constituía também uma prática entre outros artistas estrangeiros residentes no Rio de Janeiro. Citamos já o retrato de Norma feito por Corelli antes da realização da pintura de Moreaux em 1860. Também o artista francês Sébastien Auguste Sisson, gravador e residente no Rio de Janeiro desde 1852, realizou com certa frequência retratos em gravuras “copiados do natural ou do daguerreotypo”20 20 Segundo as notícias em algumas edições do Correio Mercantil de 1855. de figuras célebres, entre as quais os artistas do teatro. Um deles foi também o de Anna de La Grange no primeiro ano de sua estadia no Brasil: “GRANDE RETRATO de Mme. Anna de la Grange por S. A. Sisson offerecido à grande cantora pela directoria do theatro lyrico fluminense na noite do seu benefício” (Correio Mercantil, n. 345, 21/12/1858). A composição de Sisson foi feita, portanto, antes do retrato pintado por Moreaux, vendido na galeria do artista e também na Casa Ruqué, e ele realiza também, em 1860, uma litogravura a partir da tela de Moreaux publicada no Gazeta Musical daquele ano.

Muitos retratos gravados feitos por Sisson foram vendidos de forma avulsa, como aquele de Anne Arsène Charton Demeur, conhecida como Madame Charton (Correio Mercantil, n. 44, 14/2/1855), atriz e cantora lírica que se apresentou diversas vezes no Theatro Lyrico Fluminense21 21 Acerca do teatro lírico ou teatro provisório, ver: Pessoa, 2015. Essa autora discorre sobre a figura do cenógrafo Mario Bragaldi, atuante nas peças de Mme. Charton naquele teatro. em óperas como Lucia de Lammermoor, de Gaetano Donizetti, e a Somnambula, de Bellini, ambas de 1854, ou a Traviata, em 1856. Uma nova gravura é anunciada em 1856, dessa vez da cantora caracterizada como Violetta Valéry em uma cena da Traviata (Correio da Tarde, n. 29, 5/2/1856), vendida por assinatura e não de forma avulsa, como a anterior. A composição, no entanto, foi mal recebida pela crítica no que diz respeito à verossimilhança:

A propósito de theatro lyrico remetto-lhe um retrato de Madame Charton desenhado e lythographado por Sr. Sisson e impresso na lythographia imperial do Sr. Rensburg. O craon e a impressão parecem-me de um acabado perfeito; mas os traços phisionomicos não me parecem fiéis; se não fosse a assignatura da illustre artista eu não me lembraria dizer que era o seu retrato. (A Semana, n. 10, 10/2/1856).

Outras cantoras célebres que estiveram no Rio de Janeiro, como Mme. Stoltz, Mme. Emmy La Grua (L’Iride Italianna, n. 20-21, 13/11/1855) e Mme. Anneta Casaloni (L’Iride Italianna, n. 22, 2/12/1855) também foram retratadas por Sisson, sendo os retratos das duas últimas impressos no jornal L’Iride Italianna.

Atores e cantores masculinos também foram litografados por Sisson, como João Caetano, um dos maiores atores do Brasil. Figura célebre em seu meio e na sociedade carioca, João Caetano contribuiu, ao lado de outros atores, atrizes e cantores, para a alta reputação do teatro brasileiro, constituindo uma figura-chave na elevação das artes dramáticas e da música. Sisson grava seu retrato em 1857:

Acaba de ser executado por Mr. Sisson um bello retrato do artista João Caetano dos Santos, em forma de medalha, em formato grande, suspensa por uma phenix, marcando as quatro épocas memoráveis do Theatro São Pedro, dois incêndios, e duas reconstrucções. Este retrato é feito à custa de alguns amigos do Sr. João Caetano, e como não pudesse ser distribuído no dia da abertura do theatro, o será no primeiro dia em que representar, em despedida de sua viagem a Pernambuco, pelos que concorrerão para o presentear. (Correio Mercantil, n. 17, 12/1/1857).

Além de Sisson, o pintor José Correia de Lima retratou João Caetano ainda em 1840 como Otelo, e o escultor Manoel Chaves Pinheiro realizou sua estátua no papel de Oscar (hoje diante do Teatro João Caetano, na Praça da Constituição no Rio de Janeiro), apresentada na Exposição Geral de 186022 22 Chaves Pinheiro realiza também uma estátua do “ator Joaquim Augusto no drama O Africano”, exibido na Exposição Geral de 1875. Ainda sobre a retratística de atores, o artista português Souza Pinto apresenta na Exposição Geral de 1876 uma litografia do ator Salviani (ver LEVY, 2003). :

[...] essa imagem de Oscar forma uma proporção que se pode expressar assim: o talento de João Caetano é para a verdade trágica o que João Caetano é para a estátua de M. Pinheiro, ou João Caetano é um pouco mais natural no papel de Oscar do que exprime o escultor. Ainda à parte os detalhes que revelam um certo talento, a estátua em questão representa simplesmente um gladiador que posa necessariamente em presença do artista. (Courrier du Brésil, n. 7, 17/2/1861)23 23 No original: “cette image d’Oscar forme une proportion qu’on peut exprimer ainsi: Le talent de João Caetano est au vrai tragique ce que João Caetano est à la statue de M. Pinheiro, ou João Caetano est un peu plus naturel dans le rôle d’Oscar que le sculpteur ne l’exprime. Encore à part les détails qui révèlent un certain talent, la statue en question représente tout bonnement un gladiateur qui pose forcément en présence de l’artiste”. .

Além de João Caetano, o tenor Artur Gentile também foi litografado por Sisson nesse conjunto de artistas do teatro no Rio de Janeiro, em 1863. Segundo o Correio Mercantil (n. 199, 21/7/1863), tinha um “torso hercúleo, a estructura um tanto athletica do artista, [...] reproduzida pelo lápis lithographico de Sisson, em uma pochade digna de Gavarni ou Nadar”.

Cantoras, cantores, atores e atrizes eram frequentemente citados pela crítica nos jornais do período, comprovando sua celebridade na sociedade carioca. No campo da gravura, Sisson procura, assim, divulgar não só a imagem desses artistas, mas igualmente o seu trabalho como gravador, também apreciado pelo público. Convém ressaltar que Sisson conquista grande sucesso ao dedicar-se a um conjunto de gravuras de homens ilustres que compunha a sua Galeria dos Brasileiros Ilustres (SISSON, 1861SISSON, Sébastien Auguste. Galeria dos brasileiros ilustres. Rio de Janeiro: Lithographia de Sisson, 1861. ), reforçando, justamente, o valor do retrato como exemplo de moral e de virtude na construção da nação. Esses retratos gravados e vendidos de forma avulsa e publicados em livro em 1861 tinham como objetivo o que Pommier (1998, p. 25)POMMIER, Édouard. Théories du portrait: de la Renaissance aux Lumières. Paris: Gallimard, 1998. chama de “pouvoir exemplaire” (“poder exemplar”) e “pouvoir d’évocation” (“poder de evocação”): “o retrato não é somente a pessoa, mas também a vida gloriosa desta pessoa, uma vida a imitar”24 24 No original: “le portrait n’est pas seulement la personne, mais aussi la vie glorieuse de cette personne, une vie à imiter”. . Ao realizar o retrato de figuras ilustres do teatro, ele igualmente promove a elevação desse tipo específico, valorizando e enaltecendo os retratados no campo do exemplo e da virtude, dessa vez voltada ao campo artístico.

A tipologia desse retrato tem, assim, a sua difusão em âmbito privado, entrando no gosto dos espectadores do teatro e de uma cultura já bastante tradicional no Brasil, isto é, a cultura teatral. Ao lado deles, o retrato de La Grange exposto na Casa Bernasconi e na Academia Imperial de Belas Artes alcançava os mesmos propósitos.

Considerações finais

O retrato ora une a aura do ator e da atriz àquela de seu personagem, ora os separa, evidenciando o brilho de sua profissão, do homem e da mulher das artes, e a força de seu personagem, dando vida a ambos e confundindo-os a partir de sua representação.

Essa noção sempre esteve presente na composição do retrato de ator e de atriz. Moreaux traduz a dupla faceta de Anna de La Grange como Norma, eternizando a personagem de Bellini e o papel dessa atriz como tal em sua temporada no Brasil. Exposta ao público em dois lugares distintos - a Casa Bernasconi e a Academia Imperial de Belas Artes -, Moreaux conseguiu também ampliar sua recepção pela crítica ao incluir Anna de La Grange no conjunto de telas voltadas à representação dos personagens, seja pelo teatro ou pela literatura, alcançando destaque nessa renovação da retratística no Brasil na década de 1860. Juntava-se a um conjunto de artistas que homenageavam os atores, atrizes, cantoras e cantores do teatro - pela gravura e pela escultura, ainda que a primeira em maior número e com amplo acesso ao público -, dando ao retrato uma atmosfera elevada e grandiosa, em que personagem e atriz se mesclam em sua maestria e altivez.

O artista francês contribuiu para a difusão desse gosto e a divulgação de seu trabalho, além de sua inserção definitiva na coleção da Academia brasileira. Ainda que a obra tenha sido uma encomenda, vimos o quanto Moreaux já se voltava a esse gênero da pintura, e talvez por essa razão fora chamado por Lima para executar a obra. A doação da tela para a Academia renova o conjunto de retratos pertencentes à Pinacoteca, em sua maioria, de retratos do Imperador Pedro II. Além desses, figurava com destaque nas exposições e na coleção o Retrato do mestre de uma sumaca, Manuel Correia dos Santos, de August Muller, e o Retrato do intrépido Marinheiro Simão, de José Correia do Lima, realizados por professores da instituição nas décadas de 1840 e 1850 e que preenchiam o campo da representação dos grandes heróis populares. Além disso, convém lembrar o quanto Félix-Émile Taunay empenhava-se na formação de uma galeria de bustos antigos e de retratos contemporâneos (DIAS, 2009DIAS, Elaine. Paisagem e Academia. Félix-Émile Taunay e o Brasil (1824-1851). Campinas: Ed. Unicamp, 2009. ), seguindo à risca a cartilha do retrato como exemplo moral na construção da nação, igualmente promovida por Sisson na gravura.

Anna de La Grange como Norma certamente promove uma renovação da tipologia no conjunto de obras da instituição, levando ao acervo não apenas um retrato em tamanho natural, mas um retrato feminino de corpo inteiro, contemporâneo e moderno. A tela de Anna de La Grange é o primeiro grande retrato de uma artista exposto e integrado à Academia e, ainda que não fosse encomendado pela própria instituição, levava a seus alunos o exemplo daquela tipologia e a valorização da célebre atriz como figura ilustre do teatro, da cultura e da sociedade fluminense. Junto à reputação de La Grange, sua representação como Norma, cuja história ligava-se à supremacia da virtude sobre a paixão - levada à morte em prol da verdade e do sacrifício pelo seu povo, demonstrando arrependimento e coragem -, era mais um exemplo moral a ser dado à sociedade, agora visto por meio do drama, da música e da interpretação da célebre atriz.

A tela de Moreaux associa-se, assim, a uma das culturas mais apreciadas do Rio de Janeiro, o teatro, eternizando a cantora na tela e promovendo um novo olhar para a tipologia do retrato e para o sentido desta representação na Academia Imperial de Belas Artes.

  • Este artigo é um dos resultados da pesquisa “Artistas franceses nas exposições gerais da Academia Imperial de Belas Artes: circulação e produção artística entre 1840 e 1844” (CNPq, Edital Universal 2017-2020). Parte da pesquisa foi feita também em Paris, com uma bolsa de estágio BPE Fapesp (11/2017-01/2018), sob supervisão de Jacques Leenhardt (EHESS).
  • 2
    É de nossa responsabilidade a tradução para o português de todas as citações.
  • 3
    A chegada ao Rio de Janeiro ocorreu no dia 14 de janeiro com o irmão François-René Moreaux, mas eles passaram, antes, por Salvador. Há notícias de encomendas recebidas por François-René na Bahia, já em 1839.
  • 4
    A primeira edição data de 1888.
  • 5
    Não é intenção deste artigo discorrer sobre a história da ópera no Brasil, mas apontar alguns elementos importantes à compreensão da pintura. No caso de Norma, ver Diário do Rio de Janeiro, n. 192, 1/9/1842. Para uma análise mais detalhada da cena musical no Rio de Janeiro oitocentista, ver: Ayres de Andrade, 1967.
  • 6
    “Terá logar a primeira execução da ópera Norma, música do mestre Bellini” (Diário do Rio de Janeiro, n. 6.525, 17/1/1844). No papel de Norma estava Augusta Candiani, como Adalgisa, Margarida Deperini, e como Pollione, Angiolo Graziani.
  • 7
    Na transcrição de trechos de periódicos foi mantida a grafia original.
  • 8
    Corelli tinha uma grande coleção de objetos de história natural e, além disso, enveredou para os espetáculos dos cosmoramas entre 1830 e 1850 (MIRANDA DA SILVA, 2006SILVA, Maria Cristina Miranda da. A presença dos aparelhos e dispositivos ópticos no Rio de Janeiro do século XIX. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2006. ).
  • 9
    O nome aparece grafado de maneiras diferentes em algumas publicações.
  • 10
    Acerca dessa tela, refere-se o Correio Mercantil, n. 254, de 17/9/1865: “O quadro, adornado com muito gosto e propriedade, ficava debaixo de um pequeno docel, sobre o qual descansava uma lyra. Da parte inferior do quadro pendia uma fita, onde se lia em letras de ouro um verso de Bocage, alusivo ao próprio poeta”.
  • 11
    A obra também aparece em: Catalogue d’une reunion intéressante de tableaux, aquarelles et dessins en tous genres, de l’École Moderne, Paris, 1838CATALOGUE d’une Réunion Intéressante de Tableux, Aquarelles et Dessin en tous genres, de l’école moderne. Paris: s/éd, 1838..
  • 12
    Livro de registro Élèves (1834-1840). Archives Nationales, Paris, France. Archives des Musées Nationaux. LL06. Cartes d’études delivrées aux élèves (ordre chronologique). 1834-1840. Microfilm.
  • 13
    No original: “C’est donc vers toi que mes regards sont attirés, liqueur empoisonnée! Toi qui donnes la mort. Je te salue comme une pâle lueur dans la forêt sombre. En toi j’honore la Science et l’esprit de l’homme; tu es la plus douce essence des sucs qui procurent le sommeil; tu contiens toutes les forces qui tuent. Viens à mon secours!”.
  • 14
    Agradeço a Paulo Kühl (Unicamp) pelo alerta à informação e envio das fotografias.
  • 15
    No original: “Elle remplissait le deuxième rôle. Mais son chant et son jeu étaient si frais, si originaux et si entraînants que la prima donna fut eclipsée et tous les honneurs de la soirée revinrent à notre héroïne”.
  • 16
    No original: “à Venise elle eût, en 1848, son premier triomphe exceptionnel. Après une representation à grande spectacle des Horaces, de Mercadante, à laquelle assistaient le comte de Chambord et l’illustre compositeur, le canal se peupla de plus de 20.000 gondoles, et trois sérenades furent données à ceux deux personnages et à la grande tragedienne lyrique qui avait tant contribué au succès de cette belle soirée”.
  • 17
    No original: “Mme. de la Grange avait une voix très étendue, souple, agile et brillante, qu’elle maniait avec une rare pureté d’exécution. A la correction, elle joignait la grâce, le charme, la sensibilité et attegnait souvent aux plus hauts élans dramatiques. Personne ne l’a dépassée, dans le quatuor de Rigoletto, où elle lançait la note avec une émotion déchirante et une puissance irrésistible. Artiste de race, on la trouvait toujours à la hauteur de la conception des maîtres, sachant exprimer le sentiments les plus tendres et les plus humains, toujours guidée par le souffle de l’inspiration”.
  • 18
    A esse respeito, ver: Authier, 2005AUTHIER, Catherine. Une des premières divas de l’opéra: Maria Malibran. Décembre 2005. Histoire par l’image[ en ligne]. Disponível em: <http://www.histoire-image.org/fr/etudes/premieres-divas-opera-maria-malibran>. Acesso em: 14 nov. 2018.
    http://www.histoire-image.org/fr/etudes/...
    .
  • 19
    No original: “comme prima donna, elle est pour moi, la résurrection de Madame Pasta, la Norma ravissante, l’Anna Bolena inimitable, la Lucrezia Borgia sans rivale”.
  • 20
    Segundo as notícias em algumas edições do Correio Mercantil de 1855.
  • 21
    Acerca do teatro lírico ou teatro provisório, ver: Pessoa, 2015PESSOA, Ana. Bravo! Bragaldi. O Palácio, o artista e a arte no Brasil. In: PESSOA, Ana; MALTA, Marize (Org.). Anais do II Colóquio Internacional Casa Senhorial: a anatomia dos interiores. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2015.. Essa autora discorre sobre a figura do cenógrafo Mario Bragaldi, atuante nas peças de Mme. Charton naquele teatro.
  • 22
    Chaves Pinheiro realiza também uma estátua do “ator Joaquim Augusto no drama O Africano”, exibido na Exposição Geral de 1875. Ainda sobre a retratística de atores, o artista português Souza Pinto apresenta na Exposição Geral de 1876 uma litografia do ator Salviani (ver LEVY, 2003LEVY, Carlos Maciel. Exposições gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes. Período monárquico. Catálogo de Artistas e Obras entre 1840 e 1884. Rio de Janeiro: ArteData, 2003. ).
  • 23
    No original: “cette image d’Oscar forme une proportion qu’on peut exprimer ainsi: Le talent de João Caetano est au vrai tragique ce que João Caetano est à la statue de M. Pinheiro, ou João Caetano est un peu plus naturel dans le rôle d’Oscar que le sculpteur ne l’exprime. Encore à part les détails qui révèlent un certain talent, la statue en question représente tout bonnement un gladiateur qui pose forcément en présence de l’artiste”.
  • 24
    No original: “le portrait n’est pas seulement la personne, mais aussi la vie glorieuse de cette personne, une vie à imiter”.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2018
  • Aceito
    02 Ago 2019
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