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Leituras em competição (à distância): dois experimentos de pesquisa a partir da obra de Celso Furtado

Readings in competition (at a distance): two research experiments based on the work of Celso Furtado

RESUMO

O impacto da obra de Celso Furtado e a disponibilidade de uma imensa quantidade de dados que permitem mensurar os padrões da produção científica levaram à proposição de dois experimentos de pesquisa. O primeiro, uma exploração cientométrica das bases Web of Science e SciELO, procurou detectar os principais temas e áreas de pesquisa que interagem com os textos de Furtado. O segundo, uma análise do fluxo de visitas entre os verbetes da Wikipédia dedicados ao economista paraibano em diferentes idiomas, pretendeu cartografar as principais controvérsias “públicas” quanto ao seu legado

PALAVRAS-CHAVE:
Celso Furtado; cientometria; humanidades digitais

ABSTRACT

The impact of Celso Furtado’s work, as well as the availability of an immense amount of data that allows to measure scientific production patterns, motivated two research experiments. The first, a scientometric exploration of two databases, Web of Science and SciELO, sought to detect the main themes and research areas that interact with Furtado’s texts. The second, an analysis of the flow of visits between Wikipedia entries dedicated to Furtado in different languages, with the aim of mapping the main “public” controversies about his legacy.

KEYWORDS:
Celso Furtado; scientometrics; digital humanities

A obra de Celso Furtado em perspectiva

Não restam dúvidas de que a extensa e multifacetada obra de Celso Furtado (1920-2004) compõe o panteão dos clássicos do pensamento social no Brasil e na América Latina. Seja pela importância dos temas que abordou - alguns deles repostos continuamente pelo processo social -, seja pela abordagem multidisciplinar de que foi prócere e ainda hoje é fonte de inspiração para muitos, seja ainda pela rara e profícua relação entre interpretação e atuação política, fato é que a obra furtadiana é incontornável para a compreensão dos dilemas históricos da realidade brasileira e latino-americana. Como todo clássico - e o caso de Celso Furtado é exemplar nesse sentido -, suas interpretações são revisitadas à luz dos impasses vividos em diversos contextos históricos, servindo como inspiração àqueles que enfrentam o desafio de descortinar no presente os laços que o ligam ao passado.

Muito já se falou sobre a importância dos clássicos na constituição de um estoque de conhecimento que auxilia na constituição de uma linguagem comum no interior de uma área de pesquisa, permitindo, assim, a composição de linhas de continuidade, críticas e criativas, entre a produção científica do passado e a do presente (ALEXANDER, 1999ALEXANDER, J. A importância dos clássicos. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan (org.). Teoria social hoje. Tradução de Gilson Cesar Cardoso dos Santos. São Paulo: Unesp, 1999.; BOTELHO, 2013BOTELHO, A. O universo dinâmico dos clássicos da sociologia. In: BOTELHO, André (org.). Essencial Sociologia. 1. ed. São Paulo: Penguin, 2013, p. 9-29.; GIDDENS, 1997GIDDENS, A. Política, sociologia e teoria social. São Paulo: Unesp, 1997.). Submetidas a recorrentes reconstruções dos seus sentidos heurísticos, as releituras dos clássicos constituem um dos principais índices de como a produção científica de determinado contexto se organiza e busca pensar os problemas sobre os quais se debruça. O presente texto procura justamente compreender como a obra de Celso Furtado foi e continua sendo catalisadora de um vasto conjunto de pesquisas que, com ela - e por vezes contra ela -, tem pensado temas variados. Além disso, buscaremos aqui indicar também como nessas releituras da obra furtadiana se articula uma compreensão que é reapropriada por um público que extravasa o universo estritamente científico, fazendo-a circular por circuitos mais amplos e altamente disputados.

Desenvolveremos os dados coletados a partir de dois eixos analíticos que revelam perspectivas distintas, porém, em alguns sentidos, complementares, das (re)leituras da obra furtadiana: 1) utilizaremos um amplo e variado conjunto de metadados contidos nas principais plataformas de indexação de produção científica que fazem referência - direta ou indiretamente - à obra de Celso Furtado; 2) analisaremos a recepção de seu pensamento por um público mais amplo através de dados extraídos da Wikipédia. Por perspectivas distintas, pretendemos perseguir as discussões que animam o pensamento de Celso Furtado e o mantêm atual.

Porém, antes de seguirmos, vale a pena refletir um pouco sobre como este trabalho se liga à reflexão coletiva amadurecida na área de pesquisa em “pensamento social no Brasil”, na qual nos inserimos. Numa definição simples, podemos arriscar dizendo que essa especialização interdisciplinar se debruça sobre as interpretações da sociedade brasileira e seus produtores, bem como sobre os seus efeitos (sociais, culturais, políticos etc.) no processo social (BASTOS; BOTELHO, 2010BASTOS, E. R.; BOTELHO, A. Horizontes das ciências sociais: pensamento social brasileiro. In: MARTINS, C. B.; MARTINS, H. H. T. de S. (org.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: sociologia. São Paulo: Anpocs, 2010, p. 475-496.; BRASIL JR., 2015BRASIL JR., A. As ideias como forças sociais: sobre uma agenda de pesquisa. Sociologia & Antropologia, v. 5, n. 2, 2015, p. 553-574.; 2020a; 2020b). Nas duas últimas décadas, ampliou-se e se diversificou consideravelmente não só o que se entende por “interpretações da sociedade brasileira” mas também o que se considera “intelectual”. O que levou, como não poderia deixar de ser, a um debate bastante sofisticado, feito em diálogo com outras áreas de pesquisa, a respeito de novos modos de pensar a relação entre texto e contexto, sobre o alargamento da própria noção de intelectual e sobre o efeito (variado e em múltiplos sentidos) de suas ideias na (re)modelagem de relações sociais (BOTELHO, 2015). E, atravessando tudo isso, questões mais amplas, como a crise do Estado-nação - e a consequente problematização do “brasileiro” ou “no Brasil” - e a consciência mais aguda quanto ao caráter estruturante da ordem racial e de gênero, por exemplo, vêm suscitando ângulos novos para a leitura dos textos “clássicos” ou criando o contexto para a discussão franca de textos pouco lidos ou até então quase desconhecidos (BOTELHO, 2019; BOTELHO; STARLING, 2017; CHAGURI; MEDEIROS, 2018CHAGURI, M.; MEDEIROS, M. (ed.). Rumos do sul: periferia e pensamento Social. São Paulo: Alameda Editorial, 2018.).

Trata-se, pois, de uma área de pesquisa que vem sabendo se renovar e fazer frente aos desafios teóricos, metodológicos e empíricos postos pelas ciências sociais contemporâneas. Embora a análise de Celso Furtado se justifique quase que “por si mesma”, haja vista seu impacto longevo e multifacetado no campo das ciências humanas e sociais no Brasil e no mundo, este artigo se insere nesse esforço de renovação teórico-metodológica da área de “pensamento social no Brasil”, em particular em um aspecto que reputamos decisivo: o desafio de lidar com um volume imenso de dados, questão que está se colocando fortemente para as ciências sociais (cf., por exemplo, BURROWS; SAVAGE, 2014BURROWS, R.; SAVAGE, M. After the crisis? Big Data and the methodological challenges of empirical sociology. Big Data & Society, v. 1, n. 1, p. 205395171454028, 2014.). E nada mais desafiador que justamente começar com a tentativa de observar o impacto científico, cultural e político, tanto na produção de artigos acadêmicos quanto na cartografia das controvérsias em torno de seu legado na Wikipédia, de uma obra com alcance, polêmicas e ressonâncias globais.

A necessidade de lidar com um conjunto imenso de dados, englobado geralmente sob o termo big data, vem levando a uma verdadeira revolução nas infraestruturas da pesquisa científica, com consequências ainda em aberto para as ciências humanas (ESPOSITO, 2019ESPOSITO, E. The impact of Big Data. In: MAEGAARD, B. et al. (ed.). Stay tuned to the future: impact of research infrastructures for social sciences and humanities. Roma: Istituto per il Lessico Intellectuale Europeo e Storia delle Idee; Firenze: Leo S. Olschki Editore, 2019, p. 27-31. (Lessico Intellectuale Europeo CXXVIII).). Afinal, grandes organizações públicas ou privadas geram diariamente volumes cada vez maiores de informações sobre os mais variados aspectos da vida social, o que vem suscitando o surgimento e a popularização crescente de ferramentas computacionais que permitem tratar esse material empírico através da anotação ou da codificação de textos, bem como pela disponibilização de metadados - literalmente, dados sobre os dados (ALAIMO; KALLINIKOS, 2017ALAIMO, C.; KALLINIKOS, J. Computing the everyday: social media as data platforms. The Information Society, v. 33, n. 4, 2017, p. 175-191.; KALLINIKOS, 2006a). Para a área de pesquisa em “pensamento social no Brasil”, vale explicitar a provocação contida na formulação da possibilidade de uma leitura à distância, ou de uma “leitura distante” (distant reading), na acepção dada por Franco Moretti (2013MORETTI, F. Distant reading. 1. ed. London; New York: Verso, 2013.) ao termo. Levar a sério a concepção de que a distância em relação ao texto pode ser uma condição do conhecimento na área de pesquisa que é o campo por excelência da “leitura cerrada” ou “em profundidade” (close reading) certamente parece instigante. Contudo, não se trata de traçar uma linha de ruptura ou muito menos sugerir qualquer superioridade da leitura distante em relação aos protocolos mais estabelecidos de pesquisa com textos. Pelo contrário, a leitura distante não está em posição de concorrência com a leitura em profundidade, pois ela constrói um novo objeto de pesquisa, que não possui qualquer comensurabilidade com os textos tomados individualmente. O que está em jogo diante da tarefa de pesquisar em conjunto cem, quinhentos, mil (ou muito mais) textos não é a leitura exaustiva de cada um deles - decerto frustrante e impossível -, mas a busca de estratégias para simplificá-los e codificá-los, permitindo o manejo de ferramentas de visualização de dados e de mensuração estatística de seus conteúdos (CARVALHO; BRASIL JR, 2020aBRASIL JR., A. Intelectuais, cultura e poder: uma agenda brasileira de pesquisa. In: FAZZI, R. de C.; LIMA, J. A. de (org.). Campos das ciências sociais: figuras do mosaico das pesquisas no Brasil e em Portugal. 1. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020a, p. 339-356.). Vale destacar o papel fundamental que, em nossa área de pesquisa, a Biblioteca Virtual do Pensamento Social vem desempenhando, entre outros, na promoção da interlocução da área com o campo emergente das “humanidades digitais”, especialmente ao estimular a formulação de novos modos de observação dos efeitos das “interpretações do Brasil” na vida social e da própria dinâmica científica deste campo (BRASIL JR; JACKSON; PAIVA, 2020; CARVALHO; BRASIL JR., 2020a; JOSIOWICZ; BRASIL JR., 2019JOSIOWICZ, A.; BRASIL JR., A. Pensamento social e pesquisa informacional: o caso da Biblioteca Virtual do Pensamento Social (BVPS). Revista Brasileira de Sociologia - RBS, v. 7, n. 16, maio-ago. 2019, p. 5-128.)

Como assinalado por Franco Moretti no livro justamente intitulado Distant reading (2013MORETTI, F. Distant reading. 1. ed. London; New York: Verso, 2013.), a leitura à distância, ao selecionar aspectos muito específicos ou codificáveis dos textos - para dar alguns de seus próprios exemplos: tamanho dos títulos, presença de certos elementos estilísticos, frequência de determinados tempos verbais, conexões entre entidades, dentre vários outros -, permite, ao tratar em conjunto esses aspectos selecionados, ir para muito além do próprio texto. Pois, ao tornar manejáveis e mensuráveis as relações formadas entre esses aspectos textuais, cuja seleção e homogeneização reduzem brutalmente a complexidade inerente a cada texto considerado individualmente, torna-se igualmente possível construir um objeto novo de conhecimento, que é o sistema de relações formado por esses textos. Numa formulação paradoxal cara à teoria dos sistemas sociais, a redução de complexidade é condição para o aumento da complexidade (LUHMANN, 1988LUHMANN, N. Tautology and Paradox in the self-descriptions of modern society. Sociological Theory, v. 6, n. 1, 1988, p. 21-37.). Pois a ultrassimplificação de um texto, de modo a codificá-lo a partir de determinados elementos, é a condição de possibilidade para a construção desse novo objeto do conhecimento.

Algumas modalidades de “leitura distante” serão ensaiadas nas duas seções que compõem este artigo, cada uma com um experimento de pesquisa. O termo experimento aqui não é fortuito, posto que assumimos o desafio de lidar com novas ferramentas de extração e de análise de dados e com um volume de informação ainda pouco frequentes em nossa área de pesquisa. A seguir, nosso primeiro experimento está voltado para a exploração do longevo e multifacetado impacto da obra de Celso Furtado em algumas das principais bases indexadoras de artigos científicos. Para tal, usaremos sobretudo as técnicas de análise de coocorrência de termos e a análise de citação a fim de traçar a evolução e a pluralização dos temas nos textos que citem diretamente (ou indiretamente) a obra de Celso Furtado em suas referências bibliográficas.

As (re)leituras de uma obra clássica: explorações cientométricas

A revolução informacional que vem remodelando as sociedades contemporâneas (KALLINIKOS, 2006bKALLINIKOS, J. The consequences of information: institutional implications of technological change. Northampton: Edward Elgar, 2006b.) tem uma de suas importantes precursoras nas práticas de indexação da produção científica, em particular na criação de bases e de índices de citação (BORNMANN, 2016BORNMANN, L. In: Scientific revolution in scientometrics: the broadening of impact from citation to societal. [s.l.] De Gruyter Saur, 2016, p. 347-359.). O avanço contínuo do conhecimento e a necessidade de observar um conjunto cada vez maior de artigos, teses, livros etc. levaram à criação de estratégias de visualização e de leitura dos dados que pudessem dar conta de uma produção que cresce vertiginosamente. Aqui, vamos nos concentrar na produção científica relativa a Celso Furtado em duas bases indexadoras de artigos científicos: a tradicional Web of Science (WoS), da empresa Clarivate Analytics, tomada quase sempre como referência de indexação criteriosa e seletiva de periódicos - a despeito de seus muitos e conhecidos vieses (VISSER; VAN ECK; WALTMAN, 2020VISSER, M.; VAN ECK, N. J.; WALTMAN, L. Large-scale comparison of bibliographic data sources: Scopus, Web of Science, Dimensions, Crossref, and Microsoft Academic. arXiv:2005.10732 [cs], 21 maio 2020.) -, e a Scientific Electronic Library Online (SciELO), base regional com forte penetração na América Latina e que promove o acesso aberto e as práticas da ciência aberta como parte de sua missão institucional, sendo a sua coleção brasileira a mais volumosa (VELEZ-CUARTAS; LUCIO-ARIAS; LEYDESDORFF, 2015VELEZ-CUARTAS, G.; LUCIO-ARIAS, D.; LEYDESDORFF, L. Regional and Global Science: Latin American and Caribbean publications in the SciELO Citation Index and the Web of Science. arXiv:1510.02453 [cs], 6 nov. 2015.). A escolha das duas bases buscou, de um lado, aumentar o volume de artigos dedicados a Celso Furtado - ou que pelo menos o citassem em suas listas de referências - e, de outro, permitir contrastes entre os artigos do ponto de vista de seus temas e objetos de pesquisa. Sabemos, entretanto, dos limites desse material e temos a plena consciência de que, caso optássemos por outras bases, outros resultados seriam obtidos4 4 Caso usássemos outras bases indexadoras, como Scopus, JSTOR, Crossref, Microsoft Academic ou mesmo um grande agregador de citações como o Google Scholar - este último possui, de longe, a maior cobertura para o campo das ciências humanas e sociais (MARTÍN-MARTÍN et al., 2020) -, outros resultados teriam sido encontrados. Porém, a escolha da combinação Web of Science e SciELO se deveu às suas políticas e perspectivas muito distintas de indexação e, especialmente, à facilidade de operar conjuntamente com os metadados extraídos, que possuem a mesma forma de organizar a informação, graças à incorporação da SciELO como uma das bases regionais da WoS em 2014 (PACKER, 2014). .

No total, localizamos 1.640 documentos indexados nas duas bases. O critério de identificação foi o mesmo tanto na WoS quanto na SciELO e envolveu uma tripla operação de seleção: 1) os documentos que mencionassem explicitamente o termo “Celso Furtado” em seus títulos, resumos ou palavras-chave - foram localizados 37 na WoS e 56 na SciELO; 2) os documentos que citassem esses artigos anteriormente identificados, num procedimento de snowball sampling (JOHNSON, 2014JOHNSON, T. P. Snowball sampling: introduction. In: Wiley StatsRef: Statistics Reference Online. [s.l.] American Cancer Society, 2014.) - o que adicionou mais 66 textos na WoS e 16 na SciELO; 3) os documentos que citassem pelo menos uma vez Celso Furtado em suas referências bibliográficas - acrescentando mais 992 textos na WoS e 585 na SciELO. O total de 1.640 foi encontrado após a limpeza de duplicações entre as duas bases por meio do campo “título” dos metadados, cuja extração se realizou, após diferentes tentativas anteriores, em 1º de setembro de 2020.

Nas duas imagens a seguir, vemos a distribuição temporal desses documentos, bem como a densidade de suas frequências anuais de acordo com o idioma da publicação. Nessas bases5 5 As análises relativas à distribuição temporal da produção indexada que, de modo direto ou indireto, interage com a obra furtadiana refletem as coberturas das duas bases selecionadas. Se a cobertura da WoS remonta, para o caso dos documentos de nossa amostra, a fins da década de 1950, para a base SciELO só foi possível recuperar artigos a partir de 2002 , em função da disponibilidade dos metadados em formato estruturado para os principais programas bibliométricos somente a partir deste ano. , o interesse por Celso Furtado conhece uma “primeira onda” entre meados dos anos 1960 até meados da década de 1980, recebendo depois forte incremento a partir dos anos 2000, numa espécie de “segunda onda”, com maior pico em 2018, revelando o poder de interpelação de sua obra na produção científica contemporânea. No que diz respeito aos idiomas de publicação, a frequência da produção em inglês é relativamente contínua e acompanha a curva mais geral da distribuição, ao passo que a publicação em português e em espanhol reforça sobretudo o volume da “segunda onda” de interesse sobre Furtado, que se inicia na virada para os anos 20006 6 De novo, é difícil separar se o crescimento significativo a partir de 2002 tem a ver com o crescimento geral da produção científica que interage com a obra de Celso Furtado ou é efeito da disponibilidade dos metadados da base SciELO a partir de 2002. Parece inegável, no entanto, que essa curva temporal reflita as duas coisas. . Os documentos publicados em francês não chegam a ter um volume expressivo, concentrando-se basicamente na primeira onda.

Figura 1
Volume anual da produção científica relativa a Celso Furtado. Fonte: WoS & SciELO. Elaboração dos Autores

Figura 2
Densidade anual da produção científica relativa a Celso Furtado por ano e idioma (cada ponto é um documento). Fonte: WoS & SciELO. Elaboração dos Autores

Uma vez caracterizado como foi constituído o material básico de pesquisa - os metadados de 1.640 documentos -, passemos às explorações cientométricas. Um exemplo bem assentado de procedimento que permite uma forma de leitura distante, nos termos de Moretti (2013MORETTI, F. Distant reading. 1. ed. London; New York: Verso, 2013.), é a análise de coocorrência, técnica há muito utilizada no campo da cientometria (CALLON et al., 1983CALLON, M. et al. From translations to problematic networks: An introduction to co-word analysis. Social Science Information, v. 22, n. 2, 1 mar. 1983, p. 191-235.; LEYDESDORFF, 1989LEYDESDORFF, L. Words and co-words as indicators of intellectual organization. Research Policy, v. 18, n. 4, 1 ago. 1989, p. 209-223.). Aliás, a cientometria pode ser vista como um dos vetores de composição do emergente, plural e heterogêneo campo das chamadas “humanidades digitais” (CARVALHO; BRASIL JR., 2020bBRASIL JR, A.; JACKSON, L.; PAIVA, M. O pequeno grande mundo do Pensamento Social no Brasil. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, v. 91, jan.-abr. 2020b, p. 1-38.). Trata-se de identificar como, em um conjunto de documentos, um termo se liga a outro de acordo com certo padrão de frequência e regularidade, o que se revela estratégico para a construção de mapeamentos temáticos e cognitivos. Quando o conjunto de documentos são artigos científicos, ou melhor, seus metadados - um arquivo que organiza as informações indexadas, como título, resumo, palavras-chave, referências citadas, áreas de pesquisa etc. -, podemos eleger um de seus campos para a construção de uma matriz de coocorrência de termos. Neste trabalho, faremos uso basicamente das palavras-chave do autor, isto é, da lista de termos que cada autor oferece que, de acordo com os seus próprios critérios, melhor descrevem o documento.

Vale ressaltar que o uso de palavras-chave não se encontra isento de graves limitações, como, por exemplo, a precariedade de um vocabulário controlado de termos no campo das ciências humanas e sociais. Isso resulta no fato de que a maioria dos termos só possui uma única ocorrência, ao passo que pouquíssimos termos apresentam uma elevada frequência de uso. Se essa forma de distribuição (bastante generalizada) das palavras-chave (YI; CHOI, 2012YI, S.; CHOI, J. The organization of scientific knowledge: the structural characteristics of keyword networks. Scientometrics, v. 90, n. 3, 1 mar. 2012, p. 1015-1026.) ajuda, em certo sentido, na limpeza dos dados e na interpretação - posto que ilumina com clareza quais são os termos centrais de determinado conjunto de documentos, bem como suas principais coocorrências -, por outro, pode levar a graves distorções, como a sub-representação de determinadas áreas de pesquisa (justamente as que possuem menos consenso sobre seu próprio vocabulário). Uma das várias formas de mitigar esse problema é a construção de diagramas estratégicos de termos (COBO et al., 2011COBO, M. J. et al. An approach for detecting, quantifying, and visualizing the evolution of a research field: a practical application to the Fuzzy Sets Theory field. Journal of Informetrics, v. 5, n. 1, 1 jan. 2011, p. 146-166.), que permite a sua agregação em subconjuntos e sua visualização de acordo com as suas relações recíprocas. A partir do pacote “Bibliometrix” (desenvolvido para a linguagem R), é possível construir esses diagramas a partir da detecção das palavras-chave mais relevantes em cada conjunto de dados (ARIA; CUCCURULLO, 2017ARIA, M.; CUCCURULLO, C. bibliometrix: An R-tool for comprehensive science mapping analysis. Journal of Informetrics, v. 11, n. 4, November 2017, p. 959-975.).

Nos diagramas estratégicos a seguir, que representam as principais palavras-chave do conjunto de documentos de nossa amostra, os termos são ordenados em comunidades temáticas, a rigor, grupos de termos que coocorrem com certa regularidade. Para chegar a essa visualização, o mapa é definido por dois eixos: um vertical (métrica de densidade das palavras-chave) e outro horizontal (métrica de centralidade das palavras-chave). A métrica de densidade mede a força dos laços internos entre todas as palavras-chave que descrevem determinado tema. Por sua vez, a métrica de centralidade fornece medidas de como a comunidade se posiciona em relação às demais - se se trata de um tema mais central, que se liga a outros temas, ou mais periférico. O mapa temático é uma forma de visualização que une frequência - o tamanho dos círculos revela a quantidade de termos associados a cada comunidade de palavras-chave - e posição relacional em um campo semântico - a localização de acordo com os eixos densidade e centralidade. O resultado é disposto em quatro quadrantes. O quadrante superior à direita é o que reúne as temáticas com as maiores métricas de centralidade e densidade e, portanto, com alto grau de laços internos entre as palavras-chave e de laços externos com outros temas. Os termos que se encontram no quadrante superior à esquerda têm laços internos fortes, mas são menos centrais no conjunto, pois, quanto mais distantes do centro do mapa, menor a conexão com o restante das outras comunidades temáticas. No quadrante inferior à esquerda se localizam os agrupamentos temáticos com baixa centralidade e densidade. Assim, podem indicar tanto a marginalidade ou o descenso de temas no conjunto da produção analisada. Por fim, no quadrante inferior direito, encontram-se aqueles termos que configuram agrupamentos temáticos com baixa densidade e alta centralidade. No limite, são termos que, embora possam ser agrupados em comunidades, sua principal característica reside na transversalidade de seus termos por todo o corpus de nossa amostra.

Na Figura 3, temos o diagrama estratégico de palavras-chave dos 1.640 documentos. Vemos que há seis grandes subconjuntos de termos, cujos rótulos são dados pela palavra-chave com maior número de ocorrências no interior de cada subconjunto. O maior deles, que gravita em torno do termo “desenvolvimento” (102 ocorrências), traz igualmente os termos “neoliberalismo” (25), “Estado” (25), “democracia” (24) e “economia brasileira” (21), dentre vários outros. O segundo maior se agrupa em torno de “América Latina” (55 ocorrências), aos quais se ligam igualmente “desenvolvimento econômico” (46), “estruturalismo” (15), “industrialização” (12) e “Cepal” (12), entre outros. O subconjunto de termos ligados a “desenvolvimento” é ao mesmo tempo muito central e dotado de pouca densidade interna (por isso, se situa no quadrante inferior direito), ou seja, são termos que se ligam rapidamente a outros termos do conjunto, em que pese o fato de suas relações internas de coocorrência não serem muito fortes - daí sua transversalidade. Já o subconjunto ligado a “América Latina”, ligeiramente menos central, mas consideravelmente mais denso, revela a força das conexões internas de seus termos, que igualmente estão a pouca distância dos demais temas - na notação dos diagramas estratégicos, são os “temas motores” (localizados no quadrante superior direito). Outro subconjunto expressivo, embora menos central que os dois primeiros, se reúne em torno do termo “Brasil” (99 ocorrências), onde também se localizam os termos “Celso Furtado” (38) e “desenvolvimento regional” (24). Outros três subconjuntos se destacam, em ordem de centralidade: o do “crescimento econômico” (17 ocorrências) - que também traz consigo com força o termo “modernização” (10) -, o da “historiografia” (14) - onde também estão fortemente acoplados (alta densidade) os termos “escravidão” (14) e “capitalismo” -, e, por fim, o da “desigualdade” (16) - que se articula frouxamente (baixa densidade) com “distribuição de renda” (12) e “mercado de trabalho” (9). Em uma observação sincrônica dos 1.640 artigos selecionados nas bases WoS e SciELO, esses seriam os principais assuntos de pesquisa relacionados de modo direto ou indireto à obra de Celso Furtado entre 1958 e 2020.

Figura 3
Diagrama estratégico de palavras-chave do autor. Fonte: WoS & SciELO. Software: bibliometrix. Elaboração dos Autores

Como nossa amostra é composta de duas bases indexadoras, que possuem inclusive pouca sobreposição entre si, é possível criar segmentos mais específicos no nosso conjunto de documentos e perceber como WoS e SciELO distribuem de modos distintos os assuntos na produção científica relacionada a Celso Furtado. Para acentuar ainda mais o contraste, fizemos mais dois filtros: os artigos da WoS sem autores de afiliação institucional brasileira (Figura 4) - 685 documentos, sendo que 443 (65%) se distribuem entre 1958 e 1998 (com maior pico em 1976), quer dizer, recaem sobretudo na “primeira onda” de interesse sobre a obra do economista paraibano - e os artigos da coleção brasileira da SciELO (Figura 5) - 474 documentos, todos distribuídos a partir de 2002 em razão de limites da própria base, ou seja, todos localizados na “segunda onda”. O interesse na comparação está na identificação de diferentes interesses temáticos ou objetos de pesquisa na produção feita fora e dentro do Brasil, além de permitir indiretamente caracterizar diferentes contextos temporais, haja vista a distribuição dos documentos em cada base.

Na WoS, quatro grandes temas se destacam, de acordo com sua centralidade, nesta ordem: “América Latina” (24 ocorrências) - que se acopla frouxamente com os termos “desenvolvimento” (20), “Brasil” (18), “neoliberalismo” (12), dentre outros -, “neoestruturalismo” (5) - que se liga também frouxamente com termos como “Chile” (4), pós-neoliberalismo” (3), “Bolívia” (3) e “Argentina” (3) -, “capitalismo” (4) - que se agrega com força aos termos “escravidão” (3) e “subdesenvolvimento” (3) - e “desenvolvimento econômico” (7) - fortemente acoplado com os termos “política econômica” (3) e “industrialização” (3), dentre outros. Percebe-se claramente que os dois primeiros temas (mais transversais) se ligam ao debate mais recente, ao passo que os dois últimos (temas motores) descrevem assuntos com forte presença na “primeira onda”. Vale notar a presença de vários países da América Latina - e o próprio termo “Brasil” deixa de ser um agrupamento temático próprio, como aparecia na Figura 3 -, bem como a detecção de agrupamentos menores de assuntos que gravitam em torno de determinados países, como Equador, China e Espanha.

Figura 4
Diagrama estratégico de palavras-chave do autor (WoS sem autores de afiliação institucional brasileira). Fonte: WoS. Software: bibliometrix. Elaboração dos Autores

Já na coleção brasileira da SciELO, logo de saída vemos que não aparecem países além do Brasil no conjunto das palavras-chave mais relevantes; aliás, o termo “América Latina”, que encabeçava o principal agrupamento da coleção da WoS, aqui está subsumido, com apenas 7 ocorrências, no subconjunto de “desenvolvimento econômico” (24), ao lado de “Cepal” (7), “história econômica” (7) e “estruturalismo” (5). O subconjunto mais central e transversal está descrito pelo termo “desenvolvimento” (45 ocorrências), que se desacopla do adjetivo “econômico” e se liga frouxamente a “economia brasileira” (19), “desenvolvimentismo” (13), “Estado” (10), “democracia” (10), dentre outros. Dois outros agrupamentos importantes, centrais e transversais (conexões pouco densas) são identificados pelos termos “Brasil” (29) - conectado a “crescimento econômico” (8), “mercado de trabalho” (7), dentre outros - e “desenvolvimento sustentável” (10) - ligado a “políticas públicas” (7), “desenvolvimento local” (6) etc. Além da transversalidade, esses quatro agrupamentos mais centrais revelam, no contexto brasileiro, a pluralidade semântica associada ao termo “desenvolvimento” e suas diferentes adjetivações e termos correlatos (como “crescimento econômico”), característica bem menos acentuada na WoS. Isso sem falar no próprio grupo de termos liderado por “desenvolvimento regional” (13 ocorrências), menos central, porém ligado de modo relativamente denso a “desigualdade regional” (3), “desigualdade social” (3) e “políticas sociais” (3). Também se nota maior diversidade de assuntos e objetos de pesquisa, como nos seguintes subconjuntos, por ordem de centralidade, nomeados pelos seus termos principais: “pobreza” (5 ocorrências), “meio ambiente” (7), “política industrial” (5), “historiografia” (6), “mercado” (4), “saúde pública” (4), “escravidão” (6), dentre outros cada vez menos centrais. Chama a atenção, na SciELO-Brasil, a presença de um agrupamento nucleado em torno do próprio termo “Celso Furtado” (20 ocorrências), conectado a outros como “mudança estrutural” (7), “Sudene” (4), “desenvolvimento endógeno” (2), “Cepal” (2), “questão agrária (2) e “Nordeste” (2). E também um conjunto ligado ao termo “pensamento social brasileiro” (5 ocorrências), que demonstra um interesse na análise da obra e da trajetória intelectual de Celso Furtado e seu lugar no repertório das chamadas “interpretações da sociedade brasileira”.

Por contraste, as leituras feitas sobre e/ou em diálogo com a obra de Furtado na coleção brasileira do SciELO chamam a atenção para o seu impacto em diferentes temas e disciplinas das ciências humanas e sociais, bem como o foco na sociedade brasileira e suas interpretações, ao passo que o diagrama da WoS parece mais centrado nas discussões econômicas e nas perspectivas globais, comparadas ou com foco mais regional.

Figura 5
Diagrama estratégico de palavras-chave do autor (somente coleção SciELO Brasil). Fonte: SciELO. Software: bibliometrix. Elaboração dos Autores

Figura 6
Rede de citação direta entre artigos (timeline). Fonte: WoS & SciELO. Software: Gephi. Elaboração dos Autores

Até aqui, usamos basicamente variações da técnica (bastante simples) da coocorrência de termos - palavras-chave do autor - a fim de detectar os principais assuntos relacionados a Celso Furtado nas duas bases. Porém, vale a pena também destacar, do conjunto de 1.640 documentos, alguns que possam ser estratégicos para visualizar mais diretamente e “por dentro” alguns dos temas e/ou especializações interessados na obra furtadiana. Um modo bastante simples de fazê-lo é modelar uma rede de citação direta entre os artigos que compõem a amostra, conforme a Figura 6, não importando se o artigo é citante ou se foi citado - para facilitar a visualização, as relações da rede não são direcionadas. Para tal, usamos os programas VOSViewer (VAN ECK; WALTMAN, 2010VAN ECK, N. J.; WALTMAN, L. Software survey: VOSviewer, a computer program for bibliometric mapping. Scientometrics, v. 84, n. 2, 2010, p. 523-538.) e Gephi (BASTIAN; HEYMANN; JACOMY, 2009BASTIAN, M.; HEYMANN, S.; JACOMY, M. Gephi: an open source software for exploring and manipulating networks. Third International ICWSM Conference, 2009, p. 361-362.). As cores foram definidas por um algoritmo de detecção de comunidades, calculando quais conjuntos de artigos tendem a se conectar preferencialmente entre si (BLONDEL et al., 2008BLONDEL, V. D. et al. Fast unfolding of communities in large networks. Journal of Statistical Mechanics: Theory and Experiment, v. 2008, n. 10, p. P10008, out. 2008.) - cada cor define uma das 12 comunidades encontradas com mais de dois documentos. Na medida em que a nossa amostra comporta duas “ondas” de interesse pela obra de Furtado, localizamos todos os artigos (que são os “nós” da rede) em um eixo horizontal temporal (timeline), quer dizer, a localização à direita ou à esquerda diz respeito ao ano de publicação do documento. A rede acima, modelada a fim de realçar a dimensão temporal dos artigos, revela como as duas “ondas” compõem relações que se concentram no interior de cada período - há muito mais citações entre textos publicados na mesma “onda” do que cruzando os dois momentos de interesse na obra de Furtado. Mesmo assim, procuramos identificar quais são os textos que, de certa maneira, contribuem para que a rede encontre alguma coesão geral, o que é possível fazer a partir de um algoritmo de detecção de centralidade que identifica o valor de “intermediação” (betweenness) de cada elemento, ou a sua importância para ligar o conjunto dos nós que compõem a estrutura de relações (BRANDES, 2001BRANDES, U. A faster algorithm for betweenness centrality. The Journal of Mathematical Sociology, v. 25, n. 2, 1 jun. 2001, p. 163-177.). Para tal, deixamos visíveis os nomes dos(as) primeiros(as) autores(as) e o ano de publicação dos 20 artigos com maior betweenness de todos os 359 que compõem essa rede de citação direta.

Desses 20 artigos, os que mais se aproximam do “buraco estrutural” (CHEN et al., 2009CHEN, C. et al. Towards an explanatory and computational theory of scientific discovery. Journal of Informetrics, v. 3, n. 3, 2009, p. 191-209.) formado entre as duas “ondas” são “Reflections on the Latin American contribution to development theory” (1991), de Cristóbal Kay, e “The rise and decline of economic structuralism in Latin America: new dimensions” (2005KAY, C. Celso Furtado: pioneer of structuralist development theory. Development and Change, v. 26, n. 6, 2005, p. 1201-1207.), de Joseph Love, ambos dedicados ao balanço do debate econômico na América Latina e que localizam explicitamente a obra de Furtado no interior do debate latino-americano. Não por acaso, como veremos ao final deste trabalho, são dois intérpretes influentes sobre o sentido da obra furtadiana na literatura acadêmica de língua inglesa. O texto com a maior de centralidade de “intermediação” é “Dependency: a formal theory of underdevelopment or a methodology for the analysis of concrete situations of underdevelopment?” (1978), de Gabriel Palma, que realiza um longo e amplo debate a respeito das diferentes vertentes da perspectiva da dependência, incluindo o debate anterior no campo do marxismo e as contribuições da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) - o que não se dá por acaso, haja vista o minucioso e extenso trabalho de identificação da literatura até então disponível feito pelo autor. O segundo mais central é “‘Inadequacy of technology’ and innovation systems at the periphery: notes on Celso Furtado’s contributions for a dialogue between evolutionists and structuralists” (2007), de Eduardo da Motta e Albuquerque, que procura combinar, via Celso Furtado, os aportes do estruturalismo com as perspectivas da teoria evolucionária. Já o terceiro é “A view from the tropics: Celso Furtado and the theory of economic development in the 1950s” (2010), de Mauro Boianovsky, que discute a importância de Furtado para a emergência do campo de pesquisa em economia do desenvolvimento na década de 1950. Esses cinco artigos aqui enumerados, por suas respectivas posições estruturais, revelam alguns temas que conectam globalmente a rede de citação direta.

Outro interesse em modelar a rede em formato de timeline é ver que comunidades de artigos que se citam ficam concentradas na primeira ou na segunda “ondas”, bem como aquelas que conseguem ligar documentos dos dois períodos. A fim de representar cada uma das 12 comunidades de artigos relevantes, vamos listar os textos que possuem maior centralidade de “autovetor” (eigenvector) (DIALLO et al., 2016DIALLO, S. Y. et al. Identifying key papers within a journal via network centrality measures. Scientometrics, v. 107, n. 3, 1 jun. 2016, p. 1005-1020.) - que mede o elemento com as melhores conexões - no interior de cada comunidade. De um lado, temos as comunidades praticamente exclusivas da “primeira onda”, como aquelas ligadas ao debate sobre crescimento econômico - em que o artigo mais central é “Issues and evidence on recent Brazilian economic-growth” (1977), de Edmar Bacha - sobre substituição de importações -, centralizado em “Import substitution and industrialization in Latin America: experiences and interpretations” (1972), de Werner Baer - sobre dependência e desenvolvimento -, que gravita ao redor de “Dependency analysis of Latin America: some criticisms, some suggestions” (1976), de C. Barth e D. James. De outro lado, temos as comunidades praticamente exclusivas da “segunda onda”, como as que discutem: o novo desenvolvimentismo - nucleada em “A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo” (2012), de Pedro Bastos; a análise das organizações, em interface com o campo da administração pública - centrada em “Estudos organizacionais, (des)colonialidade e estudos da dependência: as contribuições da Cepal” (2015), de Sergio Wanderley; a saúde pública - em que o artigo mais central é “Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial” (2006), de Carlos Gadelha; os sistemas de inovação - representada por “Inadequacy of technology and innovation systems at the periphery: notes on Celso Furtado’s contributions for a dialogue between evolutionists and structuralists” (2007), de Eduardo da Motta e Albuquerque; e sobre neoliberalismo e pós-neoliberalismo - comunidade na qual o artigo mais central é “Toward a critique of Latin American neostructuralism” (2008), de Fernando Leiva. Por fim, temos as comunidades de artigos que enlaçam as duas ondas: o debate sobretudo em língua inglesa sobre desenvolvimento periférico - que gravita em torno de “The end of peripheries? On the enduring relevance of structuralism for understanding contemporary global development” (2015), de Andrew Fischer; as contribuições da história intelectual e as interpretações sobre Celso Furtado - centradas em “Celso Furtado and the structuralist-monetarist debate on economic stabilization in Latin America” (2012), de Mauro Boianovsky; a discussão sobre o legado de Furtado e do estruturalismo latino-americano - nucleada em “When development meets culture: the contribution of Celso Furtado in the 1970s” (2018), de A. Cunha e G. Britto; e também a respeito das perspectivas comparadas ou globais sobre desenvolvimento - representadas por “Long-run development and the legacy of colonialism in Spanish America” (2003), de James Mahoney.

Continuando a provocação de Franco Moretti (2013MORETTI, F. Distant reading. 1. ed. London; New York: Verso, 2013.) sobre a “leitura distante”, o que está em jogo ao destacar esse conjunto de 17 textos não é dizer que a sua leitura substituiria a análise do conjunto - sem dúvidas preciosa, mas cansativa e demorada - dos 359 artigos que compõem a rede de citação direta, mas construiria uma forma de observá-los a partir de certas posições estruturais-chave. Aqui, eles não importam necessariamente por sua qualidade intrínseca, mas como espécies de “atalhos” que permitem um rápido sobrevoo sobre os temas e/ou especializações que compõem a nossa amostra. Servem, em resumo, como pontos de partida bem informados e (esperamos) bem fundamentados para a leitura cerrada da produção que interage com a obra de Celso Furtado.

Feita a exploração cientométrica, dedicada ao ambiente estritamente científico da circulação da obra furtadiana, passemos agora à análise de seu impacto para além das revistas acadêmicas. Como veremos, tomando como material de pesquisa a Wikipédia, diferentes contextos nacionais e linguísticos também importam para a cartografia dos temas de interesse e do próprio sentido assumido pelos textos de Celso Furtado.

Recepção e controvérsia: o pensamento de Celso Furtado na Wikipédia

O estudo da circulação e recepção das ideias para além dos muros da academia é sempre um desafio metodológico. Em nosso país, a área de “pensamento social no Brasil” tradicionalmente se dedica ao assunto e vem produzindo trabalhos fundamentais que buscam analisar, através de materiais empíricos diversos, como determinadas interpretações sobre a sociedade brasileira se relacionam com o substrato social que lhe dá vida (BASTOS; BOTELHO, 2010BASTOS, E. R.; BOTELHO, A. Horizontes das ciências sociais: pensamento social brasileiro. In: MARTINS, C. B.; MARTINS, H. H. T. de S. (org.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: sociologia. São Paulo: Anpocs, 2010, p. 475-496.). Recentemente, a essa discussão vêm se juntando novas abordagens dedicadas a capturar a dinâmica de interações da Web 2.0, termo que designa uma ampla rede de comunidades e serviços oferecidos na internet com ativa participação de seus usuários, a exemplo das mídias sociais. Nesse novo campo de possibilidades empíricas que se abre à área de “pensamento social no Brasil”, a análise da plataforma Wikipédia é uma das mais promissoras. Com a proposta de ser uma enciclopédia on-line, a Wikipédia reúne e disponibiliza, através da colaboração de seus usuários, informações sobre os mais variados temas de interesse científico e de conhecimento geral. A editoração e a organização dos artigos contidos na plataforma dependem da participação constante de seus usuários através de discussões em fóruns, definição de conteúdo, sistematização de referências bibliográficas e a localização de links entre os verbetes (interlinks). A particularidade da Wikipédia em relação a outras plataformas de divulgação do conhecimento reside justamente em uma série de critérios que precisam ser cumpridos por seus editores para que o conteúdo disponibilizado seja confiável. Frequentemente ocorrem disputas entre versões de editores à frente de um mesmo verbete, os quais recorrem ao conhecimento científico especializado para validação ou refutação de argumentos. Por esses motivos, a plataforma se constitui como um ambiente propício para a análise da recepção e circulação das ideias acadêmicas, o que é reforçado quando analisamos as estatísticas referentes à visualização e os interlinks dos verbetes. De acordo com portal Alexa7 7 Disponível em: https://www.alexa.com/topsites/countries/BR. , a Wikipédia.org é o décimo quarto site mais acessado no Brasil, com média de três acessos a seu conteúdo por usuário, tendo em torno de 769 mil links de sites direcionados a ele. Somente no mês de agosto de 2020, o Brasil foi responsável por aproximadamente 282 milhões de visualizações a artigos da Wikipédia em português, de um total de 403.759.964 de visualizações, incluindo usuários de outros países. Em um ano, entre agosto de 2019 e agosto de 2020, a versão em português atingiu 4,9 bilhões de visualizações.

Tendo em vista o importante lugar que a Wikipédia ocupa atualmente na circulação do conhecimento, analisaremos as interpretações sobre a trajetória e a obra de Celso Furtado contidas nos verbetes a ele dedicados escritos em diferentes idiomas, particularmente em português, inglês e espanhol8 8 Ver os endereços do artigo em português, inglês e espanhol em Wikipédia (CELSO FURTADO, 2020), . Com isso, percorreremos o circuito cujo ponto de partida foi a análise realizada na seção anterior sobre a produção acadêmica relacionada à obra furtadiana, destacando agora a sua recepção por um público mais amplo e não necessariamente especializado em sua obra ou nos assuntos a ela relacionados. Veremos especificamente como as diferenças entre os verbetes em cada idioma se ligam a controvérsias acadêmicas, indicando como as diferentes interpretações acerca da obra do economista paraibano informam não só os conteúdos disponibilizados pelos editores, mas também, e em grande medida, a possível leitura do público que os acessam.

Na Figura 7, podemos acompanhar as visualizações ao artigo “Celso Furtado” em português, inglês e espanhol entre os meses de janeiro a agosto de 2020CELSO FURTADO [en línea]. Wikipedia, La enciclopedia libre, 2020 [fecha de consulta: agosto del 2020]. Disponible en https://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Celso_Furtado&oldid=131231603.
https://es.wikipedia.org/w/index.php?tit...
. No total, foram 35.857 visualizações ao verbete em português, 5.413 ao verbete em inglês e 4.899 ao verbete em espanhol ao longo do período destacado9 9 Os dados são fornecidos pela própria Wikipédia (VISUALIZAÇÕES..., 2020). . O pico em julho reflete provavelmente o interesse pelo autor no mês do centenário de seu nascimento.

Figura 7
Visualizações ao artigo “Celso Furtado”. Fonte: Wikipédia (janeiro a agosto de 2020CELSO FURTADO [en línea]. Wikipedia, La enciclopedia libre, 2020 [fecha de consulta: agosto del 2020]. Disponible en https://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Celso_Furtado&oldid=131231603.
https://es.wikipedia.org/w/index.php?tit...
). Elaboração dos Autores

As listagens dos interlinks que estão no interior do verbete de Celso Furtado nos dão pistas importantes do conteúdo que os editores desejam transmitir aos leitores. Na Tabela 1, disponibilizamos os interlinks indexados no verbete que foram clicados ao menos dez vezes entre janeiro e agosto de 2020. A interpretação da obra de Celso Furtado fornecida pelo verbete vincula os preceitos teóricos do economista àqueles do keynesianismo e aos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), de raiz estruturalista. Nota-se o interesse do público por conceitos associados a essa teoria, como “desenvolvimento econômico”, “consumo conspícuo”, “substituição de importações” e “subdesenvolvimento”, todos interlinks disponíveis no corpo do texto principal do verbete. As exceções são “desenvolvimentismo” e “teoria da dependência”, que se encontram em seção à parte do texto intitulada “Ver também”. Aparentemente um detalhe, mas é importante notar que a disposição dos interlinks e mesmo as suas repetições ao longo do verbete podem orientar a leitura dos usuários, chamando a atenção para informações importantes ou as deixando em segundo plano. O exemplo mais paradigmático é a palavra “Cepal” e suas variações (“pensamento cepalino” e “cepalinos”) mencionada dez vezes no verbete, das quais quatro são interlinks ao verbete “Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe”.

Tabela 1
Interlinks indexados no verbete “Celso Furtado” em português por números de cliques. Fonte: Wikipédia. Elaboração dos Autores

Quando invertemos a direção dos interlinks, destacando os verbetes da Wikipédia que levam ao verbete “Celso Furtado”, vemos como a estrutura de conexão entre os artigos (que representam conceitos, instituições, intelectuais, localidades etc.) não se altera substancialmente. Observa-se a presença, sobretudo, de economistas ligados a Furtado que esposavam muitas de suas ideias ou mesmo compartilhavam de seus pressupostos teóricos sobre o desenvolvimentismo. Instituições pelas quais passou ou teve papel fundamental são outras fontes que levam os leitores a acessarem o verbete “Celso Furtado”. Tanto em um sentido quanto em outro, os interlinks e os cliques sugerem semelhanças no fluxo de informações que leva ao interesse pela obra de Furtado no verbete em português, cuja especificidade só é trazida à tona se comparamos com os verbetes em outros idiomas.

Tabela 2
Origem dos interlinks que levam ao verbete “Celso Furtado” por número de cliques. Fonte: Wikipédia. Elaboração dos Autores

Estamos sugerindo que a disposição dos links feita pelos editores no texto do verbete em certa medida guiam os cliques e, portanto, a leitura dos usuários - no fundo, ela pressupõe uma interpretação (que pode ser cronicamente disputada pelos editores da Wikipédia) sobre o sentido e o lugar da produção furtadiana. Isso é perceptível quando comparamos o verbete em português dedicado a Celso Furtado com as suas versões em inglês e espanhol. Como não poderia deixar de ser, a estrutura mais geral das conexões - e das possíveis interpretações a elas subjacentes - nas duas versões é semelhante à versão em português ao vincular Furtado ao tema do desenvolvimentismo, aos preceitos da economia estruturalista e à teoria cepalina. Mas uma diferença chama a atenção, sobretudo quando notamos a presença do verbete “teoria da dependência” no campo semântico e de interlinks que orientam as leituras do verbete. Enquanto, nas versões em espanhol e em inglês, o sentido de orientação da leitura é o mesmo - do verbete “teoria da dependência” ao verbete “Celso Furtado” -, na versão em português, o sentido é inverso, conforme as tabelas 3 e 4.

Tabela 3
Fluxo de cliques entre os verbetes conectados ao verbete “Celso Furtado” na versão em espanhol. Fonte: Wikipédia. Elaboração dos Autores

Tabela 4
Fluxo de cliques entre os verbetes conectados ao verbete “Celso Furtado” na versão em inglês. Fonte: Wikipédia. Elaboração dos Autores

Provavelmente estamos diante de compreensões distintas sobre o que seja “teoria da dependência” e por isso buscamos rastrear os interlinks do verbete dedicado ao tema nos diferentes idiomas. Na Tabela 5, é possível perceber que a compreensão de autores e obras que compõem a “teoria da dependência” difere na versão em português e nas versões em inglês e espanhol. Nos verbetes nesses dois últimos idiomas, Furtado é tido como um dos principais teóricos da teoria da dependência, recebendo 146 e 48 cliques no interlink nos verbetes em espanhol e em inglês, respectivamente. Corrobora a interpretação da associação entre pensamento cepalino e teoria da dependência a presença de Raúl Prebisch na lista dos mais acessados. Quanto ao verbete em português dedicado à teoria da dependência, não há sequer menção e tampouco interlink que direcione ao verbete “Celso Furtado”, que é tomada “em contraposição às posições marxistas convencionais dos partidos comunistas e à visão estabelecida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)”10 10 Conforme Wikipédia (TEORIA da dependência, 2020). . De todo modo, escapa às diferentes versões dos verbetes sobre “teoria da dependência” e também sobre “Celso Furtado” uma avaliação mais matizada das etapas da obra do economista paraibano, sobretudo aquela desenvolvida a partir dos anos 1960, em que passa a rever a sua aposta na industrialização como saída da situação de dependência na periferia (SAWAYA, 2008SAWAYA, R. R. Celso Furtado: criatividade e dependência na periferia. Estudos Avançados, v. 22, n. 64, dez. 2008, p. 327-334.).

Tabela 5
Interlinks indexados no verbete “Teoria da dependência” em três idiomas por número de cliques. Fonte: Wikipédia. Elaboração dos Autores

Como podemos notar, trata-se de definições distintas sobre o que se convencionou chamar de “teoria da dependência” e se nela Furtado estaria integrado ou não. As controvérsias das diferentes versões da história da “teoria da dependência” encontram longo lastro nas discussões acadêmicas - aqui, vamos apenas destacar muito brevemente algumas delas, a fim de compreender a estrutura das conexões entre os verbetes da Wikipédia.

Em livro intitulado Latin American theories of development and underdevelopment, publicado originalmente em 1989, Cristóbal Kay (2011KAY, C. Latin American theories of development and underdevelopment. New York: Routledge, 2011.) efetua um balanço das principais correntes teóricas que se debruçaram sobre a problemática do desenvolvimento e do subdesenvolvimento na América Latina. Ao tratar das diferentes perspectivas e abordagens da “teoria da dependência”, o autor propõe uma divisão entre o que ele entende ser as vertentes “marxista” e “reformista” do debate. Na vertente “marxista”, Kay localiza intelectuais como Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Andre Gunder Frank, Vânia Bambirra, Aníbal Quijano, dentre outros, ressaltando como especificidade de seus trabalhos a mobilização da abordagem marxista e o prognóstico político de que apenas a revolução socialista poderia superar a dependência (KAY, 2011KAY, C. Latin American theories of development and underdevelopment. New York: Routledge, 2011., p. 127-128). Na vertente oposta, qualificada como “reformista”, na qual figuram intelectuais vinculados à Cepal, Celso Furtado aparece ao lado de Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto, Osvaldo Sunkel, Helio Jaguaribe, Aldo Ferrer e Aníbal Pinto, compartilhando as expectativas de resolução do problema da dependência através da reforma do sistema capitalista (KAY, 2011, p. 127).

Ao discutir a contribuição de Furtado enquanto “dependentista”, Kay destaca a imposição ou o transplante de certos padrões de consumo dos países centrais para os periféricos como o aspecto crucial da interpretação do economista paraibano, cuja proposta teria em vista a problemática da persistência do subdesenvolvimento e da dependência na periferia. Ao tratar da noção de “dependência externa”, Kay ressalta que Furtado teria concedido ênfase à relação externa, uma vez que sua análise sustentaria que o crescimento econômico na periferia se encontraria condicionado pelas mudanças nas economias centrais. Além disso, destaca que o modo pelo qual o capitalismo se realiza na periferia teria como base, na perspectiva de Furtado, um efeito-demonstração, posto que seria entendido como imitativo, ao emular o tipo de consumo levado a cabo nos países centrais (KAY, 2011KAY, C. Latin American theories of development and underdevelopment. New York: Routledge, 2011., p. 133). Ou seja, malgrado não deixar de entender a perspectiva de Furtado como “estruturalista”11 11 Kay (2011) localiza Furtado tanto diante das diferentes abordagens da dependência quanto em relação à chamada “escola estruturalista do desenvolvimento”. , Kay parece possuir um entendimento algo amplo do debate da dependência, chamando a atenção para a participação do economista paraibano como um teórico que, a seu ver, pode ser qualificado também como “dependentista”.

Em decorrência da morte de Celso Furtado, Kay (2005KAY, C. Celso Furtado: pioneer of structuralist development theory. Development and Change, v. 26, n. 6, 2005, p. 1201-1207.) escreve artigo em sua homenagem, assinalando que, além de ter sido um dos principais nomes da “escola estruturalista latino-americana do desenvolvimento”, que viria a despontar na Cepal, o economista brasileiro teria sido um dos primeiros cientistas sociais a mobilizar a noção de “dependência”. Para o intérprete, Furtado teria dado uma grande contribuição à “teoria da dependência”, cuja ampla difusão teria sido contundente tanto dentro quanto fora da América Latina entre os anos 1960-1970 (KAY, 2005KAY, C. Celso Furtado: pioneer of structuralist development theory. Development and Change, v. 26, n. 6, 2005, p. 1201-1207., p. 1205). Kay reforça seu argumento de que as proposições de Furtado desempenharam papel significativo para a constituição do repertório identificado ao debate da dependência, não deixando de sublinhar sua anterioridade em relação às formulações de Andre Gunder Frank, especialmente no que se refere à articulação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Nas palavras do autor: “Like Andre Gunder Frank, but well before him, Furtado argued that development and underdevelopment are part of the same historical process, just different sides of the same coin of the global system” (KAY, 2005, p. 1.205).

Se passarmos ao balanço proposto pelos economistas suecos Magnus Blomström e Bjorn Hettne (1984BLOMSTRÖM, M.; HETTNE, B. Development theory in transition - the dependency debate and beyond: the Third World responses. London: Zed Books, 1984.), poderemos constatar que a análise mais detalhada da perspectiva de Furtado figura no capítulo “The Latin American dependency school”. Para os autores, Furtado teria sido, ao lado do economista chileno Osvaldo Sunkel, um dos mais influentes intelectuais que contribuíram para a radicalização da abordagem da Cepal. Furtado teria apontado, em seu momento mais pessimista em relação à questão do crescimento da produtividade, que a estratégia de industrialização da Cepal teria recrudescido a dependência ao invés de reduzi-la, uma vez que os bens de consumo importados teriam sido substituídos pelos bens de capital importados, imprescindíveis à estrutura industrial (BLOMSTRÖM; HETTNE, 1984BLOMSTRÖM, M.; HETTNE, B. Development theory in transition - the dependency debate and beyond: the Third World responses. London: Zed Books, 1984., p. 57). A abordagem de Furtado seria representativa da existência de teóricos da dependência que não consideravam o desenvolvimento na periferia apenas como mero reflexo do centro, posto que visaria ao exame da interação entre fatores externos e internos, cuja ênfase incidiria sobre o plano interno (BLOMSTRÖM; HETTNE, 1984, p. 58). Furtado se voltaria, nessa direção, sustentam os intérpretes, para o papel fundamental jogado pela estrutura social, deixando de lado sua análise mais centrada em fatores econômicos. Assim como Kay (2005KAY, C. Celso Furtado: pioneer of structuralist development theory. Development and Change, v. 26, n. 6, 2005, p. 1201-1207.), Blomström e Hettne aproximam Furtado de Gunder Frank, entendendo a perspectiva do economista paraibano, portanto, como uma contribuição decisiva para o debate da dependência. Para o duo, ao pensar as diferenças entre o desenvolvimento capitalista nos países centrais e periféricos, Furtado teria procedido de maneira similar à operada pela escola da dependência (BLOMSTRÖM; HETTNE, 1984, p. 57). Os autores afirmam, dessa maneira, que o impacto de Furtado não se encontraria confinado ao debate latino-americano, tendo logrado ampla ressonância, com traduções para as línguas inglesa, francesa e espanhola. Nos termos de Blomström e Hettne (1984, p. 58), “Furtado played an important role, not only in the Latin American debate, but, together with André Gunder Frank, as the most important proponent of the dependency perspective outside of Latin America”.

De forma semelhante, Joseph Love (1998LOVE, J. A construção do Terceiro Mundo: teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.) afirma que, além de ter sido o mais original e prolífico dos autores da vertente estruturalista no Brasil, Furtado teria sido o primeiro intelectual a se debruçar sistematicamente, na América Latina, sobre a problemática da dependência. De acordo com ele, Furtado “foi o primeiro dos analistas da dependência latino-americanos, e também o primeiro a afirmar, especificamente, que desenvolvimento e subdesenvolvimento fazem parte do mesmo processo de expansão da economia capitalista internacional” (LOVE, 1998LOVE, J. A construção do Terceiro Mundo: teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 359). Love (1998, p. 386) lembra, de modo contraintuitivo, que Furtado se voltaria para a articulação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento por meio de uma análise sobre o “colonialismo interno” ao discutir as relações entre o Nordeste e o Centro-Sul no Brasil, antecipando-se ao que seria desenvolvido, ao longo da década de 1960 - diga-se de passagem, de formas distintas - por ele próprio, Andre Gunder Frank, Fernando Henrique Cardoso e Osvaldo Sunkel. Ele considera que, em 1961, quando Furtado publica Desenvolvimento e subdesenvolvimento, que esse seria o trabalho através do qual o autor formalizaria efetivamente o vínculo entre o estruturalismo e a “teoria da dependência” (LOVE, 1998, p. 365). A despeito de não desenvolver a discussão, Love ressalta que, por conta de sua demissão da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em decorrência da instauração da ditadura civil-militar no Brasil, em 1964, Furtado parte para o exílio, passando um curto período de tempo no Chile, onde teria contribuído de forma significativa para o aparecimento da análise da dependência (LOVE, 1998, p. 365).

Discutindo o processo de constituição da “teoria da dependência”, Love (1998LOVE, J. A construção do Terceiro Mundo: teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 427) destaca que sua formação se sucedeu com base na articulação entre o marxismo e o estruturalismo, embora enfatize que a segunda vertente teórica tenha sido a sua fonte decisiva. Em outras palavras, ao defender o estruturalismo como fonte fundamental da “teoria da dependência”, a perspectiva de Furtado acaba ganhando centralidade, reforçando o argumento do intérprete de que o economista paraibano teria sido o pioneiro na análise sistemática da dependência (LOVE, 1998LOVE, J. A construção do Terceiro Mundo: teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 391). Não à toa, além de dedicar um capítulo para a discussão da obra e da trajetória de Furtado, Love retoma a sua leitura no capítulo intitulado “Os caminhos rumo à dependência”, passando por trabalhos como Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Dialética do desenvolvimento e Acumulação e desenvolvimento. Love (1998, p. 439) sustenta, desse modo, que Furtado teria sido, ao lado de Sunkel, um dos teóricos cepalinos a questionar as teses da própria Cepal, contribuindo para tornar célebre a chamada “teoria da dependência”. Portanto, Furtado teria ido além do interesse de Raúl Prebisch pelos ciclos econômicos da América Latina ao historicizar de modo consistente a perspectiva estruturalista (LOVE, 1998, p. 502).

Nesse sentido, talvez seja interessante discutir, por contraste, como Furtado é visto entre os próprios intelectuais brasileiros imediatamente envolvidos no debate da dependência, uma vez que as controvérsias locais certamente modelaram a versão “pública” com maior circulação sobre a teoria entre nós - pensando, é claro, no número de leituras que o verbete da Wikipédia possui. Em dois pequenos textos recolhidos na coletânea Pensadores que inventaram o Brasil, publicada em 2013, Fernando Henrique Cardoso discute as formulações de Furtado, voltando-se principalmente para a potente interpretação do país codificada em Formação econômica do Brasil. Tanto em “O descobrimento da economia”12 12 “O descobrimento da economia” (CARDOSO, 2013a) foi publicado originalmente em 1978 na revista Senhor Vogue . quanto em “A propósito de Formação econômica do Brasil13 13 Texto originalmente publicado como prefácio da coletânea Celso Furtado e a formação econômica do Brasil: Edição comemorativa dos 50 anos de publicação (1959-2009), organizada por Francisco da Silva Coelho e Rui Guilherme Granziera. , ambos presentes na coletânea, Cardoso discute a contribuição de Furtado, chamando a atenção para os seus vínculos pessoais14 14 Já em seu exílio, em Santiago, antes de Ruth Cardoso e seus filhos chegarem ao Chile, Fernando Henrique Cardoso divide uma casa com Celso Furtado, Francisco Weffort e Wilson Cantoni, seus colegas na Cepal (2014, p. 102-103), período também revisitado em “A propósito de Formação econômica do Brasil” (CARDOSO, 2013b, p. 213). e intelectuais com o economista paraibano, sem, no entanto, atrelá-lo diretamente ao debate da dependência. Furtado aparece, para Cardoso (2013b, p. 213), como um intelectual “admirado e respeitado por seus colegas de jornada na formação da ‘escola estruturalista latino-americana’”. Já em artigo publicado menos de um mês após a morte de Furtado, intitulado “A vida e a obra de Celso Furtado”, Cardoso (2004b) ressalta a capacidade de interpelação cognitiva de sua obra, mas sem fazer menção à sua suposta contribuição para a “teoria da dependência”. Em outras palavras, malgrado tratar da importância e da interpelação exercida pela perspectiva de Furtado sobre sua geração (CARDOSO, 2013aCARDOSO, F. H. O descobrimento da economia. In: CARDOSO, F. H. Pensadores que inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013a, p. 207-211.), Cardoso vincula seus trabalhos à “escola estruturalista”, não discutindo, em momento algum, nesses trabalhos, qualquer participação direta que o economista paraibano possa ter tido para a constituição da “teoria da dependência”.

Contudo, não custa lembrar que, já no exílio, Cardoso participa de seminário realizado, entre maio e junho de 1964, no Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social (Ilpes), órgão vinculado à Cepal, no qual estiveram presentes Celso Furtado, Osvaldo Sunkel, Enzo Faletto, Francisco Weffort e Aníbal Pinto (CARDOSO, 2004aCARDOSO, F. H. Prefácio à nova edição. In: CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004a.; 2004b; 2013). A contribuição do seminário, que tinha em vista reavaliar os trabalhos produzidos pela Cepal, alega Cardoso (2004a; 2004b; 2013), teria sido decisiva para o surgimento de seu famoso Dependência e desenvolvimento na América Latina, livro que viria a publicar alguns anos depois, em 1969, em colaboração com o sociólogo chileno Enzo Faletto15 15 Afrânio Garcia Jr. (2016) endossa a visão de Cardoso, ressaltando que o seminário organizado por Celso Furtado como um contraponto crítico aos primeiros textos produzidos pela Cepal nos anos 1950 teria sido decisivo para os trabalhos que lograram sucesso como “teoria da dependência”. . Entretanto, ao tratar do pensamento de Furtado nos textos recolhidos em Pensadores que inventaram o Brasil e em “A vida e a obra de Celso Furtado”, a despeito de lembrar do seminário do Ilpes, Cardoso não vincula o economista diretamente ao debate da dependência, entendendo-o como participante fundamental da “escola estruturalista latino-americana”.

Já Theotônio dos Santos (2000SANTOS, T dos S. A teoria da dependência: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.) não parece questionar, em seu balanço da teoria da dependência, a inclusão de Celso Furtado entre os chamados autores “dependentistas”. Ainda que enxergue limites no modo pelo qual Blomström e Hettne entendem a vertente “neomarxista” do debate, Santos (2000, p. 28) qualifica a proposta dos economistas suecos como “a que mais se aproxima de uma descrição correta das tendências teóricas principais que conformaram a teoria da dependência”. Entretanto, ao se remeter ao levantamento empreendido por Andre Gunder Frank, Santos (2000, p. 28) lembra que o economista alemão teria destacado a dispersão algo flagrante na maneira pela qual os dependentistas seriam enquadrados nas diferentes escolas de pensamento. Apesar de não questionar o tipo de classificação proposta pelos economistas suecos, Santos (2000, p. 81) confere maior atenção, ainda que breve, a Celso Furtado apenas no capítulo “A Cepal e a substituição de importações” de seu balanço da “teoria da dependência”, chamando a atenção para o seu argumento de que “a política de financiamento dos estoques de café no Brasil manteve a renda média do país durante a crise de 1929 e, portanto, a demanda interna”.

Já em revisão bibliográfica sobre a “teoria da dependência”, publicada na revista Estudos Avançados, Santos (1998SANTOS, T dos S. Por uma bibliografia sobre a teoria da dependência. Estudos Avançados, v. 12, n. 33, 1998, p. 137-146., p. 141) elenca o livro O mito do desenvolvimento econômico, de Furtado, o que nos permite inferir que, para ele, diferentemente de Cardoso, o economista cepalino talvez possa ser ligado diretamente aos debates sobre a dependência. O que parece ser corroborado em artigo dedicado à reflexão de Furtado, no qual Santos (2015) destaca como aquele teria incorporado a noção de “capitalismo dependente”, para mensurar a diferenciação entre a experiência histórico-social norte-americana e a da América Latina16 16 Aspecto reafirmado por Theotônio dos Santos (2016) em livro que confecciona em homenagem a Celso Furtado, cuja discussão não teremos tempo de empreender dados os limites do artigo. . Santos discute o contexto de fundação da Asociación Internacional de Economistas del Tercer Mundo, da qual participa junto a Furtado, cujo primeiro congresso teria tido lugar, em fevereiro de 1976, na Argélia. De acordo com Santos (2015, p. 20), a associação teria levado em consideração a problemática da dependência, procurando formular um pensamento econômico capaz de articular tanto o ponto de vista quanto os interesses dos países terceiro-mundistas. O intérprete destaca ainda o artigo “Creatividad cultural y desarrollo dependiente”, de Furtado, trabalho que seria, a seu ver, “el punto de partida para la total incorporación de sus reflexiones al campo de la crítica al eurocentrismo y al economicismo que prevalecieron en las Ciencias Sociales hasta muy recientemiente” (SANTOS, 2015SANTOS, T dos S. La crítica al eurocentrismo y la propuesta de un desarrollo propio en América Latina: las aportaciones de Celso Furtado. Estudios Latinoamericanos, Nueva Época, n. 36, julio-diciembre, 2015, p. 15-26., p. 21). Assim, sugerimos que, em contraste com os balanços estrangeiros aqui discutidos, nos quais Celso Furtado surge como um elo crucial para a “teoria da dependência” ou mesmo como um precursor do debate, a posição de Fernando Henrique Cardoso e Theotônio dos Santos parece ser mais tímida, não conferindo o grau de centralidade que Kay, Love e os intérpretes suecos Blomström e Hettne atribuem ao economista paraibano.

Não pretendemos, por óbvio, sugerir aqui um balanço exaustivo da relação controversa, a depender do contexto linguístico em jogo, das relações entre Celso Furtado e a teoria da dependência, tal qual sugerida pelos fluxos de visitações aos seus verbetes na Wikipédia. Mas ilustrar como as controvérsias científicas quanto ao sentido e o lugar da obra furtadiana extravasam o debate acadêmico e ganham concretude nessa forma móvel, dinâmica e altamente disputada do debate público que ocorre na chamada Web 2.0. Nesse movimento entre a pesquisa científica e a circulação “pública” do conhecimento, nexos semânticos (com efeitos políticos variados) vão emergindo, trazendo novas agendas de pesquisa. Essa foi a principal motivação desse segundo experimento de pesquisa ensaiado aqui.

Considerações finais

Poucas obras têm a capacidade de ir além de seu tempo e participar de um debate de longa duração. O pensamento social e econômico de Celso Furtado é uma delas e se revela em instância reflexiva de uma série de temas, como desenvolvimentismo, dependência e estruturalismo econômico. Chama atenção ainda o interesse recente pelas interpretações de Furtado no pensamento social e econômico brasileiro, latino-americano e mundial. O que não é nada trivial, levando em conta que se trata de um intelectual dedicado a pensar questões caras à realidade do capitalismo periférico.

A partir dos dados coletados, evidencia-se como essa ampla circulação da obra furtadiana pelos níveis local, continental e global não corresponde a uma interpretação homogênea de seu público, acadêmico e não acadêmico. E isso em dois sentidos: primeiro, é possível observar através dos dados cientométricos como, ao longo do tempo, sua obra passa por releituras que dizem respeito ao contexto em que ela é recuperada, mostrando-se como fonte vigorosa de questões; segundo, as interpretações do que há de essencial e característico na obra furtadiana - dependentista ou desenvolvimentista estruturalista - variam também conforme, por assim dizer, o contexto linguístico, como deixam entrever os dados extraídos da Wikipédia. De modo mais geral, se entre os anos 1970-1980 podemos constatar a ligação dos trabalhos de Furtado com discussões vinculadas ao debate sobre crescimento econômico, desenvolvimento e dependência - algo que procuramos apresentar detalhadamente no artigo -, nos anos 2000, seus trabalhos parecem ter sido mobilizados numa outra chave, com ênfase na problemática do neo/novo-desenvolvimentismo, do estruturalismo e de um neoestruturalismo, bem como em outros campos emergentes ou interdisciplinares, como sistemas de inovação, estudos organizacionais, saúde pública, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, e pensamento social. Como sugerimos, é exatamente nesse entrecruzamento de interesses cognitivos diversos a que é submetida a releitura de sua obra que encontramos o núcleo de força e atualidade do pensamento furtadiano.

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  • 4
    Caso usássemos outras bases indexadoras, como Scopus, JSTOR, Crossref, Microsoft Academic ou mesmo um grande agregador de citações como o Google Scholar - este último possui, de longe, a maior cobertura para o campo das ciências humanas e sociais (MARTÍN-MARTÍN et al., 2020) -, outros resultados teriam sido encontrados. Porém, a escolha da combinação Web of Science e SciELO se deveu às suas políticas e perspectivas muito distintas de indexação e, especialmente, à facilidade de operar conjuntamente com os metadados extraídos, que possuem a mesma forma de organizar a informação, graças à incorporação da SciELO como uma das bases regionais da WoS em 2014 (PACKER, 2014).
  • 5
    As análises relativas à distribuição temporal da produção indexada que, de modo direto ou indireto, interage com a obra furtadiana refletem as coberturas das duas bases selecionadas. Se a cobertura da WoS remonta, para o caso dos documentos de nossa amostra, a fins da década de 1950, para a base SciELO só foi possível recuperar artigos a partir de 2002 , em função da disponibilidade dos metadados em formato estruturado para os principais programas bibliométricos somente a partir deste ano.
  • 6
    De novo, é difícil separar se o crescimento significativo a partir de 2002 tem a ver com o crescimento geral da produção científica que interage com a obra de Celso Furtado ou é efeito da disponibilidade dos metadados da base SciELO a partir de 2002. Parece inegável, no entanto, que essa curva temporal reflita as duas coisas.
  • 7
    Disponível em: https://www.alexa.com/topsites/countries/BR.
  • 8
    Ver os endereços do artigo em português, inglês e espanhol em Wikipédia (CELSO FURTADO, 2020),
  • 9
    Os dados são fornecidos pela própria Wikipédia (VISUALIZAÇÕES..., 2020).
  • 10
    Conforme Wikipédia (TEORIA da dependência, 2020).
  • 11
    Kay (2011) localiza Furtado tanto diante das diferentes abordagens da dependência quanto em relação à chamada “escola estruturalista do desenvolvimento”.
  • 12
    “O descobrimento da economia” (CARDOSO, 2013a) foi publicado originalmente em 1978 na revista Senhor Vogue .
  • 13
    Texto originalmente publicado como prefácio da coletânea Celso Furtado e a formação econômica do Brasil: Edição comemorativa dos 50 anos de publicação (1959-2009), organizada por Francisco da Silva Coelho e Rui Guilherme Granziera.
  • 14
    Já em seu exílio, em Santiago, antes de Ruth Cardoso e seus filhos chegarem ao Chile, Fernando Henrique Cardoso divide uma casa com Celso Furtado, Francisco Weffort e Wilson Cantoni, seus colegas na Cepal (2014, p. 102-103), período também revisitado em “A propósito de Formação econômica do Brasil” (CARDOSO, 2013b, p. 213).
  • 15
    Afrânio Garcia Jr. (2016) endossa a visão de Cardoso, ressaltando que o seminário organizado por Celso Furtado como um contraponto crítico aos primeiros textos produzidos pela Cepal nos anos 1950 teria sido decisivo para os trabalhos que lograram sucesso como “teoria da dependência”.
  • 16
    Aspecto reafirmado por Theotônio dos Santos (2016) em livro que confecciona em homenagem a Celso Furtado, cuja discussão não teremos tempo de empreender dados os limites do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2020
  • Aceito
    18 Dez 2020
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