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PENSAMENTO FERVENTE

De pouco em pouco, mas em passos firmes, temas antes distantes vão poderosamente se reunindo. Eis o condão da época sociogeológica do Antropoceno. A não ser, claro, para os negacionistas climáticos, cuja irracionalidade distribui-se fartamente na mentalidade política de extrema direita mundo afora. Obviamente que o país da Amazônia e do Cerrado, de biomas e coletivos sociais os mais ricos e diversos, não ficaria de fora (mas bem ao contrário!) de ataques e negações instruídos por pensamentos e práticas de um capitalismo tão mais desregulamentado quanto mais próximo do Sul Global - e que, assim, avança e estende seu caráter predatório e colonial, veículo da barbárie. Tais questões ferventes de natureza e política, de ciência e sociedade, reviram o comum e o senso do comum. Este número da RIEB apresenta, não só em artigos textuais, semelhantes imbróglios.

Não é por acaso, portanto, que nesta edição se examinam expressões políticas da extrema direita no Brasil e também o tema que mais e mais levanta a irracionalidade dessa odiosa vertente política: o tema ambiental. Daí que novas frentes contracolonialistas permeiem movimentos sociais da atualidade na medida em que incorporam a política na natureza e a natureza na política. Mesmo revisões do modernismo brasileiro se revigoram no enfrentamento desses temas cruzados. Nossa leitora e nosso leitor poderão surpreendê-las aqui e fazer suas próprias sínteses. Ademais, tamanhas reviravoltas no pensamento levam a embaralhar o que antes aparecia como evidência na relação entre passado, presente e futuro. Emerge daí, justamente, a pertinência em falar de futuros ancestrais e afrofuturismos.

É não menos casual que minoritários sociais e do cultivo da terra - tais os quilombolas do Brasil! - despontem como força e farol de orientação. Com suas poéticas e práticas próprias, fazem gaguejar e tremer a velha língua, para assim falar com Deleuze e Guattari (1995DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.; 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 5. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.), anunciando o povo por vir diante de uma terra não mais a mesma. Anúncio e luta a que os despertos de toda matriz e todo matiz não devem dar as costas - mas, sim, engrossar coro e cordão.

No dia exato em que este editorial é redigido, morre inesperadamente o mais expressivo líder quilombola brasileiro: o piauiense Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo (1959-2023). Poucos como ele souberam responder com altivez e criatividade à dupla e crescente vulnerabilidade de humanos e não humanos nestes tempos em que fabulações de fim do mundo tomam inteligências e afetos. Bispo lavrou terras e mentalidades. Claro que seus cultivos frutificarão indefinidamente! A ele dedicamos este número da RIEB.

Dulcilia Helena Schroeder Buitoni1, Luiz Armando Bagolin2, Stelio Marras3

Editores

Referências

  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 5. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2023
  • Aceito
    05 Dez 2023
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