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Na batida do samba: comemorando a 70 a publicação da RIEB

Esta edição da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros abre com um dossiê, organizado pelos professores Walter Garcia e Gabriel Lima Rezende, dedicado a um tema especial - o Centenário do Samba no Brasil. O próprio marco utilizado para reunir tantos especialistas no assunto - o sucesso de “Pelo telefone”, em 1917, samba com autoria registrada por Donga (Ernesto dos Santos) na Biblioteca Nacional - já merecera muitas discussões e bibliografia. Mas a efeméride comporta e comportará ainda muitas análises e revisões, além de enfoques novos. Para tanto, dez artigos assinados por especialistas brasileiros e estrangeiros voltam-se para essa prática crucial para a formação, compreensão, vivência e crítica da “cultura brasileira”, a partir de posturas interpretativas e metodológicas diversas. Como esclarecem os organizadores em sua apresentação, “o conjunto heterogêneo permite uma visão panorâmica, mas não integral, da diversidade que as pesquisas sobre o samba apresentam atualmente” (GARCIA; REZENDE, 2018GARCIA, Walter; REZENDE, Gabriel S. S. Lima. Samba, sambas: uma encruzilhada de conflitos (1917-2017). Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 70, p. 16-20, ago. 2018., p. 19). Apesar de longeva, a RIEB ainda não se rendera ao ritmo sincopado do samba e agora o faz, associando-se aos colegas não para contrariar o verso popular dizendo que isto não se aprende na escola, mas para demonstrar que ainda há espaço para a reflexão e novas pesquisas.

Além disso, apresentamos duas resenhas e um texto de Sérgio Buarque de Holanda na seção Documentação. Seguindo a ordem da publicação, no artigo “Entrada dos Palmitos: aspectos pagãos na Festa do Divino Espírito Santo em Mogi das Cruzes - SP”, a professora Neusa de Fátima Mariano analisa uma das festas populares brasileiras de mais longa duração - a Festa do Divino. O texto aborda especialmente o modo como tais festividades são hoje reinterpretadas em comunidades de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, associando-se a comensalidades de origem pagã, o que permite entender tais práticas de um modo dinâmico, como vetores de resistência cultural.

O professor da Northwestern University Cesar Braga-Pinto, no artigo “De Pureza (1937) a Pureza (1940) - José Lins do Rego e o cinema de Chianca de Garcia”, contrasta um dos romances menos estudados de José Lins do Rego, Pureza, com uma adaptação feita para o cinema pelo diretor português Chianca de Garcia. Além da originalidade do tema, o texto ilumina aspectos relevantes da política cultural do Estado Novo, período em que ambas as obras foram produzidas. Ressalta-se, ainda, o desafio metodológico de cotejar obras de campos estéticos distintos (cinema e literatura).

“Inquietações de um viajante no apogeu do stalinismo” é assinado pelo professor de Literatura da USP Fabio Cesar Alves. A partir dos relatos realizados por Graciliano Ramos sobre a viagem que fez à União Soviética em inícios da década de 1950, o autor discute três dimensões: o relato enquanto forma literária; o modo com que o texto refere-se a uma realidade efetiva; e, por fim, a recepção da obra em seu contexto de publicação. O autor tenciona entender como o escritor militante logrou, por meio da narrativa, discutir, ainda que indiretamente, aspectos cruciais da autocracia stalinista.

Na seção Resenhas, o texto da professora Anna Faedrich - sobre o livro A literatura como arquivo da ditadura brasileira, de Eurídice Figueiredo, fruto de uma pesquisa acadêmica sólida, em que se revisita a produção literária da geração 1968, alinhavada às memórias da própria autora - destaca a relevância da publicação para uma compreensão densa das narrativas sobre tal traumático período. Já o artigo assinado por Rodrigo Ramassote e Luís Felipe Sobral se debruça sobre o livro A viagem como vocação. Itinerários, parcerias e formas de conhecimento, de Fernanda Arêas Peixoto, resultado da tese de livre-docência apresentada ao Departamento de Antropologia da USP. O texto frisa a relevância teórica e metodológica da obra para a compreensão da circulação de temas, agentes, ideias entre França e Brasil, bem como da complexidade do sentido da experiência da “viagem” em suas muitas acepções. Como bem demonstrado, trata-se de um livro capital para a área de pensamento social brasileiro.

Finalmente, mas não menos importante, a revista se encerra com um “achado” de Raphael Guilherme de Carvalho, pós-doutorando no IEB/USP. O autor transcreve e analisa uma conferência de Sérgio Buarque de Holanda, realizada entre 1967 e 1969 no Centro de Estudos Históricos Afonso Taunay (CEHAT) da USP. A palestra, que permaneceu inédita e, por isso, tem sido até hoje pouco explorada em sua crítica, versa sobre a epistemologia da história. Como se depreende da análise empreendida pelo pesquisador, o leitor terá em suas mãos um documento capital para a compreensão do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda. Desejamos a todos uma estimulante leitura!

REFERÊNCIA

  • GARCIA, Walter; REZENDE, Gabriel S. S. Lima. Samba, sambas: uma encruzilhada de conflitos (1917-2017). Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 70, p. 16-20, ago. 2018.

SOBRE OS AUTORES

  • ANA PAULA CAVALCANTI SIMIONI é docente do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP). E-mail: anapcs@usp.br
    FERNANDO PAIXÃO é docente do IEB/USP. E-mail: fernando.paixao@usp.br
    FLÁVIA CAMARGO TONI é docente do IEB/USP. E-mail: flictis@usp.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018
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