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Do rapa ao registro: a literatura de cordel como patrimônio cultural do Brasil

From the rapa to the registry: cordel literature as Brazil’s cultural heritage

RESUMO

Em 2018 a literatura de cordel foi registrada como patrimônio imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Este artigo problematiza essa patrimonialização, considerando o registro como resultado de um conjunto de ações mobilizadas por diversos agentes que há mais de um século promovem a difusão desse gênero enquanto forma de expressão cultural do Brasil. A partir da análise de matérias publicadas em jornais, da produção intelectual e do inventário realizado pelo Iphan, este artigo recupera alguns sentidos atribuídos à literatura de cordel ao longo do tempo. Proscrito, considerado uma leitura nefasta por autoridades policiais e parte da elite intelectual, esse gênero foi alvo de ações de repressão, como a proibição de venda e circulação de folhetos. No entanto, as práticas de repressão não arrefeceram sua presença no país através dos autores e leitores que a consideram uma expressão da voz popular, da memória e da identidade nacional.

PALAVRAS-CHAVE:
Literatura de cordel; patrimônio cultural; história intelectual

ABSTRACT

In 2018 the cordel literature was registered as intangible heritage of Brazil by the Institute of National Historical and Artistic Heritage (Iphan). This article discusses its patrimonialization, considering the record as the result of a set of actions mobilized by several agents that for more than a century have promoted the diffusion of this genre as a form of cultural expression of Brazil. From the analysis published articles in newspapers, intellectual production and the inventory carried out by Iphan, this article recovers some meanings attributed to the cordel literature over time. Proscribed, considered a nefarious reading by police authorities and part of the intellectual elite, this genre was subjected to repression actions, such as the prohibition of sale and circulation of leaflets. However, the practices of repression have not cooled their presence in the country through authors and readers who consider it an expression of popular voice, memory and national identity.

KEYWORDS:
Cordel literature; cultural heritage; intellectual history

Em setembro de 2018 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu a literatura de cordel como patrimônio cultural do Brasil e a registrou no Livro das Formas de Expressão. O pedido de registro, que havia sido encaminhado em 2010 pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), foi o resultado de um longo processo que envolveu diversos agentes - poetas e suas entidades representativas, intelectuais, instituições de pesquisa e o próprio Iphan.

O registro da literatura de cordel como patrimônio cultural possui pelo menos três significados. Do ponto de vista simbólico representa o reconhecimento pelo Estado de uma prática cultural que já tinha sido reconhecida no Brasil havia mais de um século por diversos grupos: poetas, comunidades de leitores e movimentos intelectuais. Por outro lado, possui um significado político, uma vez que de agora em diante essa forma de expressão e seus agentes adquirem maior possibilidade de ocupar outras posições na gestão das políticas culturais que permitam a salvaguarda do cordel e a democratização do acesso a esse bem pelos cidadãos. Uma terceira dimensão se refere aos desdobramentos da tutela do Estado e os usos dessa arte na formulação de construções identitárias decorrentes de sua patrimonialização.

De antemão é importante destacar que a patrimonialização de práticas culturais é uma operação política e de saber, atravessada por tensões e conflitos, pois essa operação, ao tempo em que consagra determinados bens, também exclui tantos outros, como assinala Yussef Daibert Campos (2013CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequações e usos (des)caracterizadores de seu fim. Revista CPC, n. 16, 11 out. 2013, p. 119-135.). As políticas patrimoniais estão no epicentro dos processos de democratização dos bens culturais no Brasil, especialmente após a Constituição de 19882 2 A Constituição de 1988, no artigo 216, conceitua o patrimônio cultural brasileiro como os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Define que o patrimônio cultural contempla as formas de expressão, a criação artística e tecnológica, os modos criar, fazer e viver, as obras, os objetos, os documentos e espaços destinados às manifestações artístico-culturais. Estabelece que cabe ao poder público, em colaboração com a sociedade, proteger o patrimônio cultural através dos mecanismos de inventários, registros, tombamento, desapropriação e vigilância, bem como através da adoção de ações de cautela visando à garantia de sua preservação. , em que o acesso ao patrimônio material e imaterial é consagrado no ordenamento jurídico do país enquanto direito dos cidadãos, fundamental para a constituição da memória e da identidade nacional. A consagração de patrimônios é um processo permeado de dilemas que envolvem as comunidades de detentores nas suas relações com o poder público. Além disso, aponta para a dimensão social presente nos usos da patrimonialização como possibilidade de construção de sociedades democráticas, inclusivas, que expressem a multiplicidade das práticas culturais que as constitui. Como aponta Mércia Chuva, “a noção de patrimônio não é desinteressada. [...] Trata-se de explicitar a noção em uso e as divisões que ela provoca, considerando as lutas de representação que remetem a diferentes apropriações da mesma noção” (CHUVA, 2012_____. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n. 34, 2012, p. 147-165. , p. 163-164).

Como poderá ser percebido neste artigo, em que pese a solicitação da Academia Brasileira de Literatura de Cordel junto ao Iphan ter sido encaminhada apenas há oito anos, as iniciativas com vistas ao reconhecimento social da literatura de cordel no Brasil não são recentes. Podem ser situadas no momento da sua formação enquanto sistema literário a partir do final do século XIX, como recupera Ruth Terra (1983_____. Memórias de lutas: a literatura de folhetos no Nordeste (1893-1930). São Paulo: Global, 1983. (Teses 13).), quando emergem a figura do autor, obras, editoras e público, além de estudos que problematizam essa produção.

Nesta perspectiva é possível identificar pelo menos três processos distintos.

O primeiro se refere à constituição simbólica da literatura de cordel nas suas relações com o pensamento social brasileiro. O segundo diz respeito à monumentalização do cordel a partir da segunda metade do século XX através da formação de coleções, arquivos e centros de pesquisa. E o terceiro movimento, não menos importante, está relacionado com a ação dos próprios poetas e de seus grupos referenciais ao longo do século XX e no processo de inventário realizado pelo Iphan com vistas a legitimar o cordel como gênero da literatura brasileira e patrimônio cultural.

Os sentidos conceituais da literatura de cordel e os argumentos para sua preservação

A história dos conceitos atribuídos à literatura de cordel está relacionada a diversos projetos de saber e de poder, diferentes construções de sentidos e categorias de pensamento que se instauram no Brasil. Essas formas de pensamento e experiências são marcadas por movimentos de aproximação e distanciamento das ideias formuladas a partir do século XIX, quando os debates em torno do papel da literatura na construção da identidade nacional começam a aparecer nas preocupações de intelectuais brasileiros. Nas obras de José de Alencar (1994ALENCAR, José de. O nosso cancioneiro. Campinas: Pontes Editores, 1994.)3 3 Na esteira dessas ideias o escritor José de Alencar - na obra O nosso cancioneiro, publicada em 1874, em que analisa o poema “O rabicho da Geralda”, recolhido no Ceará - concluiu que “é nas trovas populares que sente-se mais viva a alma de uma nação” (ALENCAR, 1994, p. 19). Na obra, Alencar se afasta do indianismo e busca na figura do sertanejo e do ambiente do sertão, onde as trovas populares e narrativas sobre o boi circulavam, uma aproximação com a figura do mestiço como representação da identidade nacional. , Sílvio Romero (1977ROMERO, Silvio. Estudos sobre a poesia popular do Brasil. 2. ed. Petrópolis; Aracaju: Vozes; Governo do Estado de Sergipe, 1977. ) e Celso de Magalhães (1973MAGALHÃES, Celso de. A poesia popular brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1973. ), manifesta-se o interesse em construir uma relação entre a literatura nacional e formas particulares de expressão poética reunidas sob a categoria “popular”4 4 Neste artigo utilizo a categoria “popular” para uma melhor compreensão dos argumentos e ações que propiciaram a patrimonialização da literatura de cordel. No entanto, é necessário salientar a ambiguidade e a polissemia do termo, bem como a necessidade de compreendê-lo como categoria de pensamento analítica, erudita e historicamente situada, tal como nos alerta Roger Chartier (1995). . Essa poesia representaria a verdadeira literatura nacional.

No século XX, o folclorista Leonardo Mota apresenta na obra Cantadores, publicada em 1921, uma das primeiras imagens da poesia em versos cantada, considerada popular, e de seus autores:

Cantadores são os poetas populares que perambulam pelos sertões, cantando versos próprios e alheios; mormente os que não desdenham ou temem o desafio, peleja intelectual em que, perante o auditório ordinariamente numeroso, são postos em evidência os dotes de improvisação de dois ou mais vates matutos. (MOTA, 1987MOTA, Leonardo. (1921). Cantadores: poesia e linguagem do sertão cearense. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987., p. 27).

Após essa definição, o folclorista enumera e descreve os gêneros poéticos relativos à poesia cantada em versos de improviso, as variantes e seus autores. De acordo com Câmara Cascudo, no prefácio de Cantadores, o livro de Leonardo Mota contribuiu para retirar os poetas do anonimato, pois até então “ninguém sabia como viviam, produziam, decoravam, enfim, a mecânica do desafio” (CASCUDO, 1987_____. Prefácio. In: MOTA, Leonardo. (1921). Cantadores: poesia e linguagem do sertão cearense. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987., p. 13). Em Cantadores a modernidade e a urbanização aparecem como ameaças à poesia popular. Colocando-se como interlocutor entre o sertão e a civilização, Leonardo Mota assume a missão de proteger do esquecimento a poesia popular como parte dos costumes dos sertanejos.

A associação entre obra e autor, a individuação da poesia em verso praticada pelos cantadores adquiriu cada vez mais importância nas primeiras décadas do século XX, ao tempo em que o folheto impresso se tornou o suporte dessa forma poética até então marcada pela oralidade. Com o advento das tipografias administradas pelos próprios poetas - a exemplo da editora de João Martins de Athayde (1909), da Tipografia Perseverança, de Leandro Gomes de Barros (1910), e da Popular Editora, de Francisco das Chagas Batista (1913) -, essa forma de expressão se tornou uma atividade econômica bastante promissora. O prestígio, o reconhecimento e a possibilidade de sobrevivência da venda dos folhetos movem os poetas a utilizarem diversas estratégias para atribuição da autoria a um conjunto de narrativas e versos ainda predominantemente anônimos.

O poeta e editor Francisco das Chagas Batista partilhou os objetivos de Leonardo Mota ao escrever a obra Cantadores e poetas populares, publicada em 1929, e estabelecer vínculos entre autores e obras, atribuindo um lugar de origem para essa poesia: a Serra de Teixeira, na Paraíba. Dispondo de informações privilegiadas por ter nascido numa família de célebres glosadores (era neto do poeta Agostinho Nunes da Costa e sobrinho de Ugolino Nunes da Costa e de Nicandro Nunes da Costa), Francisco das Chagas Batista contribuiu para a criação do “mito de origem” da poesia popular ao dar nome e endereço àquilo que até então se considerava uma forma de expressão desprovida de uma espacialidade de referência. Ao adjetivar os cantadores como “populares”, sendo ele próprio um autor da poesia de folhetos, Francisco das Chagas Batista contribui para circunscrever esse gênero e seus produtores num lugar social particular.

Em 1929 Mário de Andrade havia recebido do músico Heitor Villa-Lobos uma série de documentos relativos à música e à literatura provenientes de Minas Gerais, de Pernambuco e da Bahia. Esse material foi obtido em viagem de campo financiada pelos mecenas Arnaldo Guinle e Carlos Guinle, tendo sido realizada pelos músicos Donga, Pixinguinha e João Pernambuco. Os documentos haviam sido entregues por Arnaldo Guinle ao músico Heitor Villa-Lobos para que pudesse elaborar uma antologia a partir da perspectiva folclórica. O projeto foi interrompido em razão de dissensões entre Arnaldo Guinle e Heitor Villa-Lobos. Em 1929 o músico Heitor Villa-Lobos presenteou a Mário de Andrade a documentação (527 obras), que foi incorporada pelo folclorista para a redação de um dicionário de termos relativos a danças, gêneros musicais, instrumentos e provérbios que faria parte da obra Na pancada do ganzá (ANDRADE, 1984ANDRADE, Mário de. Os Cocos. Preparação, ilustração e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1984.). Mário de Andrade denominou esse acervo de “Fundos Villa-Lobos”. Desse total, cerca de 300 documentos são relativos a poesia em versos (cópias datilografadas de folhetos publicados entre 1900 e 1920). Mário de Andrade fez uma série de anotações nos folhetos, apontando impressões pessoais dos poemas, bem como cotejando informações acerca da autoria e das variantes publicadas em diferentes edições (TERRA, 1981TERRA, Ruth Brito Lemos. A literatura de folhetos nos Fundos Villa-Lobos. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1981.).

De posse dessa coleção de folhetos, Mário de Andrade procedeu à análise dos poemas e utilizou o termo “ciclo” para definir um conjunto de temas predominantes nas narrativas, distinguindo duas modalidades distintas: os desafios e os romances. Em Romanceiro de Lampião, publicado em 1932, Mário de Andrade recorreu a duas práticas fundamentais para a compreensão da perspectiva etnográfica que orientou seus estudos: o colecionamento e a classificação (PELLEGRINI FILHO, 1982PELLEGRINI FILHO, Américo. Antologia de folclore brasileiro. São Paulo: Edart; Belém: Universidade Federal do Pará; João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 1982.).

É importante destacar que em 1924 Mário de Andrade deu início a longa interlocução intelectual com Câmara Cascudo, além de uma intensa amizade, marcada pelo apreço mútuo da poesia cantada em verso (desafio) e pela literatura oral, bem como pelo interesse na investigação do folclore como um elemento fundamental na elaboração de uma concepção de cultura nacional. Embora tenham posições distintas em relação à modernidade, ambos partem da recolha e exame da literatura oral para a formulação de suas produções intelectuais e interpretações que corroboram a necessidade de preservação das diversas expressões da cultura brasileira a partir do patrimônio histórico e artístico.

A partir da década de 1930, com o reordenamento do Estado brasileiro após a ascensão de Getúlio Vargas, a cultura passou a ter um papel estratégico na institucionalização da identidade nacional. Na “modernização conservadora” movida pelo projeto varguista, tal como assinala Lúcia Lippi de Oliveira (1982OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. As raízes da ordem: os intelectuais, a cultura e o Estado. In: A revolução de 30. Seminário Internacional. Brasília: UnB, 1982, p. 505-526. (Temas Brasileiros).), a cultura constitui o cerne da formulação do sentimento de pertença à nação em que o Serviço Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan)5 5 O Sphan foi criado no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, durante a gestão do ministro Gustavo Capanema. Em 1936 Gustavo Capanema havia solicitado a Mário de Andrade a elaboração de um anteprojeto para fundamentar a criação do Sphan. Nesse documento sobressai uma concepção etnográfica e ampla de cultura, entendida por Mário de Andrade como um elemento integrador das diferentes formas de expressão regionais, manifestadas através do folclore e das tradições, que constituem a nacionalidade. No entanto, a proposta de Mário de Andrade que toma a arte popular como elemento constituidor da cultura nacional não se sobrepõe diante do fortalecimento de uma visão alicerçada numa concepção material, arquitetônica, de patrimônio, levada a efeito sob o comando de Rodrigo Melo Franco de Andrade na direção do Sphan (1937-1967). , criado em 1937, ocupou lugar estratégico.

No entanto, em que pesem as pretensões unificadoras promovidas pelo Estado Nacional, interesses antagônicos mobilizam os diversos grupos políticos, intelectuais e instituições que se apropriam da noção de patrimônio cultural com vistas a validar suas iniciativas. A criação da Universidade de São Paulo (1934) e da Sociedade de Etnografia e Folclore - SEF (1937)6 6 Em torno da SEF se reuniam professores e alunos dos cursos superiores de Ciências Sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933, e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. A perspectiva etnográfica, a partir das ideias de Marcel Mauss, orientava a ação intelectual de Dina Lévi-Strauss, responsável pelo Curso de Etnografia da Sociedade de Etnografia e Folclore. , fundada durante a gestão de Mário de Andrade como diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, adiciona outros lugares de produção de saber que potencializam as disputas entre diferentes concepções de patrimônio.

Após uma década da primeira viagem de campo ao Nordeste, Mário de Andrade organizou em 1938 a Missão de Pesquisas Folclóricas com a finalidade de documentar os objetos e manifestações populares através de diversos suportes (filmes, áudios, fotografias e cadernos de campo). A Missão percorreu os estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão e Pará, recolhendo objetos e registrando práticas culturais.

Em 1939 o lançamento do livro Vaqueiros e cantadores (CASCUDO, 1984CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1984.) marca a atuação intelectual de Câmara Cascudo no sentido de consolidar o folclore enquanto ciência. Numa investigação que toma como ponto de partida as memórias da infância, a própria reminiscência para documentar as permanências do passado no presente, uma definição capital é acionada na apresentação de Vaqueiros e cantadores: a literatura oral é apresentada por Câmara Cascudo (1984, p. 21) como a “poesia tradicional sertaneja”. Ao contrário da concepção modernista de Mário de Andrade, os conceitos mobilizados por Câmara Cascudo são colocados a serviço de uma perspectiva de identidade nacional na qual a literatura oral seria uma reminiscência de uma cultura feudal, ibérica, reativa à modernidade, acessível ao folclorista e preservada no “Brasil nordestino”. O folclorista afirma que a poesia tradicional sertaneja reproduz, em versos, os romances em prosa trazidos de Portugal pelos colonizadores, a exemplo dos célebres folhetos História da donzela Teodora, História da princesa Magalona, Zezinho e Mariquinha, O príncipe e a fada, Alonso e Marina e O capitão do navio.

A necessidade de pesquisar a preservação do folclore levou Câmara Cascudo a criar em 1941 a Sociedade Brasileira de Folclore, entidade que mobilizou dezenas de intelectuais - dentre os quais Mário de Andrade, Roger Bastide, Artur Ramos e Gustavo Barroso. A intenção era criar uma secção da SEF em cada um dos estados do país e centralizar na cidade de Natal as pesquisas em torno do folclore como expressão mais autêntica da cultura do povo.

No entanto, o Movimento Folclórico Brasileiro (VILHENA, 1996VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Os intelectuais regionais: os estudos de folclore e o campo das Ciências Sociais nos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.11, n. 32, 1996, p. 125-150. ), organizado em 1947 a partir da Comissão Nacional de Folclore7 7 A Comissão Nacional de Folclore foi criada por recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com vistas a promover o estudo e a proteção do folclore brasileiro. Do ponto de vista institucional a Comissão passou a funcionar no interior do Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, órgão do Ministério das Relações Exteriores, e foi dirigida pelo musicólogo modernista Renato Almeida. , mitigou as pretensões de Câmara Cascudo de expandir a Sociedade Brasileira de Folclore. O Movimento Folclórico Brasileiro era formado por intelectuais de todo o país, no entanto, o núcleo mais influente do grupo estava radicado no Rio de Janeiro. Edison Carneiro, Renato Almeida, Théo Brandão, Guilherme dos Santos Neves, Joaquim Ribeiro, Manuel Diégues Júnior, Oneyda Alvarenga, Rossini Tavares de Lima, José Lourenço Fernandes e Oswaldo R. Cabral se articulam em torno de interesses comuns: desenvolver o estudo e as pesquisas em relação ao folclore nacional; incentivar sua preservação e introduzir o folclore no ensino escolar com vistas a garantir a sua preservação através das futuras gerações.

A constituição material do cordel: a monumentalização do folheto

Com a mobilização nacional em torno do folclore, os membros da Comissão Nacional de Folclore e da Sociedade Brasileira de Folclore deram início à recolha e organização de coleções de folhetos de cordel. De acordo com Sylvia Nemer (2018NEMER Sylvia (Org.). Políticas e territórios culturais: a literatura de cordel no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS CULTURAIS, 9. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2018. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/arquivos/file/Seminarios/artigos_Aprovados_IX_Seminario_Politicas_Culturais.pdf>. Acesso em: 3 out. 2018.
http://www.casaruibarbosa.gov.br/arquivo...
), a partir de 1950 a coleta e a identificação de autores e obras, de suas variantes, ocupam os interesses dos pesquisadores que consideram o folheto o documento por excelência de uma literatura marcada pela oralidade. Nos anos seguintes esses folhetos são monumentalizados em diversas instituições de pesquisa.

A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (1958) criou no Rio de Janeiro a Biblioteca Amadeu Amaral, especializada nos estudos folclóricos. O acervo de literatura de cordel da instituição, que tem início em 1961 com as coleções de Manuel Diégues Júnior, Renato Almeida, João Ângelo Labanca e Bráulio do Nascimento, atualmente possui cerca de 7 mil títulos nas dependências do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP). Na década de 1990 o acervo de folhetos foi digitalizado e disponibilizado para consulta na internet.

Em 1957 a Fundação Casa de Rui Barbosa deu início aos estudos e pesquisas sobre a literatura de cordel. A partir década de 1960 a instituição, sob a direção de Thiers Martins Moreira, organizou o primeiro plano para divulgação do gênero a partir do acervo formado por coleções de Manuel Cavalcanti Proença, Manuel Diégues Junior e Orígenes Lessa. A intenção da Fundação Casa de Rui Barbosa era oferecer um “retrato material do folheto” (FCRB, 1986). A ênfase na dimensão impressa do folheto de cordel - em detrimento das linguagens oral e iconográfica (presentes nas capas) - marcou os rumos do projeto editorial da Fundação. O projeto editorial incluiu a publicação do Catálogo (1961) contendo mil folhetos, de antologias (publicadas entre 1964 e 1980), além dos estudos (publicados entre 1973 e 1986) contendo prefácios e notas introdutórias. As antologias trouxeram a reprodução fac-similar de edições raras de autoria de Leandro Gomes de Barros e de Francisco das Chagas Batista. Com a publicação dos folhetos foi possível identificar a autoria dos folhetos de Leandro Gomes de Barros que haviam sido reeditados por João Martins de Athayde após a compra dos direitos autorais sobre a obra de Leandro Gomes de Barros em 1921.

Em 1973 a Fundação Casa de Rui Barbosa realizou o I Congresso Internacional de Filologia Portuguesa. Na ocasião Raymond Cantel, então professor de literatura portuguesa da Universidade de Poitiers, proferiu a conferência “A literatura de cordel: a merecida importância”8 8 Além da contribuição conceitual, as pesquisas de Raymond Cantel no Brasil se estenderam por décadas, e seu arquivo pessoal, adquirido pela Universidade de Poitiers através do Centre de Recherches Latino-Américaines, desde 2002 integra o Acervo Raymond Cantel, composto de aproximadamente 4 mil documentos entre folhetos de cordel e correspondências do pesquisador com intelectuais e poetas brasileiros. . Em sua exposição o pesquisador francês associa a literatura em verso produzida no Brasil com a literatura dita “de cordel” praticada em Portugal sob a influência das obras de Gil Vicente. Até então o termo literatura de cordel não fazia parte do vocabulário dos poetas, dos leitores e dos pesquisadores brasileiros. Desde então a expressão literatura oral popular foi sendo substituída pelo termo literatura de cordel.

Desde então a Fundação Casa de Rui Barbosa vem promovendo pesquisas, eventos científicos e projetos que resultaram na captação de recursos para a digitalização de aproximadamente 2 mil folhetos raros, impressos nas primeiras décadas do século XX, que compõem parte da coleção que atualmente possui aproximadamente 9 mil títulos.

Em 1968 a Universidade de São Paulo adquiriu o acervo de Mário de Andrade, que passou a integrar o Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros. Dentre a vasta quantidade de documentos adquiridos, o Arquivo do IEB passou a contar com os Fundos Villa-Lobos bem como com a coleção de literatura de cordel do próprio Mário de Andrade, que constituem o início de um acervo específico desse gênero adquirido pelo IEB ao longo de cinco décadas. Atualmente o IEB possui as coleções de folhetos de Ruth Brito Lemos Terra, José Aderaldo Castelo, Gilmar de Carvalho, Giuseppe Baccaro, José Saia Neto, além de um conjunto de xilogravuras reunidas por José Marins dos Santos e Théo Brandão. A partir de 2012, como parte das ações de salvaguarda sugeridas ao longo do inventário para o registro da literatura de cordel como patrimônio cultural pelo Iphan, o Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP sistematizou as informações contidas na maior parte dos acervos de literatura de cordel existentes no país e no exterior. O resultado desse trabalho foi disponibilizado para consulta pública em 2018 através do Portal de Literatura de Cordel (s. d.).

A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) criou em 1977, em João Pessoa, o Programa de Pesquisa em Literatura Popular (PPLP), vinculado ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, que resultou na criação de um acervo de literatura de cordel ainda em funcionamento na Biblioteca Central da UFPB. Ainda em João Pessoa foi criado em 1980 um acervo de literatura de cordel no âmbito da Fundação Casa de José Américo.

A necessidade de colecionamento da literatura de cordel motivou Gilberto Freyre a acolher a coleção de Mário Souto Maior para a biblioteca do Museu do Homem do Nordeste, em Recife, que integra atualmente o arquivo da Fundação Joaquim Nabuco.

Em Campina Grande, o professor Átila Almeida e o poeta José Alves Sobrinho deram início a duas coleções distintas de folhetos raros, obtidos em pesquisa de campo realizada pelo cantador José Alves Sobrinho, e que passaram para a guarda da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e da UFPB, que foi desmembrada e originou a atual Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). As coleções de José Alves Sobrinho e de Átila Almeida resultaram na publicação do primeiro dicionário biobibliográfico da literatura de cordel no Brasil e na publicação de dezenas de artigos e livros preocupados especialmente com a atribuição de autoria a folhetos até então anônimos (ALMEIDA; ALVES SOBRINHO, 1978ALMEIDA, Átila Augusto Freitas de; ALVES SOBRINHO, José. Dicionário bio-bibliográfico de repentistas e poetas de bancada. João Pessoa: Editora Universitária, 1978.).

Além disso, uma sensível inflexão nos estudos sobre a literatura de cordel se inicia com a criação dos Centros de Cultura Popular (CPCs) no interior da União Nacional dos Estudantes (UNE) a partir de 1962. No Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura são propostos três conceitos distintos: a arte do povo (anônima e coletiva), a arte popular (uma arte superior à arte do povo, porém apresentada como uma modalidade de lazer ou diversão) e a arte revolucionária (que permite ao povo adquirir a consciência de classe). Portanto, como afirmam Elisabeth Darci Ferreira e Vera Cíntia Alvarez “entre as viagens etnográficas de Mário de Andrade e as caravanas do CPC não há mais nada em comum. Da preocupação com uma arte que integre o folclore, o lendário e os costumes populares, passa-se a uma arte exortativa, cuja função é politizar” (FERREIRA; ALVAREZ, 1980FERREIRA, Elisabeth Darci; ALVAREZ, Vera Cíntia. Editorial. Arte em Revista, ano 2, n. 3, São Paulo, 1980., p. 1).

A mudança de olhar para a literatura popular surgida a partir do CPC da UNE, produzida a partir da perspectiva gramsciana, influenciou as pesquisas que se iniciam nas universidades, especialmente nos cursos de pós-graduação na década de 1970, quando os estudos folclóricos passam a ser rechaçados, considerados não acadêmicos, baseados em uma visão idílica, romântica e não científica (VILHENA, 1996VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Os intelectuais regionais: os estudos de folclore e o campo das Ciências Sociais nos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.11, n. 32, 1996, p. 125-150. , p. 22). As universidades possibilitaram a produção de pesquisas em diversos campos (filologia, linguística, jornalismo, literatura comparada, teoria literária, sociologia e antropologia) que partiram da literatura de cordel para discutir o significado dessas expressões para a luta política em curso no país. Mais precisamente, cabe mencionar a inflexão promovida pelos trabalhos de Antônio Augusto Arantes (apresentado originalmente em 1978), Mauro William Barbosa de Almeida (1979ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. Folhetos: a literatura de cordel no Nordeste brasileiro. 132 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1979.), Jerusa Pires Ferreira (1979) e de Ruth Brito Lemos Terra (apresentado em 1979), quando os debates teoricamente situados na clava das ciências sociais acentuam o caráter ambíguo dessa literatura, considerada expressão da ideologia dominante ao propagar uma visão conformista da realidade e, por outro lado, identificada como expressão cultural dos subalternos.

O declínio das vendas e a falência de algumas das mais antigas editoras de folhetos em atuação no Nordeste (a exemplo da Tipografia São Francisco, da Luzeiro do Norte e da Estrela da Poesia em Campina Grande) precipitam alguns pesquisadores a proclamarem na década de 1980 a “morte do cordel”. No Ceará, a Secretaria de Cultura criou o Projeto de Difusão da Literatura de Cordel, sob a coordenação do Centro de Referência Cultural do Ceará (Ceres), instituição que reuniu um grupo de intelectuais, dentre os quais Oswald Barroso, Rosemberg Cariry, Olga Paiva, Maurício Albano, Gilmar de Carvalho, Sylvia Porto Alegre e José Carlos Matos. Os membros do Ceres realizaram entrevistas com poetas e editores cearenses, promoveram eventos e publicações, além de um rico acervo documental contendo fotografias, filmes, folhetos e transcrição das entrevistas (RAMOS FILHO, 2013).

As práticas de resistência: a atuação dos poetas

O comércio de literatura de cordel foi por muitos anos considerado uma contravenção. Em 1934 o editor e autor José Bernardo da Silva foi preso na cidade de Limoeiro, Pernambuco, sob a acusação de vender folhetos de cordel na feira da localidade. Em 1939 o poeta Rodolfo Coelho Cavalcante foi preso na cidade de Parnaíba, Piauí, sob a acusação do comércio ilegal de folhetos. Entre as décadas de 1950 e 1970 poetas e folheteiros eram frequentemente perseguidos e presos pela polícia, numa ação de repressão popularmente conhecida como “rapa”. As prisões de José Bernardo e de Rodolfo Cavalcante explicitam como se dava a repressão a uma das formas de expressão literária mais difundidas naquele momento. Além do desrespeito à liberdade de declamar e vender poesia, os poetas eram ignorados pela maioria da crítica literária.

Além da prisão dos poetas, a coerção movida pelo Estado se dava também pela destruição dos folhetos. A edição do Jornal do Brasil de1o de janeiro de 1938 publicou uma reportagem intitulada “Literatura de cordel” que mostra como o poder público agia para coibir a circulação dos folhetos. O autor do texto se refere aos livros e autores nos seguintes termos:

O mercado de livros nacionais tem sido enriquecido de certos tempos a esta parte de uma porção de volumes escritos, pode-se dizer, de baixo calão.

Os autores de semelhantes livros não têm um pingo de pudor em espalhá-los por aí. Sem a noção do que é família, eles pensam quase sempre que os lares onde possam entrar os seus escritos foram construídos por indivíduos desprevenidos de brio como eles mesmos. Daí a desenvoltura com que publicam livro sobre livro, pornografia sobre pornografia.

Tendo em conta estas coisas, a polícia de S. Salvador acaba de apreender uma grande quantidade dessa literatura de cordel - que andava envenenando a mocidade da terra do Senhor do Bonfim, reduzindo-a, a seguir, a cinzas. (LITERATURA..., 1938).

Os poetas travaram uma longa e árdua luta pela aceitação social do repente e da literatura de cordel. O reconhecimento foi sendo aos poucos e lentamente conquistado por meio da organização coletiva em associações e sindicatos de poetas, repentistas, emboladores e folheteiros; através da promoção de congressos, festivais e apresentações para os meios de comunicação os poetas foram conquistando o direito à livre expressão em praça pública e à comercialização dos folhetos.

Para defender o direito de se apresentar para o público e comercializar seus livros na Feira de São Cristóvão, Raimundo Santa Helena e outros poetas realizaram em março de 1980 o Primeiro Congresso Nacional dos Cordelistas (CORDELISTAS..., 1980, p. 11). No evento os poetas redigiram um documento em que denunciaram a repressão do poder público e solicitaram do Ministério da Educação e Cultura a introdução da literatura de cordel no currículo escolar. Em 1982 os poetas do Rio de Janeiro haviam criado a Cooperativa dos Autores da Literatura de Cordel, uma associação que reunia repentistas, emboladores, xilógrafos, folheteiros e cordelistas, mobilizados para defender o direito à livre expressão artística.

Em junho de 1983, o poeta Raimundo Santa Helena (1926-2018) compareceu à sede da Academia Brasileira de Letras (ABL). Na ocasião entregou um requerimento em que solicitava sua inscrição para concorrer à eleição para a cadeira que se encontrava vaga com a morte da romancista Dinah Silveira de Queiroz. Em 1983 Raimundo Santa Helena completou 38 anos de atividade literária como cordelista, tendo escrito centenas de poemas, com uma tiragem de aproximadamente 520 mil exemplares, alguns dos quais traduzidos para 12 países. Para obter o número de votos necessários para a escolha como imortal da ABL, Raimundo Santa Helena procurou o apoio dos membros da instituição. Escreveu um poema com elogios à entidade, imprimiu o cordel e distribuiu pessoalmente entre os acadêmicos. No pleito em escrito em versos o autor faz o seguinte pedido:

Nossa mulher brasileira Ocupou o seu lugar E o índio no Congresso Também pode legislar Que se abra o portão Para se vestir o fardão No poeta popular. (CORDEL: Um cantador..., 1983CORDEL. Um cantador na Academia. Última Hora Revista. Rio de Janeiro, 1o jun. 1983, p. 7.).

Em entrevista concedida ao jornal Última Hora, Raimundo Santa Helena afirma que sua “inscrição na ABL foi de consenso nacional entre poetas e pesquisadores. Faço isso em homenagem à cultura popular” (CORDEL: um cantador..., 1983). Na reportagem do jornal Última Hora o presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, adverte que “se é obra literária ou não, a academia vai julgar”. Ao final da votação, os membros da ABL escolheram o diplomata Sérgio Correia da Costa, embaixador do Brasil nos Estados Unidos, para ocupar a cadeira vaga.

Em 1982 os poetas do Rio de Janeiro haviam criado a Cooperativa dos Autores da Literatura de Cordel (Cordelbrás), uma associação que reunia repentistas, emboladores, xilógrafos, folheteiros e cordelistas. No manifesto encaminhado pela Cordelbrás ao presidente José Sarney, os poetas enumeraram suas reivindicações para a proteção da literatura de cordel:

A Literatura de Cordel é um segmento da cultura nacional com características peculiares. Compreende o repente, o folheto ou livreto e a xilogravura, historicamente inseparáveis. O Brasil é o único país onde a Literatura de Cordel não foi absorvida pelos meios modernos de comunicação, porque a eles nos juntamos numa corrida paralela.

Todavia, a nossa sobrevivência tem sido penosa numa sociedade cujo Poder, capitalista, discrimina os valores da cultura de raiz, humilhando os poetas e artistas populares com uma repressão ridícula através do famoso “rapa”.

Que a Nova República nos conceda o espaço das ruas porque livraria de cordelista é a praça e palco de repentista é a feira.

Que a Nova República legalize a profissão de Cordelista e Repentista, sem dívidas retroativas para a classe já penalizada pelo ofício.

Que a Nova República reformule a política do Instituto Nacional do Livro e da Funarte para que cordelistas e repentistas ali possam, respectivamente, editar seus folhetos e gravar seus repentes.

Que a Nova República estimule a inclusão da Literatura de Cordel nos currículos escolares, em todos os níveis de ensino.

Finalmente, que a Nova República mande reexaminar o verbete do Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, editado pelo Governo Federal, que afirma impatrioticamente que “a Literatura de Cordel não tem nenhum valor literário”. (HELENA, 1985HELENA, Raimundo Santa. Tancredo e Sarney na Casa de Rui. Rio de Janeiro: [s.n], 1985., p. 6).

Em julho de 1986, a morte do jornalista e escritor Orígenes Lessa resultou na abertura de uma nova eleição para a ABL. Mais uma vez o poeta Raimundo Santa Helena se inscreveu para disputar a vaga. Orígenes Lessa foi colaborador na década de 1960 da Fundação Casa de Rui Barbosa na organização do catálogo de cordéis da instituição. Por esse motivo havia maior expectativa pela escolha de Raimundo Santa Helena para a ABL. No entanto, os acadêmicos escolheram, por unanimidade, o poeta e escritor Pedro Ivo. Para os cordelistas, ao preterir o nome de Raimundo Santa Helena pela segunda vez, a Academia Brasileira de Letras estaria ratificando o não reconhecimento do cordel como gênero da literatura brasileira.

A recusa da ABL mobilizou cordelistas para a criação de uma instituição semelhante. A Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) foi fundada no dia 7 de setembro de 1988, no Rio de Janeiro, e sua atuação está relacionada com a presença dos cordelistas na cidade a partir da década de 1940.

Em 2010, a ABLC apresentou requerimento ao Iphan, assinado por 85 poetas, para abertura de processo de registro da literatura de cordel. Parte do requerimento foi escrito em versos. Num dos versos o poeta João Batista Melo afirma o seguinte:

Aqui eu peço clemência A quem manda no poder É só uma questão de querer E de tomar providência Não se trata de exigência Só falta encaminhamento Deste projeto atento Dizendo claro e fiel Queremos para o cordel Seu registro e tombamento. (BRASIL, 2010_____. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan. Processo n. 01450.008598/2010-20 referente à solicitação de Registro da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil. Brasília: Iphan, 2010.) .

A Câmara Técnica do Patrimônio Cultural do Iphan considerou o pedido pertinente pela presença da literatura de cordel como forma de expressão cultural no Brasil, por sua continuidade histórica até a atualidade e por sua difusão em todo o território nacional9 9 A solicitação da ABLC integra o Processo n. 01450.008598/2010-20 referente à solicitação de Registro da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil a ser inscrita no Livro das Formas de Expressão. . Na ocasião o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) foi indicado para proceder ao inventário e coordenar as ações relativas à produção do Dossiê de Registro (2018).

Em abril de 2012, o Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) e o CNFCP realizaram na Fundação Casa de Rui Barbosa a primeira reunião envolvendo pesquisadores e instituições com atuação junto à literatura de cordel. O objetivo da reunião foi suscitar o diálogo com vistas à construção de um plano de trabalho a ser executado durante a pesquisa de campo. Além do DPI e do CNFCP, participaram da reunião representantes da ABLC (instituição proponente), Fundação Casa de Rui Barbosa, Biblioteca Nacional, Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), Fundação Joaquim Nabuco, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Campina Grande, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal de Pernambuco. Em 2014 os recursos para a concretização do plano de trabalho foram garantidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias da União através da Emenda Parlamentar n. 27840004, apresentada pelo deputado federal Jean Wyllys.

Partindo da abrangência nacional, foi identificada uma territorialidade de referência histórica dessa arte. De acordo com as pesquisas, a literatura de cordel se inseriu na cultura brasileira em fins do século XIX, forjada como a variação escrita do desafio, poesia de improviso musicada no gênero que ficou conhecido como “repente”, difundido especialmente na Paraíba, em Pernambuco, no Ceará e no Rio Grande do Norte. Os movimentos de migração de populações residentes nesses estados ao longo do século XX contribuíram para a difusão dessa poética em outras regiões. Assim, comunidades de poetas se fortaleceram respectivamente na Região Norte a partir da extração da borracha, no Sudeste, com a industrialização, e no centro do país, com a construção da cidade de Brasília. Essas regiões representam núcleos que concentram o maior número de poetas, consumidores, acervos, editoras especializadas e instituições de pesquisa.

Outra questão suscitada na reunião de elaboração do plano de trabalho realizada em 2012 consistiu na definição da metodologia da pesquisa. A pesquisa de campo, que não utilizou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), teve como alicerce procedimentos de natureza qualitativa, amparando-se numa ampla consulta aos acervos, instituições de pesquisa, pontos de venda, museus, academias, universidades, editoras e entidades representativas.

A realização de 140 entrevistas que resultaram em aproximadamente 240 horas de gravação em áudio e vídeo possibilitou perceber como são construídas as referências simbólicas implicadas nas construções identitárias de cordelistas com histórias de vida únicas. Recuperar as trajetórias pessoais significou adentrar no universo das memórias individuais e nos processos de reelaboração simbólica do passado e do vivido. Esse material substanciou a produção de um documentário em audiovisual (2018) que compõe o Dossiê de Registro.

A intenção era mapear essa prática cultural em suas particularidades, atravessada por conflitos, resistências e negociações, com vistas a entender os processos sociais implicados na criação poética, na produção editorial, nas estratégias envolvidas na circulação, consumo e sua força simbólica na elaboração de representações sociais. Por outro lado, a realização de rodas de conversa com poetas durante a pesquisa de campo permitiu envolver a participação dos detentores no diálogo para a construção coletiva da descrição de um bem cultural que lhes pertence, abrindo caminho para a sugestão de ações que colaborem para a continuidade dessa prática e para sua difusão no Brasil.

Partindo dessas premissas, o trabalho de campo seguiu em três frentes: mapeamento de fontes documentais, realização de entrevistas para a tomada de depoimentos e reuniões com detentores para discussão coletiva do processo de registro. Debateram-se, entre outros temas, o processo de produção dos poemas e dos folhetos de cordel; a questão da métrica e das rimas; os sistemas editoriais e comerciais; e os lugares mais dinâmicos de ocorrência dessa prática.

As pesquisas de campo realizadas para a realização do Dossiê de Registro indicam a ampla difusão territorial na atualidade e sinalizam a diversidade nas modalidades de expressão do cordel no Brasil. É possível constatar a existência de um significativo número de poetas em atuação, da presença de pontos de comercialização espalhados em todas as regiões do país, bem como de importantes acervos documentais que guardam milhares de títulos editados no Brasil desde as primeiras décadas do século XX. Assim, não é possível afirmar que o cordel é uma prática cultural ameaçada de extinção, porém o seu registro como patrimônio cultural se justifica como instrumento que irá favorecer o acesso e a fruição dessa arte pelos cidadãos.

A preservação do patrimônio intangível faz parte de um conjunto de esforços dos agentes públicos e sujeitos em direção, como nas palavras de Antônio Gilberto Ramos Nogueira (2005NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos. Por um inventário dos sentidos: Mário de Andrade e a concepção de patrimônio. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005., p. 63), a uma “construção de importante testemunho das temporalidades sociais que compõem as múltiplas experiências vividas por indivíduos e grupos em seu processo de reelaboração das identidades na sociedade contemporânea”.

Pierre Nora afirma que as profundas mudanças ocorridas a partir do final do século XX na relação com o passado se apresentam em diferentes perspectivas: a busca pela recuperação de um passado que foi subtraído das versões institucionalizadas da história, a valorização das práticas e saberes conceituados como tradicionais, a profusão de museus, lugares e monumentos, a preocupação com a guarda de documentos e dos arquivos, a regulamentação jurídica do passado. Nesse movimento sobressai uma consciência que relaciona passado, memória e identidade (NORA, 2009NORA, Pierre. Memória: da liberdade à tirania. Musas. Revista Brasileira de Museus e Museologia, n. 4. 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Museus, 2009. ).

A ruptura das conexões entre passado, presente e futuro - pela saturação excessiva do agora, do presente - transforma a recordação numa operação cada vez mais necessária e contínua. Assim, a reconstrução do passado por meio dos dispositivos documentais, dos arquivos e da patrimonialização assume papel crucial na contemporaneidade. No entanto, é preciso lembrar que a memória não está dissociada das correlações de força e dos embates entre os viventes, da violência que produz a recordação e o apagamento do passado, bem como de seus vestígios. Enquanto operação permeada pelo poder, que evoca a recordação e a oblitera, sujeita a diversos projetos políticos, a institucionalização das identidades por meio da patrimonialização está a nos exigir atenção e nos desafia pela força que possui de consagrar determinados grupos, suas versões do passado e interesses.

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  • 2
    A Constituição de 1988, no artigo 216, conceitua o patrimônio cultural brasileiro como os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Define que o patrimônio cultural contempla as formas de expressão, a criação artística e tecnológica, os modos criar, fazer e viver, as obras, os objetos, os documentos e espaços destinados às manifestações artístico-culturais. Estabelece que cabe ao poder público, em colaboração com a sociedade, proteger o patrimônio cultural através dos mecanismos de inventários, registros, tombamento, desapropriação e vigilância, bem como através da adoção de ações de cautela visando à garantia de sua preservação.
  • 3
    Na esteira dessas ideias o escritor José de Alencar - na obra O nosso cancioneiro, publicada em 1874, em que analisa o poema “O rabicho da Geralda”, recolhido no Ceará - concluiu que “é nas trovas populares que sente-se mais viva a alma de uma nação” (ALENCAR, 1994, p. 19). Na obra, Alencar se afasta do indianismo e busca na figura do sertanejo e do ambiente do sertão, onde as trovas populares e narrativas sobre o boi circulavam, uma aproximação com a figura do mestiço como representação da identidade nacional.
  • 4
    Neste artigo utilizo a categoria “popular” para uma melhor compreensão dos argumentos e ações que propiciaram a patrimonialização da literatura de cordel. No entanto, é necessário salientar a ambiguidade e a polissemia do termo, bem como a necessidade de compreendê-lo como categoria de pensamento analítica, erudita e historicamente situada, tal como nos alerta Roger Chartier (1995).
  • 5
    O Sphan foi criado no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, durante a gestão do ministro Gustavo Capanema. Em 1936 Gustavo Capanema havia solicitado a Mário de Andrade a elaboração de um anteprojeto para fundamentar a criação do Sphan. Nesse documento sobressai uma concepção etnográfica e ampla de cultura, entendida por Mário de Andrade como um elemento integrador das diferentes formas de expressão regionais, manifestadas através do folclore e das tradições, que constituem a nacionalidade. No entanto, a proposta de Mário de Andrade que toma a arte popular como elemento constituidor da cultura nacional não se sobrepõe diante do fortalecimento de uma visão alicerçada numa concepção material, arquitetônica, de patrimônio, levada a efeito sob o comando de Rodrigo Melo Franco de Andrade na direção do Sphan (1937-1967).
  • 6
    Em torno da SEF se reuniam professores e alunos dos cursos superiores de Ciências Sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933, e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. A perspectiva etnográfica, a partir das ideias de Marcel Mauss, orientava a ação intelectual de Dina Lévi-Strauss, responsável pelo Curso de Etnografia da Sociedade de Etnografia e Folclore.
  • 7
    A Comissão Nacional de Folclore foi criada por recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com vistas a promover o estudo e a proteção do folclore brasileiro. Do ponto de vista institucional a Comissão passou a funcionar no interior do Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, órgão do Ministério das Relações Exteriores, e foi dirigida pelo musicólogo modernista Renato Almeida.
  • 8
    Além da contribuição conceitual, as pesquisas de Raymond Cantel no Brasil se estenderam por décadas, e seu arquivo pessoal, adquirido pela Universidade de Poitiers através do Centre de Recherches Latino-Américaines, desde 2002 integra o Acervo Raymond Cantel, composto de aproximadamente 4 mil documentos entre folhetos de cordel e correspondências do pesquisador com intelectuais e poetas brasileiros.
  • 9
    A solicitação da ABLC integra o Processo n. 01450.008598/2010-20 referente à solicitação de Registro da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil a ser inscrita no Livro das Formas de Expressão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2019
  • Aceito
    07 Fev 2019
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