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Sobre baterias e tamborins: as jazz bands e a batucada de samba

About drumsets and Brazilian tamborins: the jazz bands and the batuque of samba

RESUMO

Ao discorrer sobre determinados aspectos históricos e musicais relativos ao período de configuração do samba enquanto música popular urbana, este artigo levanta dados e reflexões sobre o processo de inserção da bateria - instrumento originado no universo jazzístico - no gênero musical brasileiro, e suas interlocuções junto ao instrumental considerado típico, formado por tamborins, surdos, cuícas, ganzás, recos e agogôs.

PALAVRAS-CHAVE:
Bateria; percussão popular; samba

ABSTRACT

In discussing certain historical and musical aspects related to the period of samba configuration as popular urban music, this article brings data and reflections about the process of insertion of the drumset - instrument originated in the jazz universe - in the Brazilian musical genre, and its interlocutions with the instrumental considered typical, formed by tambourins, surdos, cuícas, ganzás, recos and agogôs.

KEYWORDS:
Drumset; popular percussion; samba

As heranças percussivas

Há muito se tornou senso comum na historiografia dos estudos da música popular a tese de que as raízes da música popular brasileira estão, em sua maior medida, fixadas no encontro de influências advindas da Europa e da África. No decorrer do século XIX, danças europeias como a valsa, a mazurca, o schottisch e a polca nacionalizaram-se, tendo sofrido modificações ao se infiltrarem no repertório de saraus e salões brasileiros (cf. KIEFER, 1990KIEFER, Bruno. Música e dança popular: sua influência na música erudita. Porto Alegre: Movimento, 1990.). Essas transformações das danças europeias no Brasil resultaram de vários aspectos, como as dinâmicas de relações entre os praticantes e apreciadores dessas músicas, os espaços em que eram executadas, e até mesmo as especificidades da língua e seus sotaques; enfim, uma série de fatores determinados pela própria estrutura socioeconômica em que circulavam os agentes formadores da cultura popular brasileira. Um dos aspectos mais relevantes nesse processo de nacionalização das danças europeias é a forte influência proporcionada pelas práticas musicais em cultos e festas organizadas por escravos afrodescendentes, genericamente tratadas por batuques, lundus e jongos, cuja riqueza na variedade de toques e cantos pode ser verificada até hoje nos milhares de terreiros de candomblés e nas festividades que ainda se mantêm espalhadas por todas as regiões do país (cf. SODRÉ, 1998SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.).

Em processo análogo ao ocorrido nos Estados Unidos e em países caribenhos, a exemplo de Cuba e República Dominicana, onde houve a forçosa fixação de numerosa população africana proveniente de vários grupos étnicos como nagôs, bantus, malês e iorubás, no Brasil certos hábitos culturais dessa população foram propagados com tamanha força a ponto de se tornarem presentes no vocabulário, na culinária, em crenças e religiões. Com a música não foi diferente: embora as músicas populares estadunidense, caribenha e brasileira sejam distintas, estão presentes com igual força nesses países, a ponto de definirem identidades locais e revelarem, cada uma a seu modo, as influências culturais afrodescendentes através das melodias sincopadas e de suas estruturas rítmicas. Em todos os casos, o papel desempenhado pela percussão é assunto de destaque, atraindo uma crescente atenção de estudiosos e acadêmicos que visam formalizar o registro de instrumentos típicos e toques característicos. No entanto, predomina ainda nos dias atuais a prática percussiva baseada na informalidade, via transmissão oral e auditiva, em espaços públicos, festas profanas ou cultos religiosos. Todos esses mecanismos de transmissão e registro possibilitam a construção e a manutenção de uma tradição popular sustentada pelos toques dos tambores, uma tradição rítmica e percussiva.

Em cada caso, os encontros entre as influências afrodescendentes e as danças europeias transfundiram-se em formas diversas e complexas, resultando em gêneros e estilos peculiares que se confundem e se diferenciam conforme a instrumentação empregada, o local em que são praticados, ou mesmo o intérprete que as executa. A exemplo dos ritmos caribenhos, que muitas e infelizes vezes são genericamente tratados por salsa, o próprio termo samba encerra uma multiplicidade de subgêneros e estilos. No Caribe, pode-se ouvir entre tantos outros ritmos o merengue, o calipso, o montuno, o mambo, a rumba e o chá-chá-chá; no Brasil, abarcados pelo gênero samba, distinguem se, por exemplo, o partido-alto, o samba de breque, o samba-choro, o samba maxixado, o samba-canção, o samba de roda, o samba-enredo. Da mesma forma, nos Estados Unidos, o blues, o gospel e o jazz ramificaram-se em uma grande variedade de ritmos e estilos.

Apesar de todas as especificidades de cada gênero, da multiplicidade de manifestações características de cada região, a complexidade de seus recursos rítmicos musicais e a relevante presença da percussão são aspectos que, remetendo à influência comum das culturas afrodescendentes, estabelecem um elo entre essas manifestações. Nessa perspectiva, é importante destacar a significativa diferença entre a música popular que se desenvolveu nos Estados Unidos e a música popular brasileira e caribenha. No primeiro caso, a percussão está representada essencialmente através da figura do baterista, o sujeito das “múltiplas funções” que executa sozinho, com mãos e pés, vários tambores e acessórios, nesse caso, uma prática percussiva geralmente exclusiva e individualista. Nos casos da música popular brasileira e caribenha, a multiplicidade de instrumentos de percussão e a distribuição das funções percussivas são características de uma prática coletiva que se realiza mais diretamente conectada ao movimento corporal. A “bateria” brasileira é composta de instrumentos portáteis, como o tamborim, o pandeiro e o agogô, que ocupam somente as mãos do percussionista, e portanto podem ser tocados em movimento, seja no deslocamento entre lugares ou mesmo na dança dos ritmos executados.

De fato, entre as décadas de 1920 e 1930, momento em que algumas maneiras de se tocar o samba se consolidaram como modelos rítmicos “ideais”, definidores de certa identidade do gênero, foi também o momento em que se desenvolveu o instrumental percussivo que não por acaso se tornou “típico” do samba: cuíca, tamborim, surdo e pandeiro (cf. SANDRONI, 2001_____. Dois sambas de 1930 e a constituição do gênero: “Na Pavuna” e “Vou te abandonar”. Cadernos do Colóquio, Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 2001, p. 8-21.a). Portanto, quando se fala em samba, é corriqueiro até hoje ao senso comum identificar essa música à imagem desses instrumentos. De maneira análoga, o desenvolvimento da música popular norte-americana, e mais especificamente do jazz na primeira década de 1900, confunde-se com o desenvolvimento do instrumento bateria. Não por acaso, ainda nos anos de 1950 utilizava-se no Brasil a expressão “bateria americana” para referir-se àquele instrumento de origem estrangeira. Dessa forma, é compreensível que a imagem e a sonoridade do instrumento tenham sido comumente associadas ao jazz (atualmente a imagem da bateria parece estar mais associada ao rock).

No entanto, a despeito da fixação de padrões definidores do gênero samba a partir do típico instrumental percussivo formado por pandeiro, tamborim, cuíca e surdo, a “bateria americana” foi incorporada na música brasileira já no início de todo esse processo, por volta de 1920. E com a implementação do sistema elétrico de gravação, que viabilizou o registro de instrumentos de percussão, são numerosos os fonogramas de sambas a partir da década de 1930 com a presença da bateria junto ao naipe de percussão, em muitos casos chegando até mesmo a substituir o próprio instrumental típico (cf. BARSALINI, 2014BARSALINI, Leandro. Modos de execução da bateria no samba. 240 p. Tese (Doutorado em Música). Instituto de Artes, Universidade de Campinas, Campinas, 2014. ).

Diante desse quadro, é possível questionar como e por quais motivos se deu o processo de inserção da bateria americana no Brasil, justamente em um panorama no qual se estabelecia um instrumental considerado típico, e que desempenhava de maneira singular as funções rítmicas necessárias à execução de padrões de samba. E, ainda, é pertinente buscar compreender em que medida a presença da bateria na música popular brasileira pode ter definido estilos e padrões estéticos do samba.

As respostas às questões colocadas requerem informações e reflexões relativas às condições históricas e culturais do cenário em que se desenvolveram e registraram padrões de samba nas décadas de 1920 e 1930, propriamente o mais importante centro urbano do país da época, a cidade do Rio de Janeiro. É importante ainda evidenciar possíveis processos de disputas na configuração de campos de atuação do samba, apontando as figuras de percussionistas e bateristas que se destacaram como agentes atuantes nesses processos. Ao acompanhar as transformações dos padrões de execução do samba e a consequente história de protagonismo dos instrumentos de percussão e da bateria nesses respectivos padrões, desde a década de 1930 até o início dos anos 1950, torna-se viável compreender em que medida as atuações de determinados bateristas podem ter impulsionado transformações estéticas no gênero.

Origens da bateria

Dentre os fatores que originalmente diferenciaram um baterista de outros percussionistas, o mais relevante é a utilização simultânea de mãos e pés na percussão de tambores e pratos. Durante o século XIX, seja em orquestras, espetáculos de entretenimento ou em bandas militares, três instrumentos que hoje compõem a bateria formavam a base do naipe de percussão: o bumbo, a caixa e o prato. Construídos nas mais variadas dimensões e com diferentes materiais, esses instrumentos passaram a ser executados simultaneamente por uma única pessoa, conforme o contexto musical em questão. Não demorou a chegar o momento em que indivíduos construíssem exóticos aglomerados de percussões com tambores, pratos e diversos acessórios, como matracas, apitos, sinos, e outros objetos, a fim de executarem simultaneamente essa variedade sonora, e se tornarem atrações em picadeiros de circos. Nos Estados Unidos, espetáculos de entretenimento conhecidos por vaudevilles apresentavam música ao vivo e requeriam ao percussionista a criatividade e agilidade de produzir efeitos sonoros para cenas, como imitar o trote de cavalos, estalos de tiros, o som do trem etc. Essa função permaneceria, inclusive no Brasil, durante a difusão do cinema mudo, e ainda no período das radionovelas.

No entanto, o instrumento bateria, tal qual é hoje conhecido, só foi se configurar a partir da implementação dos acessórios que permitiram ao percussionista utilizar os pés simultaneamente às mãos, tais como pedais para bumbo e mecanismos para acionar pratos de choque. Esses acessórios foram desenvolvidos nos Estados Unidos entre as décadas de 1880 e 1920 e inicialmente difundidos em um grande centro cultural e econômico do país naquele período, a cidade de New Orleans. Esse centro urbano, localizado ao sul dos Estados Unidos, no estado da Louisiana, concentrava na primeira década do século XX uma população superior a 200 mil pessoas e, por ser uma grande zona portuária do rio Mississipi, a região que já tinha sido pertencente à Espanha e à França nos séculos XVIII e XIX, abrigava diferentes etnias e culturas, como anglo-saxônicos, franco-espanhóis, italianos e muitos afrodescendentes, outrora imigrantes escravos (cf. COLLIER, 1995COLLIER, James Lincoln. Jazz: a autêntica música americana. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1995.). Essa reunião de pessoas de diferentes origens gerava uma complexa relação social, em que práticas religiosas protestantes conviviam com vodus e missas católicas. Eram frequentes eventos musicais que se espalhavam pelas ruas em parques, circos, além do mardi grass e das reuniões de negros na Congo Square. Na região do meretrício, denominada Storyville, cabarés promoviam jogos e prostituição ao som de pianistas de ragtime, acompanhados por violinos, banjos, clarinetas, trompetes, trombones, tubas e percussões que formavam grupos de dança, pioneiros do jazz. Os percussionistas desses grupos teriam sido os primeiros bateristas da história, inicialmente tocando bumbo e caixa com baquetas, um estilo conhecido por double drumming. A demanda musical do contexto, aliada a questões como limitações de espaço ou mesmo financeiras dos cabarés, transformou a situação em que outrora os tocadores dividiam-se por instrumento; tais fatores, somados ao aperfeiçoamento da proficiência dos percussionistas, impulsionaram o desenvolvimento da bateria, cuja origem se confunde com o próprio desenvolvimento do jazz.

A bateria do New Orleans Dixieland jazz style, na primeira década de 1900, era inicialmente formada por um grande bumbo de 28 a 30 polegadas de diâmetro (trazido diretamente das brass bands atuantes em paradas militares), uma caixa (geralmente apoiada sobre uma cadeira), um pequeno prato chinês (comumente de 12 a 13 polegadas, trazido por imigrantes), e uma série de acessórios, como cowbells, wood blocks e temple blocks2 2 Cowbell: acessório de percussão feito de metal, conhecido no Brasil também como sino de vaca; wood block: acessório de percussão originário da China, feito de uma peça retangular de madeira dura, com um fino corte horizontal perto de sua superfície, o que promove uma ressonância característica; temple block: acessório de percussão originário da China, feito através da escavação de pedaços sólidos de madeira, deixando-os ocos e ressonantes. Ao conjunto desses acessórios, somados a outros aparatos e ornamentos, deu-se o nome trap sets (cf. COOK, 1997). . Em pouco tempo, tambores chineses foram adicionados ao instrumental e ocuparam as funções que hoje são dos tom-toms. Após várias adaptações e modelos desenvolvidos, o pedal de bumbo e o chimbau (prato a dois acionado com o pé) foram gradativamente incorporados no decorrer das décadas de 1910 e 1920. Já em 1918, a bateria passou a ser produzida em série pela empresa norte-americana Ludwig, sendo que partir de então sua configuração teve muitas reformulações, padronizando-se no final dos anos 1920, no formato bumbo com pedal, chimbau, caixa e dois tambores, além do prato. Os acessórios (trap sets) passaram a ser menos utilizados com a difusão do cinema falado em 1927.

Terminada a Primeira Guerra Mundial, a influência econômica e cultural dos Estados Unidos foi determinante para a difusão de sua música popular em parte da Europa e da América Latina. Nesse momento, já se estruturava naquele país uma indústria de entretenimento capaz de regular e promover a música segundo critérios de produção capitalista. Para atender à crescente demanda gerada por um modismo de consumo, grupos dançantes - as famosas jazz bands - multiplicaram-se em vários centros urbanos do Ocidente. Necessariamente, a bateria estaria presente nessas bandas, e sua relevância não se reduzia a aspectos musicais. Os bumbos, de circunferência mais ampla que os atuais, serviam de “cartão de visita”, espécie de marca registrada que revelava a identidade visual das bandas, já que ilustravam em sua membrana pinturas com o nome do bandleader e do grupo. Por esse motivo, era comum a bateria aparecer com destaque nas fotos, no primeiro plano da imagem3 3 Cf. o capítulo intitulado “Aceita dançar?” de: Mello, 2007. .

Pela sua própria história, o processo de configuração do instrumento bateria está associado à gênese da música popular urbana estadunidense e identificado com o desenvolvimento da sociedade industrial. Instrumento que transformou certas práticas percussivas em seu caráter de coletividade à atuação individual, pode ser entendido como um simbólico elo de representações das antigas manifestações culturais movidas pelo toque de tambores e, simultaneamente, da própria modernidade.

Os primeiros toques de bateria no Brasil

A difusão da bateria4 4 A palavra drumset é utilizada nos Estados Unidos para designar o instrumento. O termo “bateria”, adotado no Brasil, provém de batterie (decorrente do verbo francês battre, do latim battuere, que significa bater, golpear). Na França e Alemanha, antes mesmo do surgimento do instrumento bateria, a palavra batterie era utilizada para designar um pequeno naipe de percussão, geralmente formado por prato, bumbo e triângulo. no Brasil, que desde seus primeiros relatos é identificada como “americana”, justamente para diferenciar do “naipe de percussão”, ocorreu como consequência da difusão da música popular estadunidense e do modismo das jazz bands, através da importação de bens de consumo norte-americanos no período posterior a Primeira Guerra Mundial. Conforme escreveu o pesquisador José Ramos Tinhorão,

A passagem da monarquia para a república de 1889, anunciando o advento político das camadas urbanas ligadas ao Partido Republicano de 1870, iria marcar coincidentemente, no plano econômico, igual passagem do Brasil da esfera de dependência dos capitais ingleses para a dos capitais norte-americanos, através de um silencioso processo que se consolida durante a Primeira Guerra Mundial. (TINHORÃO, 1990TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1990., p. 207).

A partir de 1914, os investimentos estadunidenses no Brasil aumentaram gradativamente, estabelecendo fortes relações comerciais que refletiram no ambiente cultural. A difusão de padrões estrangeiros se deu principalmente através da produção cinematográfica e da comercialização de discos de cakewalks, foxtrots, charlestons e similares. Ir ao cinema e frequentar bailes que tocavam esses ritmos, comandados pela bateria, tornou-se a grande moda no entretenimento dos indivíduos economicamente mais abastados.

Segundo Tinhorão (1990TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1990., p. 253), teria sido “o alvíssimo baterista e pianista euro-americano Harry Kosarin quem daria a conhecer aos cariocas e paulistas, a partir de meados de 1919, com as exibições do seu Harry Kosarin Jazz Band, a novidade da bateria americana”. As “Notas teatrais” da revista Fon-Fon, de 1o de dezembro de 1917, apontam:

[...] esta glória cabe aos Estados Unidos de onde veio agora para a orquestra do Teatro Fênix [RJ] um músico trepidante que, além de batucar em onze instrumentos diversos, ainda por cima sopra nuns canudos estridentes e remexe-se durante todo o espetáculo, numa espécie de gigue circunscrita ao lugar que ele ocupa em meio dos seus colegas. (IKEDA, 1984 apud TINHORÃO, 1990TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1990.).

Supõe-se que o referido músico seja Harry Kosarin, então presente no Brasil dois anos antes do que registrou Tinhorão, acompanhando a American Ragtime Revue. No entanto, a informação da revista Fon-Fon não explicita propriamente a existência de uma bateria, indicando apenas um aglomerado de onze instrumentos que são batucados, e destacando o caráter “malabarístico” do músico.

No acervo do Museu da cidade de Salto, no interior de São Paulo, encontra-se uma foto datada de 1920, a qual mostra uma orquestra de cinema mudo (o Cine Pavilhão de Salto). A imagem revela, em primeiro plano, uma bateria completa para a época, com bumbo, pedal, caixa, prato - acoplado ao aro do bumbo, woodblocks e pandeiro5 5 A imagem está reproduzida em: Camorim, 1985, p. 8. . Considerando a hipótese de que o instrumento tenha aportado no país em meados de 1919, conforme aponta Tinhorão, é surpreendente que apenas um ano mais tarde ele apareça integrado a uma orquestra do interior de São Paulo.

Por sua vez, o músico e pesquisador Hardy Vedana afirma:

O brasileiro somente começou a usar a bateria completa, como hoje a conhecemos, a partir de 1924. É que naquele ano um conjunto de jazz americano, de nome Gordon Stretton Jazz Band, tendo como cantora Little Hester, fizera uma turnê pela América do Sul com a Companhia de Revistas Bataclan, da “Mistinguete”, trazendo entre os instrumentos alguns ilustres desconhecidos: o banjo, que viria a substituir o violão nos conjuntos musicais, e a bateria, com bombo, caixa clara, pratos, cincerros, cocos e uma infinidade de acessórios, todos acoplados em uma peça só, obtendo um sucesso sem precedente. Basta dizer que o baterista do conjunto, em virtude da fama que aqui obteve, acabou se radicando no Brasil. O percussionista brasileiro tocava as peças citadas acima, mas isoladas. Normalmente era usada a caixa clara separada do bombo, sendo necessários dois instrumentistas. (VEDANA, 1987VEDANA, Hardy. Jazz em Porto Alegre. Porto Alegre: L&PM/Funarte, 1987.).

Com a difusão da dança e música estadunidenses na capital brasileira, grupos locais, ao incorporarem os ritmos estrangeiros em seu repertório, passariam a denominar-se jazz bands. No entanto, não se deve considerar as jazz bands brasileiras necessariamente como bandas cujo repertório era estritamente executado na linguagem jazzística; e sim como sinônimo de grupo que produzia um som dançante e moderno, conectado às novidades sonoras e visuais vindas do exterior, refletidas em seus trajes, sua postura e em sua instrumentação. As novidades sonoras vinham pela reunião de instrumentos como banjo, tuba, violinos, piano, trompetes, trombones, clarinetas e saxofone, além da bateria. Um exemplo do reflexo dessas transformações pode ser observado no grupo de Pixinguinha: comparando as fotos que precedem a excursão dos Batutas a Paris às posteriores ao seu retorno ao Brasil, entre os anos de 1922 e 1923, é possível identificar uma nova postura e instrumentação, associadas à imagem de “modernos”. Provavelmente essas mudanças foram fruto do contato que os músicos tiveram com as jazz bands na temporada no exterior, onde assimilaram novos padrões de conduta perante o público. Como aponta Sergio Cabral (1997_____. Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997., p. 50), a Bi-Orquestra Os Batutas (nome assumido pelo grupo em 1923), em apresentações no Cabaré Fênix do Rio de Janeiro, tocou, além de vários choros e algum maxixe, os seguintes foxtrots: “Yes! We have no bananas”, “Blue Hossie blues”, “When Buddha smiles”, “You’ve gotta see mama every night”. A respeito do modismo das jazz bands e a introdução da bateria no Brasil, Zuza Homem de Mello escreveu:

Nas gravações das bandas brasileiras dos vinte anos iniciais do século XX, pode-se distinguir, com alguma imprecisão, que a seção rítmica empregava pelo menos dois dos cinco instrumentos de percussão habituais em uma banda militar, a saber: tambor, tarol, caixa, bombo e prato, cada qual nas mãos de um músico. A mais relevante novidade do ciclo das jazz bands no Brasil foi um instrumento, ou melhor, um conjunto de instrumentos de percussão agrupados, aqui batizado de bateria, no qual o músico aproveitava também os pés para acionar um pedal conjugado ao bumbo disposto verticalmente. Como dispunha também da caixa, montada sobre um tripé, de tambores e de pratos metálicos, todos acoplados no mesmo conjunto, um só músico conseguia executar a tarefa de três ou quatro com sincronia aperfeiçoada, o que, além de significar uma mudança radical, trazia uma pulsação mais contagiante, fundamental na música para dançar. Como se não bastasse, a posição vertical da membrana do bumbo, que podia ter até 80 cm de diâmetro, expunha uma área de grande visibilidade, utilizada para se escrever o nome da jazz band. Assim disposta, a bateria concentrava tamanha atenção que, nas fotografias, seguindo o modelo americano, o baterista figurava em destaque, ocupando a posição central como se fosse ele o líder do conjunto. (MELLO, 2007MELLO, Zuza Homem. Música nas veias. Memórias e ensaios. São Paulo: Editora 34, 2007., p. 74).

Entre os bateristas mais lembrados como pioneiros no Brasil, estão Joaquim Tomas, Valfrido Silva, Francisco Chagas (Sut) e Luciano Perrone. Este último, nascido no Rio de Janeiro em 1908, iniciou sua carreira no cinema Odeon aos 14 anos, onde exercia a função de produzir efeitos sonoros às cenas. Como ele mesmo contou,

Tocava-se de acordo com as cenas. E quem criou isso foi meu pai, porque antigamente tocavam no cinema músicas que não tinham nada a ver com o filme. Aconteciam então coisas horrorosas. Contam até que numa ocasião, num filme sobre Cristo, a crucificação foi ao som de “Tatu subiu no pau”. [...] No cinema, eu tocava só com um tarol em cima da cadeira, um prato dependurado na grade que separava a orquestra da plateia e um bumbo. Eu tinha que fazer, digamos assim, uma sincronização da cena. Se tinha tiro, eu batia na caixa, por exemplo. (PERRONE apud FALLEIROS; BOLÃO, 2000FALLEIROS, Gustavo; BOLÃO, Oscar. História da bateria brasileira. Batera & Percussão. Ed. Jazz, n. 31, março de 2000, p. 22-26., p. 24).

Em 1924, o baterista já acompanhava jazz bands em bailes, além de atuar em teatros de revistas, por exemplo, no Teatro Recreio, como percussionista da cantora Araci Côrtes. Perrone foi protagonista em um importante momento do instrumento: o primeiro “solo” de bateria gravado no Brasil (na música “Faceira”, em 1931, acompanhando o cantor Sílvio Caldas)6 6 Solo aqui é usado no sentido em que o instrumento é registrado sem a presença de nenhum outro ao mesmo tempo. O que Perrone executou nessa gravação foram, a bem dizer, frases de preenchimento aos breques do samba. .

Confrontando as informações advindas dessas diferentes fontes, fica claro o contexto em que ocorreu a inserção da bateria no Brasil: início dos anos 1920, período do cinema mudo e da multiplicação das jazz bands. A partir desse momento, a bateria passou a integrar a instrumentação no cenário musical brasileiro, nos mais diversos contextos estilísticos, seja em canções ou na música instrumental.

Entre baterias e tamborins: das jazz bands à batucada de samba

O samba, no âmbito da música popular, nasceu como desdobramento de manifestações localizadas que, ao se encontrarem no crescente processo de urbanização ocorrido no Rio de Janeiro do início do século XX, configuraram um gênero musical que ultrapassou sua condição de alcance local para ser reconhecido como símbolo de identidade brasileira. Alguns anos mais tarde, o gênero atravessaria mais uma vez as fronteiras locais para ser um produto cultural de difusão internacional. Essa trajetória reflete uma característica inerente ao processo de formação de uma jovem nação: um território que abriga uma complexa diversidade de relações culturais e raciais como o Brasil encontra em sua história uma grande dificuldade de autorreconhecimento. A importância da música popular nesse contexto é tão decisiva que há tempo se tornou um significativo campo de debate a partir do qual se discute a formação de uma identidade nacional e as relações de representações entre o que se reconhece como “autenticamente brasileiro” e elementos estrangeiros.

A necessidade da convergência dos diversos interesses localizados do país impulsionou no início da década de 1930 um movimento de centralização política que, à sua maneira, abarcou projetos modernistas de elaboração de uma determinada cultura brasileira. Como consequência dessa articulação entre um projeto político, um projeto cultural, e as próprias características articuladoras intrínsecas ao gênero, o samba foi promovido a “música nacional”. Hermano Vianna, discorrendo sobre o papel do samba ante os problemas de configuração da unidade da pátria, escreveu:

[...] foi um dos mais graves problemas políticos das “terras brasileiras”, desde seus tempos coloniais, e recebeu respostas e propostas de solução divergentes durante toda a nossa história, alternando momentos de centralização com outros de descentralização política, e apresentando mesmo combinações estranhas das duas tendências antagônicas. Podemos mesmo interpretar a transformação do samba em música nacional (e a de uma determinada cultura popular em cultura nacional) como uma dessas respostas no plano cultural. (VIANNA, 1995VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995., p. 56).

A tese central de Vianna consiste em demonstrar como a promoção do samba a música nacional, algo aparentemente repentino, teria sido de fato o resultado de um longo processo histórico de miscigenação e contatos entre diferentes grupos sociais na tentativa de inventar uma tradição nacional. E, nesse processo, as interações entre elementos locais e estrangeiros teriam sido constantemente trabalhadas por agentes mediadores.

A partir da perspectiva da inserção da bateria na música brasileira, motivada inicialmente por modismos importados, desdobrando-se posteriormente em relação direta com o desenvolvimento do samba, é possível detectar em que medida determinada produção musical representou diferentes níveis de conflito entre o local e o estrangeiro. Compreender as variações nos níveis de tensão de musicalidades existentes a partir da presença da bateria na música popular brasileira significa reconhecer o significado das escolhas musicais empreendidas pelos bateristas. É necessário detectar, por um lado, em que medida a bateria, cuja linguagem técnico-musical original se desenvolveu com o jazz e para o jazz, foi utilizada como instrumento de adaptação de certa linguagem musical característica aos instrumentos típicos de samba. Por outro lado, devem ser apontadas possíveis absorções de musicalidades estrangeiras e sua singular manipulação no contexto da música nacional. Dessa maneira, torna-se central a questão da ressignificação da bateria: em que medida certos músicos brasileiros se empenharam (e tiveram sucesso) em transformar a imagem e sonoridade do instrumento a ponto de integrá-lo ao naipe típico do samba? Nesse sentido, seria possível identificar uma “linguagem brasileira” do instrumento?

Essa empreitada norteada pela conciliação entre bateria e percussão típica do samba e as discussões geradas por esse movimento remetem ao início da década de 1930.

Nesta época, a aproximação entre sambistas e músicos de choro da cidade do Rio de Janeiro, que frequentavam os mesmos espaços e eventos musicais, fez com que se moldasse também uma sonoridade básica para o acompanhamento instrumental do samba: pandeiro, tamborim, surdo, cuíca, flauta, cavaquinho e violão. O ambiente das rodas de samba era o espaço por excelência dessa prática, e a esses instrumentos eventualmente se somavam chocalhos, “prato e faca”, “caixas de fósforos”, “chapéus”, “latas” e toda uma infinidade de objetos percussivos que poderiam se transformar em instrumentos. Contudo, essa sonoridade pouco aparecia nos discos de samba. Na fase mecânica das gravações, e mesmo após o início das gravações elétricas, em 1928, os sambas eram gravados com acompanhamento de orquestras ou mesmo de grupos instrumentais variados, que quase sempre incluíam naipes de sopros (flauta, clarinete e trombone são os preferidos) e uma percussão discreta. Progressivamente, a importância da percussão foi aumentando na sonoridade dos discos, mas a ênfase do acompanhamento era dada em maior grau aos instrumentos melódicos e harmônicos. (TROTTA, 2008TROTTA, Felipe. Gêneros musicais e sonoridade: construindo uma ferramenta de análise. Ícone, revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, v. 10, n. 2, 2008., p. 5).

O caso do registro do samba “Na Pavuna” já revelava certos conflitos deflagrados pela pioneira tentativa de inserir surdos e tamborins nos fonogramas brasileiros. A gravação de “Na Pavuna”, realizada pelo Bando de Tangarás em dezembro de 1929 através da Odeon-Parlophon, foi o primeiro registro fonográfico de instrumentos de percussão que poucos anos mais tarde se tornariam próprios de batucada de escolas de samba. Lançada como “choro de rua”, tornou-se grande sucesso no carnaval de 1930. O protagonista desse feito foi Almirante, que conseguiu reunir reconhecidos músicos como Carolina Cardoso de Menezes (piano) e Luperce Miranda (bandolim) a batuqueiros anônimos. Por esse e tantos outros fatos, pode-se considerar a figura de Almirante como um importante mediador cultural entre o asfalto e o morro, um movimento que provavelmente tinha como objetivo maior viabilizar no mercado o que, em seu entendimento, seria o “samba puro”, de forma a legitimar o gênero. A audição do fonograma revela uma massa sonora percussiva em que, com certa dificuldade, é possível reconhecer a presença de surdo, tamborins e pandeiro. Pelas palavras de Almirante, foram “arrebanhados alguns tocadores de tamborins, cuícas, surdos e pandeiros entre os adeptos e mestres da matéria” (ALMIRANTE, 1977, p. 68). Segundo Sandroni (2001_____. Dois sambas de 1930 e a constituição do gênero: “Na Pavuna” e “Vou te abandonar”. Cadernos do Colóquio, Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 2001, p. 8-21.b), essa seção rítmica reuniu alguns negros moradores do morro do Salgueiro, dentre os quais Canuto, em um dos tamborins, e Puruca, no surdo.

A gravação desses instrumentos não se deu, no entanto, sem resistências tanto do técnico do estúdio quanto do próprio produtor da Odeon, visto que consideravam impossível o registro daqueles instrumentos rudimentares. Naquele período, esses instrumentos eram produzidos artesanalmente, através da transformação de objetos acessíveis aos sambistas. O surdo de samba, por exemplo, surgiu por iniciativa de Alcebíades Barcelos (o Bide) para orientar o desfile carnavalesco da Deixa Falar. Nas palavras do próprio Bide, o surdo foi feito “com uma lata de manteiga, daquelas grandes, redondas. Compramos os aros, botei um por fora, outro por dentro, pregamos tachas e assim entramos na Praça Onze” (apud CABRAL, 1996_____. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996., p. 248). Porém, o sucesso de “Na Pavuna” promoveu a profissionalização dos ritmistas, já que a partir daquele momento várias orquestras e outras gravadoras adotaram conjuntos de percussão semelhantes àquele que participou no fonograma, abrindo as portas “aos artistas do povo” (cf. CABRAL, 1990).

De fato, talvez a característica mais marcante das gravações de samba dos anos 1930 - ao menos por contraste com as da década anterior, e até certo ponto, também da seguinte - seja a forte presença de instrumentos de batucada. Ao contrário porém do que acontecia nos desfiles de carnaval, esta presença acontecia de maneira reduzida: um surdo, um pandeiro, um ou dois tamborins. (De cuíca, não conheço exemplo nas gravações da época: o instrumento era considerado demasiado bizarro, exótico, estranho, como atestam inúmeros testemunhos.) Esta “batucada de câmara” foi acoplada de maneira feliz a um conjunto instrumental do tipo dos que no começo do século se chamava de “choro”, isto é, base harmônica de violões e cavaquinho acrescida de um ou dois solistas, como flauta, clarineta ou bandolim. Esta nova síntese instrumental entre elementos provenientes de tradições afro-brasileiras e elementos vindos das práticas musicais de camadas médias urbanas é que foi chamada, nos estúdios de gravação e nas rádios, de “regional”, abreviação de “orquestra regional”, para diferenciá-la da orquestra tida por “universal”, à base de cordas de arco. (SANDRONI, s.d.).

Embora a inserção desse grupo de instrumentos de percussão no mercado fonográfico refletisse uma realidade cotidiana no contexto carioca, e por isso obteve tamanho sucesso junto ao público consumidor da música popular, talvez não fosse vista com bons olhos por uma intelectualidade comprometida com a “modernização civilizada” do país, motivo pelo qual se adotou uma “batucada de câmara”. Vale notar que, em grande parte dos fonogramas registrados a partir de 1930, a bateria esteve presente junto a esse instrumental percussivo, talvez por agregar uma imagem mais “civilizada e moderna” ao naipe.

A exemplo do processo de reurbanização empreendido no Rio de Janeiro duas décadas antes7 7 A reestruturação urbana do Rio de Janeiro teve forte impulso no governo Pereira Passos. A partir de 1902, foram demolidas em um ano e meio cerca de 590 edificações do estreito mundo proletário da Cidade Velha para a construção da Avenida Central (depois rebatizada Avenida Rio Branco), impulsionando uma grande parcela da população pobre a ocupar os morros periféricos, deflagrando a delimitação dos “espaços sociais”. A esse respeito, ver: Needell, 1993. , é muito provável que o caso de “Na Pavuna” representasse o mesmo conflito quanto à ocupação dos espaços públicos. Enquanto no início do século esse conflito se dava nos espaços físicos da cidade, a partir da incorporação do instrumental de percussão pelas orquestras e gravadoras esse conflito acentuou-se no espaço imaterial cultural. Junta-se a isso a configuração, mesmo que tímida e incipiente, de uma indústria cultural que profissionalizava os batuqueiros, incorporando-os a ambientes de entretenimento de uma maneira em que os traços culturais dessa “gente do povo” foram amplificados, registrados e reproduzidos mecanicamente. A despeito da precariedade dos instrumentos, cuja confecção artesanal dispunha de recursos muito limitados, e das dificuldades de captação e registro apontadas pelos produtores musicais e técnicos de som, pode-se inferir que discriminações de ordem racial tenham grande influência nesse conflito. O caso revela, ainda, um choque de comportamentos entre diferentes grupos sociais. Músicos que se adaptaram a uma conduta profissional sem, no entanto, abandonarem hábitos boêmios, mantendo vivas certas relações de informalidade na prática de seu instrumento (a exemplo de Pixinguinha, Donga e João da Baiana), disputavam espaços com uma geração de descendentes diretos de europeus, principalmente italianos, cujo ápice imigratório ocorreu no início do século XX. Muitos desses imigrantes, além de obterem educação musical de maneira mais formal, herdavam um vínculo distinto para com o trabalho. Vale notar que, conforme depoimento de Perrone, a Orquestra Carioca, pioneira na Rádio Nacional no repertório de músicas exclusivamente brasileiras, era formada por uma maioria de descendentes italianos.

Você sabe que tinha aqui a Orquestra Carioca, a “mais brasileira das orquestras do rádio”. E o interessante que quando ele [Lousada, o inspetor] vinha no corredor para chamar, fazer a chamada nos áureos tempos da Rádio [Nacional], com aquela movimentação toda de músicos, então ele vinha batendo palma assim: “Os senhores professores da mais brasileira das orquestras do rádio, Luciano Perrone, Marino Pissiali, Radamés Gnattali, Francisco Sergi...”, quase todos descendentes de italiano, filhos ou netos de italianos. (PERRONE, 1976PERRONE, Luciano. Entrevista concedida a Lourival Marques. 1976. Série Collector’s, n. AER 393 e 394. Arquivo digital, 70 min.).

Por outro lado, a construção do samba como música autenticamente brasileira, definidora de certa identidade nacional, adotaria nos anos 1930, momento em que o instrumento bateria já estava incorporado, os “rústicos” surdo, pandeiro, cuíca e tamborim como percussão típica, embora esse instrumental nem sempre fosse utilizado em gravações e nas orquestras da época. A esfera musical refletia, à sua maneira e em diferentes gradações, o conflito político e ideológico gerado em um país que buscava firmar-se como nação, em busca de traços identitários determinados por peculiaridades locais, que se redefiniam constantemente através da absorção de elementos estrangeiros. Uma identidade complexa que sintetiza o impulso ao moderno e estrangeiro coexistindo com algum caráter de exotismo da manufatura local. É pertinente compreender esses conflitos e transformações como consequências de um abrangente processo econômico, em que as relações comerciais foram fortemente impulsionadas, gerando reconfiguração dos limites urbanos e consolidação de uma classe média formada por prestadores de serviços e funcionários públicos. Essa nova camada da população reunia condições financeiras para usufruir as novidades de consumo não duráveis e projetava uma perspectiva de ascensão social, passando a rejeitar as manifestações culturais da classe baixa.

Na década de 1930, a delimitação de certos espaços sociais da cidade do Rio de Janeiro condicionava a formação de “tipologias” do samba. Por um lado, núcleos herdeiros diretos da tradição afrodescendente ocuparam os morros, gerando um “espaço paralelo” que preservou à sua maneira as características mais folclóricas do samba. Nesse meio, mantiveram-se as reuniões festivas que combinavam elementos religiosos e elementos coreográficos da dança em roda, onde o improviso musical aparecia como elemento fundamental na complementação de versos cantados por um solista e seguidos por um coro (o samba de uma única parte), com a predominância dos instrumentos de percussão. Por outro lado, no espaço social das áreas reestruturadas, desenvolveu-se uma música também chamada de samba, mas com características distintas daquele samba de roda; no espaço do asfalto, onde as instituições e suas regras de conduta social se faziam mais presentes, intervieram aspectos reguladores determinados pelo processo de registro e difusão fonográfica. No “samba urbano”, são apresentadas outras construções harmônicas e melódicas, de forma a sustentar o desenvolvimento de uma nova estrutura cancional (cf. AZEVEDO, 2013AZEVEDO, Ricardo. Abençoado e danado do samba. Um estudo sobre o discurso popular. São Paulo: Edusp, 2013.). Em comparação ao samba de roda, a presença da percussão e do coro foi amenizada, e os versos improvisados, substituídos por uma segunda parte fixada, transformando dessa maneira a estrutura do discurso musical. Nesse cenário, a então chamada “bateria americana” integrou-se rapidamente, principalmente nas orquestras formadas por gravadoras para o acompanhamento de uma nova safra de cantores que emergia juntamente ao mercado fonográfico. Simultaneamente, os rústicos instrumentos de percussão construídos de forma artesanal, principalmente por sambistas do morro, passaram a adquirir legitimidade como definidores de uma sonoridade típica do samba.

Dessa maneira, surgiram distinções entre “tipos de samba”, uma espécie de “subgeneralização” decorrente não somente de aspectos musicais, mas também de fatores relacionados ao seu espaço social de origem e à sua finalidade comercial. O complexo campo de interação entre vetores culturais foi alargado pela inserção de novos agentes e novas dinâmicas de relação. Sendo assim, o samba multiplicou suas formas de realização, cada qual revestida de singularidades e características próprias. Haveria, no entanto, um elemento estrutural capaz de garantir sua unidade e reconhecimento como expressão de uma identidade nacional. Jorge Caldeira escreveu:

No entanto, essas mudanças que a nova função trazia à forma não mudavam tudo. Em certo sentido, não mudavam mesmo nada. A adaptação da canção ao tempo do disco e à sua roupagem podia ser feita sem sacrifício de sua característica estruturadora básica, a rítmica recriada no jogo entre cantor e acompanhamento. Pelo contrário, esse elemento estruturador aguentava praticamente tudo, do soneto ao verso livre, do violino ao surdo, sem se descaracterizar. Mantidas as características básicas, a parnasiana letra de [Noel] Rosa ou o puro bater do ganzá [sic] eram parte do samba.[...] Dessa forma, a música vendida para divertir tornou-se uma opção que não parecia conflitar com o processo de criação popular existente, nem mesmo do ponto de vista estético. Assim, se pode entender como os dois mundos, da roda e do mercado, não chegaram a se distinguir totalmente, embora o emprego social da mesma música fosse variado. (CALDEIRA, 2007CALDEIRA, Jorge. A construção do samba. São Paulo: Mameluco, 2007., p. 69-70).

Embora explícitos os contrastes entre os contextos sociais específicos em que foram promovidas diferentes “tipologias” do samba, parece haver, acima de todas as diferenças, um mesmo “jogo rítmico” entre cantores e acompanhadores, um tipo de lastro que garante a unidade do gênero. Nesse panorama, determinados padrões de execução da percussão no samba foram, de certa maneira, “oficializados” por seu emprego constante em gravações, e grande parte desses padrões foi definida pela presença da bateria. A figura do baterista Luciano Perrone se destaca nesse momento histórico, sendo cultuada como o “pai da bateria brasileira”. Dotado de grande sensibilidade e conhecimento musical, promovidos por sua educação e contato prematuro com a música, Perrone pode ser considerado um mediador entre os dois universos do samba. Se por um lado o baterista acumulava a experiência de ter cantado ao lado de Enrico Caruso ainda quando criança, e posteriormente aposentar-se como timpanista da Orquestra Sinfônica Nacional, em sua carreira de baterista estabeleceu estreito contato com “bambas” do samba como João da Baiana, Marçal e Bide. Portanto, é possível entender o destaque de Perrone não somente por sua competência e inventividade musical, mas também por representar a conexão entre o universo informal e amador do samba “artesanal”, onde a manifestação folclórica ainda exercia considerável ressonância, e o universo do samba formalizado, profissional e orquestrado. Nas palavras de Perrone,

Até 1927, não se podia gravar batucada, porque a cera não suportava a vibração dos instrumentos. Quando veio a gravação elétrica, a gente começou - na Odeon e na Parlophon - a usar os instrumentos de percussão, mas com uma batida muito leve. Na RCA, a partir da década de 1930, as gravações já comportavam a batucada, e a orquestra tinha muita gente na percussão, como Tio Faustino no omelê; João da Bahiana no pandeiro; Bide, Marçal e Buci nos tamborins; Vidraça no ganzá, Oswaldo na cabaça; e eu. Radamés fazia os arranjos para o Orlando Silva, por exemplo, e quando este estava cantando, a orquestra fazia a harmonia, e o ritmo era todo na percussão. Quando fomos para a Rádio Nacional, o cantor trouxe da gravadora o mesmo arranjo, mas, como na rádio nessa época só tinha eu de bateria e mais um outro na percussão, ficava um vazio enorme. E eu me desdobrando na bateria para suprir a falta de outros instrumentos! (PERRONE apud BARBOSA; DEVOS, 1984BARBOSA, Valdinha; DEVOS, Anne Marie. Radamés Gnattali: o eterno experimentador. Rio de Janeiro: Funarte, 1984., p. 45).

O depoimento de Perrone sobre as orquestras da RCA e da Rádio Nacional, dirigidas pelo mesmo maestro, revela uma significativa transformação estética proporcionada pela reconfiguração do naipe de percussão. É notório que Perrone, entre os percussionistas da época, era um dos poucos bem preparados para a leitura de arranjos, músico de “educação formal”, sendo esse um motivo para garantir sua presença no casting da Rádio. No entanto, fica a questão: qual teria sido a razão para reduzir drasticamente o naipe de percussão? Por que motivo manter a bateria e excluir justamente o que haveria de “típico” na percussão? É notório que, no decorrer da década de 1930, os agentes responsáveis pela definição da estética musical vigente nos espaços institucionalizados para a difusão do samba (gravadoras e rádios, especialmente a Rádio Nacional) adotaram, em grande medida, o modelo importado das grandes orquestras, as big bands. O relato do historiador Franceschi revela seu desgosto sobre as inevitáveis transformações consequentes da profissionalização dos sambistas:

O ano de 1936 marcou o início de uma profunda transformação quando a Rádio Nacional “profissionalizou” o sistema implantando o que denominou ser tratamento sinfônico. Esse tratamento optou pela deliberada substituição da percussão por metais, despersonalizando o fator mais importante da nossa música: o ritmo. [...] Essa decantada “profissionalização” culminou por apresentar, no estúdio maior da Rádio Nacional, todo cercado de enormes placas de vidro, como verdadeiro aquário, figuras como João da Baiana, Bide e outros maiorais, fantasiados de casaca de seda branca... Daí em diante, patrocinados por grandes firmas norte-americanas, os programas musicais transmitidos pela Rádio Nacional foram cada vez mais no espelho e semelhança do programa Um Milhão de Melodias, patrocinado pela Coca-Cola, que serviu como padrão desse tratamento pseudo-sinfônico, pensando ser as grandes orquestras melódicas norte-americanas, e nada mais restou. (FRANCESCHI, 2002FRANCESCHI, Humberto M. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. , p. 294).

João da Baiana e Bide foram dois percussionistas e compositores muito representativos no ambiente do samba. O primeiro, parceiro de Pixinguinha e Donga, fazia parte da chamada “velha guarda” do samba, a quem se atribui a introdução do pandeiro no gênero. Alcebíades Barcelos, o Bide, integrava a “turma do Estácio”, tendo sido o responsável pela introdução do surdo e do tamborim no samba, proporcionando ainda a fixação de novos padrões ao gênero8 8 A respeito das distinções entre a música feita pela “velha guarda” e pela “turma do Estácio”, conferir: Sandroni, 2001a. . Conforme o texto sugere, esses dois protagonistas maiores na história do samba, ao se profissionalizarem, teriam sido alijados de sua “espontaneidade” no fazer musical, expostos como exóticos peixes ornamentais confinados em uma redoma de produção onde imperava o que o autor chama de samba “pseudo-sinfônico”.

A construção do que se considera o gênero emblemático de música popular brasileira, ou seja, do modelo de samba acima descrito, ocupou de forma predominante o mercado entre os anos 1930 e 1950. Essa música teria sido o espaço e resultado de um permanente conflito, norteado por dois ideais aparentemente contraditórios: por um lado, a absorção dos investimentos estrangeiros e sua consequente influência na definição de parâmetros estéticos; por outro lado, a preservação de uma suposta autenticidade garantida pela manutenção de elementos tradicionais. Pode-se supor, dessa maneira, que o processo de consolidação do campo da música popular, que se confunde com a urbanização e o desenvolvimento de uma indústria cultural, não tenha sido um conjunto de algum movimento nacional isolado. Acima das especificidades de cada caso, tais movimentos deflagrados em alguns países do continente americano revelam uma transnacionalidade fortemente impulsionada por modelos de produção estadunidense.

As primeiras gravações brasileiras com bateria passaram a ser realizadas a partir de 1927 pela Odeon em execuções da Orquestra Pan American de Simon Boutman, que contava com o baterista Aristides Prazeres9 9 Não foi possível precisar quem foi o primeiro baterista a gravar no Brasil. Alguns artigos de revistas atribuem o feito a Luciano Perrone, que certamente integrou essa orquestra. Porém, em 1927 a função era ocupada por Prazeres, conforme: Severiano, 2008, p. 100. . A bateria passou então a integrar o corpo instrumental de centenas de gravações realizadas entre os anos de 1929 a 1939 pelas orquestras dirigidas por Pixinguinha, Radamés Gnattali, entre outros maestros, como a Victor Brasileira, a Típica Victor, a Diabos do Céu e a Guarda Velha. Apesar de muitas dessas gravações contarem ainda com um número significativo de ritmistas (a “batucada” a que Perrone se referiu), a bateria também se faz presente. Através da escuta, transcrição e análise dos padrões rítmicos executados pelos bateristas nesse período, é possível afirmar que tais bateristas procuravam reproduzir, de maneira adaptada, a sonoridade e os recursos percussivos próprios do instrumental “típico” do samba. Por exemplo, um recurso singular bastante utilizado pelo próprio Luciano Perrone consistia em tocar na caixa surda (sem esteiras) fraseados sincopados com baqueta na mão direita, enquanto a esquerda percutia diretamente a pele da caixa em movimentos de abafamento e pressão visando alterar os timbres dos toques10 10 Um exemplo da aplicação desse recurso pode ser ouvido na versão da canção “Na baixa do sapateiro” (Ari Barroso), lançada em 1942 pelo selo Victor com a interpretação vocal de Silvio Caldas, acompanhado pela orquestra dirigida por Radamés Gnattali. Essa gravação integra o volume 9 da coleção de CDs Os grandes sambas da história, lançada pela RCA/BMG/Editora Globo em 1997. Atualmente é possível acessar o arquivo digital através de dois links: https://youtu.be/NDax52y3rOU e https://youtu.be/l_H4qV450rg. . Esse recurso de tocar com uma das mãos na pele e outra com baqueta remete aos procedimentos utilizados na execução de toques de atabaque em algumas nações de candomblé, ou mesmo do próprio tamborim, em que os toques de baqueta são alternados com o contato do dedo médio da mão que segura o instrumento na parte debaixo da pele. Essa maneira de construir os ritmos de samba na bateria, em que a sonoridade dos tambores foi mais explorada, foi chamada de “samba batucado”, e originou sofisticados padrões que ficaram conhecidos por “samba cruzado”11 11 Bons exemplos de padrões de “samba cruzado” podem ser conferidos em: Bolão, 2003. .

Tais fatores evidenciam o empenho por parte de Perrone em incorporar a bateria no samba de forma que o instrumento ganhasse um novo significado, dissociando sua imagem da referência jazzística. Atribui-se ao baterista a seguinte frase: “Eu nunca me preocupei em imitar o Gene Krupa porque o que me interessava era o batuque do samba”12 12 Essa afirmação de Perrone teria sido motivada em função da inevitável comparação ao baterista Gene Krupa, contemporâneo do brasileiro. Assim como Perrone se destacou, entre outros trabalhos, junto ao Trio Carioca (Luiz Americano ao clarinete, Radamés Gnattali ao piano, e Perrone na bateria), Krupa alcançou grande projeção como integrante do trio de Benny Goodman, com formação idêntica (Goodman ao clarinete, Teddy Wilson ao piano e Gene Krupa na bateria). (apud BOLÃO, 2003BOLÃO, Oscar. Batuque é um privilégio. Rio de Janeiro: Lumiar, 2003., p. 136). Em “O Samba com Luciano”, gravada em 1958, o compositor Luis Bandeira homenageia Perrone através dos seguintes versos sustentados por uma exímia execução do baterista:

O samba com Luciano é assim ritmado, sincopado Parece até que se ouve o tamborim Tem balanço do começo ao fim Vejam só, neste breque o que ele faz Muito bem Luciano, outro mais Tempero de samba é o molho especial isto é que samba, isto é samba original Repicando na caixa, o tempo ele faz no bumbo Olha o tombo que o samba tem Contratempo ele faz no tarol variando no surdo Completando, agogô e pratos também Vejam só, bateria está legal Isto é que samba, isto é samba original

Esses versos afirmam a legitimidade que a bateria já conquistara no contexto do samba; desde que executada segundo os padrões desenvolvidos por Luciano Perrone, poderia representar até mesmo a “autenticidade” do gênero. No entanto, há que se frisar que em meados de 1950 uma nova geração de bateristas ocupava o mercado da música popular, trazendo outros padrões de execução do ritmo , que muito se diferenciava da maneira de Perrone tocar. A partir desse momento, a representação da “originalidade” e “autenticidade” não estaria mais vinculada propriamente à questão do emprego do instrumental típico ou da bateria; na década de 1950 esses conceitos passariam a delinear um campo de conflitos definidos, entre outros aspectos, pelas distintas maneiras de se tocar o samba na bateria.

REFERÊNCIAS

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  • _____. Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997.
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  • KIEFER, Bruno. Música e dança popular: sua influência na música erudita. Porto Alegre: Movimento, 1990.
  • MELLO, Zuza Homem. Música nas veias. Memórias e ensaios. São Paulo: Editora 34, 2007.
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  • _____. Dois sambas de 1930 e a constituição do gênero: “Na Pavuna” e “Vou te abandonar”. Cadernos do Colóquio, Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 2001, p. 8-21.
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  • TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1990.
  • TROTTA, Felipe. Gêneros musicais e sonoridade: construindo uma ferramenta de análise. Ícone, revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, v. 10, n. 2, 2008.
  • VEDANA, Hardy. Jazz em Porto Alegre. Porto Alegre: L&PM/Funarte, 1987.
  • VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
  • 13
    Este artigo é fruto da pesquisa de doutoramento desenvolvida no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, publicada em 2014 sob o título Modos de execução da bateria no samba. A partir da revisão de alguns trechos da tese, desenvolvi o texto aqui apresentado.
  • 2
    Cowbell: acessório de percussão feito de metal, conhecido no Brasil também como sino de vaca; wood block: acessório de percussão originário da China, feito de uma peça retangular de madeira dura, com um fino corte horizontal perto de sua superfície, o que promove uma ressonância característica; temple block: acessório de percussão originário da China, feito através da escavação de pedaços sólidos de madeira, deixando-os ocos e ressonantes. Ao conjunto desses acessórios, somados a outros aparatos e ornamentos, deu-se o nome trap sets (cf. COOK, 1997).
  • 3
    Cf. o capítulo intitulado “Aceita dançar?” de: Mello, 2007.
  • 4
    A palavra drumset é utilizada nos Estados Unidos para designar o instrumento. O termo “bateria”, adotado no Brasil, provém de batterie (decorrente do verbo francês battre, do latim battuere, que significa bater, golpear). Na França e Alemanha, antes mesmo do surgimento do instrumento bateria, a palavra batterie era utilizada para designar um pequeno naipe de percussão, geralmente formado por prato, bumbo e triângulo.
  • 5
    A imagem está reproduzida em: Camorim, 1985, p. 8.
  • 6
    Solo aqui é usado no sentido em que o instrumento é registrado sem a presença de nenhum outro ao mesmo tempo. O que Perrone executou nessa gravação foram, a bem dizer, frases de preenchimento aos breques do samba.
  • 7
    A reestruturação urbana do Rio de Janeiro teve forte impulso no governo Pereira Passos. A partir de 1902, foram demolidas em um ano e meio cerca de 590 edificações do estreito mundo proletário da Cidade Velha para a construção da Avenida Central (depois rebatizada Avenida Rio Branco), impulsionando uma grande parcela da população pobre a ocupar os morros periféricos, deflagrando a delimitação dos “espaços sociais”. A esse respeito, ver: Needell, 1993.
  • 8
    A respeito das distinções entre a música feita pela “velha guarda” e pela “turma do Estácio”, conferir: Sandroni, 2001a.
  • 9
    Não foi possível precisar quem foi o primeiro baterista a gravar no Brasil. Alguns artigos de revistas atribuem o feito a Luciano Perrone, que certamente integrou essa orquestra. Porém, em 1927 a função era ocupada por Prazeres, conforme: Severiano, 2008, p. 100.
  • 10
    Um exemplo da aplicação desse recurso pode ser ouvido na versão da canção “Na baixa do sapateiro” (Ari Barroso), lançada em 1942 pelo selo Victor com a interpretação vocal de Silvio Caldas, acompanhado pela orquestra dirigida por Radamés Gnattali. Essa gravação integra o volume 9 da coleção de CDs Os grandes sambas da história, lançada pela RCA/BMG/Editora Globo em 1997. Atualmente é possível acessar o arquivo digital através de dois links: https://youtu.be/NDax52y3rOU e https://youtu.be/l_H4qV450rg.
  • 11
    Bons exemplos de padrões de “samba cruzado” podem ser conferidos em: Bolão, 2003.
  • 12
    Essa afirmação de Perrone teria sido motivada em função da inevitável comparação ao baterista Gene Krupa, contemporâneo do brasileiro. Assim como Perrone se destacou, entre outros trabalhos, junto ao Trio Carioca (Luiz Americano ao clarinete, Radamés Gnattali ao piano, e Perrone na bateria), Krupa alcançou grande projeção como integrante do trio de Benny Goodman, com formação idêntica (Goodman ao clarinete, Teddy Wilson ao piano e Gene Krupa na bateria).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2017
  • Aceito
    19 Maio 2018
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