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Do ensaio à apresentação: dimensões da performance musical de um coro institucional

From rehearsal to performance: dimensions of the musical performance of an institutional choir

RESUMO

Este artigo se propõe a olhar para a atividade coral no contexto da Justiça Federal do Espírito Santo (JFES) com base em discussões presentes nos estudos da performance e na etnomusicologia. A partir da etnografia de um ensaio e uma apresentação do Coro da JFES, o conceito de performance será associado à compreensão do fazer musical enquanto processo e com finalidade de propiciar interação social.

PALAVRAS-CHAVE
Performance; canto coral; ensaio; etnografia da performance musical

ABSTRACT

This article presents the choral activity in the context of the Justiça Federal do Espírito Santo (JFES) based on current discussions in the field of performance studies and ethnomusicology. Through the ethnography of a rehearsal and performance of the JFES Choir, the concept of performance wi ll be associated with the understanding of music making as a process, with the purpose of providing social interaction.

KEYWORDS
Performance; choral singing; rehearsal; ethnography of musical performance

No ano de 2009, um grupo de servidores da Justiça Federal do Espírito Santo se reuniu para dar vida ao Coro da JFES2 2 Daqui em diante usaremos a abreviação JFES - Justiça Federal do Espírito Santo. , iniciando suas atividades em outubro do mesmo ano. Segundo o release do grupo, os servidores “viram no projeto coral um instrumento agregador, capaz de traduzir em manifestação cultural os valores perseguidos no âmbito da Justiça, tanto interna quanto externamente”, além de buscar o investimento na qualidade de vida de seus participantes e a aproximação da Justiça Federal com a sociedade. Com o apoio financeiro da Associação dos Servidores da Justiça Federal - ES (Assejufes)3 3 A JFES não possui verba própria para custeio do projeto coral, sendo o sustento financeiro do coro (o salário do regente e demais gastos pontuais) assumido pela Assejufes. , o coro atuou por quase sete anos, suspendendo suas atividades em junho de 2016. Durante todo esse tempo, estive à frente do grupo como regente e pude observá-lo em vários momentos em que o fazer musical construiu significados capazes de promover transformações tanto no âmbito pessoal quanto profissional4 4 A paralisação do Coro da JFES deveu-se à minha aprovação em concurso público para o magistério superior, o que impossibilitava a continuidade à frente do grupo. Depois de três anos, o coro está se articulando para retomar oficialmente suas atividades no segundo semestre de 2019. Nesse período, seus integrantes atuaram esporadicamente em eventos internos, reunindo-se por conta própria. .

O presente artigo se propõe a olhar para a atividade de canto coral no contexto da JFES a partir de discussões presentes nos estudos da performance, considerando performance não somente em sua concepção tradicional - o momento da apresentação -, mas como uma forma de comportamento expressivo que ocorre na interação entre seres humanos. A análise será feita com base na etnografia da performance musical do grupo em dois contextos específicos: um ensaio e uma apresentação realizada na própria instituição5 5 Por estar completamente inserida no objeto de análise, inclusive ocupando uma posição hierarquicamente superior em relação aos integrantes do coro, busquei constantemente um distanciamento crítico e reflexivo, reconhecendo, porém, que uma total imparcialidade talvez não seja possível. Apesar das reflexões aqui presentes não serem diretamente sobre minha atuação como regente, é indiscutível que as decisões que tomo à frente do coro direcionam as ações de seus integrantes e fazem parte da análise. Nesse sentido, estamos todos “performando” juntos, sendo este um trabalho autoetnográfico. . Para o intuito deste trabalho, a performance apresentacional será considerada em contraponto aos ensaios, porém sem perder de vista que ambos os momentos são exemplos de algumas das diversas práticas do fazer musical coral e se complementam entre si. A performance musical do coro no âmbito da JFES será compreendida como um enquadramento estético e interativo que evidencia: o ensaio como um momento privilegiado de convívio social, a função do aquecimento como transição, o aspecto avaliativo da performance, a relação de troca com o público, o potencial da performance para modificar statu quo e atuar na saúde física, mental e emocional de seus participantes.

Performance em perspectiva

Performance é uma palavra que contempla uma multiplicidade de ações e comportamentos. Chamamos performance o desempenho artístico de alguém ou algum tipo de exibição pública; usamos o termo para falar da capacidade de um atleta ou de uma máquina; também o empregamos para nos reportar a alguma prática cultural compartilhada, entre tantos outros eventos que performance pode abarcar. A popularidade do termo e a sua crescente aplicação em estudos acadêmicos resultaram em uma produção científica cada vez mais complexa e diversificada. Considerada “um conceito essencialmente controverso”, performance abre-se a interpretações antagônicas possíveis, promovendo o constante exercício de diálogo e avaliação crítica que evidencia sua riqueza conceitual (STRINE, LONG E HOPKINS, 1990STRINE, Mary; LONG, Beverly; HOPKINS, Mary. Research in interpretation and performance studies: trends, issues, priorities. In: PHILLIPS, Gerald M.; WOOD, Julia T. (Ed.). Speech communication: essays to commemorate the seventy-fifth anniversary of the Speech Communication Association. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1990, p. 181-204. ).

O uso cotidiano da palavra performance aponta para a demonstração pública de alguma habilidade no âmbito artístico, trazendo à memória atividades como teatro, dança e música. Segundo Marvin Carlson (1999, p. 3)CARLSON, Marvin. Introduction: what is performance?. In: CARLSON, Marvin. Performance: a critical introduction. London and New York: Routledge, 1999, p. 1-9. https://doi.org/10.4324/9781315016153.
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, ao refletirmos sobre o que nos faz considerar tais atividades como “performativas”, observaremos que elas requerem a presença física de seres humanos (ou animais) que demonstrem suas habilidades frente a uma plateia.

Um dos autores que explora essa compreensão de performance é Richard Bauman. Fundamentado na antropologia linguística, Bauman defende a concepção de performance como um enquadramento (framing) interpretativo6 6 Gregory Bateson (1972) foi o primeiro a desenvolver sistematicamente a noção de frame como um contexto interpretativo definido, provendo diretrizes para discriminar as ordens da mensagem. O conceito foi trabalhado de forma aprofundada por Erving Goffman em sua obra Frame analysis (1974), tornando-se uma das principais referências. que implica exibição de competência e “envolve, por parte do performer, a responsabilidade perante um público pela maneira como a comunicação se realiza, para além do conteúdo referencial”. A ação expressiva de quem realiza a performance constitui-se em objeto de avaliação por parte do público, que julgará “a forma como é feita, a habilidade e a eficácia da exibição de competência do performer” (BAUMAN, 1975BAUMAN, Richard. Verbal art as performance. American Anthropologist, n. 77, 1975, p. 290-311. https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030.
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, p. 293)7 7 A tradução das citações de obras em inglês é de nossa responsabilidade. . As diretrizes da performance e os termos de sua avaliação, por estarem enquadrados e contextualizados, irão variar de acordo com a cultura, a comunidade, a pessoa e a situação.

O autor observa que a performance proporciona aos seus participantes um aprimoramento da experiência pelo prazer inerente ao ato de expressar-se e pelo aumento na intensidade da interação comunicativa. Essa interação dá ao performer o domínio sobre sua audiência na medida em que esta valoriza sua performance e se permite envolver por ela. O performer, então, extrai atenção e energia participativa do público, ganhando controle e prestígio, o que o torna potencialmente um instrumento de transformação social (BAUMAN, 1975BAUMAN, Richard. Verbal art as performance. American Anthropologist, n. 77, 1975, p. 290-311. https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030.
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, p. 305).

Uma concepção diferente é apresentada por Richard Schechner e sua noção de “comportamento restaurado” (restored behavior). Partindo de investigações na área da antropologia do teatro, Schechner compreende performance como comportamento restaurado, duas vezes vivenciados, ações que são antecipadas, aprendidas, preparadas. Sua abordagem não se fundamenta na demonstração de habilidades, mas em um comportamento que estaria à parte do “eu”, direcionado para se fazer “daquela maneira” e, por estar enquadrado e separado, ele pode ser retido, exercitado e realizado novamente (SCHECHNER, 2003SCHECHNER, Richard. O que é performance?. O Percevejo, ano 11, n. 12, 2003, p. 25-50., p. 34-35). Esse distanciamento entre o “eu” e o comportamento é uma clara alusão ao ator e ao papel que este interpreta no palco (CARLSON, 1999CARLSON, Marvin. Introduction: what is performance?. In: CARLSON, Marvin. Performance: a critical introduction. London and New York: Routledge, 1999, p. 1-9. https://doi.org/10.4324/9781315016153.
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, p. 4). Para Schechner, os rituais, os hábitos, a rotina da vida são comportamentos restaurados: “Tudo no comportamento humano indica que nós ‘performamos’ nossa existência, especialmente nossa existência social” (SCHECHNER apud KAPCHAN, 2003KAPCHAN, Deborah A. Performance. In: FEINTUCH, Burt (Ed.). Eight words for the study of expressive cultures. Champaign: University of Illinois Press, 2003. , p. 121).

Esse conceito de performance leva-nos à compreensão de que toda ação humana consciente é performance, pois todo comportamento aprendido é comportamento restaurado. Porém, na perspectiva da prática cultural, algumas ações serão enquadradas como performance, e outras não. Afirmar que algo é performance compreende uma convenção, uma tradição, uma designação social e histórica de gêneros a serem considerados performances, enquanto outros ficam de fora. Ser performance não é algo inerente à ação, mas depende do seu contexto e recepção. Em contrapartida, podemos estudar eventos, ações e objetos enquanto performance. A concepção do ser e do enquanto apresenta-se, na visão de Diana Taylor, como uma “lente metodológica” que “ressalta o entendimento da performance como algo simultaneamente ‘real’ e ‘construído’”, trazendo afirmações ontológicas e epistemológicas (TAYLOR, 2013TAYLOR, Diana. Traduzindo performance. In: DAWSEY, J. et al. (Org.). Antropologia e performance: ensaios Napedra. São Paulo: Terceiro Nome, 2013, p. 9-16. , p. 10). A análise enquanto performance entende que a performance está entre, e não em alguma coisa, investigando “o que faz o objeto, e como interage e se relaciona com outros objetos e seres. Performances existem apenas enquanto ações, interações e relações” (SCHECHNER, 2003SCHECHNER, Richard. O que é performance?. O Percevejo, ano 11, n. 12, 2003, p. 25-50., p. 27).

Podemos associar essa noção de performance com a compreensão do fazer musical trazida pelo etnomusicólogo John Blacking (1973)BLACKING, John. How musical is man?. Seattle: University of Washington Press, 1973. . Ele definiu música como produto da atividade humana e a distinguiu do fazer musical, sendo este o processo de produção. Para Blacking, não é o produto que determina o processo, mas a finalidade da atividade musical está nas relações que a performance gera. Ao usar constantemente o termo performance, Blacking não o faz no sentido apresentacional, mas no sentido do fazer musical, referindo-se ao processo de interação através da música. O fazer musical, portanto, consiste em uma forma de interação social não verbal, onde a música é o elemento que propicia a organização dessas relações.

A ênfase no processo de produção musical (e não no produto sonoro) levou Thomas Turino (2008)TURINO, Thomas. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. a elaborar uma nova classificação baseada na maneira de fazer música, dividindo a música produzida em tempo real como participativa e apresentacional, e a música gravada como gravações em alta-fidelidade e arte de estúdio. Para ele, a música não é uma forma unitária da arte, mas tipos distintos de atividades que preenchem diferentes necessidades e formas do ser humano (TURINO, 2008TURINO, Thomas. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. ). Definição ainda mais abrangente é a de Christopher Small (1998)SMALL, Christopher. Musicking: the meanings of performance and listening. Middletown, Ct: Wesleyan University Press, 1998. , que compreende o fazer musical não apenas ligado à produção sonora, mas como toda forma de engajamento musical, utilizando o termo musicking para defini-lo. Todos os que participam, em qualquer nível, de uma performance musical também estão “musicando”. Ao considerar o musicar como uma atividade na qual todos os presentes estão envolvidos e são responsáveis por ela, a performance musical é percebida como “um encontro entre seres humanos que ocorre através da mediação de sons organizados de formas específicas” (SMALL, 1998SMALL, Christopher. Musicking: the meanings of performance and listening. Middletown, Ct: Wesleyan University Press, 1998. , p. 10). Tal concepção também engloba todas as etapas que afetam a natureza do evento, incluindo sua preparação. “Isso significa que compor, praticar e ensaiar, ‘performar’ e ouvir não são separados do processo, mas são todos aspectos da grande atividade humana chamada musicar”8 8 Esse também é um ponto trabalhado por Schechner (2011a) em relação à performance. Ele nos apresenta a “sequência total da performance”, um sistema maior do que apenas a apresentação pública, dividido em sete partes: 1) treinamento, 2) oficinas, 3) ensaios, 4) aquecimentos, 5) performance, 6) esfriamentos e 7) balanço. (SMALL, 1998SMALL, Christopher. Musicking: the meanings of performance and listening. Middletown, Ct: Wesleyan University Press, 1998. , p. 11).

A performance musical pode ser compreendida para além do momento apresentacional, consistindo no processo de produção musical onde o objetivo reside nas relações que produz. Por esse ângulo, analisaremos um ensaio e uma apresentação pública do Coro da JFES, observando como o contexto afeta o fazer musical desse grupo e põe em perspectiva diferentes dimensões de performance.

O Coro da JFES em performance

O ensaio

Uma vez por semana, quando o relógio marca 18h, os servidores da JFES se reúnem para um momento bem diferente do dia9 9 A periodicidade dos ensaios - uma vez por semana, por uma hora, dentro do expediente - foi proposta pelos próprios servidores, conforme disponibilidade do grupo. . É a hora do ensaio do coro, que geralmente acontece no auditório da instituição. Chego ao local de ensaio quinze minutos antes de seu início e, enquanto aguardo a abertura do auditório, aproveito para apreciar as pinturas em aquarela que estão em exposição no foyer. Logo ganho a companhia de Sara e Júlia10 10 Os nomes verdadeiros foram alterados. , duas integrantes do coro.

A porta do auditório é aberta por Tuca, um dos servidores da JFES que auxilia na utilização desse espaço. Tuca não participa do coro, apesar da nossa constante insistência, pois diz que “não tem voz para isso”. Assim como ele, muitos servidores acreditam que para participar do projeto precisam ter a habilidade de cantar desenvolvida previamente, julgando-se inaptos para tal. Contudo, o Coro da JFES é aberto a todos os servidores, não possui teste de seleção e aceita integrantes em qualquer época do ano. Em todas as apresentações internas sempre reforçamos o convite aos servidores.

Os coristas vão chegando aos poucos, conforme suas demandas de trabalho permitem, e se acomodam nas cadeiras arrumadas em semicírculo - sempre que possível, organizamos o espaço dessa forma, para que todos possam se ver e estejam igualmente inseridos no grupo. Já nesse início, observamos momentos de alegria e descontração: cada um é recepcionado com “que bom que você veio!”. O ensaio acontece no final do expediente (que termina às 19h), e frequentemente os integrantes chegam estressados de um dia pesado de trabalho, com dores nas costas por ficarem sentados em frente ao computador durante horas, por aborrecimentos oriundos do trabalho ou dos relacionamentos profissionais, ou mesmo por questões pessoais não necessariamente ligadas ao serviço. Todavia, muitos ali presentes ressaltam que, principalmente quando o dia é “ruim”, não deixam de participar do ensaio do coro por ser um momento agradável, de interação com os colegas, onde o canto e o riso ajudam a lidar com o trabalho e a exaustão. O ensaio como um todo é um grande momento de descontração, quando pessoas que trabalham no mesmo local mas quase não se encontram interagem de forma intensa e expressiva por meio da música.

Às 18h10, ainda com poucos integrantes, damos início ao ensaio realizando atividades da rotina coral. Peço para que eles inspirem lenta e profundamente, expandindo as costelas e o abdômen, deixando o ar preenchê-los completamente; a expiração, da mesma forma, lenta e natural, abrindo a boca e deixando o ar sair. Quase todos fecham os olhos na realização do exercício. Como variação, peço que a inspiração seja acompanhada por um movimento de elevação dos braços pela lateral do corpo, assim como a expiração pelo movimento de retorno do braço ao seu ponto de partida - primeiro o braço direito, depois o esquerdo, e depois os dois juntos, deixando as mãos se encontrarem acima da cabeça. Os movimentos são lentos e sincronizados com a contagem de quatro tempos para cada gesto, e a respiração deve ser dosada para “caber” nessa contagem. Solicito que os coristas observem o movimento de seus braços, realizando-os de forma contínua e orgânica tanto quanto possível. Esse é o importante momento de concentração e transição, quando o servidor da JFES irá se transformar num artista/cantor e focará sua atenção e energia no fazer musical coletivo. E isso é sempre frisado para o grupo.

Depois, partimos para os exercícios de alongamento. Movimentamos braços, mãos, ombros, pescoço, cabeça; fazemos caretas, mexemos os olhos, a boca e a língua de forma exagerada. Para finalizar, abrimos os braços espreguiçando e dando um grande bocejo. De modo geral, todos gostam dessa etapa e entendem sua relevância para um melhor rendimento do ensaio.

Em sequência, vêm os exercícios de técnica vocal por meio de vocalises. O uso da escala maior combinada com vogais e sílabas diversas, tanto em graus conjuntos como em saltos, prevalece como modelo dos exercícios que usamos, realizados em legato, staccato e glissando. São observados principalmente aspectos como timbre, extensão, colocação vocal, afinação, articulação, projeção, entre outros, que, de acordo com o repertório a ser estudado, podem ser o foco do trabalho. Todos já estão acostumados aos exercícios, e os executam com familiaridade. Enquanto fazemos o vocalise, uma das integrantes do naipe de contralto sente dificuldade de chegar às notas mais agudas, cantando de propósito um “uh” bem forte e fora da afinação, levando todos às gargalhadas. Fernanda, servidora que participa desde o início do projeto, de vez em quando brinca com sua dificuldade de alcançar notas agudas e mostra-se impaciente com tal limitação, apesar de admitir que já “melhorou bastante”. O vocalise continua, e todos voltam à concentração, até que Antônio chega tumultuando novamente o ensaio e dizendo que “o som estava bonito lá de fora”, mas agora que ele chegou “vai ficar muito melhor!”. E mais uma vez a risada toma conta do ensaio.

Antes do término do vocalise, chegam mais três pessoas, todas do mesmo setor, que também são recepcionadas com palmas e boas-vindas. É interessante observar a alegria com a qual os integrantes são recebidos mesmo chegando depois do horário. Em vez de um olhar de reprovação pelo atraso, os coristas encontram sorrisos e falas de incentivo. Creio que isso se deve à compreensão de que todos ali exercem funções de grande responsabilidade e que nem sempre é possível pausar o trabalho em andamento. O grupo possui em torno de 15 integrantes (essa média se manteve durante o tempo de existência do coro, variando entre 12 e 20 componentes) e é composto, em sua maioria, de grandes líderes da JFES - diretores de núcleo administrativo ou de vara, supervisores e oficiais de gabinete.

Depois do aquecimento, direcionamos o ensaio para o repertório a ser trabalhado. A música escolhida é “Encontros e despedidas”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, um arranjo a quatro vozes de Eunice Rangel. A peça foi iniciada na semana anterior, e todos receberam a partitura e o áudio com a melodia de cada naipe. Apesar de utilizarmos a partitura, é importante enfatizar que o método de aprendizagem musical empregado no grupo é essencialmente aural, e a leitura obviamente não é algo requerido11 11 O uso da partitura não foi problematizado quando o projeto começou. Adotou-se o artefato como hábito da prática coral por mim vivenciada. Ela também não foi questionada pelos integrantes do coro, que, no início, usavam-na unicamente para acompanhar as letras das canções (inclusive extraindo o texto da partitura e produzindo seu próprio “guia”), mas com o passar do tempo ganharam familiaridade com os signos da partitura e interesse na compreensão da escrita musical. O uso da partitura para coros “leigos” é comum e, como mostra a literatura produzida na área, bastante apreciado e defendido pelos regentes, que apontam o aprendizado e o desenvolvimento musical do cantor como um de seus principais benefícios (ver, por exemplo, FIGUEIREDO, 2006; MIRANDA, 2017). Apesar de suas reconhecidas vantagens, ainda se faz necessário um aprofundamento crítico na valorização do artefato muitas vezes em detrimento dos atributos sonoros e sociais pertencentes à atividade coral. . Na dinâmica do Coro da JFES, a partitura é um suporte inicial e deve ser deixada de lado assim que possível, sendo o grupo incentivado a cantar de cor nas apresentações. O uso do áudio para auxiliar o estudo individual também era parte da rotina do coro, muitas vezes por iniciativa dos próprios coristas, que gravavam suas melodias com a ajuda do celular.

No ensaio de hoje, os naipes recordam suas vozes. Algumas dúvidas surgem, algumas notas fora do lugar, ajustes são feitos, e novamente estamos prontos para cantar em harmonia. Dessa vez o arranjo “soou”, e o grupo se impressiona com o resultado, entusiasmado e confiante de que a música “vai ficar um espetáculo!” - fala de Antônio que é reiterada por outros participantes. São 18h30 e mais dois coristas chegam. Um deles, Pedro, estressado e muito chateado com problemas no trabalho, diz que não está no clima para ensaiar, mas fez questão de comparecer para “não deixar o grupo na mão”. Quase junto com Pedro chega a soprano Denise, também servidora da JFES e pianista do coro. Por ter domínio da linguagem musical - ela é pianista graduada, além de ser formada em direito - Denise acaba sendo uma referência dentro do grupo.

A segunda parte da música dá mais trabalho, principalmente pelo aspecto rítmico das vozes femininas e o encaixe com a melodia cantada pelo naipe de tenor. O restante do ensaio é praticamente consumido por esse ajuste. A tranquilidade inicial, propiciada pela textura homofônica e pela divisão orgânica das vozes na primeira parte do arranjo, deu lugar a comentários preocupados e testas franzidas pela dificuldade contrapontística da segunda parte. Mas ainda temos alguns encontros até a apresentação na qual pretendemos cantar o novo arranjo. Comento sobre a necessidade do estudo individual durante a semana seguinte, e todos concordam (mas isso não significa que todos irão fazê-lo). Como o nosso tempo está se esgotando, deixamos os reparos para o próximo ensaio, e eu sugiro terminarmos cantando um repertório já conhecido do grupo.

São 18h55. Alguns coristas precisam sair rapidamente para não perder o transporte. As últimas informações são dadas antes de dispensar o grupo: repertório provável a ser trabalhado no próximo ensaio e um convite para a programação cultural da cidade. Antônio diz que irá se reunir com Pedro e Marcus (os três tenores do coro) para estudar, e sugere que os outros naipes façam o mesmo. Alguns ainda ficam na sala para conversar e ajudar a organizar o espaço. Saímos todos conversando, cantando, rindo, mais leves.

A apresentação

Chega o dia da apresentação. A JFES irá comemorar o dia do servidor e convidou o coro como atração principal. O grupo sempre participa das solenidades internas e também representa a instituição em eventos externos, tendo se apresentado nos principais teatros do estado do Espírito Santo, festivais internacionais de música, encontros de coros regionais e nacionais, entre outros. Assim, os servidores da JFES já esperam ver o coro atuando em suas cerimônias.

Como muitos cantores fazem parte do grupo desde sua fundação, essa poderia ser considerada uma apresentação rotineira, num espaço conhecido (auditório), com um público familiar, porém o clima é de excitação e nervosismo. Todos estão bem arrumados, principalmente as mulheres, com seus saltos altos e vestidos elegantes. No ensaio anterior houve a habitual discussão sobre qual roupa o grupo usaria, comandada pelas vozes femininas. A escolha da roupa para as performances apresentacionais sempre gerou certa polêmica entre as mulheres do coro, enquanto os homens logo se resolviam e observavam o debate de longe. Independente do veredito, todos apareciam muito bem vestidos e alinhados para as apresentações - as mulheres, especialmente, sempre caprichavam no visual, o que era inclusive motivo de comentários de admiração do público. Para essa apresentação, o grupo decidiu vestir-se assim: as mulheres, de vestido de cor única até o joelho, cada uma de uma cor diferente; e os homens, de calça preta e camisa também de cor única e cores diversas.

O coro chega 30 minutos antes do início do evento, como combinado. É feito o aquecimento vocal e corporal, ensaia-se a entrada e o posicionamento do grupo no espaço de apresentação e relembra-se o repertório escolhido. Para esse evento, além de “Encontros e despedidas”, selecionamos “Carinhoso”, de Pixinguinha, com arranjo a quatro vozes de Tim Rescala, e “Glória in excelsis”, de Carole Stephens. Esta última foge da estética da música popular praticada pelo grupo, sendo em latim com compassos alternados (entre binário e ternário), e, embora dividida em apenas duas vozes, exige bastante energia, respiração, concentração e pede uma colocação vocal mais próxima do canto lírico. O repertório do coro era, em regra, sugerido por mim, baseava-se no cancioneiro popular brasileiro, utilizava arranjos a três e quatro vozes e buscava oportunizar a expressividade; no entanto, havia espaço para outras estéticas e indicações dos coristas.

A preparação que antecede a apresentação precisa acontecer num tempo bem curto, porém ainda faltam alguns coristas, o que deixa o grupo ainda mais apreensivo. A organização do evento nos avisa que já está na hora de iniciar a solenidade. Encerramos nosso aquecimento e deixamos o auditório livre para que o público possa entrar. Do lado de fora, enquanto aguardam a entrada, os integrantes cantam o repertório com os seus pares, discretamente, “tirando as dúvidas”.

Chega o momento da apresentação. O grupo entra em fila indiana conforme ensaiado, voltando-se para o público de maneira simpática, mas com certa formalidade. O ambiente parece pedir tal formalismo: dois ou três juízes estão na plateia, assim como chefes e colegas de trabalho. Denise, que está ao teclado, indica a tonalidade e, ao meu sinal, o coro começa a cantar. Já no início da música, a perna de Antônio começa a tremer visível e incontrolavelmente. Ele pede para Pedro segurar a pasta com a partitura, pois está muito nervoso e pode deixá-la cair - nessa apresentação, Antônio fez questão de cantar com a partitura, dizendo se sentir mais confiante com ela. Eu estou à frente do grupo, conduzindo-os por meio da regência, e todos olham atentamente para mim com os semblantes um pouco tensos. Peço que eles relaxem, sorriam e se comuniquem com o público. Tudo vai bem, como esperado, e ao final o grupo é aplaudido e cumprimentado pelo juiz diretor do Foro. A saída também é organizada, e lá fora os coristas fazem comentários sobre suas impressões da apresentação. Alguns ficam para o restante do evento, outros já subiram de volta aos postos de trabalho, e na próxima semana todos irão compartilhar suas observações sobre a performance.

Dimensões do fazer musical no contexto institucional

Um momento estético e interativo

O ensaio quebra as formas cotidianas e leva os seus participantes a experienciarem maneiras diversas de se relacionar por meio da música - especialmente um grupo como o Coro da JFES, que se reúne para cantar no próprio local de trabalho, dentro do expediente. Para esses servidores, o ensaio é uma ruptura na linha contínua de suas rotinas, uma cisão com o mundo ordinário para percebê-lo de outra forma, no nível do sensível. Esse momento estético12 12 Conceito desenvolvido pela teoria semiótica. Ver: Greimas (1987), Barthes (1973; 1978) e Landowski (2005). promove uma espécie de prazer arrebatador capaz de construir sentido e gerar transformações. Por esse ângulo, e aproximando-se da concepção de performance como enquadramento interpretativo à qual se referiu Bauman (1975)BAUMAN, Richard. Verbal art as performance. American Anthropologist, n. 77, 1975, p. 290-311. https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030.
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, o ensaio pode ser concebido como um enquadramento que modifica o modus operandi, trazendo um novo contexto interpretativo que estabelece uma maneira especial de se expressar, de interagir uns com os outros. A consciência de que a atividade coral proporcionava tal ruptura é claramente identificável na fala dos integrantes do grupo13 13 Os depoimentos que se seguem foram enviados por e-mail em agosto de 2017 e em maio de 2018. :

O coro tinha um papel restaurador, conciliador e democrático... eram momentos mágicos... A missão da Justiça é julgar, e o coro fugia desse foco pesado. O trabalho com processos é um trabalho árduo, nem sempre o final é bom, e o coro trazia o rompimento com aquela coisa séria, pesada. (Antônio).

[...] a minha participação no coro era um verdadeiro bálsamo para enfrentar o dia a dia estafante do trabalho judiciário. [...] o Coro da JFES abraçava todo mundo, unia os colegas em torno do belo, proporcionava uma visão mais suave da vida. Os momentos mágicos que passávamos nos ensaios eram uma felicidade para todo o grupo. (Pedro).

[...] penso que o coro tornou-se importante para a instituição justamente por isso: emoção e beleza que traziam leveza ao peso institucional, próprio dos ambientes forenses. (Beatriz).

[...] não posso negar que o coro me propiciou muitos momentos de alegria em meio ao estresse do dia a dia, e certamente cooperou para que minha produtividade não caísse. Creio que, ainda que inconscientemente, trazíamos para nosso setor de trabalho um resultado positivo, um reciclar de ideias, a empolgação do viver artístico, o que de algum modo atingiria de forma positiva nossa atmosfera de trabalho e nossos colegas. (Denise).

Os “momentos mágicos” proporcionados pelo fazer musical trazem “leveza ao peso institucional”, e o coro é percebido como um lugar “restaurador, conciliador e democrático”. Esse ambiente se constitui de forma privilegiada durante os ensaios, onde o canto e o riso são elementos que surgem juntos, e a gargalhada é uma ocorrência constante. O riso pode ser visto como um elemento importante que permeia intensos momentos de convívio social - um riso que desfaz as tensões e que, de algum modo, subverte a estrutura institucional14 14 Esses e outros aspectos da presença do riso na vida social foram tema de trabalhos antropológicos tais como: De que riem os boias-frias?: diários de antropologia e teatro, de John Dawsey (2013); e Rir do poder e o poder do riso nas narrativas e performances Kaxinawa, de Els Lagrou (2006). : gargalhar no espaço forense. Esse momento se expande para além do ensaio, impactando também as relações com os demais servidores e a produtividade.

O aquecimento como transição

No Coro da JFES, o aquecimento é visto como um momento de transição para que o servidor deixe de lado as preocupações com o trabalho e o automatismo corporal de suas atividades habituais e se transforme num cantor. Mais que isso, ele deve se tornar parte de um grupo que tem como objetivo o cantar junto, na mesma frequência, em harmonia. A conexão que acontece durante o aquecimento pode ser considerada como algo intrínseco à capacidade de cantar em sintonia com os demais. Ao investigar o movimento Natural Voice, uma rede bem-sucedida de coros comunitários e inclusivos do Reino Unido, a etnomusicóloga Caroline Bithell (2014)BITHEL, Caroline. A different voice, a different song: reclaiming community through the natural voice and world song. New York: Oxford University Press, 2014. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199354542.001.0001.
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lista dez funções do aquecimento com grupos inseridos nesse contexto, a saber: 1) promover a transição do cotidiano; 2) relaxar e liberar as tensões; 3) conectar corpo-respiração-voz; 4) engajar imaginação e criatividade; 5) aprimorar habilidades de escuta; 6) desenvolver a autoconsciência; 7) aumentar a confiança, perder as inibições; 8) melhorar a afinação e a extensão vocal usando uma voz centrada e saudável; 9) desenvolver o senso de tempo e ritmo; 10) conscientizar em relação ao trabalho coletivo. Todas essas funções podem ser pensadas como muito relevantes para o Coro da JFES e para grupos com perfis semelhantes. A lista foi retirada do artigo “Preparing to sing: why bother?” (2009), de Chris Rowbury, que afirma:

A atmosfera que nós tentamos criar é de uma informalidade relaxante, de foco e concentração, de diversão e imaginação, de criatividade e beleza, de atemporalidade e alegria. A maioria desses elementos são perdidos em nossa vida diária, então nós temos que fornecer um período de transição para a pessoa se encontrar num mundo diferente. (ROWBURY apud BITHELL, 2014BITHEL, Caroline. A different voice, a different song: reclaiming community through the natural voice and world song. New York: Oxford University Press, 2014. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199354542.001.0001.
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, p. 112).

A transição apontada é trabalhada por Schechner como parte do aspecto transformador da performance. Para ele, aqueles que participam da performance são modificados pelo exercício de “performar”, podendo ser essa mudança permanente ou temporária. As performances de transformação permanente são evidentes em ritos de iniciação, por exemplo, que têm como propósito transformar a identidade social de uma pessoa. Uma iniciação é “a maneira pela qual as pessoas alcançam o seu novo eu: sem performance, sem mudança” (SCHECHNER, 2011b_____. Performers e espectadores: transportados e transformados. Revista Moringa Artes do Espetáculo. v. 2, n. 1, 2011b, p. 155-185. , p. 164). Já as performances de transformação temporária são chamadas por Schechner de transportações e presumem o retorno do performer ao ponto de onde ele começou.

O fazer musical do Coro da JFES, tanto nos ensaios quanto nas apresentações, possibilita que os seus participantes sejam transportados para “outro lugar” e assumam momentaneamente “outra identidade”, utilizando os exercícios de preparação e aquecimento como passagem liminar na transformação dos servidores em artistas/cantores. Nessa condição, os coristas incorporam um novo “eu”, que demanda um novo comportamento e uma nova maneira de pensar, porém não deixam de ser funcionários da JFES: eles são, ao mesmo tempo, servidores e cantores, e carregam a consciência de ambos os mundos habitual/institucional e performático/musical15 15 Embora também possamos considerar esse mundo habitual - a vida na instituição - como performático: o papel de um servidor da Justiça Federal. Porém, nosso objetivo é a análise da performance musical do coro, considerada em contraste com a rotina institucional. . São os seus “eus múltiplos coexistindo em uma tensão dialética não resolvida”, como pressupõe a consciência performativa presente nos estudos de Schechner (2011a, p. 215)_____. Pontos de contato entre o pensamento antropológico e o teatral.Cadernos de Campo, n. 20, 2011a, p. 213-236. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v20i20p213-236.
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, onde os performers têm a percepção dessa liminaridade, do “isto” e “aquilo” operando simultaneamente. O fato de a atividade coral acontecer justamente no local de trabalho e dentro do expediente acentua ainda mais essa condição.

Em muitos momentos, os coristas foram diretamente convidados a construir personagens com o objetivo de estimular a consciência interpretativa e aprimorar a comunicação com a plateia. Alguns deles relataram que esse exercício de afastamento do “eu” teve reverberações na vida profissional e pessoal. Antônio, por exemplo, ao ser indagado sobre o motivo de seu nervosismo durante as apresentações (a tremedeira na perna de Antônio ocorreu em diversas performances apresentacionais), comenta:

Para mim era desafiador. Mas, mesmo nervoso, eu nunca fugi. Estar ali na frente e ser julgado... Eu sou tímido, não gosto de estar exposto, mas como gestor muitas vezes me encontro nessa situação de ter que falar em público. O coro me ajudou muito nisso. Eu buscava ser um personagem. Isso eu aprendi no coro e até hoje eu levo para minha vida tanto profissional quanto pessoal. (Antônio)

Ao possibilitar que uma transformação temporária pudesse ter reflexos permanentes em sua vida, Antônio encontrou na atividade coral uma forma de trabalhar sua timidez através do exercício consciente da performance.

O aspecto avaliativo: uma metáfora do papel institucional

Outro aspecto interessante a ser grifado na fala de Antônio é o fato de se sentir julgado durante a performance apresentacional. Na citação anterior, Antônio afirma que “a missão da Justiça é julgar, e o coro fugia desse foco pesado”; mas ao mesmo tempo o seu nervosismo é fruto de se sentir avaliado e sentenciado por aqueles que o observam. A descontração experimentada nos ensaios é contraposta à seriedade e à tensão que tomam lugar na apresentação descrita. A performance apresentacional ressalta o aspecto da exibição de competência: o momento em que o coro irá demonstrar suas habilidades e se colocar como objeto de avaliação por parte do público, como indicado por Bauman (1975)BAUMAN, Richard. Verbal art as performance. American Anthropologist, n. 77, 1975, p. 290-311. https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030.
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. Esse contexto influencia o modo como as pessoas se sentem e se comportam, estabelecendo uma diferença primordial entre as duas performances musicais aqui analisadas (ensaio e apresentação).

Apesar da excitação e do nervosismo fazerem parte das performances apresentacionais em geral, a apresentação interna revela sensações específicas, possivelmente geradas pela responsabilidade para com a plateia de representá-la face a face enquanto instituição, e pela própria atividade-fim da JFES, corporificada nos olhares meticulosos de um público habituado a deliberar. Nesse cenário, podemos notar muitos aspectos que reforçam o cotidiano de trabalho na JFES, como o ambiente formal, a preocupação com a aparência, a ansiedade, o julgamento dos chefes e colegas. Aqui, percebemos o peso institucional, pois é justamente isso que faz a instituição em que trabalham: julga. Nessa perspectiva, o momento do ensaio poderia ser pensado a partir da ideia de antiestrutura de Turner (1969)TURNER, Victor. The ritual process: structure and anti-structure .Chicago: Aldine Publishing Co., 1969. https://doi.org/10.4324/9781315134666.
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, enquanto a performance apresentacional reforça a estrutura das relações na instituição ao reafirmar as relações de poder.

O aspecto avaliativo também pode ser visto nesse contexto como uma metáfora da relação entre a instituição e o público que ela atende, quando os servidores/cantores experimentam sentimentos próximos àqueles vivenciados pelo réu de um processo judicial. Essa percepção implica o cuidado de não deixar que o trabalho na JFES vire uma rotina mecanizada na qual os processos são vistos apenas como folhas de papel, reificações. Nesse sentido, Denise afirma: “Precisamos prezar pela compreensão dos processos judiciais como algo que envolve pessoas e nos esforçar para manter o elemento humano em nossa prática. Sentir-nos julgados nos sensibiliza e nos dá empatia”. Ao propiciar a sensação do julgamento, a performance do Coro da JFES oferece aos seus integrantes a possibilidade de se colocarem no lugar do outro, e isso humaniza o serviço da Justiça.

O aspecto participativo: um momento de troca

A relação performer-plateia não se resume ao aspecto avaliativo. A apresentação pública possibilita o compartilhar da experiência interativa do fazer musical e, na troca com a plateia, o aprimoramento da experiência de todos os envolvidos na performance.

E o mais importante era a emoção da hora da apresentação, no qual, por muitas vezes, nem podíamos olhar para ninguém, quando as lágrimas rolavam desde o público e entre nós, os coristas. (Sara).

O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi identifica o sentimento de ser tomado pela força centrípeta da performance como flow, referindo-se a um estado de concentração intensa no qual o sujeito envolvido na ação está ali totalmente presente, e as demais preocupações e distrações desaparecem. Essa experiência produz uma sensação de atemporalidade e transcendência do próprio corpo, assemelhando-se ao transe. O conceito de flow é utilizado por Schechner para abordar a intensidade da performance e como ela “constrói, acumula ou usa monotonia” para interagir com a plateia. Certos gêneros performáticos são mais dependentes da audiência do que outros, mas mesmo nos casos em que o espectador tem uma postura passiva, como num concerto de música clássica, existe uma troca entre performer e público, gerando energias coletivas e possibilitando a entrada no flow (SCHECHNER, 2011a_____. Pontos de contato entre o pensamento antropológico e o teatral.Cadernos de Campo, n. 20, 2011a, p. 213-236. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v20i20p213-236.
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, p. 218-219).

Outro conceito marcante nos estudos da performance é o de communitas, desenvolvido por Victor Turner (1969)TURNER, Victor. The ritual process: structure and anti-structure .Chicago: Aldine Publishing Co., 1969. https://doi.org/10.4324/9781315134666.
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. Trata-se de uma experiência que surge a partir de momentos de suspensão das estruturas de organização social, ocorrendo principalmente em instantes liminares de transição de um domínio simbólico para outro. Nesses momentos, prevalecem os vínculos totalizantes e indiferenciados, que se contrapõem ao aspecto individual e hierárquico das sociedades estruturadas, dando lugar a normas profundamente diferentes do habitual - a antiestrutura. A experiência de communitas aponta para a performance não como uma mera reprodução ou expressão do sistema social, mas como crítica - direta ou velada - da vida social. A noção de communitas e antiestrutura pode ser uma boa imagem para pensar os ensaios em relação às apresentações, especialmente pelo coro estar inserido num contexto institucional. No ensaio, os papéis sociais e as hierarquias não importam, e os seus participantes não necessitam de habilidades específicas, pois “todos podem cantar”. Apesar de formado por várias pessoas com cargos de liderança e acostumadas a deliberar em suas funções institucionais, o contexto da atividade coral proporcionava a equivalência entre os integrantes, conduzindo-os na mesma direção e fazendo com que sentissem juntos, em harmonia; e essa consonância, propiciada pelo fazer musical e traduzida em sons, reverberava em toda a instituição.

O potencial da performance para gerar mudanças

É interessante ressaltar a observação dos servidores entrevistados sobre a importância do Coro da JFES na programação interna. Os eventos eram concebidos pelo Núcleo de Comunicação Social com o fim de agregar equipes, fortalecer a identidade do público interno e gerar troca de experiências; porém, muitas vezes, não despertavam a adesão dos funcionários. Para Denise, o coro aumentou a participação das pessoas nesses eventos e ajudou na promoção social dentro da JFES:

O Coro da JFES [...] passou a ser presença obrigatória nos projetos desenvolvidos pela instituição para o bem-estar do servidor. Ninguém mais imaginava uma homenagem ao dia dos pais, dia das mães, dia do servidor sem o Coro da JFES! E quando se aproximava uma dessas festividades, colegas que me encontravam no corredor já começavam a perguntar: “o coro vai cantar, não é?” [...] para o público interno, os participantes do coro passaram a ser vistos como pessoas que se comprometem com a instituição como um todo, e não apenas com o estrito exercício de suas tarefas em suas respectivas lotações. (Denise).

Além do papel aglutinador desempenhado pelo coro, Denise aponta para uma mudança no status de seus participantes, apresentados como pessoas comprometidas com a instituição. Tal observação está relacionada com o fato de que, no início do projeto, muitos servidores e juízes compreendiam o coro como algo supérfluo e desnecessário na rotina institucional - “um desperdício de tempo” - incompatível - com o interesse da administração pública. Essa visão pode ter trazido certo receio de que a participação no coro comprometeria a imagem do servidor perante a equipe ou conflitaria com o exercício da função comissionada, dificultando a adesão de vários servidores. Denise observa, contudo, que a firme presença do Coro da JFES dentro e fora da instituição e a vinculação de gestores de efetiva liderança mudaram a visão do público interno sobre o significado de participar do projeto coral. Na perspectiva de seus integrantes, a desconfiança inicial deu lugar ao orgulho de ser representado pelo Coro da JFES e ao reconhecimento de um engajamento singular com a instituição16 16 Apesar do reconhecimento quanto à importância do projeto, era acordado que os servidores deveriam “pagar” as horas dedicadas aos ensaios que, como já comentado, aconteciam dentro do expediente. A atividade coral no contexto da JFES, portanto, ainda era vista como algo “à parte” da dinâmica institucional, motivada tão somente pelo interesse pessoal. . Essa representatividade aparece na fala de praticamente todos os participantes do coro, verbi gratia:

Um sentimento que ficou evidente, para mim, em relação à instituição, principalmente por parte dos servidores, era o orgulho de serem representados pelo Coro. Percebi que tinham confiança em nossas apresentações, sabiam do nosso zelo com nossas escolhas musicais bem como com nossa forma de nos apresentar. (Fernanda).

Institucionalmente, percebi a existência de um público fiel que vibrava, acompanhava o crescimento do coro, apresentando, inclusive, críticas e sugestões e, de forma mais robusta, o orgulho institucional destes e de outros colegas durante as apresentações. (Beatriz).

A performance modificou, em alguma medida, o status social dos participantes do coro, o que nos remete à afirmação de Bauman (1975, p. 305)BAUMAN, Richard. Verbal art as performance. American Anthropologist, n. 77, 1975, p. 290-311. https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030.
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sobre o potencial da performance para “transformar o statu quo”. O aspecto transformativo é enfatizado pela antropóloga Déborah Kapchan (2003, p. 130)KAPCHAN, Deborah A. Performance. In: FEINTUCH, Burt (Ed.). Eight words for the study of expressive cultures. Champaign: University of Illinois Press, 2003. como uma das características inerentes à performance17 17 Outros aspectos da performance identificados por Kapchan (2003) são: performance é pública, performance é separada da prática habitual e performance é participativa. : “como metáfora, ela move os participantes para outro estado social ou afetivo”.

Esse aspecto também pode ser observado no empoderamento propiciado pela atividade coral. Nas citações acima, a percepção de valor e função do Coro da JFES é notória, o que provavelmente elevou a autoestima e afetou positivamente o relacionamento desse servidor com a própria instituição. As apresentações fora do âmbito da Justiça e as viagens realizadas18 18 O grupo se apresentou em eventos no Rio de Janeiro (RJ), em 2012, e em Belo Horizonte (MG), em 2013, além de diversas cidades no estado do Espírito Santo. marcaram a história do grupo, oferecendo momentos de intenso convívio em ambientes bem diferentes do que aqueles a que estavam acostumados - almoçando junto, dividindo o quarto de hotel, passeando. A convivência no Coro da JFES resultou em relacionamentos interpessoais que transcenderam o ambiente de trabalho. A socialização e o prazer do fazer musical tiveram impacto direto na saúde de alguns participantes, como comenta Sara: “Ponto crucial, sobretudo, foi que deixei de ir às sessões de terapia bioenergética, pois me sentia tão leve, tão feliz!”.

Para Sara, a atividade musical preencheu uma necessidade que antes era trabalhada em sessões de terapia. Relatos de melhoria em quadros de depressão, suspensão das atividades com o psicólogo ou terapeuta, sensação de satisfação e maior engajamento nas demais atividades do dia a dia são comumente observados em grupos com o perfil do Coro da JFES. Pesquisas que focam o cantar como prescrição médica são cada vez mais frequentes, com destaque para os benefícios do canto coral como atividade artística participativa, que constrói capital cultural, conecta comunidades e celebra a diversidade. A concepção de performance musical como “um encontro entre seres humanos” (SMALL, 1998SMALL, Christopher. Musicking: the meanings of performance and listening. Middletown, Ct: Wesleyan University Press, 1998. ) que interagem mediados por “sons humanamente organizados” (BLACKING, 1973BLACKING, John. How musical is man?. Seattle: University of Washington Press, 1973. ) relaciona-se diretamente com a atividade musical coletiva ligada à saúde e ao bem-estar.

Conclusão

Como se vê, a noção de performance presente nos estudos acadêmicos é bem ampla e se constitui no diálogo com diversos campos disciplinares. Neste artigo, procuramos discutir alguns dos conceitos presentes nos estudos da performance e articular a noção de performance à ideia de fazer musical enquanto processo, inerente à ação humana e com finalidade de propiciar interação social. Essa compreensão possibilita-nos analisar a performance musical do Coro da JFES para além do momento apresentacional, revelando aspectos significativos que impactam diretamente a vida dos indivíduos e da própria instituição.

A rotina de um ensaio coral requer uma ordem de se fazer as coisas, desde o alongamento, os vocalises, o estudo do repertório, a busca pelo timbre, pela sonoridade compatível com a estética das músicas, o movimento corporal equilibrado; tudo isso reivindica uma coordenação coletiva onde cada um compartilha um pouco de si no fazer musical. A performance no contexto do ensaio do Coro da JFES é marcada pela descontração, pelos risos, pela possibilidade do erro, pela troca entre os coristas, e sobretudo pelo prazer do encontro social. Por estar dentro de uma instituição de natureza distinta, o Coro da JFES - assim como outros coros com o mesmo perfil - tem como principais objetivos a socialização e o bem-estar de seus servidores, sendo a proposta apresentacional secundária. Dessa maneira, podemos entender o ensaio como objetivo fim, onde acontecem momentos intensos de interação.

A performance apresentacional, embora secundária, mostra-se relevante na interação com os demais servidores e com a população de maneira geral. A participação em eventos externos e a realização de encontros de coros e apresentações no espaço institucional, todos abertos ao público, promoveram a aproximação da Justiça Federal com a sociedade. Tais performances propiciaram momentos importantes na história do grupo, como as viagens realizadas, os aplausos de pé recebidos, as trocas com outros coros, entre tantos acontecimentos que elevaram a autoestima e expandiram as relações de seus integrantes.

O aspecto avaliativo foi analisado como parte constituinte da performance apresentacional do Coro da JFES. Entretanto, pensar o fazer musical enquanto processo aponta para outra dimensão da avaliação: ela não está fundamentada nas habilidades artísticas, mas na efetividade/qualidade das interações sociais que a performance promove. Essa é a perspectiva de Blacking (1973)BLACKING, John. How musical is man?. Seattle: University of Washington Press, 1973. ao pesquisar o grupo étnico sul-africano Venda; é também uma das características que diferenciam as modalidades de performance participativa e apresentacional teorizadas por Turino (2008)TURINO, Thomas. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. , distintas justamente pelo olhar externo.

Por estar inserido no próprio local de trabalho e dentro do expediente, o Coro da JFES se apresenta como um rico objeto de análise no contraste do mundo habitual com o mundo performativo. Se, por um lado, esse enquadramento serviu ao reforço dos ideais e das práticas institucionais, isso não foi tudo. A piada, os risos e as gargalhadas que escapam dos corpos no momento do ensaio, a expressividade corporal incentivada pelos exercícios de aquecimento e pelo repertório descontraído, os estados de flow e liminaridade experienciados pelos coristas, tudo isso transforma os corpos tensos e disciplinados dos servidores, propiciando a ruptura da rotina institucional. A performance musical, nesse contexto, atua diretamente sobre os indivíduos envolvidos, oferecendo um momento temporal singular, como afirma Blacking (1973, p. 26)BLACKING, John. How musical is man?. Seattle: University of Washington Press, 1973. : “Podemos dizer que a experiência ordinária do cotidiano tem lugar no mundo do tempo real. A qualidade essencial da música é o seu poder de criar um outro mundo, de tempo virtual”.

A interface entre performance enquanto noção e fazer musical enquanto processo almejou contribuir com os estudos da performance e da etnomusicologia, buscando expandir as possibilidades analíticas da performance musical de um coro institucional. Os apontamentos feitos a partir da etnografia de dois momentos distintos do Coro da JFES propiciaram a análise do modo como os servidores integrantes do grupo utilizam o processo da performance para interagir uns com os outros de forma diferenciada do cotidiano, processo no qual a música é o agente que promove tais interações.

  • Este trabalho é uma expansão do artigo “A concepção do é e enquanto performance a partir da etnografia da performance musical de um coral institucional” (FIGUEIREDO, 2017FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Reflexões sobre aspectos da prática coral. In: LACKSCHEVITZ, Eduardo (Org.). Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Música Coral, 2006, p. 3-28. ). Uma primeira versão foi apresentada como monografia de doutorado em Música da Unicamp. Agradeço à minha orientadora, profa. dra. Suzel Reily, ao prof. dr. Ângelo Fernandes e à dra. Alice Villela, pelos valiosos comentários, e também a Fabíola Bortolozo, pelas conversas proveitosas na construção deste texto.
  • 2
    Daqui em diante usaremos a abreviação JFES - Justiça Federal do Espírito Santo.
  • 3
    A JFES não possui verba própria para custeio do projeto coral, sendo o sustento financeiro do coro (o salário do regente e demais gastos pontuais) assumido pela Assejufes.
  • 4
    A paralisação do Coro da JFES deveu-se à minha aprovação em concurso público para o magistério superior, o que impossibilitava a continuidade à frente do grupo. Depois de três anos, o coro está se articulando para retomar oficialmente suas atividades no segundo semestre de 2019. Nesse período, seus integrantes atuaram esporadicamente em eventos internos, reunindo-se por conta própria.
  • 5
    Por estar completamente inserida no objeto de análise, inclusive ocupando uma posição hierarquicamente superior em relação aos integrantes do coro, busquei constantemente um distanciamento crítico e reflexivo, reconhecendo, porém, que uma total imparcialidade talvez não seja possível. Apesar das reflexões aqui presentes não serem diretamente sobre minha atuação como regente, é indiscutível que as decisões que tomo à frente do coro direcionam as ações de seus integrantes e fazem parte da análise. Nesse sentido, estamos todos “performando” juntos, sendo este um trabalho autoetnográfico.
  • 6
    Gregory Bateson (1972) foi o primeiro a desenvolver sistematicamente a noção de frame como um contexto interpretativo definido, provendo diretrizes para discriminar as ordens da mensagem. O conceito foi trabalhado de forma aprofundada por Erving Goffman em sua obra Frame analysis (1974), tornando-se uma das principais referências.
  • 7
    A tradução das citações de obras em inglês é de nossa responsabilidade.
  • 8
    Esse também é um ponto trabalhado por Schechner (2011a) em relação à performance. Ele nos apresenta a “sequência total da performance”, um sistema maior do que apenas a apresentação pública, dividido em sete partes: 1) treinamento, 2) oficinas, 3) ensaios, 4) aquecimentos, 5) performance, 6) esfriamentos e 7) balanço.
  • 9
    A periodicidade dos ensaios - uma vez por semana, por uma hora, dentro do expediente - foi proposta pelos próprios servidores, conforme disponibilidade do grupo.
  • 10
    Os nomes verdadeiros foram alterados.
  • 11
    O uso da partitura não foi problematizado quando o projeto começou. Adotou-se o artefato como hábito da prática coral por mim vivenciada. Ela também não foi questionada pelos integrantes do coro, que, no início, usavam-na unicamente para acompanhar as letras das canções (inclusive extraindo o texto da partitura e produzindo seu próprio “guia”), mas com o passar do tempo ganharam familiaridade com os signos da partitura e interesse na compreensão da escrita musical. O uso da partitura para coros “leigos” é comum e, como mostra a literatura produzida na área, bastante apreciado e defendido pelos regentes, que apontam o aprendizado e o desenvolvimento musical do cantor como um de seus principais benefícios (ver, por exemplo, FIGUEIREDO, 2006FIGUEIREDO, Hellem Pimentel Santos. A concepção do é e enquanto performance a partir da etnografia da performance musical de um coral institucional. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (ANPPOM), 27., 2017, Campinas. Anais... Campinas, 2017. Disponível em: <https://anppom.com.br/congressos/index.php/27anppom/cps2017/paper/view/5052/1631>. Acesso em: 3 jun. 2018.
    https://anppom.com.br/congressos/index.p...
    ; MIRANDA, 2017MIRANDA, André. O uso de partitura em coros leigos. Monografia (Licenciatura em Música). Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017. ). Apesar de suas reconhecidas vantagens, ainda se faz necessário um aprofundamento crítico na valorização do artefato muitas vezes em detrimento dos atributos sonoros e sociais pertencentes à atividade coral.
  • 12
    Conceito desenvolvido pela teoria semiótica. Ver: Greimas (1987), Barthes (1973; 1978) e Landowski (2005).
  • 13
    Os depoimentos que se seguem foram enviados por e-mail em agosto de 2017 e em maio de 2018.
  • 14
    Esses e outros aspectos da presença do riso na vida social foram tema de trabalhos antropológicos tais como: De que riem os boias-frias?: diários de antropologia e teatro, de John Dawsey (2013)DAWSEY, John Cowart. De que riem os boias-frias?: diários de antropologia e teatro. São Paulo: Terceiro Nome, 2013.; e Rir do poder e o poder do riso nas narrativas e performances Kaxinawa, de Els LagrouLAGROU, Els. Rir do poder e o poder do riso nas narrativas e performances Kaxinawa. Revista De Antropologia, n. 49(1), 2006, p. 55-90. https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000100003.
    https://doi.org/10.1590/S0034-7701200600...
    (2006).
  • 15
    Embora também possamos considerar esse mundo habitual - a vida na instituição - como performático: o papel de um servidor da Justiça Federal. Porém, nosso objetivo é a análise da performance musical do coro, considerada em contraste com a rotina institucional.
  • 16
    Apesar do reconhecimento quanto à importância do projeto, era acordado que os servidores deveriam “pagar” as horas dedicadas aos ensaios que, como já comentado, aconteciam dentro do expediente. A atividade coral no contexto da JFES, portanto, ainda era vista como algo “à parte” da dinâmica institucional, motivada tão somente pelo interesse pessoal.
  • 17
    Outros aspectos da performance identificados por Kapchan (2003)KAPCHAN, Deborah A. Performance. In: FEINTUCH, Burt (Ed.). Eight words for the study of expressive cultures. Champaign: University of Illinois Press, 2003. são: performance é pública, performance é separada da prática habitual e performance é participativa.
  • 18
    O grupo se apresentou em eventos no Rio de Janeiro (RJ), em 2012, e em Belo Horizonte (MG), em 2013, além de diversas cidades no estado do Espírito Santo.

REFERÊNCIAS

  • BATESON, Gregory. Steps to an ecology of mind New York: Ballantine Books, 1972.
  • BAUMAN, Richard. Verbal art as performance. American Anthropologist, n. 77, 1975, p. 290-311. https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030
    » https://doi.org/10.1525/aa.1975.77.2.02a00030
  • BITHEL, Caroline. A different voice, a different song: reclaiming community through the natural voice and world song. New York: Oxford University Press, 2014. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199354542.001.0001
    » https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199354542.001.0001
  • BLACKING, John. How musical is man? Seattle: University of Washington Press, 1973.
  • CARLSON, Marvin. Introduction: what is performance?. In: CARLSON, Marvin. Performance: a critical introduction. London and New York: Routledge, 1999, p. 1-9. https://doi.org/10.4324/9781315016153
    » https://doi.org/10.4324/9781315016153
  • DAWSEY, John Cowart. De que riem os boias-frias?: diários de antropologia e teatro. São Paulo: Terceiro Nome, 2013.
  • FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Reflexões sobre aspectos da prática coral. In: LACKSCHEVITZ, Eduardo (Org.). Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Música Coral, 2006, p. 3-28.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2019
  • Aceito
    10 Jul 2019
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