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O conservadorismo no liberal-desenvolvimentismo de Roberto Campos

The conservatism in the liberal-developmentalism of Roberto Campos

RESUMO

Roberto de Oliveira Campos foi personagem de destaque no Brasil durante a segunda metade do século XX. Ocupou cargos importantes em instituições públicas como BNDE e Itamaraty, foi ministro do planejamento e senador. O intuito deste artigo é apresentar a dimensão conservadora do liberal-desenvolvimentismo de Roberto Campos. Nossa hipótese é a de que sua visão de planejamento e de intervenção do Estado era coerente com o uso que o autor fazia da ortodoxia econômica. Para tanto, apresentaremos uma interpretação das opiniões do autor utilizando textos produzidos por ele (ênfase ao período de 1955 a 1964) e textos de outros autores que procuraram analisar o pensamento de Roberto Campos.

PALAVRAS-CHAVE:
Roberto de Oliveira Campos; conservadorismo; desenvolvimento

ABSTRACT

Roberto de Oliveira Campos was a prominent character in Brazil during the second half of the 20th century. He played an important role as head of public institutions such as BNDE and Itamaraty, he was minister of planning and senator. His ideas had great repercussion in civil society at that time. The purpose of this article is to discuss the conservative side of Roberto Campos’ liberal-developmentalism. Our hypothesis is that his view of State planning and intervention was consistent with the author’s use of economic orthodoxy. In order to debate it, this paper will present an interpretation of the author’s opinions using his own contribution (it will emphasize the period from 1955 to 1964) as well as other authors’ who analyzed Roberto Campos’ thoughts.

KEYWORDS:
Roberto de Oliveira Campos; conservatism; development

Roberto Campos atuou em importantes funções no Estado durante praticamente toda a segunda metade do século XX. Intelectual reconhecidamente arguto e combativo, suas ideias tornaram-se referências para seus contemporâneos, tanto para os que com ele concordavam como para os que dele discordavam, e assunto incontornável para aqueles que se debruçam sobre estudo da história desse período. Entre os anos de 1950 e 1960, Roberto Campos transitou de um pensamento econômico que absorvia categorias analíticas da Comissão Econômica para América Latina (Cepal) para um pensamento mais alinhado às posições ortodoxas defendidas por neoliberais como Octávio Bulhões (BARBOSA, 2017BARBOSA, Alexandre de F. O Brasil desenvolvimentista (1946-1964) e a trajetória de Rômulo de Almeida. 637 f. Tese (Livre-Docência). Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 2017.)2 2 Para uma abordagem do pensamento de Bulhões, ver: Saretta (2001). . Para o período de 1952-1964, Bielschowsky (2000BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.) caracteriza o pensamento de Roberto Campos em três fases. Em nosso estudo3 3 Este texto é uma versão modificada de capítulo da tese de doutorado A questão nacional no Brasil entre 1954 e 1964: perspectivas de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré (SILVA, 2018). , nos restringiremos às duas últimas fases. Enquanto na primeira Campos adota também categorias cepalinas, na segunda fase, 1955-1959, o autor passa a conceder menos razões para os argumentos dessa instituição no que se referia ao câmbio e à inflação, levando-o a uma posição discordante com relação às políticas monetária e cambial em prática no Brasil. Ademais, embora Campos tenha mantido a defesa do planejamento, começa a apresentar discordâncias com a ampliação de monopólios estatais, como já havia ocorrido com a Petrobras.

A aproximação de Campos aos liberais fica mais acentuada a partir de 1959 (terceira fase), após o rompimento das negociações do governo brasileiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o abandono do Plano de Estabilização Monetária (PEM) por Juscelino Kubitschek e a saída de Campos do governo (BARBOSA, 2017BARBOSA, Alexandre de F. O Brasil desenvolvimentista (1946-1964) e a trajetória de Rômulo de Almeida. 637 f. Tese (Livre-Docência). Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 2017.).

As diferenças nas interpretações sobre o pensamento de Roberto Campos revelam a qualidade retórica do autor. Nos anos 1960, houvera maior consenso quanto à sua filiação ao pensamento econômico ortodoxo4 4 Ver, por exemplo, a visão de Furtado, em 1959, sobre Campos: “Campos representa o neoliberalismo”; “De tudo isso o que se pode concluir é que uma das inteligências mais poderosas de nossa geração tendeu a desviar-se mais e mais para uma atitude conservadora, ligando-se a todas aquelas forças que desempenham o papel de reação no processo histórico. Neste momento, entre a posição dele e a do velho Gudin já não existe diferença perceptível” (FURTADO, 2019, p. 165; p. 167). . Nos anos 1980, quando Campos passou a expor sua concordância com o pensamento e as políticas neoliberais, Bielschowsky (2000BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.) classificou o Roberto Campos dos anos 1950-1964 como desenvolvimentista, embora tenha adicionado o adjetivo “não nacionalista”. Madi (2007MADI, Maria A. C. A vanguarda do pensamento conservador: as ideias econômicas de Roberto Campos (1917-2001). In: SZMRECÁNYI, Tamás; COELHO, Francisco da S. (org.). Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2007, p. 367-385.), contudo, classifica o pensamento de Roberto Campos como conservador e filiado à ortodoxia econômica. Gennari (2005GENNARI, Adilson M. O pensamento de Roberto Campos: um esboço sobre desenvolvimento econômico, inflação e institucionalização política. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n 17, dez./2005, p. 92-111.) também acentua o caráter conservador do pensamento de Roberto Campos.

Outra controvérsia diz respeito às rupturas e continuidades no pensamento do autor. Se seguirmos a interpretação de Bielschowsky (2000BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.), há uma ruptura, uma vez que Campos deixou o desenvolvimentismo para ser defensor das ideias neoliberais a partir dos anos 1980. Contrariamente, Gennari (2005GENNARI, Adilson M. O pensamento de Roberto Campos: um esboço sobre desenvolvimento econômico, inflação e institucionalização política. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n 17, dez./2005, p. 92-111.) e Madi (2007MADI, Maria A. C. A vanguarda do pensamento conservador: as ideias econômicas de Roberto Campos (1917-2001). In: SZMRECÁNYI, Tamás; COELHO, Francisco da S. (org.). Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2007, p. 367-385.) defendem que houve continuidade, destacando o conservadorismo do autor e sua filiação à ortodoxia. Perez (1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.) também acredita que há rupturas nas posturas de Campos: da racionalidade, localizada no Estado durante os anos 1950 e 1960, passa para a do mercado a partir dos anos 1980.

O motivo mais saliente para as divergências em torno do pensamento de Roberto Campos se deve ao papel que o autor acreditava que o Estado deveria desempenhar. Nossa hipótese é a de que uma qualificação da relação entre Estado e mercado no pensamento liberal auxilia a compreensão do pensamento de Roberto Campos enquanto referência do pensamento conservador no Brasil de seu tempo. A despeito das diversas denominações já utilizadas para classificar o pensamento do autor, utilizaremos a expressão exposta por ele mesmo ao comentar o trabalho de Bielschowsky: liberal-desenvolvimentista5 5 Comentando a classificação feita por Bielschowsky, Roberto Campos disse que uma melhor denominação para seu próprio pensamento à época seria liberal-desenvolvimentista, em lugar de desenvolvimentista não nacionalista (PEREZ, 1999, p. 50). . Assim, liberal ao apoiar um relaxamento no controle sobre as aplicações do capital estrangeiro e ainda incentivar a entrada deste através de políticas econômicas alinhadas à ortodoxia. Desenvolvimentista por ressaltar a importância do Estado no que tange à programação e ao incentivo ao desenvolvimento. Como pretendemos demonstrar, o autor pôde, dessa maneira, utilizar o ideal de criação e ampliação do mercado (realizado por meio da industrialização) através da programação e dos incentivos do Estado, sem atrelar isso a uma proposta de alteração na ordem econômica, política e social marcada pela segregação social.

Apresentaremos uma interpretação das opiniões do autor utilizando textos produzidos por ele e textos de outros autores que procuraram analisar o pensamento de Roberto Campos. Daremos ênfase ao período de 1955 a 1964, com exceção dos temas do capital estrangeiro e do Estado, para os quais Campos se manteve coerente desde o início dos anos 1950 até 1964. O artigo está dividido em cinco tópicos, além desta introdução e da conclusão. No primeiro, abordamos o conceito de desenvolvimento utilizado por Campos e sua consequência para políticas distributivas. No segundo, apresentamos como as demandas da sociedade civil podiam ser vistas como geradoras de crises. No terceiro, tratamos de como o autor interpretava a racionalidade no Estado. No quarto, mostramos como Campos concebia a irracionalidade do comportamento da população. Finalmente, apresentamos quais medidas de política econômica Campos considerava como incorretas e como isto indicava quais seriam as medidas corretas a serem adotadas.

Cavalos que marcham em direções opostas: desenvolvimento e equidade distributiva

Roberto Campos entende o desenvolvimento como aumento da produtividade e, a partir dele, a possibilidade de maior consumo, fato que o autor assimila como aumento do bem-estar. Contudo, para o autor, uma característica singular do processo de desenvolvimento em países subdesenvolvidos consiste em que seu fator propulsor é o desejo de aumento no consumo:

[...] o seu processo de desenvolvimento é motivado, em geral, mais pela procura do que pela oferta. Esse desenvolvimento não é um desenvolvimento “schumpeteriano”, que se origina do movimento de produção espontâneo de homens de empresa. É, antes, a aspiração das massas, na ânsia de melhorar o padrão de consumo, que leva os governos a assumir funções empreendedoras e a estimular os empresários particulares a embarcarem em projetos de desenvolvimento que ofereçam, pelo menos, uma promessa de aumentos futuros de consumo. (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 125)6 6 Os livros utilizados para a realização deste artigo são, em verdade, coletâneas de artigos de Roberto Campos publicados em datas distintas. Assim, nas citações colocamos a data de edição do livro e a página do mesmo. Entre colchetes colocamos a data de publicação original do artigo. .

Dados os determinantes de aumento da produtividade tomados pelo autor, esse fator propulsor gerava uma dificuldade ao próprio processo de desenvolvimento. Para aumentar a produtividade seria necessário aumentar a acumulação de capital produtivo e, para isso, era preciso aumentar a poupança. Isto é, partindo da teoria de que a poupança determina o investimento, o autor postulava a necessidade de aumentar a poupança. Como a poupança é vista como resíduo do consumo, o autor acreditava na necessidade de conter o consumo. Assim, o autor pressupunha a existência de um dilema entre equidade distributiva e desenvolvimento. Citando Arthur Lewis, Campos afirmou que esses dois objetivos são cavalos que marcham em direções opostas7 7 “No Brasil continuamos querendo cavalgar os dois cavalos em direções opostas” (CAMPOS, 1963b [1957], p. 115). . Nesse sentido, para o economista o aumento da produtividade estava acima de tudo (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 90). Como veremos adiante, essa ênfase na produtividade dava subsídio para a posição de Campos sobre o capital estrangeiro. Também dava subsídio para a ação do Estado enquanto agente que contribuía para indicar os investimentos a serem realizados pela iniciativa privada.

Nesse dilema, a escolha de Campos era claramente em direção ao desenvolvimento:

Para os países latino-americanos, nenhum problema encerra conteúdo mais dramático, e urgência mais dolorosa, que o do desenvolvimento econômico. É mais importante que o da segurança, porque, nos dias hodiernos, a capacidade de defesa é um subproduto da abastança econômica. É mais importante mesmo que o da justiça social, porque só com o acréscimo de produtividade se aumentará a riqueza a repartir, e se eliminará a inevitável acrimônia da competição dos diversos grupos sociais por um produto estagnante ou decrescente. (CAMPOS, 1963bCAMPOS, Roberto de O. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963b. [1957], p. 84).

Como considerava que políticas para o desenvolvimento econômico eram incompatíveis com políticas que visavam à justiça social, o autor conclui então qual deveria ser a política correta, a que delimita o caráter racional, e que exigiria inclusive alteração da psicologia do brasileiro: “A opção pelo desenvolvimento implica a aceitação da ideia de que é mais importante maximizar o ritmo do desenvolvimento econômico do que corrigir as desigualdades sociais” (CAMPOS, 1963bCAMPOS, Roberto de O. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963b. [1957], p. 115). O objetivo de aumento da produtividade por meio da formação de capital, portanto, é o fim último a que estarão submetidas todas as propostas de política econômica, e mesmo de organização social e política, ainda que parcelas da população “as massas”, como denomina o autor - tivessem que passar por “sacrifícios”. É nesse sentido que o autor criticava o que chamava de ilusão distributivista (CAMPOS, 1964 [1961], p. 185).

Podemos, assim, fazer um primeiro delineamento do conservadorismo de Roberto Campos. Ao menosprezar as medidas que tivessem o objetivo de garantir uma distribuição de renda mais equitativa, o autor se colocava como um apoiador da manutenção da ordem social brasileira, com desigualdade e segregação sociais.

Demandas da sociedade civil - a “massa” - geram crise

No pensamento de Roberto Campos, estagnação com inflação são os “elementos que sintetizam uma crise mais ampla” (SILVA, 2004SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004., p. 209), a qual se caracteriza por uma crise de organização social8 8 A inflação estrangula o desenvolvimento “aguçando conflitos entre os diversos grupos sociais que lutam, através de reivindicações salariais, para preservar o seu padrão de vida e nível de consumo, ameaçado pelo desequilíbrio entre a procura monetária e a oferta real de bens” (CAMPOS, 1963a [1955], p. 158). . A inflação é tanto uma manifestação dessa crise quanto um instrumento utilizado para aprofundá-la. Para Campos, crise e inflação são resultados de medidas econômicas que desrespeitam o objetivo da política econômica, o télos do pensamento conservador coetâneo: o desenvolvimento com estabilidade9 9 Silva (2004, p. 207) diz que “surge como um novo télos do Estado autoritário: o binômio ‘desenvolvimento econômico com estabilidade monetária’”. . Assim, a crise tem relação direta com o regime democrático, pois este permite à população expressar sua reivindicação por acesso a bens: “eleitores (efetivos) e consumidores (ou aspirantes a) conferiam à dinâmica dos mercados uma especial relação, potencializando o que era temido pelos liberais - o ‘excesso de demandas’” (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 103).

Dessa maneira, as mobilizações sociais não eram bem-vistas, mas entendidas como caos e desordem. Por isso, “A prioridade dada à meta de estabilidade aplica-se pela relação de causalidade estabelecida, por Gudin e Campos, entre estabilidade monetária e ordem social e política” (SILVA, 2004SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004., p. 277). Vemos, portanto, que a ênfase colocada sobre a estabilidade significava evitar abalos na ordem social estabelecida e desqualificar atitudes ou propostas de política econômica que tentassem conciliar a continuidade do desenvolvimento com medidas redistributivas. Essa desqualificação era feita considerando tais pensamentos como irracionais e emotivos, pois, dados os pressupostos, não conduziriam ao objetivo almejado: o desenvolvimento. Barbosa (2017BARBOSA, Alexandre de F. O Brasil desenvolvimentista (1946-1964) e a trajetória de Rômulo de Almeida. 637 f. Tese (Livre-Docência). Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 2017.) argumenta que a “irracionalidade” era utilizada contra o oponente tanto por nacionalistas como pelos mercadistas (denominação na qual é incluído Roberto Campos). Contudo, queremos aqui ressaltar o fato de Campos apontar a irracionalidade no comportamento da sociedade civil, da “massa”.

A irracionalidade, então, estava na exagerada propensão ao consumo do povo brasileiro, aliás, do latino em geral, que objetiva apenas o bem-estar imediato sem pensar nos dilemas que precisariam ser enfrentados para alcançar esse aumento de bem-estar futuro10 10 “De outro lado, se é necessária a aceitação cultural do consumo presente de bens terrestres como pré-requisito do desenvolvimento, é igualmente necessária a capacidade de abstinência, isto é, a capacidade racional de optar entre maior consumo presente e maior consumo futuro. Em suma, a capacidade de acumulação” (CAMPOS, 1963b [1957], p. 107). “As dificuldades que surgem são do lado da poupança ou da acumulação. As raças mediterrâneas em geral parecem ter um vezo hedonístico a que não escapamos. De outro lado, registramos uma grande capacidade de imitar formas de consumo, sem igual capacidade de copiar hábitos de produção” (CAMPOS, 1963b [1957], p. 112). A concepção que Roberto Campos tinha da cultura brasileira, incompatível com o desenvolvimento, foi analisada por Silva (2004). . Estamos aqui, portanto, no núcleo do pensamento conservador de Campos: o comportamento perdulário de um povo que não consegue poupar no presente para ter melhor bem-estar no futuro; um povo imediatista, cujo comportamento expõe uma irracionalidade diante dos meios necessários para atingir o fim, o desenvolvimento (isto é, o aumento do consumo).

Podemos agora reforçar o primeiro esboço sobre a posição conservadora de Roberto Campos. Temos aqui dois pressupostos na análise do autor. O primeiro diz respeito ao que seria o desenvolvimento (formação de capital e aumento da produtividade) e a impossibilidade de conciliar o meio necessário (aumento de poupança) com políticas sociais. O segundo diz respeito à irracionalidade da população portadora de comportamento perdulário, desejando o desenvolvimento sem compreender os seus meios. No primeiro pressuposto está implícita a manutenção da ordem social, com desigualdade e segregação. No segundo pressuposto, abre-se o caminho para propostas de políticas que ignorem a vontade de parcelas significativas da sociedade civil.

A racionalidade no Estado

A ideia de racionalidade de Campos, no caso que tratamos aqui, está associada à racionalidade instrumental concebida por Max Weber. O autor acreditava que a economia era uma ciência de meios e não de fins. Uma vez que o fim já estava dado, o meio teria que obedecer à racionalidade desse fim. Por isso, essa racionalidade não está associada à concepção iluminista da razão humana. Segundo Perez (1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 29), “Campos desacredita a razão como ente comum. Assim, ela deve ser localizada em lugares próprios - não obstante estes variarem ao longo do tempo - e merece um estatuto privilegiado”.

No pensamento de Roberto Campos de meados do século XX, a racionalidade estaria no Estado, desde que a política econômica obedecesse ao controle do saber técnico. O planejamento, uma vez realizado pelos detentores do conhecimento técnico necessário, dota o Estado de racionalidade. Para Campos, “o saber reivindicado pela técnica legitima o poder” (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 98). O planejamento e a atuação do Estado são necessários porque Campos considera que o mercado ainda é frágil em consequência da ausência de racionalidade na sociedade civil. A racionalidade do Estado tem então a função de espraiar a racionalidade para a sociedade. E isso se conjuga com a função do Estado de produzir mercado, à qual Roberto Campos se referiu como “criar bom ambiente” para a livre iniciativa.

A intervenção do Estado é o principal ponto para esclarecer a posição de Roberto Campos. Podemos dizer que há dois tópicos nessa intervenção: o lado da criação de poupança e o lado da criação do mercado, que é vista como criação de bom ambiente para a iniciativa privada. Nesse segundo sentido estão incluídas as funções do planejamento estatal. Como argumenta Madi (2007MADI, Maria A. C. A vanguarda do pensamento conservador: as ideias econômicas de Roberto Campos (1917-2001). In: SZMRECÁNYI, Tamás; COELHO, Francisco da S. (org.). Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2007, p. 367-385.), havia em Campos o planejamento executivo, para ser realizado pelo Estado, e o planejamento indicativo, para o setor privado. O segundo visava criar regras, instituições e incentivos para os investimentos da ação empresarial. Madi (2007, p. 371) argumenta que dessa maneira Campos “reforçava sua crença na compatibilidade entre o planejamento e a dinâmica da economia de mercado”. Embora concordemos com o argumento da autora, queremos enfatizar que a prioridade e o fim mesmo do planejamento, para Campos, era a criação de um bom ambiente para a iniciativa privada.

[...] a programação visa, no setor público, a coordenar investimentos e orientá-los prioritariamente; no setor privado, a fixar objetivos de desenvolvimento e, através de controles preferencialmente indiretos - monetários e fiscais -, fazer a “construção de clima” necessária para que a iniciativa privada possa agir em obediência à sua dinâmica natural.

A “construção de clima” para a iniciativa privada é, assim, tanto ou mais importante que a programação executiva do setor público. (CAMPOS, 1963bCAMPOS, Roberto de O. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963b. [1957], p. 85).

Perez (1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 92) é preciso nesse ponto: “O conteúdo político iliberal no pensar de Campos é indiscutível e não se torna precisamente antiliberal, dada a sua preocupação em promover o espaço privado. Ao Estado cabe esta tarefa”.

Vamos acompanhar a interpretação que Perez faz sobre o pensamento de Campos com relação a esse ponto. Faremos apenas duas ressalvas. A primeira é a de que Perez enfatiza os escritos de Campos do início dos anos 1950. Contudo, ele mesmo reconhece a continuidade desse aspecto quando ressalta que “Nenhum projeto esteve tão próximo das políticas econômicas efetivamente adotas pelo poder público no Brasil no terceiro quartel do século” (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 96). A segunda é a de que Perez enfatiza que a racionalidade do Estado fora defendida por Campos como meio de suprir a irracionalidade do comportamento da elite brasileira. Em nosso caso, como pensamos ter demonstrado no tópico anterior, a irracionalidade era vista no comportamento do povo, da “massa”11 11 “Poucos questionariam hoje a necessidade, em países subdesenvolvidos como o Brasil, de um grau maior de intervencionismo estatal [...]. Entre as razões válidas figuram, primeiro, a natureza derivada do processo de desenvolvimento, oriundo menos do vigor do empresário privado do que dos reclamos das massas por uma vida melhor [...]” (CAMPOS, 1964 [1961], p. 186-187). .

Perez deixa explícito que a intervenção do Estado era defendida por Campos sem pretender ocupar espaços pertinentes à iniciativa privada. “Campos, nesse momento, parafrasearia Polanyi: ao Estado cabe a produção do mercado” (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 98). A necessidade da intervenção do Estado viria então da pequena dimensão do mercado, cujo crescimento não poderia ser esperado apenas por ações da iniciativa privada:

Para campos, a conjugação de dois fatores - escassez de experiência na gestão de empresas e desigual distribuição de renda - torna tanto a capitalização quanto sua dinamização limitada nos países atrasados, redundando em mercados pequenos e tíbios: daí a necessidade de a iniciativa pública suprir a lacuna. (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 94).

Acreditamos que esse ponto é salutar para entender como Roberto Campos articula seu “liberal-desenvolvimentismo”, desde que revisitemos a relação entre Estado e mercado na tradição liberal. Para o liberal, não é estranho falar em intervenção do Estado para garantir expansão do mercado. O próprio Adam Smith dedicou o Livro V de sua Investigação sobre a riqueza das nações ao papel do Estado na criação de condições para a expansão do mercado. Como diz Rosanvallon (2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico: história da ideia de mercado. Bauru: Edusc, 2002. (Coleção Ciências sociais)., p. 104), comentando Adam Smith: “Aos seus olhos, portanto, o Estado liberal não é inativo, devendo, ao contrário, ser extremamente ativo para construir o mercado”. Contudo, o mercado não é visto necessariamente como nacional. Ou melhor, para o liberalismo econômico, o espaço geográfico de determinado Estado (espaço político) não se confunde com o espaço do mercado. Nesse sentido, interior e exterior não são definidos pela relação política, mas pela participação, ou não, nas relações mercantis através das quais se conectam o mercado local e o de longa distância. A extensão do mercado “é produzida desde o interior pelo sistema de comunicações e localizações humanas. Assim, o mercado pode ser apreendido por ele [Smith] como uma rede, e não mais unicamente como um lugar” (ROSANVALLON, 2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico: história da ideia de mercado. Bauru: Edusc, 2002. (Coleção Ciências sociais)., p. 107).

Tendo essa noção do que seria o mercado e da importância de ações do Estado para estimulá-lo, Rosanvallon (2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico: história da ideia de mercado. Bauru: Edusc, 2002. (Coleção Ciências sociais)., p. 108) afirma que “não é tanto a oposição entre dirigismo e laissez-faire, mas sim a distinção entre espaço de mercado e território geográfico que marca a verdadeira ruptura entre o liberalismo e o mercantilismo”. O mercado se assenta sobre a expansão e a garantia da propriedade privada, para as quais o Estado tem certamente papel de relevo. A expansão do mercado é vista como desterritorialização: a ampliação da rede mercantil ignora fronteiras nacionais, mas, para isso, precisa generalizar a existência da propriedade privada. Se a expansão do mercado obedecer a esses princípios, provavelmente o liberal não se incomodará com a intervenção do Estado.

A singularidade em Campos é que, para realizar essa expansão do mercado, a intervenção do Estado está sendo vista como orientadora e coordenadora de investimentos, e fixadora de objetivos e criadora de clima para a iniciativa privada. Por isso podemos enfatizar a denominação de liberal-desenvolvimentista para Campos, atribuindo ao Estado a tarefa da programação, mas como meio para expandir o mercado e impulsionar a iniciativa privada, disso resultando o modo peculiar como a nação é vista pelo economista. Barbosa, utilizando o termo “mercadistas”, colabora para a compreensão desse nexo entre a nação e o mercado:

Já os mercadistas jogavam as suas fichas para transformar o “mercado” no mecanismo autopropulsor do desenvolvimento, o que não quer dizer que a nação, ao menos da maneira como a concebiam, tivesse sido descartada. Era antes compreendida como território ou “coletividade” que deveria experimentar a acumulação capitalista possível conforme as alianças internas e externas disponíveis, funcionando conforme a “dotação de fatores produtivos”, que poderia ser reorganizada no sentido de criar uma nova classe empresarial dinâmica. (BARBOSA, 2017BARBOSA, Alexandre de F. O Brasil desenvolvimentista (1946-1964) e a trajetória de Rômulo de Almeida. 637 f. Tese (Livre-Docência). Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 2017., p. 242).

Em síntese, como no subdesenvolvimento o mercado era pouco abrangente, a racionalidade de mercado não atingia a sociedade civil. Nesse momento, portanto, a racionalidade estava no Estado, desde que este estivesse sob a disciplina do saber técnico que reconhecia os meios necessários ao desenvolvimento. A ação do Estado, no entanto, deveria ser no sentido de criar o mercado (locus no qual se localizaria a racionalidade futuramente) e, para tanto, coordenar e incentivar a iniciativa privada. Assim, a criação do mercado se faz com intervenção do Estado no sentido de reforçar os mecanismos de funcionamento do mercado e não de perturbá-los. A expansão do mercado interno se realiza diretamente atrelada aos fluxos internacionais, sobretudo financeiros. A nação é vista como território, como espaço geográfico de determinado Estado que incentiva a expansão do mercado. O mercado interno não é visto como mercado nacional, mas como fronteira de expansão do mercado internacional. Reforçamos, assim, a denominação que adotamos para Roberto Campos: liberal-desenvolvimentista. Assim, Campos pode adotar a ortodoxia econômica e defender uma ação do Estado separada dos anseios da população.

A posição conservadora de Campos inicia, assim, a ter contornos mais nítidos. O Estado sob o saber técnico é o locus de racionalidade, que é voltada para expandir o mercado, numa espécie de travessia à passagem para a racionalidade de mercado, através de coordenação e incentivos, assim como ao Estado devem caber também medidas para elevar a taxa de poupança, com restrições às políticas redistributivas e abertura ao capital estrangeiro. O Estado, portanto, seria responsável por conter as demandas da sociedade civil que gerariam crises e desordem.

Separação entre Estado e anseios da população

Tendo essa racionalidade em mente, Campos podia conceber a necessidade de estadistas com “nervos rijos”, capazes de resistir às demandas da população e de impor sacrifícios a setores da sociedade civil. Como o comportamento perdulário da população brasileira não permite a ela ver os benefícios futuros de um sacrifício presente, o Estado teria a tarefa de assegurar a compressão do consumo12 12 “Em termos mais precisos: prevalecente a irracionalidade no mundo social subdesenvolvido, cabe aos governos - impregnados da racionalidade necessária e então dotados de ‘faculdade telescópica’ - avocar a si a responsabilidade pela escolha dos caminhos mais adequados ao desenvolvimento” (PEREZ, 1999, p. 96). .

Portanto, o principal obstáculo consistia nos sacrifícios exigidos no presente para aumentar o consumo futuro:

Ninguém pretende que os programas de austeridade da Argentina, Chile, Colômbia e Peru não tenham representado duro sacrifício e risco político, exigindo estadistas de nervos rijos e capacidade de solidão. Pois é sempre mais agradável sacar sobre o futuro do que corrigir os erros do passado e pagar as contas do presente. Ninguém pretende [...] que os reajustamentos corretivos do período de transição não tenham afetado, por vezes dolorosamente, as classes de baixa renda, provocando inquietações e greves. (CAMPOS, 1964CAMPOS, Roberto de O. A moeda, o governo e o tempo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1964. [1961], p. 100-101).

Nessa citação são elencados dois tipos de sacrifício: o da população, tendo que restringir o consumo presente; e o do estadista, que precisa ser antipopular para tomar as medidas certas, embora frustrando seus eleitores, pois estes não têm capacidade para discernir quais são as melhores medidas a serem tomadas para eles mesmos.

Ainda considerando a citação supra, vejamos quais os sacrifícios exigidos pela população. As medidas corretas correspondiam às propagadas pela ortodoxia: restrição da demanda agregada para conter o apetite pelo consumo. Dito de outra maneira, recessão e desemprego derivados da resolução de “distorções causadas pelo processo inflacionário”:

Interrompida a expectativa de alta de preços, cessam as encomendas para estocagem e até mesmo para o uso corrente, até a liquidação do material acumulado. Algumas indústrias antieconômicas fraquejam quando começam a soprar os ventos da concorrência, com a eliminação da procura excedente. Donde um temporário declínio de produção e do nível de emprego, fenômenos que, por dolorosos que sejam, têm a função corretiva de eliminarem duas das mais improdutivas formas de investimento: a especulação imobiliária e o açambarcamento de estoques. (CAMPOS, 1964CAMPOS, Roberto de O. A moeda, o governo e o tempo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1964. [1961], p. 99 - destaques nossos).

Mas o povo brasileiro, irracional, não consegue perceber que o desemprego é melhor para ele! Sofre ainda de mais irracionalidade: reivindica também aumentos salariais. Mais uma reivindicação inaceitável para os conservadores, pois que entendiam que o aumento salarial acima do aumento de produtividade (e em geral acreditavam que estava mesmo acima) causava inflação e aguçava os conflitos sociais (crise e desordem). Reivindicação essa que entrava no rol de manifestações do “Estado assistencial prematuro”, um libelo do que o Estado não deveria fazer:

[...] a despreocupação com a produtividade, na fixação de salários, a busca de benefícios sociais excessivos para a débil capacidade financeira da nação, como a aposentadoria de pessoas jovens e válidas, o encurtamento do horário de trabalho e a garantia de estabilidade independentemente da eficiência no emprego [...]. Ninguém com decência humana pode objetar a uma expansão dos benefícios sociais; a questão é que eles se tornam falsos e decepcionantes se avançam em ritmo superior ao possibilitado pelo nível de desenvolvimento econômico. (CAMPOS, 1964CAMPOS, Roberto de O. A moeda, o governo e o tempo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1964. [1961], p. 124).

Podemos, agora, dar maior consistência ao corpo teórico conservador de Roberto Campos. Inicialmente, a definição do fim, o desenvolvimento visto como aumento da produtividade através da formação de capital. Dado o fim, o meio exigia aumento da poupança, o que era incompatível com políticas sociais de cunho distributivista. Nesse sentido, o comportamento da população era visto como irracional, pois desejava o desenvolvimento sem entender seus meios, e suas reivindicações eram enquadradas como gestantes da desordem. Assim, caberia ao Estado portar a racionalidade necessária para a expansão do mercado e da produtividade. Essa racionalidade postulava um imbricamento da criação de mercado interno como fronteira de expansão do mercado internacional e a nação vista como território sob jurisdição do Estado. As políticas corretas para a criação e expansão desse mercado precisariam de estadistas capazes de ignorar vontades da população, uma vez que esta se portava de maneira irracional. Campos postulava a modernização, conduzida por uma elite técnica esclarecida, sem alterar a ordem social marcada por desigualdades e segregação.

As políticas corretas do Estado: estabilidade de preços e aceno ao capital estrangeiro

Roberto Campos acreditava que havia pontos de estrangulamento na economia. Para resolvê-los, chamava a atenção para a necessidade de reformas institucionais e não negava eventuais atuações diretas do Estado, com a ressalva de não prejudicar a iniciativa privada. Contudo, considerava que a inflação, fruto de má administração monetária, levava a intervenções do Estado na economia que causavam esses pontos de estrangulamento. O autor admitia que a economia, funcionando em livre mercado, também causaria desequilíbrios, os quais seriam, no entanto, autorregulados. O mesmo não ocorreria com os desequilíbrios que eram causados pela atuação do Estado:

Talvez a distinção válida a ser feita fosse, então, entre as desproporcionalidades que se corrigem por si mesmas [cita Rostow], que provocam ajustes subsequentes, e os desequilíbrios provocados, que resultam em pontos de estrangulamento os quais causam a paralisação do desenvolvimento. Sucede comumente que estes últimos são causados por intervenções governamentais, que, geralmente, se destinam a promover o desenvolvimento, mas que, na prática, têm efeito contrário. (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 135).

Portanto, não havia problemas com o planejamento e a participação do Estado, mas apenas com intervenções errôneas que causavam desequilíbrios13 13 “No que se refere à presente discussão, o termo ‘desenvolvimento equilibrado’ será empregado com um sentido mais amplo, de forma a denotar a ausência de desequilíbrios ‘criadores de pontos de estrangulamento’” (CAMPOS, 1963a [1957], p. 136). .

E no que consistiam essas intervenções errôneas? O raciocínio era o que segue. Roberto Campos reconhecia que o processo de desenvolvimento nos países subdesenvolvidos gerava pressões inflacionárias. As razões dessas pressões estariam no deslocamento setorial de fatores de produção e na exigência de alto volume de investimentos concentrados em infraestrutura. “A pressão inflacionária não se traduz, porém, em inflação [...] a menos que as autoridades monetárias concordem em expandir a oferta de meios de pagamentos”14 14 Roberto Campos toma a inflação como fenômeno de excesso global de procura sobre a oferta, e não por desajustes estruturais, reforçado em: “Por definição, uma situação inflacionária é aquela em que a procura efetiva global excede a capacidade produtiva” (CAMPOS, 1963a [1957], p. 147). “Sejam quais forem as pressões inflacionárias, uma administração monetária severa sempre poderá dominá-las, pois, se as autoridades monetárias se recusarem a emitir moeda, a inflação, mais cedo ou mais tarde, chegará ao fim” (CAMPOS,1963a [1957], p. 129). (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 130-131). Assim, embora Roberto Campos afirmasse que “Agora no Brasil a panaceia em voga é o controle da remessa de lucros” (CAMPOS, 1964, p. 59), não deixava de oferecer outra panaceia: a estabilidade de preços15 15 “Ora, a verdade é que uma inflação persistente e aguda, como a da recente conjuntura brasileira, estrangula fatalmente o desenvolvimento econômico” (CAMPOS, 1963a [1955], p. 158). .

Segundo o autor, a permissividade governamental com a inflação era acompanhada pela inclinação ideológica de intervenção do Estado sobre a livre iniciativa, justificando-a como necessidade perante o contexto inflacionário. Portanto, para Campos não era a inflação, derivada de problemas estruturais, que reclamava a intervenção do Estado, mas a intervenção errônea do Estado, derivada da complacência com a inflação, é que levava a estrangulamentos. Como vimos acima, era assim que Roberto Campos entendia o desenvolvimento equilibrado: o que se realiza sem causar estrangulamentos. A intervenção do Estado seria aceita para criar bom ambiente à livre iniciativa, o que requer estabilidade social e, portanto, estabilidade monetária. Como argumenta Madi (2007MADI, Maria A. C. A vanguarda do pensamento conservador: as ideias econômicas de Roberto Campos (1917-2001). In: SZMRECÁNYI, Tamás; COELHO, Francisco da S. (org.). Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2007, p. 367-385., p. 376), a “análise de Roberto Campos ganha toda a força do diagnóstico ortodoxo na medida em que apresentava o Estado como responsável pelo entorpecimento da função alocativa do sistema de preços”.

Para Campos, as políticas adotadas para contornar a inflação resultariam em alguns problemas estruturais para a economia brasileira e, portanto, contribuiriam para a estagnação econômica e crescimento da inflação. Da crítica de Roberto Campos às intervenções do Estado diante da inflação emergem as indicações ortodoxas de política econômica. Podemos visualizá-las através de dois exemplos:

  • a) no setor agrícola - O autor dividia a agricultura em dois grupos: para consumo interno; para exportação. No que se refere à primeira, quando a inflação se acelerava, os governos tendiam a controlar os preços dos produtos de alimentação básica, inibindo a expansão da oferta de produtos agrícolas. Segundo o autor, “O resultado final é negativo [...]; o controle de preços atua nesta hipótese como um incentivo ao consumo e um obstáculo a uma oferta maior” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 137). Quanto à agricultura de exportação, o raciocínio era simples: como a taxa de câmbio não era livre, tendia a ficar sobrevalorizada, pois as desvalorizações não acompanhavam a inflação. Essa sobrevalorização da taxa de câmbio desestimulava a agricultura de exportação. Vemos, assim, que, criando um bom ambiente à livre iniciativa, tudo se resolveria pelo mercado, regulando preços através do mecanismo de oferta e demanda, sem precisar fazer qualquer questionamento sobre a estrutura agrária e, consequentemente, a estrutura social, política e econômica do país;

  • b) infraestrutura de serviços públicos - transporte, comunicação e energia elétrica. Nesse caso, dois são os argumentos principais. Primeiro, o princípio do custo histórico. Como a taxa de lucro desse setor estava sujeita a regras do governo, a não atualização do valor monetário do ativo investido inicialmente levaria a uma redução na taxa de retorno do investimento. O segundo seria a própria lentidão burocrática para reajustar as tarifas em um contexto inflacionário. Como resultado, por um lado, diminuía o lucro e, portanto, desestimulava investimentos nesses serviços; por outro lado, criava um subsídio ao consumo (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957]. Novamente a predominância da ideia de que não haveria desequilíbrio se deixado o livre mercado seguir as leis da oferta e demanda num ambiente favorável, isto é, num ambiente de “estabilidade”.

Para Roberto Campos, a redução de investimentos privados causada pelas intervenções do governo num contexto inflacionário estimulava a substituição da iniciativa privada por empresas estatais, para as quais o autor aconselhava moderação. O governo não deveria substituir a iniciativa privada, mas encorajá-la, ou seja, garantir a estabilidade de preços e arquitetura institucional que assegurasse lucros suficientes para manter investimentos nos setores. Ademais, era um agravante o fato de que a substituição por empresas estatais ampliava o déficit fiscal do governo. Nesses dois casos, portanto, deveria o governo gerar bom ambiente à livre iniciativa, o que significava deixar o capital estrangeiro em livre movimento e criar uma legislação que favorecesse os lucros16 16 “Dado que o problema de aceleração do desenvolvimento econômico é essencialmente o de acumulação de capital, e que a poupança interna é insuficiente, deve-se recorrer a todas as fontes possíveis de suprimento de capital que tragam uma contribuição líquida, independentemente de sua origem nacional ou estrangeira (CAMPOS, 1963b [1957], p. 115). . Vejamos melhor isso.

Externamente, os efeitos da inflação, mediada pelas errôneas intervenções estatais, eram prejudiciais à capacidade para importar. Isso ocorria de duas maneiras: pelo desestímulo às exportações e pelo desestímulo ao ingresso de capitais estrangeiros. Como o autor concebia que a inflação significava excesso de demanda sobre a oferta, no balanço de pagamentos isso se refletia como aumento das importações superior ao aumento das exportações e, portanto, uma pressão para o déficit comercial. A transformação dessa pressão em déficit efetivo dependeria da política cambial. Como as taxas de câmbio eram controladas pelo Estado, havia tendência à sua sobrevalorização, prejudicando as exportações.

Com relação ao ingresso de capitais estrangeiros, o receio de que a taxa de câmbio para remessa de lucros pudesse sofrer súbita desvalorização inibia a entrada de capitais e, em momentos agudos, causava saída acentuada de capitais. Como melhor solução para esse problema, Roberto Campos propunha a implementação de um sistema de taxa de câmbio flutuante “para corrigir-se um desequilíbrio do balanço de pagamentos provocado pela inflação”, sem “distorcer a estrutura do crescimento e levar a uma redução artificial do setor de exportação” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 150)17 17 A referência citada por Campos, nesse assunto, é Milton Friedman. . Mais uma vez, reforçamos que Campos acreditava no funcionamento do mercado (desde que o Estado não o atrapalhasse):

O ajustamento automático das taxas cambiais à elevação dos custos internos evita a punição do setor de exportação, que muitas vezes ocorre no sistema de taxas fixas simples ou múltiplas, em que a taxa de exportação só é reajustada com atraso e mediante decisão administrativa arbitrária. (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 151)18 18 “Assim, na visão de desenvolvimento econômico compartilhada por Gudin e Campos, além de se considerar o capitalismo como o sistema socioeconômico mais compatível com o desenvolvimento, também se defende a importância do capital estrangeiro e o estímulo à agricultura de exportação” (SILVA, 2004, p. 275). .

Um último fator de desequilíbrio importante, também causado por instabilidade no quadro institucional devido a posições políticas “apaixonadas”, se referia ao capital estrangeiro. Com relação à remessa de lucros, Roberto Campos foi ferrenho opositor dos controles em pauta até a aprovação da Lei de Remessa de Lucros. Para ele, a existência de controle, ainda mais em um contexto de instabilidade e imprevisibilidade quanto à política que seria adotada, contribuía tanto para inibir novas entradas de capitais como para afugentar os capitais aqui instalados. O pressuposto para Campos defender a contribuição do capital estrangeiro era a insuficiência da poupança interna. Assim, para aumentar a formação de capital, seria necessário incentivar a contribuição do capital estrangeiro, que cumpriria a função de poupança externa, suprindo a insuficiente poupança interna. Roberto Campos acreditava que, assim, o capital estrangeiro contribuía para o aumento da produtividade e, portanto, da renda. Dizia que a possibilidade de enviar lucros só era possível porque o capital estrangeiro contribuía para o aumento da renda (CAMPO, 1963a [s. d.], p. 271-303 passim).

Nurkse (2007NURKSE, Ragnar. Problemas da formação de capitais em países subdesenvolvidos. In: Memórias do Desenvolvimento, ano I, n 1, junho/2007. p. 11-13. Disponível em: http://www.centrocelsofurtado.org.br/interna.php?ID_M=136. Acesso em: 5 fev. 2020.
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) desenvolve essa ideia utilizando um artigo de Roberto Campos, “Lord Keynes e a teoria da transferência de capitais”, publicado em 1950CAMPOS, Roberto. Lord Keynes e a teoria da transferência de capitais. Revista Brasileira de Economia, v. 4, n. 2, p. 7-32, 1950. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/2415/2506. Acesso em: 5 fev. 2020.
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na Revista Brasileira de Economia. O economista havia elaborado essa interpretação teórica para contrariar Keynes, para quem a exportação de capital poderia elevar os juros no país exportador, à medida que tornava escassa a oferta de capital neste país, gerando impacto negativo na renda do país exportador de capitais. No entanto, ao mesmo tempo, Campos também se opunha a argumentos contrários ao capital estrangeiro que vinham sendo levantados tanto por parcela do empresariado como por segmentos da esquerda, sobretudo pelos marxistas, segundo os quais o capital estrangeiro drenava a poupança do país receptor (PRADO JÚNIOR, 1957PRADO JÚNIOR, Caio. Esboço dos fundamentos da política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1957.).

Esse aspecto nos parece ser realmente algo merecedor de atenção. No período que Campos escrevia, a ação imperialista não era mais incomodada por medidas protecionistas. Ao contrário, as medidas protecionistas podiam ser até um estímulo para o investimento estrangeiro, uma vez que garantiam mercado para a produção das filiais de empresas multinacionais. Naquele momento, o nacionalismo defendia o mercado interno principalmente através de medidas que controlassem ou mesmo inibissem a ação dos monopólios internacionais. Em oposição ao nacionalismo, Roberto Campos faz uma espécie de atualização do “doce comércio” para o “doce capital financeiro” (embora o autor não utilizasse essa denominação): uma relação ganha-ganha - aumenta a renda no país exportador de capitais e no país receptor de capitais estrangeiros.

Podemos dizer, então, que o pensamento de Roberto Campos legitima a ordem que garante a renda e as divisas necessárias para a remuneração do capital externo. Como consequência, o teórico que defendia a pertinência do capital estrangeiro contrapunha-se às políticas sociais e nacionalistas através do argumento de que estas baixariam o investimento mediante redução da poupança. Daí a necessidade de o Estado estar sob o domínio do saber técnico, garantindo a racionalidade de meios exigida para o desenvolvimento e contrariando a vontade da população, a qual apresentava comportamento irracional. Em realidade, Campos estava oferecendo subsídios teóricos para que o desejo dos capitais externos por ampliação de seus mercados se realizasse sem empecilhos políticos. Dessa maneira, garantiria a remuneração do capital externo por meio da extração do excedente, uma vez que de nada adiantava aumentar a renda internamente se não houvesse possibilidade de converter essa renda em moeda internacional19 19 Sobre a manutenção da inserção internacional, com predominância dos setores primários, para geração de divisas que garantissem a remuneração do capital estrangeiro, ver: Prado Júnior (1957). .

Vemos delineado, assim, o indicativo para as reformas institucionais que se oporiam às reformas de base20 20 Dreifuss (1986) aponta que as reformas articuladas no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais e no Instituto Brasileiro de Ação Democrática - complexo IPES/IBAD - pretendiam ser uma oposição às reformas de base propostas por segmentos da esquerda. : mecanismos para ampliar poupança através de compressão do consumo das massas; quadro institucional que permitisse maior controle sobre a moeda e o crédito; regras legais que permitissem, pelo mecanismo de oferta e demanda, lucros o suficiente para incentivar investimentos privados em setores de infraestrutura e serviços (a contrariedade ao controle de remessa de lucros se inclui nesse item)21 21 O autor é claro, nesse sentido, quanto à mineração: “Mais importante, entretanto, que qualquer medida tópica, é a criação de um clima de estabilidade econômica e segurança jurídica para a mineração. Trata-se de uma atividade que exige aplicação maciça de capitais; que impõe recuperação lenta do capital invertido, e que é sujeita, em regra, a preços internacionais, que não flutuam de acordo com a inflação interna. Investimentos desse tipo são fortemente desencorajados num clima de moeda cadente, ao contrário dos investimentos especulativos a curto prazo, que nesse clima prosperam” (CAMPOS, 1963a [1956], p. 202). . Essas seriam as reformas condizentes com o principal objetivo: o desenvolvimento. As reformas estruturais e/ou distributivas eram desaconselhadas, considerando tal objetivo:

O segundo dilema envolvido nos programas de ajuda externa, que jaz despercebido sob a tempestuosa superfície dos recentes debates havidos sobre o assunto neste país, é que o objetivo da aceleração das reformas institucionais nos países recipientes, tais como a reforma agrária ou a fiscal, pode no curto prazo tornar-se incompatível com outros objetivos desejáveis, tais como a criação de clima favorável aos investimentos privados ou a estabilização de preços. [...]. Semelhantemente, o receituário distributivista em busca da justiça social é susceptível de exacerbar reivindicações assistenciais e salariais, que virão complicar o problema do controle da inflação e da estabilização de preços. (CAMPOS, 1964CAMPOS, Roberto de O. A moeda, o governo e o tempo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1964. [1963], p. 211-212).

Podemos concluir, assim, que desenvolvimento com estabilidade era uma forma velada de defesa da ampliação de acumulação de capital sem alterar a ordem social. Isto é, era uma forma de apresentar ideologicamente a defesa da ordem social segregada, da manutenção dos privilégios, embora tomando novos contornos (que eram inevitáveis) devido à transformação na estrutura produtiva e nas relações internacionais. Dito de outra maneira, a expansão do capitalismo e a modernização dos padrões de consumo da elite implicavam em transformações sociais, mas essas transformações deveriam ser conduzidas de forma a evitar alterar a segregação social e os privilégios das classes dominantes. É certo que isso também implicava alguma alteração sobre quais as frações do bloco capitalista teriam predominância nos negócios do Estado, mas essas desavenças não deveriam ser suficientes para rachar as classes dominantes a ponto de verticalizar a polarização política. Esse era o pressuposto para a estabilidade (social), necessária para a atração do capital estrangeiro e, dadas as liberdades a este concedidas, a permanência da inserção externa subordinada. Modernização, dependência e segregação social caminhavam juntas.

Conclusão

Conceber desenvolvimento como formação de capital e aumento da produtividade e postular isso como o fim a ser atingido pela política econômica trazia como meio, no pensamento de Roberto Campos, a necessidade de aumentar a poupança. Essa necessidade, e o desenvolvimento também, era vista como irreconciliável com políticas distributivistas. A necessidade de aumentar a poupança também conduziu Roberto Campos a defender os benefícios gerados pela incursão do capital estrangeiro. Atrair capital estrangeiro exigia políticas que mantivessem a ordem social interna, isto é: altos níveis de desigualdade na distribuição de renda, manutenção de privilégios à classe dominante e, sobretudo, da segregação social. Essa manutenção, por seu turno, requeria a inexistência de espaço para reivindicações da sociedade civil que não corroborassem com a atração de capitais externos, sob pena de o país se ver em meio à crise e desordem caso essas reivindicações persistissem. Ou seja, a manutenção da inserção subordinada externa se coadunava com a manutenção da ordem social interna, a despeito de também haver modernização. Por isso, o Estado deveria ser capaz de contrariar vontades da sociedade civil e se responsabilizar pela condução racional da economia do país diante da irracionalidade e imediatismo da população. A defesa da importância do Estado se alinhava à defesa do mercado, não como mercado nacional, mas como fronteira de expansão da rede de mercado internacional.

Referências

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  • 2
    Para uma abordagem do pensamento de Bulhões, ver: Saretta (2001SARETTA, Fausto. Octavio Gouvêa de Bulhões. Estudos Avançados. v. 15, n. 41, jan.-abr. 2001, p. 111-145. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142001000100010&script=sci_abstract. Acesso em: 5 fev. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
    ).
  • 3
    Este texto é uma versão modificada de capítulo da tese de doutorado A questão nacional no Brasil entre 1954 e 1964: perspectivas de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré (SILVA, 2018SILVA, Ulisses Rubio Urbano da. A questão nacional no Brasil entre 1954 e 1964: perspectivas de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Universidade Estadual de Campinas, 2018.).
  • 4
    Ver, por exemplo, a visão de Furtado, em 1959, sobre Campos: “Campos representa o neoliberalismo”; “De tudo isso o que se pode concluir é que uma das inteligências mais poderosas de nossa geração tendeu a desviar-se mais e mais para uma atitude conservadora, ligando-se a todas aquelas forças que desempenham o papel de reação no processo histórico. Neste momento, entre a posição dele e a do velho Gudin já não existe diferença perceptível” (FURTADO, 2019FURTADO, Celso. Diários intermitentes: 1937-2002. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 165; p. 167).
  • 5
    Comentando a classificação feita por Bielschowsky, Roberto Campos disse que uma melhor denominação para seu próprio pensamento à época seria liberal-desenvolvimentista, em lugar de desenvolvimentista não nacionalista (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 50).
  • 6
    Os livros utilizados para a realização deste artigo são, em verdade, coletâneas de artigos de Roberto Campos publicados em datas distintas. Assim, nas citações colocamos a data de edição do livro e a página do mesmo. Entre colchetes colocamos a data de publicação original do artigo.
  • 7
    “No Brasil continuamos querendo cavalgar os dois cavalos em direções opostas” (CAMPOS, 1963bCAMPOS, Roberto de O. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963b. [1957], p. 115).
  • 8
    A inflação estrangula o desenvolvimento “aguçando conflitos entre os diversos grupos sociais que lutam, através de reivindicações salariais, para preservar o seu padrão de vida e nível de consumo, ameaçado pelo desequilíbrio entre a procura monetária e a oferta real de bens” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1955], p. 158).
  • 9
    Silva (2004SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004., p. 207) diz que “surge como um novo télos do Estado autoritário: o binômio ‘desenvolvimento econômico com estabilidade monetária’”.
  • 10
    “De outro lado, se é necessária a aceitação cultural do consumo presente de bens terrestres como pré-requisito do desenvolvimento, é igualmente necessária a capacidade de abstinência, isto é, a capacidade racional de optar entre maior consumo presente e maior consumo futuro. Em suma, a capacidade de acumulação” (CAMPOS, 1963bCAMPOS, Roberto de O. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963b. [1957], p. 107). “As dificuldades que surgem são do lado da poupança ou da acumulação. As raças mediterrâneas em geral parecem ter um vezo hedonístico a que não escapamos. De outro lado, registramos uma grande capacidade de imitar formas de consumo, sem igual capacidade de copiar hábitos de produção” (CAMPOS, 1963b [1957], p. 112). A concepção que Roberto Campos tinha da cultura brasileira, incompatível com o desenvolvimento, foi analisada por Silva (2004SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004.).
  • 11
    “Poucos questionariam hoje a necessidade, em países subdesenvolvidos como o Brasil, de um grau maior de intervencionismo estatal [...]. Entre as razões válidas figuram, primeiro, a natureza derivada do processo de desenvolvimento, oriundo menos do vigor do empresário privado do que dos reclamos das massas por uma vida melhor [...]” (CAMPOS, 1964CAMPOS, Roberto de O. A moeda, o governo e o tempo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1964. [1961], p. 186-187).
  • 12
    “Em termos mais precisos: prevalecente a irracionalidade no mundo social subdesenvolvido, cabe aos governos - impregnados da racionalidade necessária e então dotados de ‘faculdade telescópica’ - avocar a si a responsabilidade pela escolha dos caminhos mais adequados ao desenvolvimento” (PEREZ, 1999PEREZ, Reginaldo T. O pensamento político de Roberto Campos: da razão do Estado à razão do mercado (1950-1995). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 96).
  • 13
    “No que se refere à presente discussão, o termo ‘desenvolvimento equilibrado’ será empregado com um sentido mais amplo, de forma a denotar a ausência de desequilíbrios ‘criadores de pontos de estrangulamento’” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 136).
  • 14
    Roberto Campos toma a inflação como fenômeno de excesso global de procura sobre a oferta, e não por desajustes estruturais, reforçado em: “Por definição, uma situação inflacionária é aquela em que a procura efetiva global excede a capacidade produtiva” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1957], p. 147). “Sejam quais forem as pressões inflacionárias, uma administração monetária severa sempre poderá dominá-las, pois, se as autoridades monetárias se recusarem a emitir moeda, a inflação, mais cedo ou mais tarde, chegará ao fim” (CAMPOS,1963a [1957], p. 129).
  • 15
    “Ora, a verdade é que uma inflação persistente e aguda, como a da recente conjuntura brasileira, estrangula fatalmente o desenvolvimento econômico” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1955], p. 158).
  • 16
    “Dado que o problema de aceleração do desenvolvimento econômico é essencialmente o de acumulação de capital, e que a poupança interna é insuficiente, deve-se recorrer a todas as fontes possíveis de suprimento de capital que tragam uma contribuição líquida, independentemente de sua origem nacional ou estrangeira (CAMPOS, 1963bCAMPOS, Roberto de O. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963b. [1957], p. 115).
  • 17
    A referência citada por Campos, nesse assunto, é Milton Friedman.
  • 18
    “Assim, na visão de desenvolvimento econômico compartilhada por Gudin e Campos, além de se considerar o capitalismo como o sistema socioeconômico mais compatível com o desenvolvimento, também se defende a importância do capital estrangeiro e o estímulo à agricultura de exportação” (SILVA, 2004SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004., p. 275).
  • 19
    Sobre a manutenção da inserção internacional, com predominância dos setores primários, para geração de divisas que garantissem a remuneração do capital estrangeiro, ver: Prado Júnior (1957).
  • 20
    Dreifuss (1986DREIFUSS, René A. 1964: a conquista do Estado - ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.) aponta que as reformas articuladas no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais e no Instituto Brasileiro de Ação Democrática - complexo IPES/IBAD - pretendiam ser uma oposição às reformas de base propostas por segmentos da esquerda.
  • 21
    O autor é claro, nesse sentido, quanto à mineração: “Mais importante, entretanto, que qualquer medida tópica, é a criação de um clima de estabilidade econômica e segurança jurídica para a mineração. Trata-se de uma atividade que exige aplicação maciça de capitais; que impõe recuperação lenta do capital invertido, e que é sujeita, em regra, a preços internacionais, que não flutuam de acordo com a inflação interna. Investimentos desse tipo são fortemente desencorajados num clima de moeda cadente, ao contrário dos investimentos especulativos a curto prazo, que nesse clima prosperam” (CAMPOS, 1963aCAMPOS, Roberto de O. Economia, planejamento e nacionalismo. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos da Economia, 1963a. [1956], p. 202).
  • 1
    Universidade Federal de Alagoas (UFAL, Rio Largo, AL, Brasil).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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