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MST conta Boal: do diálogo das Ligas Camponesas com o Teatro de Arena à parceria do Centro do Teatro do Oprimido com o MST

MST Narrates Boal: from the Dialogue of Ligas Camponesas (Peasant Leagues) with the Arena Theatre to the Partnership of Theatre of the Oppressed Center with MST (Landless Movement)

Resumos

O artigo visa destacar por meio da análise da relevância e relação entre esses dois momentos teatrais, o Teatro de Arena e o Centro do Teatro do Oprimido com o MST, o legado da experiência que articulou de forma orgânica as esferas da cultura e da política na década de 1960, bem como os traumas da interrupção do processo, forçado pelas armas e pelo capital privado empresarial. O saldo do trabalho em andamento do MST, no campo teatral, com seus limites, avanços e desafios serão neste artigo matéria de análise, com ênfase no papel que teve o dramaturgo, teórico e diretor Augusto Boal como protagonista dos dois tempos históricos e como elemento de interligação das duas propostas.

Teatro político; lutas camponesas; Teatro do Oprimido; movimentos sociais


The paper aims to highlight - through the analysis of the relevance and relationship between these two theatrical moments - the legacy of experience that organically articulated the spheres of culture and politics in the 1960s, as well as the trauma of interruption of the process, forced by weapons and by private capital business. The balance of the MST work in progress in the theatrical field, with its limits, advances and challenges will be material of analysis in this article, with emphasis on the role played by playwright, theorist and director Augusto Boal as the protagonist of the two historical times and as an interconnection element of the two proposals.

Political Theatre; peasant struggles; Theatre of the Oppressed; social movements


  • 2 Nelson Xavier narra sua versão do processo de construção da obra, em depoimento a Jalusa Barcellos: "Já estamos então em 1959 e nesse ano ocorre um levante camponês numa cidadezinha do noroeste paulista chamada Jales. Dali começou a emergir um líder camponês que ganhou projeção estadual. Esse líder, cujo nome agora não lembro, liderou os pequenos produtores de Jales que estavam sendo banidos de suas propriedades, juntamente com os colonos que não podiam ter a sua agricultura de sobrevivência. A questão era a seguinte: Jales era considerada área de gado, e os latifundiários soltavam o gado para comer todas as plantações e, depois, plantavam capim. Surgiu então um movimento que passou a ser conhecido como 'Arranca Capim'. Posteriormente, a peça ficou conhecida no Nordeste por esse nome, porque esse líder organizou os camponeses para arrancar o capim plantado. Eles queriam retomar a sua terra, que lhes garantia a subsistência. Essa luta ganhou expressão quase nacional, e quando esse líder passou por São Paulo fui até ele e fiz o que você está fazendo comigo hoje. Com o material gravado, eu fiz a peça que, naquele momento político, tornou-se um chamado ao levante - Mutirão em Novo Sol E era o que eu desejava que o teatro fosse: uma arma para mudar a história! Bom, esse era um período em que o Teatro de Arena já tinha percorrido um bom trecho do seu percurso, e seus integrantes já haviam experimentado bastante o caminho do próprio grupo" (BARCELLOS, Jalusa. CPC da UNE: uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 373).
  • 3 SANTOS, José de Oliveira. Mutirão em Novo Sol no 1o Congresso Nacional de Camponeses. Revista Brasiliense, São Paulo, n. 39, jan.-fev. 1962.
  • 6 Ao descrever as características e formas do teatro de agitação e propaganda soviético, Garcia informa: "No que concerne aos espetáculos, procura-se fazer o espectador participar como atuante nos grupos representando as cenas de massa, na aclamação de slogans e cantos revolucionários e, em alguns casos, atribuindo-lhe uma inserção mais complexa, como nos processos de agitação (agitsud). Esses tribunais eram simulações de julgamento, envolvendo todos os componentes usuais de um júri real, que, nas cidades onde se realizavam, eram integrados por representantes da comunidade e tinham como objeto de apreciação assuntos candentes do local e da sociedade daquele momento. Foram realizados com grande frequência, principalmente durante a Guerra Civil, em particular pelos grupos do Exército Vermelho com os batalhões nos fronts". GARCIA, Silvana. Teatro da militância São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 22.
  • 7 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987.
  • MENEGAT, Marildo. Estudo sobre ruínas Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2012.
  • 8 A partir de elaboração de Brecht, indaga: "Existe um drama para a tribuna, já que o palco se converteu em tribuna, ou, como diz Brecht, para 'institutos de propaganda'? E, se existe, quais suas características? Um 'teatro contemporâneo' (Zeittheater) sob a forma de peças de tese, com caráter político, parecia a única forma de fazer justiça a essa tribuna. Mas, qualquer que tenha sido o funcionamento desse teatro político, do ponto de vista social ele se limitou a franquear ao público proletário posições que o aparelho teatral havia criado para o público burguês. As relações funcionais entre palco e público, texto e representação, diretor e atores quase não se modificaram. O teatro épico parte da tentativa de alterar fundamentalmente essas relações. [...] Para seu palco, o público não é mais um agregado de cobaias hipnotizadas, e sim uma assembleia de pessoas interessadas, cujas exigências ele precisa satisfazer" (BENJAMIN, Walter. Que é o teatro épico? Um estudo sobre Brecht. In: ______ . Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 79).
  • 10 SCHWARZ, Roberto. Cultura e política, 1964-1969. In: ______ . O pai de família e outros estudos Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 61-82.
  • COSTA, Iná Camargo. A hora do teatro épico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
  • 11 Costa define como um episódio das ideias fora do lugar o fato do teatro brechtiano no Brasil ter motivado a criação do CPC, pois, na Alemanha, Brecht formula o teatro épico como uma espécie de resposta dialética ao trabalho como teatro de agitprop "Aqui temos um nó: o que foi resultado crítico - no sentido de apontar limites - dos experimentos de agitprop (teatro de Brecht) aqui no Brasil está na origem da nossa principal experiência de agitprop" (COSTA, Iná Camargo. Brecht e o teatro épico no Brasil. In: ______ . Nem uma lágrima: teatro épico em perspectiva dialética. São Paulo: Expressão Popular; Nanquim, 2012. p. 112).
  • 13 Sobre os temas abordados, vale conferir os trabalhos de conclusão de curso: NÓBREGA, Márcia. Peça pra falar, palco pra ocupar: encontros entre o MST e o teatro. 2006. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, 2006;
  • SILVA, Lidiane Aparecida da. Teatro no MST: a construção de um instrumento de formação e transformação. 2005. Dissertação (Pós-graduação latu-sensu em Educação e Desenvolvimento do Campo) - Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, 2005;
  • SILVA, Maria Aparecida da. O papel do teatro na organização dos jovens do Assentamento Carlos Lamarca (SP) 2004.
  • 14 BOAL, Augusto. O arco-íris do desejo: método Boal de teatro e terapia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 19.
  • 15 BRECHT, Bertolt. O popular e o realista. In: Teatro dialético Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    Maio 2013
  • Aceito
    20 Ago 2013
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