Open-access Nietzsche na escrivaninha da casa da rua Lopes Chaves

Nietzsche on the desk in the house on Lopes Chaves street

RESUMO

Em sua coleção de livros, hoje mantida pela Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros, Mário de Andrade guardou obras de Friedrich Nietzsche em tradução francesa editados nos anos 1910 e 1920. Este artigo se propõe a acompanhar analiticamente a leitura feita pelo autor brasileiro da obra do filósofo alemão, seguindo, para tanto, sua marginália, e, assim, situar Mário de Andrade, como leitor e escritor, no contexto da recepção de Nietzsche no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE
Nietzsche; Mário de Andrade; marginália

ABSTRACT

In his collection of books, maintained by the Library of the Institute of Brazilian Studies, Mário de Andrade kept works by Friedrich Nietzsche in French translation edited in the 1910s and 1920s. This article aims to analyse the Brazilian author’s reading of the German philosopher’s work, following, to this end, his marginalia. Thus, it seeks to situate Mário de Andrade, either as a reader or as a writer, in the context of Nietzsche’s reception in Brazil.

KEYWORDS
Nietzsche; Mário de Andrade; marginalia

“Abancado à escrivaninha em São Paulo Na minha casa da rua Lopes Chaves De supetão senti um friúme por dentro. Fiquei trêmulo, muito comovido Com o livro palerma olhando pra mim” (Mário de Andrade 2013a, p. 287).

Nos anos 1920, em um romance em que satiriza o biologismo que julga explicar cientificamente a psicologia individual, Mário de Andrade (1927a, p. 9), que afirma repudiar tal “naturalismo”, insere uma rara menção a Friedrich Nietzsche em um contexto saturado de seu nome. Nietzsche emerge da voz do narrador de Amar, verbo intransitivo, que, a respeito da personagem Elza, a Fräulein, comenta: “Preferia Nietzsche, mas um pouquinho só, era maluco, diziam. Em todo caso Fräulein acreditava em Nietzsche” (ANDRADE, 1927a, p. 51). E, a seguir,seu nome retorna, dessa vez na voz da personagem: “a filosofia invadiu o terreno do amor! Tudo o que há de pessimismo pela sociedade de agora! Estão se animalizando cada vez mais. Pela influência às vezes até indireta de Schopenhauer, de Nietzsche...” (ANDRADE,1927a, p. 66).

Essas menções, diferentemente de outras nove alusões a Nietzsche presentes na edição de 1927, permaneceram na segunda edição do romance, de 1944, a despeito das supressões do autor (ANDRADE, 2008, p. 47; p. 56). Embora menos austeras do que as suprimidas, como veremos, as menções não parecem revelar certa antipatia com Nietzsche? Uma antipatia motivada, podemos presumir, pelo estado e pela forma da recepção do filósofo no Brasil dos anos 1920, quando ainda circulava em fragmentos de traduções descontextualizas, publicadas esparsa e, em geral, anonimamente, e em artigos de jornais cujos autores o associavam a posições as mais disparatadas, assimilando, mais comumente e, por vezes, celebratoriamente, o seu nome ao positivismo e, mais especificamente, ao evolucionismo, determinismo e darwinismo social, sintetizados no naturalismo que o modernista afirmava repudiar. Mas, em sua casa da rua Lopes Chaves,Mário de Andrade conservava nas estantes de sua biblioteca livros de Nietzsche, em tradução francesa, estabelecendo, portanto, contato direto com textos integrais de sua autoria.

Poderiam eventuais sinais de leitura esclarecer a sua opinião acerca de Nietzsche? Afinal,na biblioteca de Mário de Andrade, como constata Telê Ancona Lopez (2021, p. 179), “grande parte das obras recebeu anotações de leitura ao longo do texto, formando a fecunda marginália que revela a preocupação do escritor de aprender a analisar e, muitas vezes,alimenta a criação do polígrafo”. Portanto, a partir das relações entre a leitura e a escrita, pretendemos responder a essas perguntas analisando os sinais da leitura dos livros de Nietzsche conservados na biblioteca pessoal de Mário de Andrade. Pois, apesar dos estudos existentes acerca das relações entre suas obras,permanece a lacuna do estudo da marginália nos livros de Nietzsche.

Na coleção de Mário de Andrade, constam, nas traduções francesas de Henri Albert, Le cas Wagner, suivi de Nietzsche contre Wagner, editado em 1914; Le voyageur et sonombre, editado em 1919; Humain, trop humain, editado em 1921; Ainsi parlait Zarathoustra, editado em 1921;e,na tradução de Jean Marnold e Jacques Morland, L’origine de la tragédie ou hellenisme et pessimisme, sem data de edição. A tradução indica a “forte marca da cultura francesa” na recepção brasileira de Nietzsche tanto quanto na latino-americana: “seja a de que o mundo de leituras e referências a cuja luz se lê Nietzsche foi o francês, ou, seja o de que a interpretação do filósofo alemão se deixou orientar em diferentes graus por intérpretes franceses, seja, por fim, que o próprio texto de Nietzsche foi lido em traduções francesas” (SÁNCHEZ, 2013, p. 63).E confirma a persistente francofilia que, sabidamente, Mário de Andrade procurou contornar com o estudo do alemão e da cultura alemã.Tal francofilia ficou impressa, por exemplo,em “Nietzsche e a sua Alemanha”, de Graça Aranha, para quem o filósofo “é um parvenu” tomado de um “prurido de aparecer” que “se manifesta na ostentação da cultura, na declamação em voz alta, na intenção de refazer, de renovar”,ao passo que:

Nada parvenue, a civilização na França é absoluta, inteiriça, integral.A unidade de cultura se desenvolve sem esforço, com toda a naturalidade, de acordo com as forças profundas da unidade nacional.

Quanto diferente a Alemanha moderna, no seu furor de renovar, de expandir-se, de dominar e de ostentar! É sempre o bárbaro, o grosseiro, que a civilização deslumbra e que ao menor verniz de cultura se julga ultracivilizado; e daí um paroxismo de expressão, um prurido de novidade e uma necessidade de brilhar. (ARANHA, 1921, p. 215-216).

Figura 1
Livros de Nietzsche da biblioteca pessoal de Mário de Andrade. Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

Apesar da rica coleção de Mário de Andrade, deparamos com os limites do material, ao menos no que se refere a anotações marginais do leitor paulista. Não apresentam quaisquer sinais os livros Le cas Wagner, suivi de Nietzsche contre Wagner (1914), Le voyageur et son ombre (1919) e Humain, trop humain (1921b), ao passo que, em L’origine de la tragédie ou hellenisme et pessimisme (s. d.), encontramos apenas um risco vertical em grafite, destacando um parágrafo2 a respeito do significado do coro para Schiller, ao lado do qual se encontra a palavra “Coro” anotada na margem.

Figura 2
Página de L’origine de la tragédie ou hellenisme et pessimisme (NIETZSCHE, s. d.). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

O grafite indica,conforme as conclusões de Lopez (2021, p. 243), que as notas marginais nos livros de Nietzsche datam do segundo período da marginália de Mário de Andrade, quando “abole a caneta e adota o grafite”. De acordo com a autora, o segundo período se estende aproximadamente de 1914 a 1929, sendo precedido por uma “leitura que parece ligada sobretudo ao desejo de firmar conhecimentos e reassegurar valores religiosos e morais, sem abrir mão, contudo, do que aceita como verdade apoiada em documentos ou testemunhos” (LOPEZ, 2021, p. 243; p. 240), ao passo que as notas do segundo período testemunham a disseminação e o amadurecimento progressivos do diálogo, ao abandonar certas restrições ou certos julgamentos de católico dogmático, em proveito da interlocução realmente crítica, na qual o leitor/artista se permite aparecer” (LOPEZ, 2021, p. 245).

Contudo, como veremos, o catolicismo do leitor desejoso de “assegurar valores religiosos e morais” e, ao mesmo tempo, aferir a “verdade apoiada em documentos ou testemunhos” (LOPEZ, 2021, p. 240), parece continuar a influir na leitura de Nietzsche por Mário de Andrade no segundo período de sua marginália,embora o amadurecimento do diálogo e a interlocução crítica, constatados pela pesquisadora, se deixem, de fato, entrever, contribuindo inclusive para a criação do artista e crítico cultural.

Se são escassas as anotações nos livros de Nietzsche antes arrolados, o livro Ainsi parlait Zarathoustra, por sua vez, apresenta uma proporção significativamente maior de sinais de leitura. Ainda assim, no entanto, as anotações marginais e demais sinais deixados pelo leitor modernista se concentram todos na primeira parte do livro – composto de quatro partes –, que compreende o “Prólogo de Zaratustra” e “Os discursos de Zaratustra”.

Na folha de rosto da edição de 1921 de Ainsi parlait Zarathoustra, Mário de Andrade escreve em grafite “Laus Deo!”, expressão latina de louvor a Deus usualmente utilizada em sinal de reconhecimento da contribuição divina na feitura da obra:

Figura 3
Folha de rosto de Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/ USP

Antes da expressão latina, na falsa folha de rosto, Mário de Andrade anota alguns números de páginas, associados, a partir da segunda linha, a expressões escritas ora em português, ora em francês.

Figura 4
Falsa folha de rosto de Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

Ao longo do livro, o leitor paulista destaca com um risco vertical nas margens do texto a seguinte passagem: “Naquele tempo levavas tuas cinzas para os montes: queres agora levar teu fogo para os vales? Não temes o castigo para o incendiário?”3 (NIETZSCHE, 2011, p. 12). São as palavras de um velho homem que Zaratustra encontra ao descer a montanha e chegar aos bosques. O velho, descrito como um santo, reconhece Zaratustra e o percebe mudado, tentando persuadi-lo a, em vez de se juntar aos homens da cidade, permanecer na solidão da floresta, onde louva a Deus. A passagem precede a famosa fala de Zaratustra: “Como será possível? Este velho santo, na sua floresta, ainda não soube que Deus está morto!” (NIETZSCHE, 2011, p. 13). A seguir, Mário de Andrade sublinha o trecho em que, imediatamente antes de anunciar a morte de Deus e seguir para a cidade, Zaratustra se despede do velho santo: “‘Deixai-me partir, para que nada vos tire!’”4 (NIETZSCHE, 2011, p. 13).

Ambas as passagens destacadas permitem entrever a inquietação do leitor, como parecem comprovar, inclusive, os trechos a seguir, associados, na falsa folha de rosto, com as primeiras passagens antecedidas pela abreviação “pg”: “não sou a boca para esses ouvidos”5 (NIETZSCHE, 2011, p. 17), a primeira delas. O excerto integra a frase que Zaratustra fala a si mesmo ao ser objeto de riso do povo da cidade, reunido na praça para assistir a um equilibrista. Zaratustra a enuncia depois de proferir seu discurso a respeito de um conceito usado e abusado no Brasil, o “super-homem”, ou seja, a necessidade de o homem superar a si mesmo. O conceito, no entanto, ao se difundir para a linguagem cotidiana, como nota Geraldo Dias, se afasta de seu contexto textual e conceitual e,“no final dos anos 1920, não passa de um jargão gasto empregado na imprensa tanto de maneira pejorativa quanto conservadora” (DIAS, 2023, p. 36), sendo associada, inclusive, ao eugenismo. Quanto ao conceito em Nietzsche (2011, p. 16), ao estabelecer uma relação com o equilibrista, Zaratustra emprega os termos “passagem” e “declínio” no sentido de superação do homem para o super-homem, e se anuncia como um arauto: “Vede, eu sou um arauto do raio e uma pesada gota da nuvem: mas esse raio se chama super-homem” (NIETZSCHE, 2011, p. 17). Ao que segue a frase destacada por Mário de Andrade: “Depois de falar essas palavras, Zaratustra olhou novamente para o povo e calou. ‘Aí estão eles e riem’, falou para o seu coração, ‘não me compreendem, não sou a boca para esses ouvidos’”. E, então, decidiu lhes falar “do que é mais desprezível: ou seja, do último homem” (NIETZSCHE, 2011, p. 17), que Zaratustra compreende como o homem incapaz de se superar porque “já não sabe desprezar a si mesmo” (NIETZSCHE, 2011, p. 18), uma vez que o desprezo constituiu uma qualidade fundamental para a superação de si metaforizada como “passagem” e “declínio”.

As demais passagens destacadas podem ser igualmente compreendidas sob o signo da inquietação do leitor e, sobretudo, de um potencial perigo. Com um risco vertical ao lado do parágrafo, Mário de Andrade destaca o trecho: “Inquietante é a existência humana, e ainda sem sentido algum: um palhaço pode lhe ser uma fatalidade”6 (NIETZSCHE, 2011, p. 21). O palhaço, aqui, se refere ao “rapaz de vestes coloridas” (NIETZSCHE, 2011, p. 20) que pula sobre o equilibrista que atravessa uma corda estendida de uma torre a outra, provocando a sua queda e, consequentemente, a sua morte. Com um sublinhado, Mário de Andrade destaca: “Fazer brilhar sua tolice, para zombar de sua sabedoria?”7 (NIETZSCHE, 2011, p. 27). A pergunta trata das metamorfoses do espírito mencionadas por Zaratustra quando se questiona sobre o que requer o espírito para afirmar sua força: “Não é isso: rebaixar-se, a fim de machucar sua altivez? Fazer brilhar sua tolice, para zombar de sua sabedoria?” (NIETZSCHE, 2011, p. 27). E, finalmente, com um risco vertical ao lado do parágrafo, destaca: “Obrigas muitos a mudar de ideia acerca de ti; isso eles põem duramente em tua conta. Chegaste perto deles e passaste: isso jamais te perdoam”8 (NIETZSCHE, 2011, p. 62).

Precedem a afirmação de Zaratustra as seguintes perguntas: “Já conheces a palavra ‘desprezo’, irmão? E o tormento da tua justiça, de ser justo com os que te desprezam?” (NIETZSCHE, 2011, p. 62). O discurso de Zaratustra em que se encontra a passagem destacada, intitulado “Do caminho do criador”, interessa na medida em que tematiza a criação,recorrentemente destacada por Mário de Andrade. “Tens de querer queimar em tua própria chama: como te renovarias, se antes não te tornasses cinzas?”, questiona Zaratustra, concluindo: “Ó solitário, tu percorres o caminho daquele que cria” (NIETZSCHE, 2011, p. 62). A criação se associa, para Zaratustra, ao amor e ao desprezo, relacionado,por sua vez, com a superação de si:

Ó solitário, tu percorres o caminho de quem ama: amas a ti mesmo, e por isso te desprezas, como apenas amantes desprezam.

Criar quer aquele que ama, porque despreza! Que sabe do amor quem não teve de desprezar justamente aquilo que amava? (NIETZSCHE, 2011, p. 63).

Para tanto, Zaratustra recomenda “seguir o caminho da tua aflição” (NIETZSCHE, 2011, p. 61), de cuja superação dependem os proventos da criação ou superação de si, entrevista em outra parte sublinhada por Mário de Andrade: “ordenhaste a tua vaca Aflição – e agora bebes o doce de leite de seu úbere”9 (NIETZSCHE, 2011, p. 37). Na página anterior, Mário de Andrade destaca um parágrafo com o mesmo sentido a respeito do amor pela “virtude terrena”: “Mas esse pássaro construiu em mim seu ninho: por isso eu o amo e acaricio – agora ele cobre em mim seus ovos de ouro”10 (NIETZSCHE, 2011, p. 37). Ambos os trechos, presentes no discurso “Das paixões alegres e dolorosas”, tratam do amor pelas virtudes individuais desenvolvidas a partir das paixões para a superação do homem em oposição ao “mal que nascer da luta de tuas virtudes” (NIETZSCHE, 2011, p. 37), tematizado no discurso seguinte, em que Zaratustra fala do “mau” proveniente do “mal”, da interpretação do que “sofreu e desejou” o corpo como prazer em “causar dor com aquilo que lhe causa dor” (NIETZSCHE, 2011, p. 39). Nesse discurso, Mário de Andrade destaca o seguinte parágrafo: “‘Inimigo’ deveis dizer, mas não ‘malvado’; ‘doente’ deveis dizer, mas não ‘patife’; ‘tolo’, mas não ‘pecador’”11 (NIETZSCHE, 2011, p. 38), que indica na falsa folha de rosto com a palavra francesa “bonte”, aparentemente e apesar da falta do acento (Figura 4), ou seja, “bondade”. A passagem trata da justificação, em nome da vida, da morte do “criminoso” tomado pelo “grande desprezo” (NIETZSCHE, 2011, p. 38).

Mário de Andrade destaca outros trechos relacionados com a criação. Um, presente no discurso “Do novo ídolo”: “Isso é mentira! Criadores foram aqueles que criaram os povos e deixaram uma fé e um amor suspensos sobre eles: assim serviram à vida”12 (NIETZSCHE, 2011, p. 48). Aqui, Zaratustra critica a associação entre povo e Estado, opondo “criadores” e “destruidores”. “Destruidores são aqueles que preparam armadilhas para muitos e as chamam de Estado: deixam uma espada e cem desejos suspensos sobre eles”, complementa a seguir. No outro trecho, por sua vez, presente no discurso “Das moscas do mercado” – “O povo pouco compreende a grandeza, isto é: a criação. Mas é sensível aos apresentadores e atores das grandes causas”13 (NIETZSCHE, 2011, p. 51) –,Zaratustra contrapõe ao mercado, com seu “barulho dos grandes atores e o zumbido das moscas venenosas” (NIETZSCHE, 2011, p. 51), a solidão, onde ele situa “os inventores de novos valores”, recomendando em passagem novamente destacada por Mário de Andrade:

Foge, meu amigo, para a tua solidão: vejo-te picado por moscas venenosas. Foge para onde o ar é rude e forte!

Foge para a tua solidão! Viveste demasiadamente próximo aos pequenos e miseráveis. Foge da sua invisível vingança! Em relação a ti, eles não são outra coisa senão vingança.

Não mais levantes o braço contra eles! São inúmeros, e espantar moscas não é tua sina14. (NIETZSCHE, 2011, p. 52).

O primeiro trecho destacado no discurso “Das moscas do mercado” se relaciona, ainda, com a compreensão ou, mais especificamente, com a falta de compreensão pelo povo dos novos valores ou da criação: “O povo pouco compreende a grandeza”, que, segundo Zaratustra, passa “longe do mercado e da fama”(NIETZSCHE, 2011, p. 51; p. 52).Mas como o leitor paulista o compreende? E como compreender suas anotações? Compreende Zaratustra e Nietzsche como “apresentadores e atores das grandes causas”? Deseja que Zaratustra e Nietzsche fujam para a sua solidão? Ou, antes, prefere preservá-los do “povo” que “pouco compreende a grandeza” de sua criação?

Com efeito, são as anotações marginais de Mário de Andrade que contribuem para a compreensão de sua opinião a respeito do livro e de seu autor, bem como de seus leitores, como veremos, na medida em que grafa nas margens do livro suas impressões de leitura. Nesse sentido, Mário de Andrade insere uma nota de rodapé ao final do parágrafo em que Zaratustra se dirige ao povo da cidade com a intenção de lhe ensinar o super-homem: “Todos os seres, até agora, criaram algo acima de si próprios: e vós quereis ser a vazante dessa grande maré, e antes retroceder ao animal do que superar o homem?”15 (NIETZSCHE, 2011, p. 14), afirma Zaratustra. Ao que Mário de Andrade comenta em sua nota de rodapé: “Zaratustra avança verdades que não são verdades e não se detém em prová-las. Daí consequências engraçadíssimas”.

Figura 5
Nota de Mário de Andrade em página de Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

A falta de comprovação das verdades de Zaratustra de que Mário de Andrade acusa o personagem adquire, na nota de rodapé grafada na página seguinte, um tom mais grave, direcionado não apenas ao autor, Nietzsche, mas a seus leitores. Agora, Mário de Andrade insere uma nota de rodapé ao final deste parágrafo: “Uma vez a ofensa a Deus era a maior das ofensas, mas Deus morreu, e com isso morreram também os ofensores. Ofender a terra é agora o que há de mais terrível, e considerar mais altamente as entranhas do inescrutável do que o sentido da terra!”16 (NIETZSCHE, 2011, p. 14). E, em sua nota de rodapé, escreve: “O grande defeito desse livro é que com pretexto de literatura N. diz as tolices mais enormes, filosóficas, éticas, religiosas e o povo engole o romance e a filosofia”.

Figura 6
Anotação de Mário de Andrade em passagem de Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

Embora possa compreender Nietzsche como um materialista que propõe ocupar o vazio deixado pela morte de “Deus” com a “terra” e o “sentido da terra”, compreensão coerente com o catolicismo do leitor desejoso de “assegurar valores religiosos e morais” (LOPEZ, 2021, p. 240), Mário de Andrade critica, antes de tudo, a confusão entre literatura e filosofia, o fato de que “o povo engole o romance e a filosofia” e, por conseguinte, “as tolices mais enormes” justificadas, no entanto, “com o pretexto de literatura”. Assim, Mário de Andrade não parece redimir Nietzsche em detrimento de seus leitores, ainda que atribua ao autor o “grande defeito” do livro?Seja como for, acaba, curiosamente, concordando com Zaratustra, que, antes dele, afirma não ser a boca para os ouvidos do povo, como sublinha o desconfiado leitor paulista. A longa anotação de Mário de Andrade ao final do “Prólogo de Zaratustra” o confirma:

Compreende-se todo o mal que um livro assim pode fazer. Admira mesmo que seja tão pouco o mal que fez, dada a imbecilidade humana. Só este início é uma obra-prima de beleza, de alta poesia e de sonho. É preciso compreender Zaratustra como um poema, não como uma filosofia.

O livro imita, com alguma exatidão, o tom [ilegível], profético dos livros sagrados da antiguidade. Como estilo e como poesia, Zaratustra não cria, imita com muita inteligência. Em ideia quando cria, cria errado, porque não há mais nada por criar. Eis o declínio de Zaratustra.

A anotação de Mário de Andrade dialoga, evidentemente, com o “Prólogo de Zaratustra”, que se encerra com: “Assim começou o declínio de Zaratustra” (NIETZSCHE, 2011, p. 25), o que, para Nietzsche, no entanto, não tem, como vimos, a conotação negativa dada por Mário de Andrade.

Figura 7
Nota de Mário de Andrade em Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

Ao reconhecer “todo o mal que um livro assim pode fazer”, Mário de Andrade sintetiza suas impressões do texto desde o primeiro parágrafo destacado, em que lemos: “queres agora levar teu fogo para os vales? Não temes o castigo para o incendiário?” (NIETZSCHE, 2011, p. 12). O potencial perigo que Mário de Andrade parece associar a essas passagens e, por extensão, a Nietzsche, decorre sobretudo da incompreensão do livro: “não me compreendem, não sou a boca para esses ouvidos” (NIETZSCHE, 2011, p. 17), parece confirmar,em passagem sublinhada, Zaratustra, que, inclusive, afirma ter achado “mais perigo entre os homens do que entre os animais” (NIETZSCHE, 2011, p. 25). Mas, novamente, “o mal que um livro assim pode fazer” depende de seus leitores e dos usos que os leitores fazem do livro, “dada a imbecilidade humana” de um povo que, como anota Mário de Andrade, “engole o romance e a filosofia” e, consequentemente, as “tolices mais enormes, filosóficas, éticas, religiosas”. Assim, ao retomar a distinção anteriormente proposta entre literatura e filosofia, Mário de Andrade insiste: “É preciso compreender Zaratustra como um poema, não como uma filosofia”, reconhecendo o “Prólogo de Zaratustra” como “uma obra-prima de beleza, de alta poesia e de sonho”.

Reconhecida e resguardada, portanto, a qualidade do livro enquanto literatura e, mais especificamente, enquanto poesia, Mário de Andrade constata que, estilisticamente, o livro imita o tom dos livros sagrados da antiguidade, de modo que “não cria”, mas “imita”. Enquanto filosofia, por outro lado, “quando cria, cria errado, porque não há mais nada por criar”, conclui. Criar errado “porque não há mais nada por criar” parece corresponder à opinião de Mário de Andrade sobre a morte de Deus, presumivelmente, e, mais certamente, da transvaloração dos valores proposta por Nietzsche, que a tematiza ao final do “Prólogo de Zaratustra”, no qual a transvaloração dos valores coincide com a criação.

Corrobora a interpretação da relação entre a anotação segundo a qual Zaratustra “em ideia quando cria, cria errado, porque não há mais nada por criar”, e a transvaloração dos valores uma passagem de Oswald Spengler, de quem, inclusive, Mário de Andrade guardava em sua biblioteca uma edição em espanhol de 1923. A partir de sua perspectiva decadentista da civilização ocidental, Spengler, que afirma ter adotado “a formulação dos problemas” de Nietzsche e ter convertido “numa sinopse a sua visão fugaz” (SPENGLER, 1973, p. 19), correlaciona a “transvalorização de todos os valores” de Nietzsche com a natureza das civilizações para, em detrimento de seu pressuposto “ato criador” em relação a culturas antecedentes, concluir que as “civilizações já não criam nada. Limitam-se a interpretar” (SPENGLER, 1973, p. 212).

Sem reconhecer, portanto, a filosofia de Nietzsche enquanto filosofia, e nem a transvaloração dos valores enquanto criação, Mário de Andrade conclui sua anotação parodiando o filósofo: “Eis o declínio de Zaratustra”. Para o romancista, contudo, o problema não incide tanto sobre o livro quanto sobre a sua compreensão, como vimos. Tanto que na página indicada na falsa folha de rosto ao lado da inscrição “sur La compréhension” (Figura 4), ou seja, “sobre a compreensão”, o leitor paulista destaca um parágrafo com dois riscos verticais, única ocorrência em todo o livro, o que, certamente, revela maior interesse pela passagem: “Não é coisa fácil compreender o sangue alheio: eu detesto os que leem por passatempo”17 (NIETZSCHE, 2011, p. 40). A falta de compreensão se associa com a qualidade da leitura, com o tempo despendido na compreensão do outro, em conformidade com a filologia atenta, paciente, sabidamente exigida por Nietzsche (2011, p. 40): “De tudo escrito, amo apenas o que se escreve com o próprio sangue. Escreve com sangue: e verás que sangue é espírito”, afirma Zaratustra no parágrafo anterior ao destacado, evidenciando a relação entre o ler e o escrever que forma o título de seu discurso, sublinhado por Mário de Andrade.

Figura 8
Subtítulo de Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a) sublinhado pelo autor brasileiro. Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

No discurso “Do ler e escrever”, Zaratustra afirma que “Quem escreve em sangue e em máximas não quer ser lido, quer ser aprendido de cor”e “aqueles a quem são ditas” as máximas “devem ser grandes e altos”. Com isso, Zaratustra conclui que “O ar fino e puro, o perigo próximo e o espírito pleno de alegre maldade: essas coisas combinam” (NIETZSCHE, 2011, p. 40). Nesse discurso, Mário de Andrade destaca ainda um parágrafo que, ao conceber um amor sem objeto, ao modo do verbo viver, poderia ter colaborado para a idealização de um amor intransitivo, como o que nomeia o romance de 1927 –“É verdade: amamos a vida não por estarmos habituados à vida, mas ao amor”18 (NIETZSCHE, 2011, p. 41), indicado na falsa folha de rosto com a palavra “vie” (Figura 4), ou seja, vida – e sublinha a seguinte frase: “Eia, vamos matar o espírito de gravidade!”19 (NIETZSCHE, 2011, p. 41).

Ainda no mesmo discurso, Zaratustra representa a sabedoria como uma mulher: “Corajosos, descuidados, zombeteiros, violentos – assim nos quer a sabedoria: ela é uma mulher, ela ama somente um guerreiro” (NIETZSCHE, 2011, p. 41). A seguir, a coragem exigida pela sabedoria coincide com a coragem exigida pela vida: “A vida é difícil de suportar: mas não sejais tão delicados!” (NIETZSCHE, 2011, p. 41), afirma Zaratustra, contextualizando a passagem destacada por Mário de Andrade. Considerando que “a coragem quer rir” (NIETZSCHE, 2011, p. 40), mantendo, ao mesmo tempo, a “elevação”, a disposição de Zaratustra com a vida depende do seu amor por aquela “virtude terrena” (NIETZSCHE, 2011, p. 37), em detrimento de “mundos supraterrenos” (NIETZSCHE, 2011, p. 37) ou dos fantasmas das “coisas celestiais e as gotas de sangue redentoras” inventadas pelos “doentes e moribundos que desprezaram corpo e terra” (NIETZSCHE, 2011, p. 33):

Eu acreditaria somente num deus que soubesse dançar.

Quando vi meu diabo, achei-o sério, meticuloso, profundo e solene: era o espírito de gravidade – ele faz todas as coisas caírem.

Não com a ira, mas com o riso é que se mata. Eia, vamos matar o espírito de gravidade! (NIETZSCHE, 2011, p. 41)

Eis o contexto da frase sublinhada por Mário de Andrade, para quem deve ressoar com toda sua ambiguidade, uma vez que “o homem é mais infantil que a mulher”20 (NIETZSCHE, 2011, p. 64), como sublinha adiante, no último sinal deixado no livro, indicado na falsa folha de rosto com a inscrição “l’homme et la femme” (Figura 4), ou seja, “o homem e a mulher”. E a mulher, em Nietzsche, como demonstra Jacques Derrida (2013), recorrentemente personifica, com sua sedução e dissimulação, a verdade e, por conseguinte, a filosofia, o que, em si mesmo, enseja uma problematização da distinção entre filosofia e literatura, verdade e mentira, em que Mário de Andrade assenta sua opinião sobre o livro de Nietzsche. Ao mesmo tempo, permite conjeturar outras relações com o romance antes referido e, particularmente, com a personagem Elza, a Fräulein.

De todo modo, ao reconhecer o livro como literatura e, mais especificamente, como poesia, em detrimento de filosofia, Mário de Andrade, na verdade, dialoga com uma opinião comum a respeito de Nietzsche. No Brasil, José Veríssimo (1899), por exemplo, reproduz a mesma opinião quando, comentando Henri Lichtenberger, para quem Nietzsche vale mais “como poeta, que como filósofo”, acentua: “estou em crer que Frederico Nietzsche é sobretudo, quase direi somente, um poeta. Um grande poeta mesmo”, conclui, complementando se tratar de um criador de imaginações intelectuais que alguns podem tomar “como filosofia, mas que certamente não o são”. José Veríssimo descreve o livro anotado por Mário de Andrade como um “poema de uma maravilhosa riqueza de ideias, de pensamentos, de sensações e de moções distintas e raras”, e pergunta acerca da “doutrina” de Nietzsche: “Qual será o destino dela?”, arriscando uma resposta: “ela me parece desde já condenada a desaparecer”.

Poucos anos depois, no entanto, o mesmo José Veríssimo (1903) constata: “Nietzsche está na moda”. E, ao acusar os intelectuais brasileiros de adaptarem a sua doutrina para “corresponder aos sentimentos” deles, intui os interesses de determinados grupos sociais na compreensão de Nietzsche, o que parece escapar a Mário de Andrade:

[...] quando uma filosofia ou um filósofo e suas doutrinas estão em moda, é que correspondem à índole do momento, ou, pelo menos, às aspirações e sentimentos, ao estado de alma de grupos sociais, numerosos e consideráveis. E é, de fato, o que sucede a respeito de Nietzsche. (VERÍSSIMO, 1903).

Assim, o autor conclui:

É o defeito e o perigo das nossas interpretações a todo o transe de pensadores e poetas, nos quais descobrimos as obscuridades e dificuldades, e ocultos sentidos e intenções que, na maioria dos casos, não estariam na sua mente, mas que condizem com nosso próprio pensar e sentir. (VERÍSSIMO, 1903).

Enquanto, para Mário de Andrade, o “grande defeito” do livro parece se encontrar em “todo o mal” decorrente da confusão entre filosofia e literatura, para José Veríssimo, por sua vez, o “defeito e o perigo” do livro residem em “nosso próprio pensar e sentir”, anterior a “sentidos e intenções” de “pensadores e poetas” e, portanto, ao texto, seja literatura, seja filosofia.Tal como posteriormente identificaria na apropriação pelo “programa de Bismarck” da “fraseologia de Nietzsche, da ‘vontade de poder’”, aprofundada, como sabemos, pelo nazismo:

“Todo pensamento literário, estético, filosófico, científico, cultural, industrial, mercantil e ainda religioso da Alemanha contemporânea gravita em torno do seu predomínio, a conquistar com ferro e sangue, segundo o programa de Bismarck. Este pensamento que se apropriou à fraseologia de Nietzsche, da ‘vontade de poder’, não é um conceito universal e humano senão para uso exclusivo da Alemanha contra os outros povos que ela do alto de suas tamancas declara inferiores”. (VERÍSSIMO apud ASSUNTOS, 1914).

Em outra rara menção direta a Nietzsche, datada ainda dos anos 1920, Mário de Andrade (2009, p. 323) repete o argumento de José Veríssimo, invertendo os fatores: “Nietzsche serviu o ágape humano com uma dessas broas de imigrante, pesadíssimas, indigestas... Provocadoras de pesadelos: Guilherme II. Veio a guerra”. Mas não nos precipitemos, pois, como veremos, a frase guarda uma ambiguidade fundamental para compreendermos a opinião de Mário de Andrade a respeito de Nietzsche. Contando, aparentemente, com a compreensão das convenções em que se firma o contrato entre autor e leitor na identificação do tipo de representação discursiva que, supostamente, isentaria a literatura de responsabilidades, ao menos referenciais, com a realidade ou com a verdade, Mário de Andrade julga encontrar um argumento final contra Nietzsche e Zaratustra quando, ao sublinhar a passagem “Zaratustra não achou maior poder na terra do que bem e mal”21 (NIETZSCHE, 2011, p. 57), insere uma nota em francês: “C’est reconnaître que l’homme est un être moral. Alors Zarathoustra est un malabariste et un menteur”. Ou seja, referindo-se ao achado de Zaratustra mencionado na passagem sublinhada, o bem e o mal, Mário de Andrade conclui, como que confirmando sua primeira nota, em que observa que as verdades de Zaratustra “não são verdades”: “Significa reconhecer que o homem é um ser moral. Então, Zaratustra é um malabarista e um mentiroso”22.

Figura 9
Nota de Mário de Andrade em Ainsi parlait Zarathoustra (NIETZSCHE, 1921a). Coleção Mário de Andrade, Biblioteca do IEB/USP

Admiraria que, a par com a mentira, o argumento de Mário de Andrade fosse justamente... moral! Pois se trata de um autor que, ao inquirir a verdadeira origem de “nosso bem e nosso mal” (NIETZSCHE, 2003, p. 9), propõe uma genealogia da moral ou, mais precisamente, do valor dos valores morais em contraposição, principalmente, a uma moral, a cristã que, secundando Platão, com sua oposição fundadora entre filosofia e poesia, desterra a arte “ao reino da mentira” (NIETZSCHE, 2005, p. 19). Mas, mais do que avaliar o grau de comprometimento de Mário de Andrade com uma “leitura como arte”, com “uma arte da interpretação”, como requeria Nietzsche (2003, p. 14), interessa reconhecer que a correlação entre a problematização da verdade e a criação, estabelecida por Zaratustra quando, ao ver “uma nova verdade”, associa a criação com a quebra de valores (NIETZSCHE, 2011, p. 24), pode ter refletido no leitor da rua Lopes Chaves no questionamento dos seus dogmas religiosos e, ao mesmo tempo, em sua criação, em sua arte.Como compreender, afinal, a inscrição na folha de rosto da expressão latina de louvor a Deus (Figura 3), a mesma utilizada ao final de seu livro de poemas publicado em 1922 (ANDRADE, 2013b, p. 127), em um livro que justamente decreta a morte de Deus?

Da Biblioteca para o Arquivo

A conclusão a que nos levam as anotações marginais de Mário de Andrade encontradas em sua biblioteca pessoal,mantida pela Biblioteca do IEB/USP, aponta para uma flagrante ambiguidade ilustrada pelo valor positivo do “ágape humano” e pelo valor negativo da “broa de imigrante” servidos por Nietzsche. Tal ambiguidades e pronuncia na inclinação pela poesia presente na obra de Nietzsche, em que reconhece “uma obra-prima de beleza”,em detrimento da “ideia”, da “filosofia”, presumidamente motivada, como sugerimos,pelo estado da recepção de Nietzsche no Brasil dos anos 1920, bem como pelo remanente catolicismo do leitor paulista.Por ventura, suas fichas de leitura poderiam contribuir para esclarecer as razões de sua opinião acerca de Nietzsche?

Entre as poucas fichas intituladas “Nietzsche” com informações que compreendem os anos 1920, preservadas pelo Arquivo do IEB/USP, encontramos dados de referenciação de um livro de João Ribeiro que nos levam a um ensaio intitulado “Frederico Nietzsche”23.

Datado de 1896 e publicado em um livro de 1910 presente na biblioteca pessoal de Mário de Andrade, o ensaio apresenta Nietzsche como “o homem de mais fero orgulho que jamais houve”, e o super-homem de Nietzsche como um tipo “onipotente, fora da moral e das convenções” (RIBEIRO, 1910, p. 17). Ao reconhecer a dificuldade de sistematizar a filosofia de Nietzsche, João Ribeiro (1910, p. 18; p. 19) o descreve como um “inimigo dos sistemas” que “queria a decomposição de tudo”,reiterando, por outro lado, sua reputação de “literato e artista genial da palavra”. A filosofia de Nietzsche “exclui necessariamente a moral de hoje”,sobretudo “o Cristianismo, religião dos humildes e dos fracos, religião dos pobres e vagabundos”, resume João Ribeiro (1910, p. 19), repetindo os aspectos da obra de Nietzsche mais comumente criticados no Brasil. A seguir, conclui que “Nietzsche queria, pois, a inversão de todos os valores, como ele dizia. [...] Guerra aos fracos, guerra aos pobres, guerra aos doentes” (RIBEIRO, 1910, p. 20), arremata o autor, anos antes de a culpa das grandes guerras recair sobre Nietzsche.

Embora afirme que a “evolução” sonhada por Nietzsche não se refere a um “processo darwínico”, João Ribeiro (1910, p. 19) descreve sua filosofia como uma “seleção”, uma “luta pela vida”, em que “vencedores hão de ser” os “afrontadores da vida”. “‘Poder cada vez mais’ eis o verdadeiro lema”, resume, interpretando a filosofia de Nietzsche como um triunfo do individualismo contra a solidariedade humana. Assim, o acadêmico parece compreender sua filosofia, especialmente o conceito de super-homem, como um tipo particular de darwinismo, conforme analisa em outro ensaio: “Nenhuma doutrina foi tão universal nem absorveu jamais a ciência das coisas em tamanho grau, como o darwinismo”, que se torna “expressão cabal” para explicar “o progresso ou o declínio”, observa João Ribeiro (1910, p. 3). O autor constata, consequentemente, o “abuso” da teoria: “Surgiram assim as mil teorias darwínicas de segunda mão, a evolução da arte, a evolução da literatura, a do direito, a da crítica, etc., etc., sempre acompanhada da respectiva retórica da adaptação ao meio, a luta pela vida...” (RIBEIRO, 1910, p. 4). Afinal, ao tratar das teorias de Nietzsche, João Ribeiro (1910, p. 25) identifica “o excesso tendencioso da fisiologia hoje demasiado entremetida na ciência do homem”, confirmando sua compreensão da filosofia de Nietzsche.

Assim, o autor implica, desavisadamente, a filosofia de Nietzsche no “abuso” das “mil teorias darwínicas de segunda mão”. E, com isso, oferece uma chave de leitura para o cientificismo, o vitalismo, o fisiologismo, o biologismo ou, em uma palavra, o “naturalismo” que Mário de Andrade (1927b) repudia e dramatiza, satirizando o determinismo moral dos personagens no romance anteriormente referido em que menciona Nietzsche. Escrito, como informa Lopez (1996), entre 1923 e 1924, terminado em 1926 e publicado em 1927, o texto do romance Amar, verbo intransitivo foi refundido para a segunda edição, de 1944, de modo que as menções a Nietzsche foram reduzidas significativamente. Como sugere Marlene Gomes Mendes (2008, p. 13), as supressões da segunda edição indicam que “o ‘cientificismo’ não mais se justifica”, o que envolve, evidentemente, Nietzsche, tanto pela suplantação das teorias raciais em que seu nome não raro se via envolvido quanto pela revisão da apropriação de Nietzsche, a exemplo do outro livro referenciado na ficha de leitura em que consta a indicação do ensaio de João Ribeiro: La posición de Nietzsche frente a la guerra, el Estado y la raza, de Francisco Curt Lange, de 1938. O livro, presente na biblioteca de Mário de Andrade, com dedicatória do autor datada do mesmo ano de publicação, consiste justamente em uma problematização da apropriação de Nietzsche como intelectual do imperialismo alemão e do nazismo.

Com efeito, na primeira edição do romance, menções a Nietzsche acompanham digressões sobre o “cientificismo” mencionado por Mendes (2008), introduzidas quando o narrador trata do comportamento de Elza: “Mais questão de temperamento que de raça” (ANDRADE, 1927a, p. 12), pondera o narrador, recorrendo a noções das teorias raciais ainda em voga, e mencionando, com evidente distanciamento, hierarquias raciais a que antepõe a adaptação –não a da seleção natural derivada da teoria da evolução de Darwin, mas a decorrente das condições sociais: “diante da vida” (ANDRADE, 1927a, p. 16), diria o narrador. A seguir, nas partes suprimidas para a segunda edição, ao pleitear “contra Fraulein a necessidade da exclamação”, o narrador desenvolve ironicamente relações entre a pontuação e os povos, notadamente latinos e alemães, invocando o “pessimismo dos Gobineaus” (ANDRADE, 1927a, p. 16; p. 17) e reconhecendo, por outro lado, haver uma “pontuação diferente” no interior de cada alemão, quase nunca uma exclamação, mas uma interrogação:

Também por causa dessa pontuação interior nego a pés juntos que Nietzsche seja alemão. É um asiático germanizado isso sim. E como não me agrada o resultado de cruzamentos de égua com jumento, exóticos produtos infecundos e sem generosidade, não gosto de Nietzsche, filósofo de metafísicas sonâmbulas, vate de metáforas egoísticas e sem futuro. [...] Nietzsche mostra muitas qualidades do burro isso não tem que guerê nem pipoca! É pedante. É filósofo. O menos generoso menos consolador de todos os poetas. E além do mais, infecundo. Infecundíssimo, rapazes! Porque isso de ter perturbado a serenidade das fantasias espirituais vulgarmente chamadas de pesquisas filosóficas com uma fala assombrada meia prosa meia poesia foi apenas açular esquentar cacholas passivas por demais. E endoidecê-las. Mais nada. O burro também... [...] Nietzsche andou roçando toda a vida pelas ancas viçosas da grande nação alemã. Provocou nela um cio, como direi? Imperialista. Suponhamos que o tenha apenas aumentado... O resultado foi horrendo. (ANDRADE, 1927a, p. 17-18).

A “interrogação” interior confirma, como observa Lopez (1996b, p. 38) a respeito de Elza, a admissão de que a personagem escapa ao narrador, “dela se distanciando, ou com ela se solidarizando”, como com relação a Nietzsche, a quem o narrador não reduz, inclusive, a “alemão”, do mesmo modo que, como constata Lopez (1996a, p. 64), ao repudiar o imperialismo alemão e, na segunda edição, o nazismo, o autor não “recrimina, generalizando, o povo alemão”.Por outro lado, e ironizando ainda as teorias raciais, o narrador tipifica, para falar com tais teorias, Nietzsche como um degenerado ou, ao menos, como um “burro”, como resultado infecundo de cruzamentos. Nesse caso entre filosofia alemã e oriental, de onde emerge Zaratustra, inclusive, resultando em “uma fala assombrada meia prosa meia poesia” que, como o leitor paulista registra em suas anotações marginais, constitui o “grande defeito” do livro, cujas “tolices mais enormes” o povo engole por não diferenciar “o romance e a filosofia”, razão de “todo o mal que um livro assim pode fazer”, a despeito de sua beleza, poesia e sonho. O resultado de tal cruzamento se revela, segundo o narrador, “infecundo”, como o burro. Infecundo porque “não há mais nada por criar”, conforme antecipa o autor em suas anotações de leitor, aparentemente preocupado com o efeito de Nietzsche sobre as “cacholas passivas por demais”, como confirma o narrador.Infecundo, ainda, como o resultado do cio imperialista provocado ou apenas aumentado por Nietzsche, ou seja, a guerra de 1914, mencionada, a seguir, pelo narrador, que reconsidera: “A gente pode também admitir o chinfrim de 1914 mesmo sem a existência de Nietzsche”, argumentando: “Nietzsche existiu, não é? Pois eis uma boa explicação. Outra característica do burro. Aproveitemo-la, pois que a humanidade carece de causas pra que dos efeitos se console” (ANDRADE, 1927a, p. 18), conclui, eximindo Nietzsche da culpa pela guerra. “Porém que fique-se duvidando e voltemos pro ponto-final que resolve todas as requififes de autor” (ANDRADE, 1927a, p. 18), retoma o narrador suas elucubrações a respeito da pontuação. E, ao procurar resolver os “requififes de autor” recorrendo ao ponto-final, associado anteriormente ao alemão, atenta: “não expliquei porquê da interrogação interior dos alemães tirei a nacionalidade de Nietzsche... Não expliquei a franqueza: seria difícil de inventar uma explicação. Me lembrei de falar de Nietzsche e falei. Questão de vontadinhas” (ANDRADE, 1927a, p. 18-19). Por fim, o narrador conclui sua digressão a respeito das relações entre povos e pontuações diferenciando a vida e o pensamento e prevendo, contra o pessimismo dos Gobineaus, a fecundidade do latino. E se dirige aos leitores, reiterando: “Vocês já repararam talvez que nestas linhas não me preocupo absolutamente com a psicologia das raças...” (ANDRADE, 1927a, p. 19).

As supressões do romance parecem sugerir que, com o tempo, Mário de Andrade venceu a “primeira repugnância da leitura de Nietzsche” de que trata José Veríssimo (1908), para quem “não é difícil a quem vence a primeira repugnância da leitura de Nietzsche acabar reconciliando-se com este infeliz e malogrado pensador alemão”. Ao enfatizar o “processo de estilo” de Nietzsche, José Veríssimo constata sua intenção de “impressionar mais fortemente o leitor” para dele reter “maior atenção”:

O mal é que a uns este processo aborrece desde logo, e o abandonam aos seus maravilhosos conceitos ou paradoxos, a outros, impressiona-os demais. Tomam-no estes ao pé da letra e tudo lhe aceitam, imaginando candidamente uma filosofia nas suas geniais extravagâncias. (VERÍSSIMO, 1908).

Contrariamente aos leitores que se aborrecem desde logo com o estilo de Nietzsche, Mário de Andrade, atento ao estilo do escritor alemão, como evidenciam suas anotações marginais, antecipa em alguns anos uma conclusão a que chegaria Jorge Luis Borges, a qual contrasta, como nota Raúl Antelo (1998, p. 83), com os “primeiros leitores brasileiros de Nietzsche”, que ou “percebiam nele a dificuldade em resgatar uma vontade de verdade”, a exemplo de João Ribeiro, ou que, em razão de tal dificuldade, o reconheciam “tão somente no campo estético”, a exemplo de José Veríssimo. Ao comentar “El propósito de ‘Zarathustra’” (BORGES, 2001), publicado em 1944, Antelo (1998, p. 91) conclui que, para Borges, “o debate erra na classificação ou rotulação da obra” por descuidar das “questões materiais” ou, em uma palavra, do estilo, que “demonstra que Zarathustra não é nenhuma das duas coisas a que costumamos associá-lo”. Nem filosofia, nem poesia, “o propósito de Nietzsche foi ‘a composição de um livro sagrado’” (ANTELO, 1998, p. 91):

Nadie ha podido no observar que el más ilustre de los libros de Nietzsche (no el más complejo ni el mejor, ciertamente) es una imitación formal de los textos canónicos orientales; nadie, que yo sepa, ha agotado la significación de ese rasgo.[…] El tono inapelable, apodíctico, los infundados anatemas, los énfasis, la ambigüedad, la preocupación moral (mucho sabemos de la ética del Superhombre, nada absolutamente de su literatura o su metafísica), las repeticiones, la sintaxis arcaica, la deliberada omisión de toda referencia a otros libros, las soluciones de continuidad, la soberbia, la monotonía, las metáforas, la pompa verbal; tales anomalías de Zarathustra dejan de serlo, en cuento recordamos el extraño género literario a que pertenece.(BORGES, 2001, p. 211-214).

Em conformidade com a anotação de Mário de Andrade, segundo a qual o “livro imita” o tom ou o estilo “dos livros sagrados da antiguidade”, Borges compreende que se trata de uma “imitación formal de los textos canónicos orientales”, de um “libro sagrado” e que, interpretado como tal, “todos sus ‘defectos’ se justifican” (BORGES, 2001, p. 215), incluindo, quem sabe, o “grande defeito” apontado por Mário de Andrade. Afinal, ao perceber que Nietzsche parodia os “livros sagrados da antiguidade”, o leitor da rua Lopes Chaves reconhece o humor de Zaratustra nas “verdades que não são verdades” e, contrariamente a João Ribeiro (1910, p. 19), para quem, como vimos, a filosofia de Nietzsche “exclui necessariamente a moral de hoje”, constata que Zaratustra reconhece “que o homem é um ser moral”, e Zaratustra, “um malabarista”, brincando com o bem e o mal, “e um mentiroso”.

Portanto e por fim, na leitura de Mário de Andrade dos livros de Nietzsche presentes em sua biblioteca ecoam, evidentemente, as leituras de outros leitores do filósofo alemão, como o comprovam, inclusive, suas notas marginais. Cumpre recordar que, nos anos 1920, “as teorias evolucionistas, deterministas raciais e darwinistas sociais vão se constituir como paradigma entre grande parte dos intelectuais brasileiros” (BARROSO, 2013, p. 186), cooptando ao discurso higienista e eugenista a recepção de Nietzsche, que concorre, igualmente, para “outro debate importante entre os intelectuais nacionais: a questão do papel da cultura brasileira no mundo moderno e o debate acerca da identidade cultural nacional” (BARROSO, 2013, p. 186), que tanto preocupou Mário de Andrade. Tais camadas de leitura, a de Mário de Andrade e a de outros leitores de Nietzsche, compõem as notas marginais que, como observa Lopez (2021, p. 234-235), “na medida em que se enquadram no percurso da escritura, duplicam a natureza documental do objeto livro”: “O livro anotado ganha dupla feição, novo significado. Ao discurso do autor que o escreveu, sobrepõe-se o do leitor, o qual, no caso de Mário,desdobra-se em um segundo trabalho de autoria, dentro da tipologia da marginália sua”(LOPEZ, 2021, p. 214).

Assim, por um lado, a leitura de Mário de Andrade não se afasta de todo, ao menos ao longo dos anos 1920, da perspectiva sedimentada na recepção inicial de Nietzsche no Brasil, insistindo, por exemplo, na oposição entre filosofia e poesia, embora atente para o estilo sagrado do “vate” (ANDRADE, 1927a, p. 17) que criou Zaratustra. E não seria essa uma explicação para a inscrição “Laus Deo!” (Figura 3)? Por outro lado, a leitura de Mário de Andrade suplanta a recepção inicial de Nietzsche no Brasil ao desdobrar criticamente outras leituras em atrito com a materialidade do texto de Nietzsche, com o seu estilo, o que o afasta de sua recepção inicial no Brasil, especialmente daqueles leitores impressionados que, como descreve José Veríssimo (1908), tomam Nietzsche “ao pé da letra e tudo lhe aceitam, imaginando candidamente uma filosofia nas suas geniais extravagâncias”. Tal ambiguidade, correlacionada com os paradoxos de Nietzsche, bem como com os de Mário de Andrade, se imprime na escrita do leitor paulista, seja em suas anotações marginais, seja no romance em que sua opinião acerca de Nietzsche se manifesta na titubeação da personagem Elza, a Fräulein, entre a admiração e a rejeição.

  • 2
    Na tradução de J. Guinsburg: “Uma compreensão infinitamente mais valiosa do significado do coro já nos fora revelada por Schiller no famoso prefácio à Noiva de Messina, onde o coro é visto como uma muralha viva que a tragédia estende à sua volta a fim de isolar-se do mundo real e de salvaguardar para si o seu chão ideal e a sua liberdade poética” (NIETZSCHE, 1992, p. 53-54).
  • 3
    Tu portais alors ta cendre à la montagne : veux-tu aujourd’hui porter ton feu dans la vallée? Ne crains-tu pas le châtiment des incendiaires?” (NIETZSCHE, 1921a, p. 9). Optamos por reproduzir em notas de rodapé todas as passagens destacadas por Mário de Andrade em sua edição, traduzida para o francês por Henri Albert, citando no corpo do texto a tradução para o português de Paulo César de Souza.
  • 4
    Mais laissez-moi partir em hâte, afin que je ne vous prenne rien!”(NIETZSCHE, 1921a, p. 10).
  • 5
    je ne suis pas la bouche qu’il faut à ces oreilles” (NIETZSCHE, 1921a, p. 17).
  • 6
    Inquiétante est la vie humaine et, de plus, toujours dénuée de sens : un bouffon peut lui devenir fatal” (NIETZSCHE, 1921a, p. 22).
  • 7
    Faire luire sa folie pour tourner em dérision sa sagesse?” (NIETZSCHE, 1921a, p. 33).
  • 8
    Tu obliges beaucoup de gens à changer d’avis sur tois ; voilà pourquoi ils t’en voudront toujours. Tu t’es approché d’eux et tu as passé : c’est ce qu’ils ne te pardonneront jamais” (NIETZSCHE, 1921a, p. 88).
  • 9
    “[...] tu as trait la vacheAffliction, – maintenant tu bois le doux lait de ses mamelles” (NIETZSCHE, 1921a, p. 49).
  • 10
    Mais cet oiseau s’est construit son nid auprès de moi : c’est pourquoi je l’aime avec tendresse, – maintenant il couve chez moi ses oeufs dorés” (NIETZSCHE, 1921a, p. 48).
  • 11
    Dites ‘ennemi’ et non pas ‘scélérat’; dites ‘malade’ et non ‘gredin’; dites ‘insensé’ et non pas ‘pécheur’” (NIETZSCHE, 1921a, p. 51).
  • 12
    C’est un mensonge! Ils étaient des créateurs, ceux qui créèrent les peuples et qui suspendirent au-dessus de peuples une foi et un amour : ainsi ils servaient la vie” (NIETZSCHE, 1921a, p. 67).
  • 13
    Le peuple comprend mal ce qui est grand, c’ést-à-dire ce qui crée. Mais il a un sens pour tous les représentants, pour tous les comédiens des grandes choses” (NIETZSCHE, 1921a, p. 71).
  • 14
    Fuis, mon ami, fuis dans la solitude : je te vois meurtri par des mouches venimeuses. Fuis là-haut où souffle un vent rude et fort!/Fuis dans la solitude! Tu as vécu trop près des petits et des pitoyables. Fuis devant leur vengeance invisible! Ils ne veulent que se venger de toi./ N’élève plus le bras contre eux! Ils sont innombrables et ce n’est pas ta destinée d’être un chasse-mouches” (NIETZSCHE, 1921a, p. 72).
  • 15
    Tous les êtres jusqu’à présent ont créé quelque chose au-dessus d’eux, et vous voulez être le reflux de ce grand flot et plutôt retourner à la bête que de surmonter l’homme?” (NIETZSCHE, 1921a, p. 11).
  • 16
    Autrefois le blasphème envers Dieu était le plus grand blasphème, mais Dieu est mort et avec lui sont morts ses blasphémateurs. Ce qu’il y a de plus terrible maintenant, c’est de blasphémer la terre et d’estimer les entrailles de l‘impénétrable plus que le sens de la terre!” (NIETZSCHE, 1921a, p. 12).
  • 17
    Il n’est pas facile de comprendre du sang étranger: je hais tous les paresseux qui lisent” (NIETZSCHE, 1921a, p. 54).
  • 18
    Il est vrai que nous aimons la vie, mais ce n’est pas parce que nous sommes habitués à la vie, mais à l’amour” (NIETZSCHE, 1921a, p. 55).
  • 19
    En avant, tuons l‘esprit de lourdeur!” (NIETZSCHE, 1921a, p. 56).
  • 20
    “[...] l’homme est plus enfant que la femme” (NIETZSCHE, 1921a, p. 91).
  • 21
    Zarathoustra n’a pas découvert de plus grande puissance sur la terre, que le bien et le mal” (NIETZSCHE, 1921a, p. 80).
  • 22
    Com “malabarista”, Mário de Andrade pode estar estabelecendo uma associação com o “equilibrista”, conforme a tradução brasileira de Nietzsche. Henri Albert, em Ainsi parlait Zarathoustra: un livre pour tous et pour personne (NIETZSCHE, 1921a), traduz “Seiltänzer” literalmente como “danseur de corde”.
  • 23
    Em sua biblioteca se encontra, ainda, um livro do padre Leonardo Mascello, datado de 1919, não indicado, contudo, nas fichas de leitura de Mário de Andrade. No capítulo “A estética de Frederico Nietzsche”, Mascello (1919, p. 53) critica, como Mário de Andrade, o comportamento dos leitores de Nietzsche: “não é raro, aos nossos dias, ouvir literatos e críticos falarem com entusiasmo de Frederico Nietzsche, proclamando-o uma glória autêntica, um gênio extraordinário”, apesar de ter “apregoado ideias impossíveis, elucubrações monstruosas, paradoxos formidáveis e por vezes de uma atrocidade brutal”.

Declaração de disponibilidade de dados

Os conjuntos de dados gerados e/ou analisados durante o estudo atual estão disponíveis no manuscrito e em materiais suplementares.

Referências

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  • ANDRADE, Mário de. A propósito de Amar, verbo intransitivo. Uma carta de Mário de Andrade. Diário Nacional São Paulo, ano 1, n. 124, 4 dez. 1927b, p. 9. Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em: https://icmc.usp.br/e/e619f Acesso em: maio 2025.
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  • ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo: idílio. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
  • ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura: discurso sobre algumas tendências da poesia modernista. In: ANDRADE, Mário de. Obra imatura Rio de Janeiro: Agir, 2009, p. 225-335.
  • ANDRADE, Mário de. Poesias completas Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013a.
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  • ANTELO, Raúl. Uma literatura centáurica. Revista Iberoamericana, v. LXIV, n. 182-183, Enero-Junio 1998, p. 81-94. http://dx.doi.org/10.5195/reviberoamer.1998.6149
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  • Editores responsáveis:
    Ana Paula Simioni, Dulcilia Helena Schroeder Buitoni e Marcos Antonio de Moraes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2024
  • Aceito
    03 Abr 2025
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