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Uso do resíduo do beneficiamento de rochas ornamentais como substituto parcial ao aglomerante na produção de concretos estruturais

Resumo

Em decorrência do aumento populacional, da melhoria das condições de vida, da elevação dos níveis de consumo e da crescente industrialização dos países em desenvolvimento, estima-se que a produção de concreto apresentará expressivo crescimento ao longo das próximas décadas. O processo de produção do cimento é responsável por aproximadamente 5 % das emissões mundiais de CO2, poluente que causa danos expressivos no meio ambiente. Neste contexto, este trabalho apresenta uma avaliação da influência da substituição parcial de cimento Portland por resíduo do beneficiamento de rochas ornamentais (RBRO) em propriedades físicas e mecânicas do concreto. Utilizou-se o RBRO proveniente de uma empresa beneficiadora de mármores e granitos localizada na região sul do Rio Grande do Sul. A caracterização mineralógica do resíduo foi realizada por meio de ensaios de difração de raios X (DRX), microanálise de raios X (EDX), enquanto suas características físicas foram analisadas por ensaios de granulometria a laser e de massa específica. Adotou-se um traço de concreto de referência produzido com cimento CP V-ARI, utilizando o método de dosagem do IPT/EPUSP. A substituição do cimento Portland pelo RBRO foi realizada nos teores de 5 %, 7,5 %, 10 % e 12,5 % em relação à massa de cimento. Os resultados foram tratados por ANOVA e comparação múltipla de médias, indicando a possibilidade da substituição de até 7,5 % do cimento pelo RBRO, gerando um concreto com resistência adequada às normas brasileiras e com potencial uso estrutural.

Palavras-chave:
aproveitamento de resíduos; resíduo do beneficiamento de rochas ornamentais; concreto estrutural; impactos ambientais

Abstract

Due to the population increase, to the improvement of life conditions, to the elevation of levels of consumption and the growing industrialization of developing countries, it is estimated that the production of concrete will present significant increase in the next decades. The process of producing cement is responsible for approximately 5 % of the emissions of CO2, an expressive environment pollutant. In this context, this work presents an evaluation of the influence of partial substitution of cement by ornamental rock waste (ORW) on the physical and mechanical properties of concrete. ORW from a local marble and granite processing company was used. The waste was mineralogically characterized through X-ray diffraction (XRD) essays, energy-dispersive X-ray (EDX) microanalysis, and physically characterized through laser granulometry and specific mass. For this, was adopted a concrete trace as reference, produced with CP V-ARI cement (similar to ASTM Type III), from IPT dosage. Waste was used in proportions of 5 %, 7.5 %, 10 % and 12.5 % of substitution of cement by mass. Results were treated with ANOVA and multiple comparison of means, indicating a possibility of substitution of until 10% of cement by ORW, creating a concrete with proper resistance to Brazilian regulations regarding the classification as structural.

Keywords:
waste management; ornamental rock waste; structural concrete; environmental impacts

1. Introdução

O concreto é o material de construção mais utilizado no mundo, com uma produção anual estimada em 23 bilhões de toneladas, o que corresponde a um consumo médio de aproximadamente 10 kg de concreto por pessoa por dia [11 MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. kll. New York: McGraw-Hill, 2006. 659 p.]. A fabricação de cimento, em particular, apresenta um considerável impacto ambiental devido ao elevado consumo energético e às emissões de gases do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono [22 EPA - Environmental Protection Agency. National Ambient Air Quality Standards (NAAQS). 2014. Disponível em: https://www.epa.gov/ozone-pollution/2014-national-ambient-air-quality-standards-naaqs-ozone. Acesso em: 04 nov. 2017.
https://www.epa.gov/ozone-pollution/2014...
-33 IPCC. Climate Change 2007: The PHysical Science Basis. Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Paris: Working Group I contribution to the IPCC Fourth Assessment Report, 2007.].

Em 2016, as indústrias cimenteiras foram responsáveis por 5,6 % da emissão de CO2 de todo o mundo. Se comparado com dados do ano de 2013, as emissões devidas à queima de combustíveis fósseis para a produção do cimento apresentaram um crescimento de 1,2 % [44 Boden, T.A., G. Marland, and R.J. Andres. 2016. Global, Regional, and National FossilFuel CO2 Emissions. Carbon Dioxide Information Analysis Center, Oak Ridge National Laboratory, U.S. Department of Energy, Oak Ridge, Tenn., U.S.A. Disponívelem: Acessoem: 24/09/2017]. A emissão de CO2 na produção do cimento Portland comum é composta de duas fontes: a descarbonatação do carbonato de cálcio (CaCO2), que libera aproximadamente 528 kg CO2/ton. de cimento, e a queima de combustíveis fósseis, responsável pela emissão de cerca de 367 kg CO2/ton. de cimento, totalizando, aproximadamente, 895 kg de CO2/t cimento [55 SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO (Rio de Janeiro). Relatório Anual 2015. Disponível em: http://snic.org.br/assets/pdf/relatorio_anual/rel_anual_2015.pdfAcesso em: 10 mar. 2018.
http://snic.org.br/assets/pdf/relatorio_...
].

Os grandes impactos ambientais gerados pela indústria cimenteira fomentam a busca por alternativas que tornem a produção do concreto menos agressiva à natureza. Diversas pesquisas têm apresentado resultados positivos ao avaliar a incorporação de resíduos do setor industrial em concretos, uma vez que esses resíduos podem aumentar a resistência mecânica e as propriedades relacionadas à durabilidade do concreto.

Diante do exposto, a incorporação de resíduos industriais no concreto desponta como uma alternativa para minimizar os impactos ambientais decorrentes da produção do cimento. Entre esses resíduos está o do beneficiamento de rochas ornamentais (RBRO), subproduto da produção de rochas ornamentais e que tem apresentado potencial para ser utilizado em concretos como substituinte parcial ao aglomerante.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais (ABIROCHAS) [66 ABIROCHAS (Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais). O setor de rochas ornamentais e de revestimento. Informe 2017. São Paulo. 2017. Disponívelem: .Acessoem: 15 Abril. 2018.], em 2017 a produção de rochas no Brasil foi de aproximadamente 9,24 Mt, sendo 1,046 Mt para exportação. Deve se destacar que 41 % dos blocos, em volume, são transformados em rejeitos, produzindo 3,36 Mt de material a ser descartado durante o processamento das rochas ornamentais. Assim, é evidente que o processo de beneficiamento de rochas ornamentais é arcaico, quase artesanal, e que possui poucos investimentos com vistas à redução da geração exorbitante de resíduo durante o processo de processamento das rochas.

Nesse contexto, a problemática ambiental exposta demonstra que é necessário intensificar os estudos sobre o RBRO, com o objetivo de produzir materiais que o incorporem e, assim, propiciem a mitigação de seu impacto ambiental.

Vários pesquisadores, como Ashish [77 ASHISH, D. K. Feasibility of waste marble powder in concrete as partial substitution of cement and sand amalgam for sustainable growth. Journal of Building Engineering, v. 15, n. September 2017, p. 236-242, 2018.], Singh et al. [88 Singh, M., Srivastava, A., Bhunia, D., 2017. An investigation on effect of partial replacement of cement by waste marble slurry. Construct. Build. Mater. 134, 471- 488.], Rana et al. [99 A. Rana, P. Kalla, L.J. Csetenyi, Sustainable use of marble slurry in concrete, Journal of Cleaner Production, 94 ,2015, 304-311.], Bacarji et al. [1010 Bacarji, R.D. Toledo Filho, E.A.B. Koenders, E.P. Figueiredo, J.L.M.P. Lopes, Sustainability perspective of marble and granite residues as concrete fillers, Construction and Building Materials, 45, 2013 1-10.] e Ergun [1111 Ergün, A., 2011. Effects of the usage of diatomite and waste marble powder as partial replacement of cement on the mechanical properties of concrete. Construct. Build. Mater. 25, 806 -812.], têm demonstrado a viabilidade do RBRO como substituto parcial ao aglomerante na produção de concretos. A maioria desses estudos, no entanto, se concentram apenas na resistência mecânica. Considerando que o concreto é um material hidrófilo, estudos que avaliem propriedades relacionadas à durabilidade do concreto, como a absorção de água, são essenciais na investigação acerca da viabilidade do uso do RBRO como substituto ao cimento Portland na produção de concretos estruturais.

Desta maneira, neste trabalho adotou-se um traço de concreto produzido com cimento Portland de Alta Resistência Inicial (CP V-ARI), por conter o maior teor de clínquer dentre os cimentos disponíveis no mercado regional (sul do Brasil) e, assim, consistir em um cimento “mais puro” em termos de adições minerais, e investigou-se a viabilidade do uso do resíduo do beneficiamento de rochas ornamentais (RBRO) como substituinte parcial ao cimento na produção de concretos para fins estruturais. O resíduo foi utilizado em proporções de 5 %, 7,5 %, 10 % e 12,5 % de substituição em relação à massa de cimento.

2. Materiais e métodos

A seguir são apresentadas as características dos materiais utilizados na confecção dos concretos estudados e os métodos utilizados na realização dos ensaios.

2.1 Resíduo do beneficiamento de rochas ornamentais

O RBRO, coletado na forma de lama, foi gerado por uma empresa local de beneficiamento de rochas ornamentais. A coleta, segundo a NBR 10007 [1212 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2004d) NBR 10007 - Amostragem de resíduos sólidos. Rio de Janeiro, 21p.], foi feita diretamente do tanque de decantação da empresa, sendo que todo material utilizado no trabalho foi coletado no mesmo dia. Após a coleta, o material passou por um processo de homogeneização e quarteamento para a obtenção de uma amostra representativa. Na sequência, a lama do RBRO foi colocada em estufa, onde permaneceu por 48 h a uma temperatura de 100 °C. Em seguida, o resíduo foi passado na peneira de abertura 1,18 mm, para retirada de eventuais impurezas e destorroamento, eliminando, desta forma, a necessidade de moagem. Uma vez destorroado, o resíduo foi passado na peneira de abertura da malha de 300 μm e armazenado em sacos, estando pronto para ser utilizado.

A granulometria do RBRO foi determinada em granulômetro a laser marca Cilas modelo 1064. Na Figura 1 estão apresentados os dados obtidos no ensaio de granulometria a laser. A análise da curva mostra que o diâmetro médio de partícula do RBRO é de 30,95 μm.

Figura 1
Curvas de distribuição granulométrica do RBRO

Para identificar a presença de elementos cristalinos na composição do RBRO foi realizada análise de difração de raios X (DRX) utilizando difratômetro Shimadzu, modelo XRD 6000, operando com radiação de CuKα (=1,5418 Å) e monocromador de grafite, operando a uma tensão de 40 kV e corrente de 30 mA, na faixa de varredura de 5 a 80º e velocidade angular de 2º/min. A Figura 2 apresenta o difratograma de raios X do resíduo.

Figura 2
Difratograma de raios X obtido para amostra de RBRO

Analisando os resultados obtidos a partir do DRX, verifica-se que o RBRO utilizado é constituído principalmente por quartzo (Q) e Albita (A). Podem ser observados, também, picos menos intensos de Microclina (M) e Biotita (B). Através do ensaio é constatada a não pozolanicidade do RBRO em decorrência do mesmo apresentar um pico cristalino bem definido referente ao quartzo (SiO2) e ausência de halo amorfo. Assim, o RBRO age principalmente como agente de nucleação no interior da microestrutura.

Para determinação da composição química do RBRO utilizou-se um espectrômetro de fluorescência de raios x por dispersão de energia, modelo Shimadzu EDX-720. Na Tabela 1 está apresentado o resultado deste ensaio. Segundo a NBR 12653 [1313 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS(2014a) NBR 12653 - Materiais pozolânicos - Requisitos. Rio de Janeiro, 6 p.], a soma dos óxidos SiO2, Al2O3 e Fe2O3 deve ser superior a 70 % para que o material analisado seja considerado pozolânico. A soma dos mesmos foi de 62,42 %, desta forma, de acordo com a NBR 12653 [1313 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS(2014a) NBR 12653 - Materiais pozolânicos - Requisitos. Rio de Janeiro, 6 p.], o material não é considerado pozolânico, apresentando apenas efeito físico, o que corrobora com o que foi discutido anteriormente.

Tabela 1
Composição química do RBRO

Na Tabela 2 estão os resultados dos ensaios de massa específica real do RBRO, através da NBR NM 23 [1414 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2001) NBR NM 23 - Cimento portland e outros materiais em pó - Determinação da massa específica. Rio de Janeiro, 5 p.] e da sua massa unitária conforme a NBR NM 45 [1515 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2006) NBR NM 45 - Agregados - Determinação da massa unitária e do volume de vazios. Rio de Janeiro, 8 p.].

Tabela 2
Caracterização dos agregados e do RBRO

2.2 Cimento

O cimento utilizado cimento Portland de Alta Resistência Inicial (CP V-ARI), tendo sido escolhido pelo seu uso difundido na região sul do Rio Grande do Sul devido ao fato de conter o maior teor de clínquer dentre os cimentos disponíveis e, assim, facilitar a compreensão da ação do RBRO, evitando efeitos combinados e possibilitando uma visualização mais clara dos efeitos da substituição do cimento pelo RBRO no concreto.

2.3 Agregados

Foi utilizada uma areia natural quartzosa de granulometria média, enquadrada na zona utilizável da NBR 7211 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2009b) NBR 7211 - Agregados para concreto - Especificações. Rio de Janeiro, 9p.], seca em estufa até constância de massa. A brita granítica utilizada foi classificada como brita 1 segundo a NBR 7211 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2009b) NBR 7211 - Agregados para concreto - Especificações. Rio de Janeiro, 9p.]. Os resultados da caracterização física obtidos dos agregados naturais estão apresentados na Tabela 2.

2.4 Produção e avaliação dos concretos

Para a dosagem dos concretos utilizou-se a metodologia do IPT/EPUSP [1717 Helene, P.R.L.; Terzian, P. Manual de dosagem do concreto. PINI: São Paulo (1992).]. Através de procedimento experimental definiu-se o teor de argamassa seca ideal em 51 % (α = 0,51) e a quantidade de água necessária para a obtenção do abatimento do tronco de cone em 70 ± 10 mm.

Através das equações de dosagem e do valor pré-estabelecido da relação água/cimento de 0,60, foi determinado o traço de referência do concreto, conforme Tabela 3. A relação água/cimento igual a 0,60 foi definida por ser o valor máximo considerado para um concreto estrutural, localizado em ambiente urbano (CAA II), de acordo com a NBR 6118 [1818 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2014) NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto - procedimento. Rio de Janeiro.]. A partir do traço de referência foi realizada a substituição parcial do cimento pelo RBRO em teores de 5 %, 7,5 %, 10 % e 12,5 %. A escolha desses teores foi baseada em estudos realizados por Singh et al. [88 Singh, M., Srivastava, A., Bhunia, D., 2017. An investigation on effect of partial replacement of cement by waste marble slurry. Construct. Build. Mater. 134, 471- 488.], Rana et al. [99 A. Rana, P. Kalla, L.J. Csetenyi, Sustainable use of marble slurry in concrete, Journal of Cleaner Production, 94 ,2015, 304-311.], Bacarji et al. [1010 Bacarji, R.D. Toledo Filho, E.A.B. Koenders, E.P. Figueiredo, J.L.M.P. Lopes, Sustainability perspective of marble and granite residues as concrete fillers, Construction and Building Materials, 45, 2013 1-10.] e Ergun [1111 Ergün, A., 2011. Effects of the usage of diatomite and waste marble powder as partial replacement of cement on the mechanical properties of concrete. Construct. Build. Mater. 25, 806 -812.].

Tabela 3
Traços unitários utilizados

Na Tabela 4 são detalhadas todas as propriedades estudadas neste trabalho, bem como a quantidade de amostras e as normas utilizadas nos procedimentos. Todos os corpos de prova foram moldados e curados conforme prescrito pela NBR 5738 [1919 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1994) NBR 5738: Moldagem e cura de corpos-de-prova cilíndricos ou prismáticos de concreto. Rio de Janeiro.].

Tabela 4
Metodologia dos ensaios realizados

Por fim, para se entender os resultados obtidos em termos de propriedades físicas e mecânicas dos concretos, e se as variáveis independentes analisadas (idade e teores de substituição) possuem importância na alteração dos mesmos, esses foram submetidos a tratamento estatístico por análise de variância (ANOVA) e comparação múltipla de médias (Teste de Tukey). A primeira análise, quando indica significância, dá a certeza de que existe no mínimo um par de médias diferentes, mas sem se saber quantas e quais. Assim, a segunda análise (Teste de Tukey) se faz necessária, onde, para se determinar quis os pares de médias são diferentes entre si, foi feita a comparação de médias de duas a duas.

3. Resultados e discussões

3.1 Resistência à compressão

As médias dos resultados de resistência à compressão ao longo das idades são apresentadas na Figura 3. Nas primeiras idades, com exceção do teor de 12,5 %, os traços com substituição do cimento pelo RBRO proporcionaram maior resistência que o traço de referência, o que demonstra a atuação física do resíduo, uma vez que nesse momento, a maior parte das reações pozolânicas ainda não ocorreu. O efeito físico do RBRO acelera a hidratação do cimento ao possuir partículas extremamente finas e atuar como ponto de nucleação para a formação do hidróxido de cálcio, acelerando as reações e formando menos cristais de hidróxido de cálcio.

Figura 3
Resistência à compressão axial

Através da análise estatística ANOVA foi constatada a significância estatística das variáveis relacionadas, sendo elas o “teor de substituição” e “idade” na resistência à compressão axial. Na Tabela 5 estão apresentadas a análise de influência dos fatores e suas interações. Verifica-se que o teor de substituição e a idade de ensaio analisados separadamente possuem efeito significativo sobre a resistência à compressão axial. Entretanto, não existe influência significativa entre o teor de substituição e a idade. Essa inexistência de interação demonstra que a substituição não provoca aumentos significativos ao longo do tempo. Esse comportamento já era esperando, uma vez que o resíduo não possui atividade pozolânica. Ademais, é possível observar que o valor p é menor do que o nível de significância especificado (α = 0,05). Portanto a hipótese nula, que significa a igualdade entre as médias das resistências, é rejeitada. Deste modo, o teste de Tukey foi aplicado para se ter uma análise duas a duas das médias e se chegar à conclusão de quais são diferentes entre si. Os resultados obtidos são exibidos naFigura 4.

Tabela 5
Resultado de análise de variância - valor p - da resistência à compressão

Figura 4
Teste de Tukey para a resistência à compressão aos 28 dias

Ao serem analisados os resultados obtidos pelo teste de Tukey (Figura 4) é possível observar que aos 28 dias, somente o concreto com 12,5 % de substituição do cimento pelo RBRO pode ser considerado estatisticamente diferente do concreto de referência, com significância superior a 95 %. Nesse teor de substituição, o efeito cimentante demonstrou ser preponderante em relação ao efeito filler, acarretando uma queda na resistência em comparação ao traço de referência. Apesar do concreto com 10 % de substituição apresentar redução na resistência à compressão em comparação ao concreto de referência, este decréscimo de resistência não pode ser considerado significativo quando adotado um nível de confiabilidade de 95 %.

Os resultados obtidos corroboram com os trabalhos de Ergun [1111 Ergün, A., 2011. Effects of the usage of diatomite and waste marble powder as partial replacement of cement on the mechanical properties of concrete. Construct. Build. Mater. 25, 806 -812.]; Agarwal; Gulati [2020 AGARWAL, S. K.; GULATI, D. Utilization of industrial wastes and unprocessed microfillers for making cost effective mortars. Construction and Building Materials, v. 20, n. 10, p. 999-1004, 2006.]; Kockal [2121 KOCKAL, N. U. Effects of Elevated Temperature and Re-Curing. Transactions of Civil Engineering, v. 37, n. C1, p. 67-76, 2013.]; Ramos et al. [2222 RAMOS, T. et al. Granitic quarry sludge waste in mortar: Effect on strength and durability. Construction and Building Materials, v. 47, p. 1001-1009, 2013.]; Aliabdo et al. [2323 ALIABDO, A. A.; ABD ELMOATY, A. E. M.; AUDA, E. M. Re-use of waste marble dust in the production of cement and concrete. Construction and Building Materials, v. 50, p. 28-41, 2014.]; Munir et al. [2424 MUNIR, M. J.; KAZMI, S. M. S.; WU, Y. F. Efficiency of waste marble powder in controlling alkali-silica reaction of concrete: A sustainable approach. Construction and Building Materials, v. 154, p. 590-599, 2017.] e Ashish [77 ASHISH, D. K. Feasibility of waste marble powder in concrete as partial substitution of cement and sand amalgam for sustainable growth. Journal of Building Engineering, v. 15, n. September 2017, p. 236-242, 2018.], que obtiveram aumento de resistência à compressão substituindo cimento por resíduo de rochas ornamentais nas porcentagens de 5 % e 7,5 %.

3.2 Absorção de água por Capilaridade

Os resultados do ensaio de absorção de água por capilaridade estão apresentados na Figura 5. O ensaio demonstrou uma redução na taxa de absorção nos teores de substituição de 5 % e 7,5 %, sendo o teor de 7,5 % o que apresentou melhor desempenho (redução de 10 %). Por outro lado, a substituição de 12,5 % apresentou os piores resultados, resultando em um aumento de 22,70 % na taxa de absorção. Nesse teor de substituição o efeito cimentante demonstrou ser preponderante em relação ao efeito filler, acarretando um aumento na taxa de absorção de água.

Figura 5
Absorção de água por capilaridade

Através da ANOVA foi constatada a significância estatística da variável “teor de substituição” na absorção capilar. Na Tabela 6 está apresentada a análise de influência dos fatores, verificando-se que o teor de substituição possui efeito significativo sobre a absorção de água por capilaridade, indicado pelo p-fator abaixo do limite de 5 %

Tabela 6
Resultado de análise de variância - valor p - da absorção por capilaridade

Pode-se concluir, com base nas análises de variância, que a hipótese de as médias serem iguais foi rejeitada e que o efeito da relação teor de substituição é significante para um nível de confiabilidade de 95 %.

Através do teste de Tukey, apresentado na Figura 6, verifica-se que os concretos com 10 % e 12,5 % de substituição do cimento pelo RBRO podem ser considerados estatisticamente diferentes do concreto de referência. Todos os outros teores de substituição não podem ser considerados estatisticamente diferente do concreto de referência, com significância superior a 95 %.

Figura 6
Teste de Tukey para a absorção por capilaridade

3.3 Absorção de água por imersão

Os resultados das medições de absorção de água por imersão são mostrados na Figura 7. O traço com substituição de 7,5 % do cimento pelo RBRO apresentou melhor desempenho, com diminuição da absorção de 3,66 % em relação ao traço de referência.

Figura 7
Absorção de água por imersão

Todos os outros teores de substituição promoveram um aumento na absorção, sendo que o traço com 12,5 % apresentou o pior desempenho, com um aumento de 14,14 % na taxa absorção em relação ao traço de referência.

Através da ANOVA foi constatada a significância estatística da variável “teor de substituição” na absorção por imersão. Na Tabela 7 está apresentada a análise de influência dos fatores, onde pode ser verificado que o teor de substituição possui efeito significativo sobre a absorção de água por imersão, indicado pelo p-valor de 0,3956 %, inferior a 5 %. Pode-se concluir, com base nas análises de variância, que a hipótese de as médias serem iguais foi rejeitada, e que os efeitos da relação teor de substituição são significantes ao nível de confiança de 95 %.

Tabela 7
Resultado de Análise de Variância - valor p- da absorção por imersão

Através do teste Tukey, Figura 8, ficou constatado que somente o concreto com 12,5 % de substituição do cimento pelo RBRO pode ser considerado estatisticamente diferente do concreto de referência quanto à absorção de água por imersão.

Figura 8
Teste de Tukey para a absorção por imersão

4. Conclusões

Neste trabalho procurou-se verificar a influência exercida pela substituição parcial do cimento pelo RBRO nas propriedades físicas e mecânicas de concretos para fins estruturais. Vale ressaltar que para uso do RBRO em um estado físico adequado, se fez necessária uma preparação do material. No entanto, como a utilização desse resíduo está em estudo, para ser inserido em outros componentes, primeiro há necessidade de viabilizar seu uso para, após, novos estudos investigarem metodologias que proporcionem seu uso de maneira mais veloz. Tendo em vista os resultados obtidos, foi possível concluir que:

  • a) Apesar de ter sido observada aos 28 dias redução nas propriedades mecânicas dos concretos que empregaram RBRO em substituição ao cimento, não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas na resistência à compressão em teores de substituição de até 10 %;

  • b) No ensaio de absorção de água por capilaridade, os traços com 10 % e 12,5 % apresentaram diferenças estatisticamente significativas, promovendo um aumento na taxa de absorção em relação ao traço de referência;

  • c) No ensaio de absorção de água por imersão, apenas o traço com 12,5 % de substituição apresentou diferença estatisticamente significativa na taxa de absorção promovendo um incremento na taxa de absorção em relação ao traço de referência.

  • d) Os concretos com 5 % e 7,5 % de substituição não apresentaram diferença estatística significativa nos ensaios de resistência à compressão, absorção de água por capilaridade e absorção de água por imersão, em relação ao traço de referência.

  • e) Os resultados demostram que quanto maior o teor de resíduo, menor a resistência à compressão e maior a taxa de absorção de água. Todavia, ainda que menores que os resultados obtidos para o concreto referência, os valores de resistência à compressão indicam a possibilidade de uso como concreto estrutural. Os resultados do estudo demonstram que a substituição parcial do aglomerante por RBRO é satisfatoriamente viável.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2019
  • Aceito
    10 Dez 2019
  • Publicado
    26 Maio 2020
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