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Arte, mito e educação entre os fons do Benin: a estátua de Gu

Art, myth and education among fons from Benin: statue of the Gu

RESUMO

O presente artigo tem como escopo a reflexão sobre a relação entre arte, mito e ancestralidade entre um dos povos mais tradicionais da costa oeste africana, os Fons do Benin. Nesta reflexão, que tomará a estatuária beninense como mote, foi escolhida a estátua de Gu, um ancestral mítico presente na cultura dos fons, surgido no contexto do hibridismo cultural com seus vizinhos iorubás, em relações historicamente marcadas por guerras e enfrentamentos. A etnia fon, como sendo uma das várias etnias africanas trazidas para o Brasil para servirem como escravos no Brasil colônia, é constituinte de uma parte da população negra brasileira e, consequentemente, nos deixou uma herança cultural representativa, principalmente na religiosidade de matriz africana.

PALAVRAS-CHAVE
arte africana; história da educação; mitologia africana; lei n. 10.639/2003

ABSTRACT

This article is scoped reflection on the relationship between art, myth and ancestry among the most traditional peoples of the West African coast, the Fons of Benin. In this reflection, which will take the Beninese statuary as a theme was chosen to Gu statue, a mythical ancestrality present in the culture of Fons arisen in the context of cultural hybridity with their Yoruba neighbors, relations historically marked by wars and confrontations. Fon Ethnic Group, as the various African ethnic groups brought to Brazil to serve as slaves in colonial Brazil, is a constituent part of the black population, and consequently left us a representative cultural heritage especially in the African-based religion.

KEYWORDS
African art; history of education; African mythology; law n. 10.639/2003

A lei, suas implicações, contradições e desafios

Os livros escolares, em especial do Ensino Fundamental, nos ensinam que a população brasileira é formada por negros, índios e brancos. Sabemos que a origem dos povos brancos que para cá vieram na condição de colonizadores é o continente europeu, e que, aqui chegando, encontraram os índios, nativos da terra e que, posteriormente, foram trazidos negros africanos para servirem como escravos. Não havia, até a aprovação da lei n. 10.639/2003 (posteriormente alterada para a lei n. 11.645/2008), que obriga o ensino da história e da cultura da África, dos afro-brasileiros e indígenas, publicações escolares que fizessem referência com maior profundidade aos povos africanos que constituem aquele continente, nem a origem étnica dos africanos escravizados e vendidos para comerciantes das Américas. Tal desconhecimento ou negação de sua importância histórica produziram a ideia de que o continente africano e, consequentemente seus habitantes, constituem praticamente um todo cultural, e que só passaram a ter história após a entrada dos europeus naquelas terras. Naturalmente, ignorar ou negar a cultura e a história desses povos, bem como a luta pela emancipação e liberdade dos escravizados, é uma forma de desumanização agressiva e ao mesmo tempo sutil, cujos reflexos são sentidos a todo momento nas relações de seus descendentes na sociedades pós-escravocratas.

Nesse contexto, o presente artigo objetiva estudar as relações entre arte, mito e ancestralidade entre os fons, grupo étnico do Benin3 3 Utilizamos a grafia da palavra Benin com "n" e não com "m", seguindo a indicação dos documentos oficiais da própria embaixada deste país no Brasil, bem como a grafia usada por Pierre Verger (1987 e 1999). , cuja estatuária manifesta um hibridismo cultural, principalmente com os iorubás4 4 Utilizamos aqui a terminologia "iorubá" com "i" e não com "y", seguindo a linha linguística do pesquisador nigeriano Ayoh' Omidire, radicado no Brasil. Cf. AYOH' OMIDIRE, Felix. Ákògbádùn: ABC da língua, cultura e civilização iorubanas. Salvador: Edufba, 2010. , que se prolongaria no processo de escravidão brasileiro, com sua herança cultural participando das manifestações de religiosidade de matriz africana.

Tal abordagem ganha relevância a partir da mencionada lei n. 10.639/2003, que deve ser avaliada como uma conquista importante, pois reconhece a participação da cultura afro-brasileira e ameríndia na base da formação do brasileiro e a necessidade de ser ensinada nas escolas. A questão é como se efetiva esse ensino, uma vez que a escola é herdeira de uma tradição branco-ocidental que serviu de base para as práticas de colonização, com a imposição de valores europeus, consolidados por meio de uma tradição assentada no predomínio do logos, da história escrita, do conhecimento científico etc.

O que está em xeque e em choque é a disposição cultural de dois imaginários, duas matrizes de mundividência em muitos pontos contrárias. A escola exerce - entre uma série de outros dispositivos políticos, sociais e culturais - uma pressão pedagógica5 5 DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997. alinhada com os valores prometeicos que giram em torno do progresso contínuo, da produção exacerbada e da racionalização dos controles, que acarreta a obsessão pelo consumo, a multiplicação de dispositivos e a proliferação de leis que buscam garantir os direitos mais variados aos cidadãos. Aqui, a crítica não recai diretamente na tradição legalista que marca a cultura ocidental nem questiona os direitos que são assegurados por tais leis. O que se questiona são as condições para o efetivo cumprimento dessas leis.

Vejamos o caso da lei n. 11.645/2008 que em seu artigo 26-A dispõe: "Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena". Seu parágrafo primeiro acresce que o conteúdo programático

[...] incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

No parágrafo segundo, afirma-se que esses conteúdos "serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras"6 6 Disponível em: <http://goo.gl/Us7kgc>. Acesso em: mar. 2016. .

A rigor não se tratam de dois grupos étnicos, africanos e indígenas, mas de determinados grupos étnicos entre os africanos e os indígenas, grupos que perfazem cosmovisões distintas das ocidentais, a começar pela própria noção de história e cultura. Calcadas na ancestralidade, boa parte dessas cosmovisões orientam-se a partir do tempo dos ancestrais, privilegiando o tempo passado, que deve ser preservado por meio da repetição dos rituais7 7 OLIVEIRA, Eduardo 2003. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: LCR/Ibeca, 2003, p. 173. . A palavra é o veículo primordial do conhecimento e sustenta-se em tradições orais e em narrativas mitológicas, distintas da dinâmica da palavra escrita, do conhecimento científico.

Entretanto, não há somente antagonismos entre as tradições branco-ocidental e afro-brasileira, mas também complementariedade, uma vez que seus vetores e vertentes se mostram limítrofes, em que a zona fronteiriça é extensa e de intenso contato, com hibridismos culturais8 8 BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo, Editora Unisinos, 2006. constantes e contínuos, que interferem e redirecionam as tradições, mas que nem por isso deixam de ter suas marcas e diferenças, que podem ser sistematizadas, para efeito de argumentação, em duas heranças. A tradição branco-ocidental, que contempla parte da sociedade brasileira, constitui-se como:

  • oligárquica - estruturada na posse histórica de grandes extensões de terra ou de riquezas por parte de uma pequena parcela da sociedade não necessariamente esclarecida;

  • patriarcal - estruturada sob o domínio masculino patrilinear em que a figura do pai, do coronel, do Estado e do bispo (ou padre) são equivalentes simbólicos e cujas características básicas são: separação e distinção, mando, posse, vigilância, o castigo e a impunidade da arbitrariedade (senso de onipotência); seu atributo básico é a razão;

  • individualista - estruturada sob a herança iluminista-burguesa da apologia do indivíduo sobre a comunidade ou sociedade, da defesa da liberdade individual e da livre iniciativa;

  • contratualista - estruturada no formalismo do contrato social iluminista (Aufklärung), em que as relações sociais são pretensamente originadas de um contrato estabelecido entre os indivíduos de forma livre, autônoma e responsável, em busca da liberdade, igualdade e fraternidade9 9 FERREIRA-SANTOS, Marcos e ALMEIDA, Rogério de. Antropolíticas da educação. 2. ed. São Paulo: Képos, 2014, p. 210-211. .

Tais expressões sociais de uma cosmovisão prometeica são veiculadas pela escola, pelo Estado, pela mass media. Como inserir, nesse contexto, a cosmovisão, a mitologia, a história, a cultura africana (e indígena), cujos valores divergem? Não haveria o risco, nesse movimento de, em vez de valorizar o Outro da cultura, contribuir para sua estigmatização, isto é, marcar ainda mais fortemente os traços negativos dos povos de uma tradição cultural que se deseja reparar?

Vejamos quais são as vertentes da herança afro-brasileira:

  • comunitária (não oligárquica) - baseada na partilha de bens e na preponderância do bem-estar comunitário e, depois, do bem-estar pessoal, entendida a noção de pessoa como o resultado do embate entre as pulsões subjetivas e as intimações comunitárias;

  • matrial10 10 O termo matrial - que significa "imago materna" (ORTIZ-OSÉS, Andrés. Las claves simbólicas de nuestra cultura: matriarcalismo, patriarcalismo, fratriarcalismo. Barcelona: Anthropos, 1993, p. 178) ou "transfundo naturalista e comunal, em contraponto com a ideologia patrial, racionalista e individual" (Idem, p. 16) - foi cunhado para diferenciar do aspecto de dominação do matriarcado. (não patriarcal) - assentada nas formas mais anímicas de sensibilidade em que a figura da grande mãe (mater), da sábia (sophia) e da amante (anima) são equivalentes simbólicos e cujas características básicas são: junção e mediação, religação, partilha, cuidado, as narrativas e a reciprocidade (senso de pertença); seu atributo básico é o exercício de uma razão sensível;

  • coletiva (não individualista) - estruturada sob a herança agrícola e pastoril da importância da aldeia (comunidade) e partilha da colheita na defesa afro-ameríndia do aspecto comunal-naturalista: das relações com a natureza da paisagem onde se habita e da estrutura fraterna de sobrevivência;

  • afetual-naturalista (não contratualista) - estruturada no afetualismo das relações entre as pessoas como forma de cimento social. Nesse sentido, as relações sociais são originadas da necessidade pragmática de sobrevivência e do afeto gerado pelas relações parentais e pelas amizades construídas, na defesa da liberdade, das heranças e da fraternidade11 11 Idem, p. 212-213. .

Embora tal modelo não sobreleve as transformações sociais, culturais e históricas que esfumam os aspectos mais opositivos das vertentes postas em jogo, podemos compreender, para efeitos de argumentação, que permanecem vestígios que autorizam o uso da noção de herança, principalmente quanto aos aspectos mítico-simbólicos dos imaginários em questão. Assim, há um choque entre esses modelos - aqui apresentados de maneira esquemática - que se prolonga no campo da educação. Enquanto o modelo branco-ocidental recorre a instituições racionalmente estruturadas para a formação (com divisões de faixa etária, grade curricular etc.), com tempo e dinâmica determinados e para fins específicos, a educação de matriz africana se dá ao longo de toda a vida e por um processo de iniciação pelo qual se atualizam as potencialidades de cada um, num contexto de convivência social de colaboração mútua.

Diante desse quadro, é preciso que alguns desafios sejam enfrentados para a efetivação da lei n. 10.639:

  • massa crítica na produção de conhecimentos - incentivar a maior produção possível de trabalhos, artigos, livros, dissertações e teses sobre a cosmovisão afro-brasileira, suas características, histórias, bem como incrementar a produção de ficções engajadas nesta cosmovisão, principalmente para o público infanto-juvenil.

  • difusão - incrementar os modos de difusão desses conhecimentos através de todas as formas possíveis nos meios de comunicação (jornais, revistas, rádio, tv, cinema, internet); mas, sobretudo, incentivar a produção e uso desses meios pelos próprios afrodescendentes;

  • partilha de experiência - otimizar os espaços de troca e partilha das várias experiências em congressos, simpósios, fóruns, exposições, eventos e espetáculos;

  • pacificação dos brancos - continuar a tarefa histórica afro-ameríndia de "pacificação dos brancos", no sentido de incrementar o diálogo entre as diferentes tradições, valorizando a aprendizagem recíproca e a fruição intercultural, e visando à manutenção do convívio pacífico;

  • abertura ao diferente como reencontro de si mesmo - evitar as manobras perversas de inculcação do preconceito e da discriminação sob os mais variados matizes ideológicos, como forma privilegiada de autenticidade e lealdade à busca da realização comunitária e, portanto, de si mesmo12 12 Idem, p. 228. .

Além disso, é preciso insistir que não existe uma história da África ou mesmo uma África, mas pluralidades de etnias, de concepções religiosas, de culturas, de mitologias, o que nos obriga a uma atenção redobrada para não abstrair a riqueza concreta desses povos, reduzindo-os a uma concepção limitada e estigmatizada construída pela tradição cartesiana.

Neste artigo e tendo como pano de fundo a discussão que acabamos de realizar, buscaremos aprofundar a cosmovisão de uma etnia dentre as que foram trazidas para o Brasil, os fons (ewe-adja-fon), cuja origem está no Benin, país da costa oeste africana. O momento histórico que elegemos para este estudo parte do século XVII, período da fundação do Reino de Dahomé e que servirá de ponto de partida para a análise da estátua de Gu, produzida no século XX. A distância histórica entre a fundação do reino citado e a fundição e produção da estátua em questão afirma-nos que há uma continuidade histórica que, mesmo sofrendo influências e mudanças, gera um continuum que permanece como base representativa desta arte como identidade grupal, pois decorre de vínculos de parentesco das corporações familiares que reconheciam uma ancestralidade comum13 13 PARÉS, Nicolau L. A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora Unicamp, 2007. , gerando assim uma herança cultural entendida tanto como

[...] o legado de bens materiais quanto simbólicos, as práticas, as tácticas, as brincadeiras e as canções, as recordações construídas em um espaço relacional, num quadro físico e social estruturado. Contém um sentido afectivo, um valor deixado em formas de ver, de pensar, de actuar. Algo que não podemos alienar, sem nos transformarmos nessa mudança. Implica a cultura material articulada com uma visão etnológica do social, em que o artefacto é portador de intenções, valorizações e saberes14 14 FELGUEIRAS, Margarida Maria Pereira dos Santos Louro de. Herança Cultural Como Processo Coletivo. Texto apresentado na Universidade do Porto, em encontro internacional na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 24 maio 2010. Disponível em: <http://goo.gl/wJ8fBB>. Acesso em: mar. 2016. .

O Reino de Dahomé 15 15 Dahomé, Danxomé, Daomé são formas diferentes de escrita referentes à mesma região citada neste trabalho.

Segundo Lepine, é possível compreender a história do reino de Danxomé (como também é conhecido Dahomé) em quatro etapas, das quais, neste momento, somente as duas primeiras estão mais diretamente ligadas aos objetivos deste estudo16 16 LEPINE, Claude. Os dois reis do Danxomé: varíola e monarquia na África Ocidental (1650 - 1800). São Paulo: Fapesp/Unesp Marília Publicações, 2000, p. 168. .

Data de 1610 a fundação desse reino, com a ascensão ao poder do rei chamado Do Aklin. A fundação desse reino teve, segundo relatos históricos, objetivos bélicos e expansionistas, de conquistas de terra, captura de escravos para uso doméstico, aproveitamento da água e do solo e conquista de bens materiais. Do período que vai de sua fundação até 1685, três reis sucederam-se no poder, e tais sucessões foram caracterizadas pela violência com a qual o exército danxomeano dominava seus inimigos. Desrespeito aos cultos ancestrais dos povos dominados, submissão de mulheres e crianças, e assassinatos dos chefes locais foram marcas deixadas pelos invasores. Gan Yehessou, filho mais velho de Do Aklin, assumiu o poder após a morte de seu pai e continuou com o objetivo expansionista, invadiu as terras dos guedevis, pagou uma taxa de 201 búzios17 17 Búzios ou cauris são conchas largamente encontradas nas costas litorâneas da África (também no litoral brasileiro) e que, na época citada, eram usadas como dinheiro. (contagem real, apenas os reis possuíam tão alto valor monetário) e construiu sua primeira aldeia. Alegando que as terras compradas eram insuficientes, declarou guerra contra o chefe local e, após uma luta que durou alguns anos, tomou o poder, assassinando o líder daquela etnia. Após uma viagem que Gan fez para Allada, seu irmão caçula, de nome Dako, tomou o poder num golpe de estado; afastando definitivamente Gan, Dako passou a chamar-se Dakodonou. O filho de Dakodonou, de nome Aho, com o objetivo de aumentar seu domínio sobre outros povos, marchou com seus caçadores para a região de Huntome, onde havia vários grupos organizados em uma confederação.

Corroborando com Lepine, Parés nos informa que

[...] segundo as tradições orais, um grupo dos chamados agassuvi saiu de Allada na primeira metade do século XVII e rumou em direção ao norte. Após submeter as populações locais como os guedevis e os fons, esse grupo teria fundado o reino de Daomé, estabelecendo Abomey (Agbomé) como sua capital. A população desse reino foi subsequentemente conhecida pela denominação étnica fon [...]18 18 PARÉS, Nicolau L. Op. cit., p. 32. .

A mesma data de fundação é afirmada pela etnóloga La Torre quando nos diz: "A origem das diferentes etnias que povoam o Golfo do Benin ainda não está totalmente compreendida, mas os raros documentos nos remontam à segunda metade do século XVI" 19 19 LA TORRE, Inès de. Le vodu en Afrique de L'Ouest. Paris: L'Harmattan, 1991, p. 27. . Pierre Verger também nos informa que o reino de Agbomé (capital de Dahomé) foi fundado no século XVII20 20 VERGER, Pierre. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil e na Antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: Edusp, 1999, p. 551. .

Numa confederação africana da região da costa ocidental no período estudado, as lideranças eram divididas entre os chefes mais velhos das diversas tribos, geralmente antigos guerreiros ou líderes espirituais, ou mesmo acumulando as duas funções, tornando-se anciãos. Numa assembleia, eram discutidas e tomadas todas as decisões necessárias para a aldeia, mediavam-se conflitos e faziam a partilha da produção de subsistência, havendo, portanto, um princípio de igualdade para a vida comunitária. Especificamente nesta região os grupos lá instalados eram tanto autóctones como grupos migrados em décadas anteriores de regiões que haviam sofrido um esgotamento do solo, bem como vivido guerras fratricidas. Esses grupos eram governados por 21 chefes das diversas etnias21 21 LEPINE, Claude. Op. cit., p. 169. .

No ano de 1645, Aho, ao assumir o poder e alterar seu nome para Hwegbaja (os reis, ao assumirem o poder, seja por uma sucessão natural, golpe de estado ou decisão de assembleias, têm seu nome mudado para um significado sagrado, cuja tradução nem sempre é possível de ser localizada). Após um ano de poder, e instalando um governo de conquista da população local, promovendo festas e distribuindo presentes aos chefes locais, em aparente paz, deu início ao domínio pela força e violência, matando, por exemplo, um chefe local chamado Dan, construindo uma residência sobre o túmulo deste, mandando assassinar vários outros chefes de grupos autóctones que exerciam ou poderiam exercer alguma resistência ao seu poder. Nesse mesmo período, a varíola avassala, de maneira incontrolável, toda a costa ocidental, chegando às regiões dominadas pelos exércitos danxomeanos. As histórias contadas via tradição oral devem, obrigatoriamente, obedecer a uma verdade, pois, citando Curado22 22 Mantivemos aqui a grafia original tal qual consta na obra consultada de 1888. :

Obtive o resumo que vou apresentar pela traducção dos cantos que mui frequentemente são entoados na presença do rei. Suppondo fiel a traducção, a história dahomeana não deve se desviar da verdade, porque a menor alteração no canto é severamente castigada, tenho eu toda a confiança no interprete23 23 CURADO, António Domingos Cortez da Silva. Dahomé, esboço geográfico, histórico, ethnográfico e político. Lisboa: Tipographia do Commercio de Portugal, 1888, p. 11. .

Guerras, flagelos, fome e epidemias marcam o primeiro período da expansão do Reino de Danxomé. As populações locais, mesmo as que ainda não haviam sido dominadas por esse reino belicoso, viam estes como bandidos usurpadores, contra os quais alimentavam um ódio profundo. Os fons eram a maioria da população do reino de Danxomé, constituindo-se como força notável em seu exército. A expansão do reino tinha como característica de dominação a destruição dos altares dos deuses e ancestrais cultuados pelos povos, os quais eram submetidos pela violência. Embora se possa questionar essa visão de Lepine, em favor da submissão dos deuses locais e da violência do exército dahomeano, ela é reforçada por Curado:

Acabá, filho de Huébájà, (primeiro rei de Dahomé), tratou de alargar os domínios que herdara, começando por pedir a seu visinho Dam terreno para construir uma casa; obtida a concessão, pediu para construir a segunda e conseguiu. Quando pretendeu construir a terceira, respondeu-lhe Dam que não lhe daria mais terrenos para casas e que lhe edificasse a terceira em cima da barriga delle se quizesse. Acabá, tomando esta resposta como pretexto para a guerra, reuniu uma força com que foi atacar Dam. Matou-o e fez-lhe levantar uma parede em cima da barriga, que ficou fazendo parte do palácio de Dahomé [...] daí nome Dam, (nome do vencido), ahô (barriga), e me (dentro ou sobre)24 24 Idem, p. 13. Antonio Domingos Cortez da Silva Curado foi um major do exército português e governador da cidade de Ajuda no Benin no final do século XIX, e que acompanhou e narrou diversos acontecimentos históricos dos reis daquela localidade, sendo, na maioria das vezes, o representante máximo de Portugal junto aos reis locais. Tendo visto e acompanhado in loco tais acontecimentos, registrou-os em livros e diários tais observações, tornando-se assim rica e importante fonte histórica. .

Tais atitudes despertavam a ira e o ódio da população, fazendo com que os povos que ainda não haviam sofrido tais ações procurassem outras terras para construírem moradias. No caso dos povos autóctones, ou que há séculos habitavam a região que era invadida ou que estava na rota de expansão dos fons, a mudança para uma outra região implicava o abandono do culto aos ancestrais da terra naquele local.

A sacralização da terra, do solo onde se vive e onde se originou a família nuclear é a base da vida e da cultura desses povos. O simples abandono poderia significar a ruptura com a sua origem. Por esse motivo, muitos povos resistiram até o fim contra o invasor que, mais preparado belicamente, e em maior número, geralmente vencia a contenda, com exceção do povo mahi, que era visto, pelos danxomeanos, como uma reserva especial de escravos25 25 LEPINE, Claude. Op. cit., p. 169. . Alguns povos dominados cultuavam um ancestral ligado à terra, conhecido pelo nome de Sapatá (também chamado de Shapanan). O culto a este antepassado estava ligado à possibilidade de vencer doenças contagiosas, como a varíola. Os fons desconheciam o deus dos povos dominados (entre eles, os iorubás) e, ao invadirem o território onde este ancestre era cultuado, seus altares eram completamente destruídos.

Nesse mesmo período cronológico, o Alàáfin de Oyo26 26 "Alàáfin", palavra de origem iorubá, significa "rei". Usa-se também a palavra "Obá" como sinônimo de rei. , rei iorubá, impondo também uma campanha expansionista em seu reino e aproveitando-se do período de calamidade que estava devastando o poderoso reino de Danxomé, invadiu o território fon e ambos os exércitos travaram combates incessantes. Oyo, futuro reino iorubá, objetivou seu plano expansionista com o intuito de dominar terras, obter riquezas e conseguir escravos que eram moedas de troca por mercadorias comercializadas pelos europeus. Parte da população fon fugiu para dentro do território dos mahis, enquanto os iorubás capturavam parte da população que seria enviada como escravos para as Américas. Em 1712, outra invasão iorubana sobre o reino de Danxomé, facilitada pelas populações que sofriam com a violência dos danxomeanos, abriram a passagem da cavalaria iorubana. Nessa invasão, o reino de Danxomé passou a ser tributário do reino iorubá de Oyo até o início do século XIX, quando o rei Glelé libertou seu reino do domínio iorubano. Esses contatos de guerra, comércio, domínio e libertação fizeram com que a cultura nagô (como é conhecida no Brasil a cultura de origem iorubá), passasse a ter um contato bastante intenso com a cultura fon, havendo uma grande miscigenação cultural que marcou ambos os povos e consequentemente as religiões brasileiras de matriz africana.

Os mitos, a linguagem, a tecnologia, a religiosidade e a arte desses povos ora fundiam-se ora separavam-se, formando o que Burke chama de hibridismo cultural, assim definido por ele como "os processos de encontro, contato, interação troca e hibridização cultural", em que se entende cultura como "um sentido razoavelmente amplo de forma a incluir atitudes, mentalidades e valores, e suas expressões, concretizações ou simbolizações em artefatos, práticas e representações"27 27 BURKE, Peter. Op. cit., p. 16. .

Mito e arte entre os fons

O pensamento mitológico africano original, e em especial das etnias subsaarianas (sudanesas e bantos, por exemplo), funda-se sobre a ideia de que o mito é vivo, de que esta vivência é onipresente em todo o universo, que o universo abarca e não exclui, portanto contém multiplicidades em si, que há uma relação não somente cicloide, mas também de diálogo fecundo e constante em que o mito fornece a explicação do mundo, organiza o caos e prolonga a vida.

É verdade que o mito domina com frequência o pensamento dos africanos em sua concepção do desenvolvimento da vida dos povos, [...] assim, o mito oculto sob costumes imemoriais, regia a história, que nele encontrava sua justificação. Nesse contexto, veem-se duas características do pensamento histórico africano: sua intemporalidade e sua dimensão essencialmente social28 28 HAMA, Babou e KI-ZERBO, J. Lugar da história na sociedade africana. In: História geral da África I: metodologia e pré-história da África. Brasília: UNESCO, 2010, p. 61. .

Nesse contexto, o homem abre uma fenda no universo através da fundação do espaço sagrado. É nesse espaço comunitário que o homem também sacraliza um outro espaço "íntimo" de relação de crédulo no mito, cuja existência objetiva se dá pela encarnação nos rituais em sua homenagem e dança com os homens (os africanos também acreditam em deuses que sabem dançar29 29 "Eu só poderia crer em um deus que soubesse dançar" (Nietzsche, Assim Falava Zaratustra). ), embriagam-se de vida e explodem em múltiplas expressões vividas: a dança, o canto, a comida, a festa, mas também o silêncio e o mistério convivem em harmonia dentro do viver do homem original. Seu corpo, que é finito e limitado, dá espaço a deuses atemporais, que só morrerão se os homens deixarem de acreditar neles. A fé, e diríamos poeticamente, o afeto (o que afeta, o que causa um efeito) é um dos alimentos da mitologia. A passagem do mito para a sacralização deu-se pela necessidade de uma junção das forças humanas com as forças cósmicas. Realidade e mito são uma única coisa. Não há realidade fora do mito, assim como não há eficácia que o rito despreze.

O mito, para ser preservado, além de utilizar de formas imateriais (o crédulo), também utiliza de formas materiais, para que não possa ser corrompido. A arte é uma dessas expressões materiais do mito.

Uma das formas de acesso ao entendimento da arte africana é pelo mito.

A obra de arte, qualquer que seja a sua modalidade, é considerada pelos africanos tradicionais como uma janela pela qual se pode contemplar o horizonte infinito do cosmo [...] [com] vários níveis de significação, ou seja, um sentido religioso, um sentido de divertimento e um sentido educativo30 30 HAMPATE-BÂ, A. A palavra, memória viva da África. O Correio da Unesco, n. 10/11, Rio de Janeiro, 1979, p. 16. .

Entendendo que ele é uma expressão da tradição da etnia, torna-se mais rica a sua compreensão. De saída, vale dizer que a arte será interpretada pelo espectador primeiramente da maneira como ela afeta os sentidos, e depois complementada pelo conhecimento cosmogônico. Toda interpretação, em última instância, será afetada pelo olhar que depositamos sobre ela: "a beleza habita a relação. A relação que um sujeito (com uma determinada percepção) mantém com um objeto"31 31 DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é beleza? (experiência estética). São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 45. .

Observemos o objeto parado num museu, imóvel, destituído de sua potência original. Para o espectador, aquele objeto toca sua percepção, sendo belo ou não, mas, ao sair, o mundo contemporâneo do visitante continua igual, talvez levando alguns poucos conhecimentos sobre o que viu e achou interessante, talvez crendo que tais objetos possuem uma técnica apurada ou tosca, mas não houve uma relação sensacional com o que viu. A visão mais tradicional de quem olha, normalmente, é a estética: "o que uma obra nos exprime, o que ela nos permite é contemplar os sentimentos por meio de formas que guardam uma relação de analogia com eles"32 32 Idem, p. 48. .

Mas se ao invés de mantermo-nos numa distância cartesiana de relação eu-outro passássemos a ter uma relação eu-eu? Se o objeto que vejo fosse parte de mim, porque estou inserido num mundo, num oceano de símbolos? A passagem de objetos da arte africana para locais que não lhe dizem respeito faz também com que o espectador se sinta estranho perante o que vê, da mesma maneira que o objeto se estranha com o local. Será preciso penetrar no objeto, não fisicamente, já que tal experiência de adentrar objetos de arte é típica da contemporaneidade. Mas "perder-se" no objeto na medida em que podemos perder nossa identidade e vagar simbolicamente pelas formas do objeto; de modo mais preciso: tornar-se uma única forma, a do homem com o objeto. Isso só é possível estilhaçando os paradigmas das várias noções que separam o nosso mundo do mundo mítico. Se o mito, entre outras definições, é aquilo que organiza o caos tornando possível a experiência de vida, então marulhar no oceano mítico já é uma experiência que temos em nosso tempo; basta-nos, apenas, rompermos com a temporalidade, tendo conosco dois princípios nesta viagem de hermeneuta: a) dar vazão à sublimação pelo prazer estético, e b) acessar em nosso mais profundo ser o encantamento que nossos ancestrais sentiram na experiência do illud tempus, o tempo primordial33 33 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. . Fundir-se com o objeto de arte é penetrar no mundo mítico do qual ele é filho e representante, é colocarmos as vestes simbólicas da compreensão de que há uma onipresença do mito, é vivenciar, olhando a arte africana, cada detalhe da escultura e refletir sobre as mãos que a esculpiram, sobre o momento da decisão do artista, sobre as sensações que os outros membros da etnia sentiram ao ver a obra já finalizada, ou mesmo dos que acompanharam, passo a passo, cada momento do nascimento da obra. Marcel Griaule dizia que "a obra de arte, na África, tem que agradar aos deuses e aos homens"34 34 GRIAULE, Marcel. Arts de l'Afrique noire. Paris: Éditions Du Chene, 1947, p. 40. .

Na África tradicional, a produção de obras de arte não é um meio para se ganhar a vida, e sim um caminho para fortalecer a tradição. Geralmente as técnicas são transmitidas de pai para filho e continuam assim, perenemente, até que por motivos diversos (guerras, morte, mudança de poder e status de culto, por exemplo) a tradição se perde. Então será necessária a substituição de um artesão, ou da família de artesãos, por outros. Técnica, conhecimento da tradição, habilidade buscando a perfeição são características fundamentais no processo artístico tradicional.

Antes de iniciarmos a análise da estátua de Gu, cabe lembrar que o contato entre os fons e os iorubás ocorriam tanto por negociações, deserções (iorubás para o Reino do Dahomá35 35 CURADO, A. D. Cortez da Silva. Op. cit. ) como por guerras - a mais frequente forma de contato. No fim do século XVII, Allada36 36 Allada era ocupada pelos povos adjas, um dos grupos proto-iorubás que, por volta do ano 1000, se estabeleceram no Golfo do Benin, junto a vários outros grupos étnicos. Allada estava ligada, à época, ao Reino do Benin. foi invadida pelos oyós, um dos povos iorubás, como nos narra Parés:

Em 1698, Allada foi invadida pelos oyós, em consequência do massacre dos mensageiros do rei de Oyo enviados para Allada. As incursões dos oyós em território adja continuaram durante o século XVIII. Em consequência disso, Daomé se manteve como um reino tributário de Oyo de 1712 até o início do século XIX, quando o rei Glele conseguiu libertar o seu povo desse domínio37 37 PARÉS, Nicolau L. Op. cit., p. 36. .

La Torre observa que, embora os povos do Golfo do Benin tenham como característica a violência na invasão dos territórios e no domínio sobre outros povos, nem sempre os altares eram destruídos, alguns foram preservados para que se fizessem uma utilização futura, dando-nos uma visão alternativa da importação do culto, citando o exemplo do culto de Lissa38 38 Orixá que pelo hibridismo da cultura fon com os iorubás, tornou-se Lissa. "Supressão da primeira vogal, assim como Ifá tornou-se Fá e odu torna-se du. O r tona-se l, como na palavra Iroko que se torna Loko." (VERGER, Pierre. Op. cit., p. 439). Assim, na língua fongbé, a passagem de algumas palavras do iorubá para este idioma fez com que perdessem a vogal inicial e a última consoante, como em Ogum, que se tornou Gu. , que foi trazido para Abomey (Abomé), antiga capital do Reino do Dahomé, pela princesa Na Wangélé, esposa do rei Tégbéssou, e cujas preces e ritos eram feitos em língua iorubá39 39 LA TORRE, Inès de. Op. cit., p. 55. .

Assim, alguns orixás iorubanos foram levados para a área dos fons e passaram a ser cultuados como voduns; tanto um como outro compartilham da mesma categoria de antepassados que podemos chamar de ancestrais, conforme Leite:

Poderíamos, assim, cogitar da existência de um tipo de ancestralidade divina ou semi-divina, altamente sacralizada, envolvendo o preexistente, divindades e alguns ancestrais históricos, principalmente os que chamamos de arquiancestrais, estes às vezes aparecendo, até certo ponto, como míticos e outras como realmente históricos. Esse tipo liga-se geralmente à explicação primordial do mundo [...]40 40 LEITE, Fábio. A questão ancestral: África Negra. São Paulo: Palas Athena/Casa das Áfricas, 2008, p. 379. .

Ao lermos o mito de Ogun (Gu), transcrito integralmente a seguir, observamos que ao reconhecer seu erro ele comete suicídio, tornando-se um ancestral, pois, ainda segundo Leite,

Outro tipo de ancestralidade envolve apenas os ancestrais históricos, sacralizados dentro de certa hierarquia, menos ou mais longínquos, mas perfeitamente individualizados e conservados na memória social, sendo característica básica de sua concretude, o fato de sua condição ancestral ter sido criada pela própria sociedade por força de cerimônias funerárias [...] de fato, a multiplicidade de aspectos concretos assumidos pela ancestralidade negro-africana parece indicar, de maneira expressiva, que as ações históricas e os domínios sociais por ela abarcados são os elementos mais decisivos de sua explicação41 41 Idem, p. 380. .

Pierre Verger, um dos maiores estudiosos das tradições, história, rito e cultura dos povos do Golfo do Benin, especialmente dos iorubás, nos conta um dos mitos de Ogum, o qual transcrevemos em sua integralidade:

Ogum decidiu, depois de numerosos anos ausente de Irê, voltar para visitar seu filho (informação pessoal do Oníìré em 1952). Infelizmente, as pessoas da cidade celebravam, no dia da sua chegada, uma cerimônia em que os participantes não podiam falar sob nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu vários potes de vinho de palma, mas ignorava que estivessem vazios. Ninguém o havia saudado ou respondido às suas perguntas. Ele não era reconhecido no local por ter ficado ausente durante muito tempo.

Ogum, cuja paciência é pequena, enfureceu-se com o silêncio geral, por ele considerado ofensivo. Começou a quebrar com golpes de sabre os potes e, logo depois, sem poder se conter, passou a cortar as cabeças das pessoas mais próximas, até que seu filho apareceu, oferecendo-lhe as suas comidas prediletas, como cães e caramujos, feijão regado com azeite-de-dendê e potes de vinho de palma. Enquanto saciava a sua fome e a sua sede, os habitantes de Irê cantavam louvores onde não faltava a menção a Ògúnjajá, que vem da frase ògún je ajá (Ogum come cachorro), o que lhe valeu o nome de ògúnjá.

Satisfeito e acalmado, Ogum lamentou seus atos de violência e declarou que já vivera bastante. Baixou a ponta de seu sabre em direção ao chão e desapareceu pela terra adentro com uma barulheira assustadora. Antes de desaparecer, entretanto, ele pronunciou algumas palavras. A essas palavras, ditas durante uma batalha, Ogum aparece imediatamente em socorro daquele que o evocou. Porém, elas não podem ser usadas em outras circunstâncias, pois, se não encontra inimigos diante de si, é sobre o imprudente que Ogum se lançará42 42 VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 86. .

Como podemos observar, Ogum se caracteriza por ter uma atitude de robustez e violência, típica de quem faz da guerra uma atividade constante, usando a espada como instrumento; não há, no mito reproduzido, nenhuma alusão a escudos ou outras formas de proteção, ele é o protetor dos ferreiros, e o ferro, portanto, é o seu material de uso (chamado "irin" em iorubá), ficando ele conhecido como Baba Irin, ou senhor do ferro, o que nos leva a inferir que essa etnia, há muito, já conhecia a técnica da forja, a qual se espalhou pelas áreas de influência do Golfo.

Processo constante no território africano, especialmente na África subsaariana, a tradição oral, portadora dos relatos míticos, é um dos mais fortes arcabouços das tradições antigas daquele continente, conforme Ki-Zerbo: "a tradição oral não é uma fonte à qual nos resignamos na falta de qualquer outra. É uma fonte integral e à parte cuja metodologia está suficientemente bem estruturada para conferir à história do continente uma forte originalidade"43 43 Ki-ZERBO, J. Um continente descobre o seu passado. O Correio da Unesco, n. 32, Rio de Janeiro, 1979, p. 11. .

Arte e mito, portanto, dialogam constantemente e em relação de complementaridade:

A arte, na verdade, era uma religião, uma participação nas forças da vida, uma forma de estar presente nos mundos visível e invisível. O artesão devia colocar-se num estado de harmonia interior antes de empreender seu trabalho, para que esta harmonia pudesse passar a "aura" do objeto, e ter a virtude de emocionar quem o contemplasse44 44 HAMPATE-BÂ, A. Op. cit., p. 16. .

Observemos a estátua que representa Gu. Lembremos que nem sempre a arte africana tem em suas imagens, principalmente na estatuária, a representação ou a expressão fiel do mito. O mito é uma das portas de acesso à compreensão da arte, mas não é a única. A arte estatuária não está, única e exclusivamente, a serviço da representação mitológica.

Figura 1
Estátua de Gu. Benin, século XX. Cobre e ferro, 105 cm. L'art royal africain, 1997.

Ao observarmos a estátua de Gu, o que vemos? Primeiro, sua posição frontal ao espectador. Não está de lado, nem de costas, nem agachado ou saltando, está em posição de prontidão. Está pronto para o combate, como se espera de um herói civilizador. Não nos parece que está disposto a fugir. Ele encara quem o encara, não nos parece que está se defendendo, mas em posição de iniciar a labuta. Não tem o corpo musculoso, como em algumas estátuas da tradição greco-romana, isso porque a força física não é a capacidade mais importante, mas a agilidade e o conhecimento das técnicas de combate. Também não tem o pênis ereto ou viril, já que sua representação não é da potência sexual (como Legba para os fons ou Exu para os nagôs), mas centra-se nas espadas que carrega. Vale aqui uma parte do canto de louvor a este vodun45 45 No hibridismo cultural praticado na África entre os fons e os iorubás, bem como entre os praticantes das religiões de matriz africana, Gu e Ogun são a mesma entidade, cultuada de formas diferentes por cada um dos povos citados. Este canto é mais comumente praticado entre o chamado candomblé de origem nagô, uma vez que o candomblé de descendência jeje (como são conhecidos os cultos de origem beninense) são extremamente reservados. Este canto foi observado em um rito de candomblé jeje-nagô, em São Paulo. Djedje ou gege ou jeje são expressões escritas de forma diferente para a mesma matriz afro-brasileira, é uma palavra de origem iorubá que significa "estrangeiro". Tal qual o canto de Lissa praticado no Benin, como informamos antes, este canto foi falado em iorubá, e aí está, para melhor compreensão, sua tradução em língua portuguesa. :

Gu, dono de dois facões,

Usou um deles para preparar a horta,

E o outro para abrir caminho...

No dia em que veio da montanha

Ao invés de usar roupa, usou fogo para se cobrir

E vestiu-se de sangue [...]

Que eu jamais me depare com sua força

Eu o saúdo

Que o sangue caia sobre o chão, para que haja paz e tranquilidade!

Este canto de saudação deixa claras algumas atitudes de Gu. A de ensinar aos homens as técnicas de manejo de instrumentos para a agricultura, o que é fundamental para a manutenção da vida através da alimentação, bem como a capacidade de "abrir caminho" na busca por novos espaços que possibilitem a expansão da vida em comunidade. Esta expansão fatalmente trará o contato com outros povos e a consequente guerra; que "o sangue caia sobre o chão, para que haja paz e tranquilidade" refere-se tanto ao domínio sobre outros povos como aos sacrifícios de animais, que servem tanto para, segundo o pensamento africano, reforçar o culto ao vodun como para a comensalidade sacrificial.

Ainda sobre a estátua, ele não traja nenhum tipo de armadura, nem capacete ou elmo... Por que Gu se apresenta nu? Não é ele o maior dos ferreiros? Por que não usou de suas técnicas para fabricar para si mesmo uma armadura? Podemos inferir dois motivos: primeiro, sua capacidade de guerra é tão apurada e exemplar que usar algo que o proteja, além de suas próprias espadas, daria a impressão de que ele estaria usando de subterfúgios para vencer a luta (outras de suas histórias nos dizem que ele luta sem usar nenhuma mágica, apenas as técnicas bélicas) e, segundo, no plano simbólico, usar armaduras é esconder-se. Gu, sendo o vodun da guerra, e portanto das situações extremas que precisam de definição, mostra-se nu perante seus crentes, como deve ser a vida com suas verdades. Enfrentar a realidade nu é mostrar que tem a coragem como virtude, virtude esta fundamental na narrativa mítica de qualquer guerreiro. Também não usa escudos, tem a confiança em suas habilidades e na capacidade do material das espadas que foram por ele mesmo forjadas, a ferro e fogo. Ele abre os caminhos e sua etnia o acompanha por terras desconhecidas. Ele é o símbolo também do desconhecido, do que se tem para conquistar, nunca do estatismo. A mobilidade é uma de suas características. Esta estátua é forjada em metal, em ferro, o mesmo material com que são feitas as espadas de Gu, chamadas, em fongbe, "gubassa". Gu representa o dinamismo da própria vida e o desenvolvimento da capacidade de lutar pela sobrevivência. Esta imprescindível luta pela sobrevivência é atemporal e não se localiza em um único povo ou lugar, mas faz parte da história humana. Por isso, Gu, sendo um personagem mítico para os fons, herdado dos nagôs, é a representação da batalha pela existência de toda a humanidade, daí seu caráter universalista.

Finalizando a forja de Gubassa

O mito nos remete à própria vida; sendo ubíquo, não se limita ao espaço-tempo de uma África pré-histórica, mas se expande, como todo mito, para todos os cantos do mundo.

Ao apresentar-se nu, está não somente despido de roupas, mas também de mentiras ou traquinices que são desprezíveis para vencer os obstáculos da vida. Ainda que determinadas artimanhas deem ao sujeito pequenas vantagens numa disputa, em algum momento encontrar-se-á consigo mesmo, e esta será a maior guerra que poderá enfrentar. O mito de Gu é um mito encorajador, que potencializa o homem na busca de seus objetivos, mas o prepara para labutas imprescindíveis. Não é um mito que promete uma vida plena de paz e tranquilidade, mas que, assim como diz um de seus cantos citados aqui, o sangue cairá sobre a terra para que haja paz. Ele não ilude, Gu é alguém que veio antes e que abriu o caminho, este caminho não é apenas o caminho físico de matas e terras antes adentráveis, mas abriu o caminho simbólico da experiência de vida (eis aí, novamente, a função pedagógica do mito), alertando para os que vierem depois dos perigos e dificuldades de manter a salvo a si e aos demais. A nudez de Gu é a própria verdade e gubassa é o nome de sua espada.

A arte estatuária dahomeana tradicionalmente utiliza como material o ferro e o bronze, suas estátuas têm como características retratar tanto figuras mitológicas como figuras históricas. Outra arte praticada no Benin são as representações em baixo relevo, um tipo de arte que tem por objetivo relembrar feitos históricos, especialmente das inúmeras guerras contra os nagôs. Esses baixo relevos "são de naturezas muito diversas: relatam acontecimentos históricos (batalhas), reproduzem escudos de armas ou representam alegorias [...] parecem girar em torno dos valores da realeza e da unidade do reino"46 46 LAUDE, Jean. Las artes del África Negra. Barcelona: Editorial Labor AS, 1968, p. 231. . Há também outro tipo de arte tradicional praticada no antigo Dahomé que são os trabalhos bordados em tecidos, e que têm como objetivo retratar os feitos históricos dos antigos reis dahomeanos. Alguns desses trabalhos retratam, cronologicamente, os nomes dos reis e seus feitos.

Parte da cultura do Benin sobrevive no Brasil, em festas populares, nos estados nordestinos (especialmente no Maranhão e na Bahia), mas também no Sudeste e, em pequena parte, no Sul. O chamado candomblé, religião negro-brasileira (ou afro-brasileira, como preferem alguns), tem influências jeje, pois "a tradição religiosa dos cultos de voduns originária da área gbe47 47 Área do Golfo do Benin que se solidarizam na língua fongbe e que no Brasil foi atribuída aos africanos escravizados vindos do Dahomé. , isto é, a tradição jeje, constitui uma matriz determinante no processo de institucionalização do candomblé"48 48 PARÉS, Nicolau L. Op. cit., p.144. .

Ao analisarmos o mito de Gu e a estátua desse guerreiro intentamos mostrar um quadro mais complexo, que destoa da crença, muitas vezes ensinada na escola, de que o africano aceitou passivamente a escravidão. Diferentemente de leituras que optam por ver a África pré-colonial como uma terra de paz e eterna tranquilidade, é preciso incorporar à alegria e musicalidade do espírito africano sua capacidade de lutar, tanto pela sobrevivência como pela expansão de sua etnia. A arte e os mitos falam conosco, mas é preciso ouvi-los, despindo-se, como Gu, de qualquer imagem preconcebida pela lógica do colonizador, de tradição branco-ocidental.

Gu abriu os caminhos para compreendermos uma parte, ainda que ínfima, do modo de ser do africano e sua influência no modo de ser brasileiro, desta "alegria que atravessou o mar, e ancorou na passarela"49 49 Didi e Mestrinho, É Hoje, 1982. . É um mito que nos convida a trilhar esse caminho por ele aberto e a abrirmos outros, quantos forem necessários para inscrevermos as histórias e as culturas africanas entre as que se difundem na escola, em igualdade de importância, já que ser brasileiro é ter uma dívida com essas heranças tão pouco conhecidas.

  • 3
    Utilizamos a grafia da palavra Benin com "n" e não com "m", seguindo a indicação dos documentos oficiais da própria embaixada deste país no Brasil, bem como a grafia usada por Pierre Verger (1987VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987. e 1999)_____. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil e na Antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: Edusp, 1999..
  • 4
    Utilizamos aqui a terminologia "iorubá" com "i" e não com "y", seguindo a linha linguística do pesquisador nigeriano Ayoh' Omidire, radicado no Brasil. Cf. AYOH' OMIDIRE, Felix. Ákògbádùn: ABC da língua, cultura e civilização iorubanas. Salvador: Edufba, 2010.
  • 5
    DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • 6
    Disponível em: <http://goo.gl/Us7kgc>. Acesso em: mar. 2016.
  • 7
    OLIVEIRA, Eduardo 2003OLIVEIRA, Eduardo. Cosmovisão Africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: LCR/Ibeca, 2003.. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: LCR/Ibeca, 2003, p. 173.
  • 8
    BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo, Editora Unisinos, 2006.
  • 9
    FERREIRA-SANTOS, Marcos e ALMEIDA, Rogério de. Antropolíticas da educação. 2. ed. São Paulo: Képos, 2014, p. 210-211.
  • 10
    O termo matrial - que significa "imago materna" (ORTIZ-OSÉS, Andrés. Las claves simbólicas de nuestra cultura: matriarcalismo, patriarcalismo, fratriarcalismo. Barcelona: Anthropos, 1993, p. 178) ou "transfundo naturalista e comunal, em contraponto com a ideologia patrial, racionalista e individual" (Idem, p. 16) - foi cunhado para diferenciar do aspecto de dominação do matriarcado.
  • 11
    Idem, p. 212-213.
  • 12
    Idem, p. 228.
  • 13
    PARÉS, Nicolau L. A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora Unicamp, 2007.
  • 14
    FELGUEIRAS, Margarida Maria Pereira dos Santos Louro de. Herança Cultural Como Processo Coletivo. Texto apresentado na Universidade do Porto, em encontro internacional na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 24 maio 2010. Disponível em: <http://goo.gl/wJ8fBB>. Acesso em: mar. 2016.
  • 15
    Dahomé, Danxomé, Daomé são formas diferentes de escrita referentes à mesma região citada neste trabalho.
  • 16
    LEPINE, Claude. Os dois reis do Danxomé: varíola e monarquia na África Ocidental (1650 - 1800). São Paulo: Fapesp/Unesp Marília Publicações, 2000, p. 168.
  • 17
    Búzios ou cauris são conchas largamente encontradas nas costas litorâneas da África (também no litoral brasileiro) e que, na época citada, eram usadas como dinheiro.
  • 18
    PARÉS, Nicolau L. Op. cit., p. 32.
  • 19
    LA TORRE, Inès de. Le vodu en Afrique de L'Ouest. Paris: L'Harmattan, 1991, p. 27.
  • 20
    VERGER, Pierre. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil e na Antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: Edusp, 1999, p. 551.
  • 21
    LEPINE, Claude. Op. cit., p. 169.
  • 22
    Mantivemos aqui a grafia original tal qual consta na obra consultada de 1888.
  • 23
    CURADO, António Domingos Cortez da Silva. Dahomé, esboço geográfico, histórico, ethnográfico e político. Lisboa: Tipographia do Commercio de Portugal, 1888, p. 11.
  • 24
    Idem, p. 13. Antonio Domingos Cortez da Silva Curado foi um major do exército português e governador da cidade de Ajuda no Benin no final do século XIX, e que acompanhou e narrou diversos acontecimentos históricos dos reis daquela localidade, sendo, na maioria das vezes, o representante máximo de Portugal junto aos reis locais. Tendo visto e acompanhado in loco tais acontecimentos, registrou-os em livros e diários tais observações, tornando-se assim rica e importante fonte histórica.
  • 25
    LEPINE, Claude. Op. cit., p. 169.
  • 26
    "Alàáfin", palavra de origem iorubá, significa "rei". Usa-se também a palavra "Obá" como sinônimo de rei.
  • 27
    BURKE, Peter. Op. cit., p. 16.
  • 28
    HAMA, Babou e KI-ZERBO, J. Lugar da história na sociedade africana. In: História geral da África I: metodologia e pré-história da África. Brasília: UNESCO, 2010, p. 61.
  • 29
    "Eu só poderia crer em um deus que soubesse dançar" (Nietzsche, Assim Falava Zaratustra).
  • 30
    HAMPATE-BÂ, A. A palavra, memória viva da África. O Correio da Unesco, n. 10/11, Rio de Janeiro, 1979, p. 16.
  • 31
    DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é beleza? (experiência estética). São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 45.
  • 32
    Idem, p. 48.
  • 33
    ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.
  • 34
    GRIAULE, Marcel. Arts de l'Afrique noire. Paris: Éditions Du Chene, 1947, p. 40.
  • 35
    CURADO, A. D. Cortez da Silva. Op. cit.
  • 36
    Allada era ocupada pelos povos adjas, um dos grupos proto-iorubás que, por volta do ano 1000, se estabeleceram no Golfo do Benin, junto a vários outros grupos étnicos. Allada estava ligada, à época, ao Reino do Benin.
  • 37
    PARÉS, Nicolau L. Op. cit., p. 36.
  • 38
    Orixá que pelo hibridismo da cultura fon com os iorubás, tornou-se Lissa. "Supressão da primeira vogal, assim como Ifá tornou-se Fá e odu torna-se du. O r tona-se l, como na palavra Iroko que se torna Loko." (VERGER, Pierre. Op. cit., p. 439). Assim, na língua fongbé, a passagem de algumas palavras do iorubá para este idioma fez com que perdessem a vogal inicial e a última consoante, como em Ogum, que se tornou Gu.
  • 39
    LA TORRE, Inès de. Op. cit., p. 55.
  • 40
    LEITE, Fábio. A questão ancestral: África Negra. São Paulo: Palas Athena/Casa das Áfricas, 2008, p. 379.
  • 41
    Idem, p. 380.
  • 42
    VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 86.
  • 43
    Ki-ZERBO, J. Um continente descobre o seu passado. O Correio da Unesco, n. 32, Rio de Janeiro, 1979, p. 11.
  • 44
    HAMPATE-BÂ, A. Op. cit., p. 16.
  • 45
    No hibridismo cultural praticado na África entre os fons e os iorubás, bem como entre os praticantes das religiões de matriz africana, Gu e Ogun são a mesma entidade, cultuada de formas diferentes por cada um dos povos citados. Este canto é mais comumente praticado entre o chamado candomblé de origem nagô, uma vez que o candomblé de descendência jeje (como são conhecidos os cultos de origem beninense) são extremamente reservados. Este canto foi observado em um rito de candomblé jeje-nagô, em São Paulo. Djedje ou gege ou jeje são expressões escritas de forma diferente para a mesma matriz afro-brasileira, é uma palavra de origem iorubá que significa "estrangeiro". Tal qual o canto de Lissa praticado no Benin, como informamos antes, este canto foi falado em iorubá, e aí está, para melhor compreensão, sua tradução em língua portuguesa.
  • 46
    LAUDE, Jean. Las artes del África Negra. Barcelona: Editorial Labor AS, 1968, p. 231.
  • 47
    Área do Golfo do Benin que se solidarizam na língua fongbe e que no Brasil foi atribuída aos africanos escravizados vindos do Dahomé.
  • 48
    PARÉS, Nicolau L. Op. cit., p.144.
  • 49
    Didi e Mestrinho, É Hoje, 1982.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AYOH' OMIDIRE, Felix. Ákògbádùn: ABC da língua, cultura e civilização iorubanas Salvador: Edufba, 2010.
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  • BURKE, Peter. Hibridismo Cultural São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.
  • CURADO, António Domingos Cortez da Silva. Dahomé, esboço geográfico, histórico, ethnográfico e político Lisboa: Tipographia do Commercio de Portugal, 1888.
  • DIDI e MESTRINHO. É hoje Samba-enredo do Carnaval do Rio de Janeiro. Intérprete: Aroldo Melodia. Rio de Janeiro: Top Tape, 1982. 1 disco.
  • DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é beleza? (experiência estética) São Paulo: Brasiliense, 2003.
  • DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • ELIADE, Mircea. Mito e realidade São Paulo: Perspectiva, 1972.
  • FELGUEIRAS, Margarida Maria Pereira dos Santos Louro de. Herança cultural como processo coletivo Texto apresentado na Universidade do Porto, em encontro internacional na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 24 maio 2010. Disponível em: <http://goo.gl/wJ8fBB>. Acesso em: mar. 2016.
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  • FERREIRA-SANTOS, Marcos e ALMEIDA, Rogério de. Antropolíticas da Educação 2. ed. São Paulo: Képos, 2014.
  • GRIAULE, Marcel. Arts de l'Afrique noire Paris: Éditions Du Chene, 1947.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2015
  • Aceito
    20 Mar 2016
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