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Os usos do direito na América ultramarina portuguesa: entre o pragmatismo dos rústicos e a argumentação refinada dos letrados

The uses of law in Portuguese overseas America: between the pragmatism of the rustics and the refined arguments of the scholars

RESUMO

Este texto se propõe a dialogar com a obra do jurista António M. Hespanha, mais especificamente com o artigo “Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro” e o livro Como os juristas viam o mundo. A partir de suas contribuições em torno do direito, pretende-se debater a existência de um direito local e o seu uso por instâncias locais em contraposição à concepção de um direito erudito, letrado, utilizado pelos oficiais régios. No período moderno, convivia-se com uma miríade de direitos: direito romano, canônico, comum (ius commune), régio, local e costumeiro. A primeira parte deste texto analisa processos judiciais referentes a questões fundiárias oriundas da Comarca de Paranaguá. A segunda foca alguns casos nos quais os oficiais também utilizaram as diferentes ordens normativas coexistentes em proveito próprio tendo como foco as Capitanias do Norte do Estado do Brasil. O objetivo é perceber o uso local do direito, aproximando-se do que o professor Hespanha afirmava, da existência de um direito “brasileiro” no período colonial.

PALAVRAS-CHAVE
Multinormatividade; ius commune ; direito

ABSTRACT

This text intends to dialogue with the work of the jurist António M. Hespanha, more specifically with the article “Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro” and the book Como os juristas viam o mundo. Based on his contributions around the law, it aims to discuss the existence of local law and its use by local bodies as opposed to the conception of an erudite, literate law, used by royal officials. In the modern period, one lived with a myriad of rights: Roman law, canon, common (ius commune), royal, local and customary. The first part of this text analyzes lawsuits regarding land issues arising from the District of Paranaguá. The second part focuses on some cases in which officials also used the different coexisting normative orders for their own benefit, focusing on the Captaincies of the North of the State of Brazil. The objective is to understand the local use of law, approaching what professor Hespanha claimed, the existence of a “Brazilian” law in the colonial period.

KEYWORDS
Multinormativity; ius commune ; law

Este artigo pretende dialogar com a obra do saudoso professor António Manuel Hespanha, mais especificamente com dois de seus trabalhos. O primeiro é um artigo, bastante provocativo e que até hoje suscita debates, o “Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro” (2006)3 3 Esse artigo foi publicado em diversas coletâneas. Trabalhamos com a versão publicada em Paiva (2006, p. 21-41). . A outra obra é o livro Como os juristas viam o mundo – 1550-1750: direitos, estados, pessoas, coisas, contratos, ações e crimes (2015)HESPANHA, António Manuel. Como os juristas viam o mundo – 1550-1750: direitos, estados, pessoas, coisas, contratos, ações e crimes. Lisboa: CreateSpace Independent Publishing Platform (Amazon), 2015.. De fato, a obra inteira do ilustre jurista Hespanha em muito contribui para elucidar o direito na era moderna no continente europeu, mas que também se entende às colônias, no caso aqui, lusitanas, e propõe reflexões sobre o seu impacto no Império ultramarino. A partir de suas contribuições e discussões em torno do direito, este artigo pretende debater a existência e o papel do direito local e o seu uso por instâncias locais em contraposição à concepção de um direito erudito, letrado, utilizado pelos oficiais régios.

O período moderno convivia com uma miríade de direitos: direito romano, direito canônico, direito comum (ius commune), direito régio, direito local e costumeiro. Foi um período complexo, quando a convivência desse amplo espectro de pluralidade jurídica mostrou a complexidade dos embates em vários níveis da sociedade não apenas europeia, mas na sociedade colonial na América. A discussão sobre a existência de um direito colonial brasileiro, apesar de o termo “brasileiro” ter sido utilizado para justamente caracterizar uma apropriação local dos direitos provenientes da Europa, suscita dois lados: os historiadores que questionam essa existência e aqueles que concordam, embora muitas vezes não comprovem empiricamente essa existência. Ademais, o próprio António Manuel Hespanha não respondeu de forma clara essa questão, mas apresentou algumas características principais de um direito colonial brasileiro. Ao ler o artigo pela primeira vez e tendo como referência o sistema sesmarial, os autores deste texto discordavam da visão do jurista, uma vez que, ao analisar como as sesmarias eram regidas não apenas pelo direito régio, como as ordenações e as ordens régias direcionadas ao ultramar na América, mas também pelo uso de discussões do direito comum sobre a prerrogativa da posse pelo cultivo, acreditou-se por muitos anos que não haveria uma especificidade “brasileira” quanto aos direitos fundiários. Entretanto, ampliando os escopos do cotidiano colonial, pela análise da justiça ordinária e a relação das câmaras com os ouvidores, tem-se percebido de fato a existência de um direito colonial exercido de forma específica no ultramar do Atlântico ocidental.

A base do jurista António Manuel Hespanha seria a ideia do “derecho indiano” aplicado na América espanhola, construído pela historiografia espanhola mais madura como um conjunto de ordens normativas que se propõe a regular a vida em sociedade da América espanhola. Seriam “ordens”, havendo então uma pluralidade jurídica, como o direito régio espanhol e as determinações específicas para os diversos reinos espanhóis e que chegavam ao Novo Mundo e como a prática era realizada nessa região. O principal autor do conceito de “derecho indiano” é Victor Tau Anzoátegui (2021)TAU ANZOÁTEGUI, Victor. Casuismo y sistema: indagación histórica sobre el espíritu del Derecho Indiano. Sevilha: Athenaica Ediciones Universitarias, 2021., que contribuiu para ampliar essa noção ao incluir os costumes e as práticas locais. Cabe registrar que as comunidades indígenas que habitavam as áreas conquistadas pelos espanhóis eram bastante complexas, algumas com seus próprios sistemas jurídicos, que foram aproveitados pelos hispânicos. No caso da América portuguesa, o direito natural dos indígenas (com sistemas mais simples, mas não menos importantes) à terra e à liberdade foi colocado em algumas ordens régias, mas a Coroa lusa restringiu suas ações jurídicas em torno da guerra justa em relação aos povos originários (PERRONE-MOISÉS, 1992PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, Fapesp, 1992, p. 115-132.; THOMAS, 1982THOMAS, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil 1500-1640. São Paulo: Edições Loyola, 1982.).

O período moderno, segundo Hespanha, foi um contexto de pluralidade jurídica, com a coexistência de diversas e variadas ordens normativas, tais como: direito comum, direito canônico, direito régio (da Coroa) ou dos reinos (para além da normativa régia, ius patrio, sendo este mais amplo), direito local. Essa pluralidade teria durado em Portugal até as reformas pombalinas, quando foi tentada uma centralização que não foi integralmente concretizada. Não existia uma hierarquia definida das ordens normativas e da sua aplicação, mas, como apontou Martim de Albuquerque (1964)ALBUQUERQUE, Martim de. Portugal e a “iurisdictio imperii”. Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, v. XVII, Lisboa, 1964, p. 33-41., desde as Ordenações Afonsinas o direito canônico e o direito romano eram aceitos e recepcionados como direito subsidiário ao direito régio. Da mesma forma, não existia regra fixa de qual ordem jurídica deveria ser aplicada. Dependendo do próprio caso, o julgador deveria avaliar qual a melhor ordem jurídica a ser utilizada, seguindo a opinio communis (RUIZ, 2012RUIZ, Rafael. Probabilismo e teologia moral na prática judiciária na América espanhola do século XVII. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 4, n. 8, 2012, p. 7-25.). Até 1769, as Ordenações Filipinas tomavam por legítima a possibilidade do uso dos vários direitos e ordens normativas coexistentes no Reino e no Império, mesmo que houvesse sutilmente uma hierarquia entre elas. Com a publicação da Lei da Boa Razão é que passou a se estabelecer, de forma mais assertiva, uma hierarquia na qual o direito régio deveria prevalecer sobre os outros (SUBTIL, 2020SUBTIL, José. A Lei da “Boa Razão” como inevitabilidade pombalina (1756-1768) e a consagração do protoliberalismo (1769-1807). In: MARQUES, Claudia Lima; CERQUEIRA, Gustavo. A função modernizadora do direito comparado: 250 anos da Lei da Boa Razão. São Paulo: YK, 2020.), embora alguns estudos demonstrem a persistência da utilização do direito comum em decisões das altas instâncias (PAES, 2018PAES, Mariana Armond Dias. Escravos e terras entre posses e títulos: a construção social do direito de propriedade no Brasil (1835-1889). Tese (Doutorado em Direito). São Paulo, Universidade de São Paulo, 2018.).

Mais recentemente, o alemão Thomas Duve tem defendido o uso do termo multinormatividade ao invés de pluralismo jurídico, já que no pluralismo jurídico seriam considerados apenas “direitos oficiais”, enquanto a expressão multinormatividade, ao se referir a “normas”, estas poderiam ser não oficiais, a exemplo dos escritos dos jesuítas que serviam de normatividade, embora não oficiais, ou mesmo os sermões também usados como normatizadores do cotidiano, ultrapassando a “legalidade” oficial (SOUZA, 2009SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.). Sobre as fontes da Igreja, podem ser citadas ainda as Constituições do Arcebispado da Bahia, que os senhores deveriam cumprir (FEITLER; SOUZA, 2010FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales. Estudo introdutório e edição. In: VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia. São Paulo: Edusp, 2010, p. 7-104.). Todas essas normas podem ser consideradas como uma literatura pragmática que norteava a aplicação da justiça (DUVE, 2014DUVE, Thomas. European normativity – Global-historical perspectives. Rechtsgeschichte Legal History, Frankfurt: Max Planck Institute, v. 22,. 2014, p. 51.; CABRAL, 2019CABRAL, Gustavo César Machado. Ius commune: uma introdução à história do direito comum do medievo à idade moderna. 1. ed. Fortaleza: Lumen Juris, 2019.; CABRAL; FARIAS; PAPA, 2021CABRAL, Gustavo César Machado; FARIAS, Delmiro Ximenes de; PAPA, Sarah Kelly Limão (Org.). Fontes do direito na América Portuguesa: estudos sobre o fenômeno jurídico no período colonial (séculos XVI-XVIII). Porto Alegre: Editora Fi, 2021.).

O uso de trechos da Bíblia por parte de inúmeros advogados no século XVII em Quito evidencia o uso da teologia, considerada como a base de todas as ciências, inclusive do direito (HERZOG, 2004HERZOG, Tamar. Upholding Justice: society, state, and the Penal System in Quito (1650-1750). Chicago: University of Michigan Press, 2004.). De fato, a cultura jurídica da primeira modernidade tinha como base a teologia moral e o direito canônico, portanto, as atividades jurisdicionais estavam embebidas desses conhecimentos. Assim, as noções do que era justo ou injusto permeavam as relações sociais, estando a população comum inserida nessa cosmovisão jurídica (RUIZ, 2019RUIZ, Rafael. A teologia como chave de leitura dos processos judiciais na américa espanhola. In: ALVEAL, C. e DIAS, T. (Org.). Espaços Coloniais: domínios, poderes e representações. São Paulo, Alameda. São Paulo: ALAMEDA, 2019, v. 1, p. 315-354.). Portanto, o fato de os juízes ordinários não serem letrados não os incapacitava de realizar uma boa justiça.

Várias ordens normativas conviviam: o direito régio permitia que as comunidades locais produzissem suas normas. E no direito comum já se tinha a ideia de que as comunidades poderiam autogovernar-se por meio das câmaras desde tempos medievais. Do direito germânico, havia a personalidade das leis, que se contrapunha à ideia de territorialidade, segundo a qual a pessoa era julgada pelas leis do local onde ela cometeu o crime, e de pessoalidade, quando seria julgada de acordo com as leis de seu povo de origem.

As leis régias tentavam regulamentar essas variadas ordens normativas, e por que essas várias ordens deixavam-se usar. Na prática, as próprias Ordenações filipinas (Livro 3, Título 64) apresentavam a ideia de direito subsidiário, quando se indicam as fontes do direito que podiam ser utilizadas (CRUZ, 1974CRUZ, Guilherme Braga da. O direito subsidiário na história do direito português. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 1974.). A primeira era a do direito régio, depois direito canônico, seguido do direito romano, e finalmente a opinio communis doctorum (opinião dos doutores do direito comum).

Anteriormente às Ordenações filipinas, era colocado que, antes da opinião comum dos doutores, as referências básicas eram apenas Acúrsio e Bártolo. Depois, à medida que os doutores mais recentes eram atualizados no cotidiano das situações jurídicas, embora aqueles continuassem como base no direito subsidiário, os posteriores passaram a ser mais utilizados. Caso nada resolvesse, o rei deveria ter a solução ao consultar suas cortes. Era uma tentativa de ainda afirmar que o direito régio era o que regulava, mas na prática percebem-se vários outros direitos sendo utilizados, inclusive os doutores ainda seguiam Bártolo ou o bartolismo, mesmo com as discussões sobre o constitucionalismo na virada do século XIX (HESPANHA, 2005HESPANHA, António Manuel. As fronteiras do poder: o mundo dos rústicos. Revista Seqüência, nº 51, p. 47-105, dez. 2005.). Manuel Álvares Pegas, já no século início do XVII, criticava que os juristas não usavam as leis régias, e se valiam muito mais do direito comum ou dos direitos particulares (CABRAL, 2018CABRAL, Gustavo César Machado. Pegas e Pernambuco: notas sobre o direito comum e o espaço colonial. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 2, 2018, p. 697-720.).

Com relação às características do direito colonial apresentadas por Hespanha, em primeiro lugar viria o casuísmo, significando que o direito era pensado caso a caso. A solução jurídica não era prevista nas normas gerais, e no caso da colônia era mais complicado, uma vez que as normas eram pensadas no reino. Mas, no ultramar, o que era mais próximo da realidade seria melhor do que o que vinha do reino, consideradas as realidades distintas. Não se tinha a noção de segurança jurídica como se tem na atualidade, pois não era a preocupação da época. O que se queria era fazer a justiça. As próprias normas gerais eram muito detalhistas e consequentemente deixavam muitos aspectos de fora que acabavam levando à necessidade de casuísmos. De acordo com Alejandro Agüero (2016)AGÜERO, Alejandro. Local law and localization of law Hispanic legal tradition and colonial culture (16th-18th centuries). In: MECCARELLI, Massimo; SASTRE, María Julia Solla (Org.). Spatial and temporal dimensions for legal history. Frankfurt: Max Planck Institute for European Legal History, 2016, p. 101-129., não seria uma concessão, porque o rei deveria construir alianças, então a autoridade máxima tinha que negociar. A opinião dos doutores era mais utilizada que o direito régio, mesmo que as Ordenações filipinas tivessem determinado que era para usar o direito régio. O poder de escolher qual a melhor interpretação vem da ideia de arbítrio.

A segunda característica é que era possível impugnar as leis régias caso o rei fosse mal informado de uma situação da colônia ou direito adquirido. Hespanha, para pensar a colônia portuguesa na América, trabalha muito com Costa Matoso, que foi ouvidor na capitania de Minas Gerais. Os privilégios concedidos aos súditos deveriam ser mantidos pelo rei, não poderiam ser retirados de forma arbitrária, sendo necessário um motivo justo para isso4 4 Gustavo Cabral (2018) analisa a vitória jurídica de Manuel Álvares Pegas no caso da capitania de Pernambuco, quando a Coroa portuguesa perdeu seus direitos sobre a capitania duartina, justamente por ter sido dada pelo rei por concessão, conseguindo o advogado convencer que teria sido tirada pelo rei de forma arbitrária, sem uma justa causa. .

A primazia da ordem particular sobre a norma geral colocava-se no direito comum de origem germânica de que as pessoas tinham que se normatizar de acordo com seu povo, e não conforme dispunha uma norma geral. O particular faria uma justiça mais regular por estar mais próximo da realidade, pois o que unia as pessoas seriam os afetos, e as forças íntimas que geram as obrigações. A partir disso ter-se-ia a perspectiva jurídica, religiosa, de amizade, de um contrato. As forças íntimas seriam naturais e, portanto, quanto mais natural mais próximo da realidade. Esse ponto é importante para a análise da atuação dos juízes locais no ultramar.

A grande questão é onde encontrar o direito colonial, ou seja, os particularismos utilizados ou criados pelos juízes ordinários. Diferente da América espanhola, a portuguesa carece enormemente de fontes. Pouquíssimas são as localidades que preservaram os processos da justiça ordinária. Mesmo nessas poucas localidades, encontra-se a dificuldade de achar nos processos a argumentação, pois, apesar de serem em pequena quantidade, qualitativamente esses processos judiciais mostram-se simples nos argumentos, com bastante uso de testemunhas. Acresce-se a esse fato que a parte final, ou seja, a sentença, na maioria dos casos não aparece, por ficar na oralidade. Portanto, é muito difícil achar uma decisão que fugisse à lei geral das ordenações. Entretanto, o uso de um direito particular não significa que o direito régio foi revogado. O arbítrio judicial estava justamente no poder de julgar a equidade de escolher qual a melhor solução de caso concreto, fugindo da norma geral, mostrando o espírito de justiça. Seria para adequar o direito à realidade.

Ainda sobre o direito colonial, incidia a questão da graça como uma possibilidade de mudar situações humanas, incluindo o direito. O monarca era legibus solutus, ou seja, poderia criar lei sozinho, mas essa lei seria legitimada por seus conselheiros ou cortes. A graça poderia mudar inclusive os fundamentos do direito. O que era importante no período moderno era a prevalência da efetividade sobre a validade do direito (GROSSI, 2004GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis: Boiteux, 2004.).

Do ponto de vista prático, as custas judiciais eram com base na quantidade de papel, por isso não se argumentava tanto, de acordo com Hespanha, e isso é possível ver no tamanho dos poucos processos judiciais encontrados. Como mencionado, as próprias sentenças não eram registradas, permanecendo na oralidade.

Este artigo está dividido em duas partes. A primeira visa analisar processos judiciais referentes a questões fundiárias oriundas das vilas de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, de Vila Nova de Santa Ana de Castro e de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, que conformavam no nível jurídico a Comarca de Paranaguá, e do ponto de vista político-administrativo faziam parte da Capitania de São Paulo. A segunda parte visa analisar alguns casos nos quais os oficiais da Coroa também utilizaram as diferentes ordens normativas coexistentes em proveito próprio, tendo como foco as capitanias do Norte do Estado do Brasil, ou seja, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Enquanto o primeiro conjunto documental utilizado restringe-se a processos judiciais, fonte per se de questões jurídicas, o segundo conjunto são fontes administrativas que possibilitam a observância dos usos do direito na sua diversidade multinormativa. O objetivo de ambas as seções é tentar perceber o uso local do direito, aproximando-se do que o professor Hespanha afirmava, da existência de um direito “brasileiro” no período colonial.

Conflitos fundiários na Comarca de Paranaguá e a literatura jurídica

Em uma tentativa de dialogar com as referidas obras do jurista António Manuel Hespanha, e de tentar sistematizar um conjunto de fontes que possa contribuir para uma análise um pouco mais acurada, foram selecionados os processos judiciais da Comarca de Paranaguá, que englobava a Vila de Curitiba, a do Castro e a de Paranaguá. Foram encontrados 14 processos judiciais relativos a questões fundiárias entre os anos de 1759 e 1798. Abaixo, encontra-se uma tabela que mostra a quantidade de processos, os juízes ordinários envolvidos (JO) e os que foram para o ouvidor, identificando tanto essa autoridade quanto se passou antes por algum juiz ordinário:

Quadro 1
Processos judiciais e seus juízes ordinários e ouvidores

Desses 14 processos judiciais, que envolvem ações de despejo, de medição de terras, de sucessão e venda e litígios pela posse da terra, apenas três ficaram na justiça ordinária, e os outros 11 acionaram ouvidores para a resolução dos conflitos. A maioria dos processos judiciais consta com a versão das partes e um rol de testemunhas. A importância de as partes apresentarem suas testemunhas reside no fato de que estas possam corroborar com suas alegações contribuindo para trazer subsídios ao juiz para fundamentar sua decisão. Em um dos casos, houve inclusive a acusação de que as testemunhas eram parentes do réu, e por isso deveriam ser desconsideradas. Em alguns processos havia bastante disparidade no número de testemunhas apresentadas pelas partes. Essa desigualdade poderia dar a impressão equivocada ao juiz de que o réu, por ter mais testemunhas, estaria correto em seu direito. A pessoa convidada como testemunha devia ter conhecimento específico sobre a contenda entre as partes ou ao menos que pudesse contribuir para historicizar a ocupação das terras e o aparecimento de vizinhos. Nesses processos, como já afirmado, não se encontra a sentença, mas o despojamento no desenrolar do processo, e o uso da simplicidade ao recair basicamente no que foi relatado pelos envolvidos diretos nas querelas, e o uso de testemunhas, evidencia a opção dos juízes ordinários e mesmo ouvidores em tornar mais simples a resolução do litígio, reforçando o arbítrio local na solução de conflitos. Apenas dois processos judiciais ancoraram-se na literatura jurídica, mostrando conhecimento da opinião dos doutores, e apenas um desses reforçou as leis provenientes do direito do reino. São esses dois processos que passaremos a analisar, pois, apesar de minoria e de não efetivamente contribuírem para uma visão do direito local, mostram a apropriação dos diversos direitos realizada no período moderno e sua utilidade na argumentação que resultasse em favor da melhor solução.

No processo PB045.PC2978.107, eram suplicantes Francisco Teixeira Camilo e sua esposa, Maria Marques dos Santos, e os réus José Cardoso [Paes] e sua esposa, Luzia Maria de Jesus. Os autores da ação alegavam que eram senhores e possuidores de umas terras, por compra que fizeram a Gertrudes Maria Marques, viúva de Manoel Joaquim Jesus. Os suplicantes souberam que José Cardoso [Paes] queria se assenhorear da dita área sem sua autorização, e que havia já instalado animais e lançado fogo aos mesmos campos, o que não devia fazer sem ordem sua “por nenhum se poder utilizar de coisa alguma contra vontade de seu dono” (PB045.PC2978.107). Requeriam os suplicantes que fossem citados o suplicado e sua mulher para lançarem fora os animais que em suas terras tivessem metido e não tornassem a lançar fogo naqueles campos. Indicavam a multa de 50 cruzados e pena de degredo. O procurador dos réus argumentou que os suplicantes mentiam ao afirmarem que possuíam aquelas terras por terem comprado da viúva Gertrudes Maria, porque “não [tinha] aquela vendedora posse, nem domínio algum nos mesmos [campos] nem menos o embargado há de mostrar título por onde mostre os ter comprado daquela vendedora” (PB045.PC2978.107), e “porque o falecido marido daquela vendedora [...] também nunca em sua vida teve posse, nem domínio” das ditas terras (PB045.PC2978.107). Em contrapartida, o procurador dos suplicantes afirmou que aquelas terras “quem descortinou e amansou [...] foi o falecido Francisco Marques e depois que passaram ao falecido Manoel Joaquim este, também como seus bens, ficou e agora ao embargado pertence pela compra que fez a viúva do dito Manoel Joaquim” (PB045.PC2978.107). O procurador dos réus complementou dizendo que

[eles] estão conservados em posse pacífica dos mencionados [campos] há quatro para cinco anos a vista e face de todos e dos mesmos embargados [...] além de ser público e notório que aqueles [campos] [...] primeiro que os fabricou foi Manoel Cardoso de Leão de quem os embargantes [réus] louvaram por dádiva que dos mesmos lhe fez.

(PB045.PC2978.107).

O procurador dos suplicantes contrapôs os relatos acima, afirmando que

[...] tudo é falso [...] em dizer que aqueles campos se trata estar de posse há 4 anos, por [dádiva] que dos mesmos lhe fez Manoel Cardoso de Leão, quando este nunca teve domínio, nem posse dos mesmos e mal podia o dito Cardoso fazer [dádiva] do alheio.

(PB045.PC2978.107).

Para testemunhar sobre o caso foram convocadas onze testemunhas, sete em defesa dos réus e quatro em defesa dos denunciantes. As testemunhas eram: Manoel Antônio Cardoso, Gonçalo da Silva, Gaspar Correa Leite, José Ferreira de Camargo, Inácio Lustosa de Andrade, Antônio Gomes da [Manuno] e Manoel Pereira da Costa, do lado dos réus e, do lado dos denunciantes, Manoel Rodrigues Maciel, Vitorino Rodrigues da Silva, José Rodrigues da Luz e Isabel Pereira. Foi apresentada pelos suplicantes uma escritura de venda das terras de Gertrudes Maria, que contava como data da negociação 1º de setembro de 1791 pelo valor de 54.000 réis (PB045.PC2978.107). O procurador dos réus alegou que a escritura “não faz menção dos ditos [campos]” (PB045.PC2978.107) local fruto do litígio entre as partes. O juiz ordinário Francisco Cardoso de Menezes, em sua sentença, ordenou que o “embargante largue mão dos [campos] e campina e pague as custas em que se condenou” (PB045.PC2978.107). O procurador e o réu tentaram apelar contra a decisão, porém, Manoel Lopes Branco Silva, ouvidor geral e corregedor, após ler a sentença e as apelações, confirmou “nesta petição sua sentença por alguns dos seus fundamentos e o mais dos autos com declaração de que julgo a notificação por sentença e pague o apelante as custas” (PB045.PC2978.107).

Com relação às testemunhas do réu, o procurador dos suplicantes, Manoel Alvares da Cunha Teixeira, afirmou que estes eram parentes e/ou possuíam consanguinidade com o réu, algo proibido pelo direito da época. Já o procurador do réu, Gabriel Narciso Belo, alegou que “foram produzidas testemunhas a seu favor da folha 36 até a 40 as quais não merecem crédito algum por serem testemunhas subornadas e sem crédito” (PB045.PC2978.107). Essas são táticas claras de atacar as testemunhas desqualificando-as, também utilizadas no ultramar.

Com relação à literatura jurídica, nesse processo apenas Manuel Mendes de Castro foi mencionado, havendo duas citações de seu livro Practica lusitana, obra publicada pela primeira vez em 1619, mas republicada diversas vezes. As obras dos juristas da época eram escritas em latim, e no caso das duas citações encontradas no processo estão transcritas em latim. A primeira refere-se ao que “a seu favor [do suplicante] bastava a posse do prolongado tempo em que está dos campos [para] livro 1º verso dominium ff aequirend posse ss & Vessinenda Intit. de interdit cum a ley jure castro inprax” ou seja, baseado no Digesto, o domínio pela posse, pela ocupação não poderia ser interditado já que o direito dava a primazia da posse ao suplicante por possuir mais antigamente a área em litígio, tendo prerrogativa sobre o réu (PB045.PC2978.107). Embora de forma simples, o uso da literatura jurídica nesse processo serviu para reforçar o direito do suplicante, corroborado pela sentença do desembargador, que confirmou a primeira sentença dada pelo juiz ordinário.

Já no segundo processo em que aparecem juristas e o direito do reino, o suplicante foi Valério Antônio de Melo, sendo réu João Muniz. São autos cíveis de ação sumária sobre terras minerais. Valério Antônio de Melo afirmou ter comprado terras na Vila de Iguape a Diogo Lopes de Azevedo “a quem as mesmas foram concedidas por carta de data como tudo se vê dos documentos juntos” (PB045.PC2043.65). Porém, de acordo com Valério, ele precisou ausentar-se do local para prestar serviços como soldado auxiliar em um período de tempo de um ano. Nesse período, concedeu “licença a Ignácio Pires para trabalhar nas ditas terras e agora João Muniz se meteu a minerar nas ditas lavras sem o fundamento de as ter pedido por carta de data por devolutas” (PB045.PC2043.65). Por outro lado, o procurador de João Muniz, Manoel Vieira dos Santos, destacou que o réu verificou que as terras estavam devolutas e solicitou a concessão delas ao guarda-mor de Iguape, Pedro Dias Paes Lemos, que concedeu autorização ao réu para usufruí-las. O procurador do réu complementou afirmando que “na forma do regimento da superintendência basta que se tenha feito deixação delas [de terras] o tempo de seis meses para se tirar por devolutas quaisquer possuidoras basta que este não tenha escravos suficientes para as poder desfrutar” (PB045.PC2043.65), que era o caso do autor Valério Antônio, segundo Manoel Vieira dos Santos. Além disso, o procurador afirmou que o autor

[...] não mostra licença que precedesse deste juízo da superintendência para poder comprar as ditas lavras, em cujas circunstâncias ficou nula a venda [...] na forma da mesma lei não se deve fazer venda de bem de raiz, cujo preço passar quatro mil [réis] se não por escritura pública e porque se mostra do papel ser o preço estipulado de doze oitavas de ouro, ficou laborando a chamada venda em notório nulidade.

(PB045.PC2043.65).

Para testemunhar sobre o caso foram convocadas 14 testemunhas, seis em defesa do suplicante e oito em defesa do réu. As testemunhas eram: João Pereira do [Couto], João de Lara, José Luiz de Morais, Manoel de Veras Paes, Antônio da Silva e Raimundo Pinto de Almeida, do lado do autor/suplicante e, do lado do réu, Francisco Luís Pereira, Lucas Garcia, Salvador Barbosa, Francisco [Gomes] de Morais, Francisco Garcia, Manoel Ramos Moreira, José Lopes Adorno e Salvador Pedroso de Abreu. O doutor ouvidor corregedor geral, Antônio Barbosa de Mattos Coutinho, julgou que o autor carecia da ação intentada, ao tentar o embargo feito naquela lavra ao réu, reconhecendo a posse do último e que o suplicante pagasse as custas. Embora não haja uma citação direta como houve no caso anterior, além do Digesto, mencionado na fórmula clássica DD, foram mencionados os juristas Barbosa (Manuel/Emanuelis Barbosa), Pereira (Francisco Caldas Pereira ou Gabriel Pereira de Castro, infelizmente não fica claro) e Arouca (Antônio Mendes Arouca), além de um Salgado, que não foi possível identificar e foi citado junto com o Digesto.

Para além dos juristas referenciados, várias leis do direito régio também foram utilizadas no processo para corroborar com as argumentações pretendidas. Foram mencionadas, além das ordenações (título 1, título 5 §4 e título 48 §6; título 2, título 34, §7; título 3, título 59; 3º título 70, § 9, Lei de Confirmação - 1º título das ordenações do Reino, promulgada em 29 de setembro de 16435 5 Infelizmente, nas partes em que são mencionadas as Ordenações, a qualidade do documento não permitiu localizar a referência de forma mais acurada. ), as seguintes leis régias: Lei Extravagante de 18 de agosto de 1769, § 9; Lei novíssima que serve de regimento nos juízos dos superintendentes no § 10; Alvará de 10 de outubro de 1754.

A utilização tanto da literatura jurídica quanto da legislação régia evidencia como, de acordo com as necessidades de validar a argumentação, ambas poderiam ser usadas. Mesmo com a Lei da Boa Razão, embora diminuto, ainda se percebe o uso da doutrina. Porém, talvez o não uso na maioria dos processos judiciais mostre que a opção em resolver os conflitos fundiários baseada na versão dos envolvidos e em suas testemunhas era uma escolha que levaria a um pragmatismo da realidade colonial. Passaremos agora a analisar os usos do direito em conflitos de jurisdição, no sentido de mostrar sua presença no cotidiano colonial e não apenas em processos judiciais.

Os usos do direito em casos de disputas jurisdicionais no Estado do Brasil

Uma questão a ser levantada para o caso colonial é o chamado direito tradicional, entendido como o direito local, que se contraporia ao direito erudito com base no direito romano ou ius commune. Hespanha abordou essa discussão justamente para reforçar o papel do direito colonial a partir do direito dos rústicos. Em geral, o que a historiografia aponta é que apenas os letrados, ou seja, aqueles que completaram um dos cursos oferecidos em Coimbra, utilizavam-se do direito erudito, como é o caso dos ouvidores ou outros magistrados régios. Mas isso não correspondia necessariamente à realidade. Um exemplo foi a carta redigida pelos oficiais da câmara da cidade do Natal ao ouvidor da capitania do Rio Grande, Pedro da Silva Cardozo, em 1673, na qual os camarários reclamavam de uma correição pretendida pelo ouvidor sobre os dízimos6 6 Atente-se que nessa época cada capitania tinha um ouvidor não letrado provido pelo governador geral. Logo em seguida, foi criada a Comarca da Paraíba, que englobou juridicamente as capitanias do Rio Grande e do Ceará (CARTA dos oficiais..., 1673-1690). . Alegavam os oficiais que esse tipo de correição não estava em uso e acrescentaram que, pelo fato de não estar em uso havia mais de dez anos, passava a ser costume não o fazer, e assim deveria ser mantido. Além de os próprios membros da câmara definirem o tempo pelo qual se estabelecia um costume, no caso dez anos, os camarários citaram Francisco Suárez e o livro Legibus (L .6º. 7º Cap. 18. n. 11) como fonte de sua argumentação.

A obra referida pelos camarários era o livro Tractatus de legibus ac Deo legislatore, de autoria do jesuíta Francisco Suárez e publicado em 1612. Os capítulos referenciados, o sexto e o sétimo, abordavam a validade dos costumes e do direito costumeiro como capaz de derrogar a legislação feita a posteriori. Francisco Suárez debateu a validade dos costumes e os dividiu em racionais ou irracionais. Aqueles costumes considerados racionais, benéficos ao bem comum, poderiam ser considerados legítimos e fundamentados dentro da normativa jurídica (SUÁREZ, 1919SUÁREZ, Francisco. Tratado de las leyes y de Dios legislador. Vertido al castellano por D. Jaime Ripoli. Tomo VII. Madrid: Editorial Reus, 1919, p. 68-98., p. 68-98). Na carta, os oficiais da câmara requeriam ao ouvidor que este mandasse recolher os editais que anunciavam a correição e que a mesma não fosse realizada por ser em prejuízo de sua jurisdição “a qual se pode originar incômodos ao povo” (CARTA dos oficiais..., 1673-1690CARTA DOS OFICIAIS da câmara ao ouvidor em que ficavam inteirados da correição se fazer. Livro 2 dos Registros de Cartas e Provisões do Senado da Câmara do Natal (1673-1690), fl.9-9v. Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.). Dessa forma, os camarários alegavam que a realização da correição não apenas significaria uma infração ao costume local, como prejudicaria a paz e o bem comum da capitania. Nesses termos, o direito costumeiro deveria prevalecer, tal como preconizado por Francisco Suárez, e a correição deveria ser suspensa. Assinaram os seguintes oficiais: Manoel de Freitas de Almeida, Manoel Pereira, Manoel Duarte de Oliveira, Simão da Rocha Caminha e Jorge de França. Não se tem o estudo biográfico desses camarários, mas causa certa perplexidade o uso do jurista Francisco Suárez em uma carta escrita por pessoas que não necessariamente eram letradas. Ademais, supõe-se que alguém deveria ter em mãos um exemplar da obra do jurista, visto que é feita uma citação direta com indicação de capítulo e número do parágrafo.

Esse exemplo é bastante peculiar para mostrar o uso do direito por membros do poder local do que melhor lhes conviesse. Os oficiais da câmara da cidade do Natal não se basearam no direito régio para argumentar sobre sua jurisdição e sua autonomia. Ancoraram sua argumentação em um jurista da Escola de Salamanca e na manutenção do costume local. Metodologicamente não é possível afirmar que essa foi uma prática comum, afinal se tem esse exemplo único até o momento. Mas o caso permite ilustrar as diferentes possibilidades de utilização dos vários ordenamentos jurídicos por pessoas, grupos ou instituições em defesa dos seus interesses. Assim, os súditos da Coroa atuaram e utilizaram, na medida do possível, diversas normas e concepções jurídicas diversas e que eram válidas e reconhecidas pelo próprio ordenamento jurídico da monarquia portuguesa.

Outros exemplos da utilização de diferentes normas em benefício próprio foram alguns casos de capitães-mores ou governadores que utilizaram o direito costumeiro contra determinações régias. No caso da capitania do Rio Grande, os capitães-mores Salvador Álvares da Silva (1711-1715) e Domingos Amado (1715-1718) argumentaram que possuíam jurisdição para conceder sesmarias e prover oficiais e militares tanto por determinação régia como por costume local, poder que estaria na atribuição do ofício de capitão-mor da capitania havia mais de 40 anos. Da mesma forma, o capitão-mor da Paraíba Francisco Pedro de Mendonça Gorjão (1729-1734) defendeu a jurisdição do ofício que ocupava perante o vice-rei da Bahia, Vasco Fernandes César de Meneses, conde de Sabugosa (1720-1735), pela observação da jurisdição costumeira que os seus antecessores possuíam e praticavam havia mais de 17 anos no governo da capitania. Um último exemplo ilustra a capacidade de articulação e utilização de diferentes normas e ordenamentos em defesa de interesses, mas também da preservação das jurisdições dos agentes régios. Durante a Guerra dos Mascates, o governador interino da capitania de Pernambuco, o bispo D. Manuel Álvares da Costa, recorreu ao direito canônico e ao direito romano para defender a atribuição do ofício de governador de subdelegar jurisdição, um costume naquela localidade. Por meio de dois manifestos jurídicos, o bispo mobilizou argumentos do Digesto e as Decretais para defender a jurisdição costumeira do cargo de governador (FONSECA, 2022FONSECA, Marcos Arthur Viana da. Os governos das Capitanias do Norte: poder, conflitos e jurisdição (1645-1750). 2022. 463f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.). Esses exemplos apontam para diversas estratégias utilizadas por súditos, instituições ou grupos que recorriam a diversos ordenamentos com o fim de defender seus interesses quando estes conflitavam com a Coroa. A opção por diferentes normas, tais como o direito romano ou o direito canônico, e a defesa do costume podem ser interpretadas como a construção de um direito local, um ordenamento que se fundamentava não somente pela defesa dos direitos imemoriais da comunidade, mas também pela utilização de diferentes normas capazes de defender ou derrogar as legislações produzidas pela Coroa.

Em muitos casos, os oficiais da Coroa também utilizaram as diferentes ordens normativas coexistentes em proveito próprio. Com interesses particulares ou genuínas dúvidas em torno de limites jurisdicionais, vice-reis e governadores interpretaram a legislação produzida pela Coroa a partir de fontes jurídicas distintas. A utilização dessas fontes lhes permitia atingir seus objetivos e modificar as normas em favor dos seus interesses. Um exemplo foi um conflito político ocorrido na capitania do Rio Grande, no Estado do Brasil, entre o capitão-mor e o governador de Pernambuco, no que ficou conhecido pela historiografia como Querela dos Provimentos, entre 1701 e 1715. A capitania do Rio Grande esteve subordinada ao governo-geral da Bahia durante todo o século XVII. A situação modificou-se a partir de 1701. Por meio da carta régia de 11 de janeiro de 1701, a Coroa subordinou a capitania do Rio Grande ao governo de Pernambuco. A ordem régia impactou a administração da capitania. Em representação datada de 5 de junho de 1701, os oficiais da câmara do Natal expuseram à Coroa a inconveniência da mudança da jurisdição da capitania e solicitaram a reversão da anexação da capitania de Pernambuco, permanecendo o Rio Grande ligado à Bahia. Uma carta régia endereçada ao governador de Pernambuco, D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre (1699-1703), datada de 28 de janeiro de 1702, portanto, um ano após a anexação da capitania, relatava a permanência da “repugnância” dos oficiais da câmara do Natal sobre a mudança de jurisdição do Rio Grande e a sua resistência em se submeterem à jurisdição de Pernambuco (CARTAS Régias..., 1913-1915CARTAS Régias sobre a capitania do Rio Grande do Norte de 1671 a 1722 (I a XLIX). Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, v. XI-XII-XIII, 1913-1915., p. 137-138).

O clima tenso permaneceu entre as autoridades e se agravou na década seguinte, durante o governo de Félix José Machado de Mendonça Eça de Castro e Vasconcelos (1711-1715), na capitania de Pernambuco. O conflito de jurisdição iniciou-se em 5 de maio de 1712. Nessa data, o governador de Pernambuco escreveu uma carta ao rei reclamando das concessões de sesmaria e provimentos de ofícios realizadas pelos capitães-mores do Rio Grande. Segundo as alegações de Félix José Machado, os provimentos eram feitos em conveniência própria dos capitães-mores, fosse por benefícios pecuniários ou outras formas de ganho, fosse por qualidade e benemérito dos providos, prejudicando assim o serviço real. Além disso, as concessões e provimentos acarretavam dano à Fazenda Real, pois as provisões e cartas eram registradas sem o pagamento das meias anatas e dos novos direitos. Esse imposto deveria ser registrado por um oficial específico, o escrivão dos novos direitos, que somente existia em Pernambuco, acarretando o prejuízo da ausência da arrecadação dos novos direitos. Antes de esperar qualquer resposta da Coroa, o governador decidiu agir por conta própria. Em 17 de junho de 1712, Félix José Machado enviou uma carta ao capitão-mor do Rio Grande, Salvador Álvares da Silva, em que demandava que o capitão-mor notificasse que todas as pessoas que exerciam ofícios de justiça e de fazenda na capitania deveriam apresentar as provisões pelas quais foram nomeadas nos ditos postos na secretaria do governo da capitania de Pernambuco no termo de 20 dias, sob pena de serem suspensas dos referidos cargos (CARTAS Régias..., 1913-1915CARTAS Régias sobre a capitania do Rio Grande do Norte de 1671 a 1722 (I a XLIX). Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, v. XI-XII-XIII, 1913-1915., p. 137-138).

A argumentação de Félix José Machado escondia o verdadeiro interesse do governador: ampliar a jurisdição do seu ofício sobre os provimentos na capitania do Rio Grande. O governador desejava sobrepor sua autoridade, e seus argumentos estavam fundamentados na limitada jurisdição que era atribuída aos capitães-mores em virtude dos seus regimentos. Sobre a concessão de sesmarias e provimentos de patentes militares e ofícios, o regimento de Câmara Coutinho de 1690 era bastante claro. Os parágrafos quarto e quinto do regimento apontavam que o capitão-mor não possuía nenhuma jurisdição para conceder patentes de postos militares, fossem ordenanças ou tropas pagas. O sexto parágrafo concedia aos capitães-mores a jurisdição para prover os ofícios que ficassem vagos pelo tempo de três meses. Por fim, o décimo oitavo parágrafo proibia que os capitães-mores concedessem qualquer tipo de terra em forma de sesmaria, privilégio exclusivo dos governadores-gerais e dos governadores do Rio de Janeiro e de Pernambuco (REGIMENTO do governador-geral António Luís..., 2018REGIMENTO do governador-geral António Luís Gonçalves da Câmara Coutinho. In: ALVEAL, Carmen; FONSECA, Marcos. Cartas patentes e regimentos: jurisdições e poderes dos capitães-mores e governadores da capitania-mor do Rio Grande (1654-1817). Natal: Flor do Sal, 2018, p. 59-67., p. 65-67).

Para contrapor a argumentação do governador, fundamentada na normatividade produzida pelo governo-geral, o capitão-mor recorreu ao direito costumeiro. Assim, em 3 de agosto de 1713, o capitão-mor do Rio Grande, Salvador Álvares da Silva (1711-1715), enviou uma carta para a Coroa expondo seus argumentos em defesa da jurisdição do seu cargo (CARTAS Régias..., 1913-1915CARTAS Régias sobre a capitania do Rio Grande do Norte de 1671 a 1722 (I a XLIX). Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, v. XI-XII-XIII, 1913-1915., p. 137-138). Segundo essa autoridade, o provimento de patentes e provisões e a concessão de terras constituíam-se em uma prática antiga na capitania do Rio Grande havia mais de 50 anos. Além disso, esse costume tinha origem e fundamento em ordens vindas do governo-geral da Bahia. As ordens emanadas do governo-geral, com o passar dos anos, criaram um costume, um estilo, uma norma local que fundamentava a forma e a jurisdição dos provimentos na capitania. Esse costume permaneceu em uso a despeito de ordens posteriores que anulavam ou modificavam o estilo. Desse modo, argumentava o capitão-mor, todos os seus predecessores haviam desfrutado dessa prática que estava associada ao cargo de capitão-mor.

A partir desse conflito é possível observar o choque de diferentes ordens normativas e o uso intencional de fontes jurídicas distintas. O governador de Pernambuco fundamentou seus argumentos em torno da legislação produzida pela Coroa e por seus representantes, o governo-geral. A jurisdição do capitão-mor, portanto, era delimitada pela autoridade do rei. O capitão-mor, no entanto, recorreu ao direito costumeiro como forma de garantir e resguardar sua jurisdição. Baseado em uma prática estabelecida havia 50 anos, Salvador Álvares da Silva alegou que ele apenas praticava aquilo que era uso, posse e costume das atribuições do seu cargo. Diante do impasse, D. João V reconheceu a jurisdição do capitão-mor por meio de uma carta régia, em 22 de dezembro de 1715.

Considerações finais

Com base não apenas de processos judiciais, mas do cotidiano administrativo das capitanias, foi possível perceber os usos dos vários direitos no período colonial e sobretudo observar as escolhas de alguns agentes, corroborando aquilo que o jurista António Manuel Hespanha chamou de direito colonial brasileiro. Tentou-se buscar evidências empíricas como um primeiro esforço de se perceber a prática do direito no ultramar na América lusa. Porém, é sabido que é necessário encontrar mais fontes que possam respaldar esse direito colonial como uma prática cotidiana em diversos espaços da colônia.

  • 1
    Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN, Natal, RN, Brasil).
  • 2
    Universidade Estadual da Paraíba (UEPB, Campina Grande, PB, Brasil).
  • 3
    Esse artigo foi publicado em diversas coletâneas. Trabalhamos com a versão publicada em Paiva (2006, p. 21-41)HESPANHA, António Manuel. Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro. In: PAIVA, Eduardo França. Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Annablume, 2006, p. 21-42..
  • 4
    Gustavo Cabral (2018)CABRAL, Gustavo César Machado. Pegas e Pernambuco: notas sobre o direito comum e o espaço colonial. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 2, 2018, p. 697-720. analisa a vitória jurídica de Manuel Álvares Pegas no caso da capitania de Pernambuco, quando a Coroa portuguesa perdeu seus direitos sobre a capitania duartina, justamente por ter sido dada pelo rei por concessão, conseguindo o advogado convencer que teria sido tirada pelo rei de forma arbitrária, sem uma justa causa.
  • 5
    Infelizmente, nas partes em que são mencionadas as Ordenações, a qualidade do documento não permitiu localizar a referência de forma mais acurada.
  • 6
    Atente-se que nessa época cada capitania tinha um ouvidor não letrado provido pelo governador geral. Logo em seguida, foi criada a Comarca da Paraíba, que englobou juridicamente as capitanias do Rio Grande e do Ceará (CARTA dos oficiais..., 1673-1690CARTA DOS OFICIAIS da câmara ao ouvidor em que ficavam inteirados da correição se fazer. Livro 2 dos Registros de Cartas e Provisões do Senado da Câmara do Natal (1673-1690), fl.9-9v. Fundo documental do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.).
  • ALVEAL, Carmen; FONSECA, Marcos Arthur Viana da. Os usos do direito na América ultramarina portuguesa: entre o pragmatismo dos rústicos e a argumentação refinada dos letrados. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 83, p. 72-87, dez. 2022.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2022
  • Aceito
    30 Set 2022
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