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Estudo anatomopatológico sistematizado de encéfalos de chagásicos crônicos falecidos subitamente

CARTA AO EDITOR

Estudo anatomopatológico sistematizado de encéfalos de chagásicos crônicos falecidos subitamente(1 Endereço para correspondência: Prof. Edison Reis Lopes Departamento de Patologia, Medicina Legal e Deontologia Médica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro Praça Manoel Terra, s/nº CEP 38.100 Uberaba, Minas Gerais, Brasil )

Na tentativa de contribuir para o esclarecimento do eventual papel que lesões do sistema nervoso central (SNC) possam desempenhar na morte súbita da doença de Chagas realizamos estudo anatomopatológico sistematizado em seis encéfalos de chagásicos crônicos (cinco com morte do tipo inesperado e um esperado). Para controle utilizamos quatro encéfalos de não chagásicos, falecidos de modo violento, sem lesão do SNC.

Os encéfalos após fixação foram examinados macroscopicamente segundo a técnica de Pitres-Marie. Para o estudo microscópico, realizado segundo metodologia clássica, foram tomadas amostras de cada lobo cerebral, dos gânglios da base, do tálamo, do hipotálamo, mesencéfalo, ponte, bulbo e cerebelo (média de 34 amostras por caso).

A tabela 1 sumariza os resultados obtidos.

Nossos achados demonstram que, nos chagásicos por nós examinados e que faleceram subitamente, não se pode explicar o óbito pelas lesões morfológicas encefálicas. Estas, quando presentes, a exemplo do já observado por outros autores em chagásicos crônicos com vários tipos de morte45671112 são discretas, pouco significativas, e qualitativa e quantitativamente similares as encontradas nos não chagásicos. Acresce salientar que em quatro dos seis chagásicos o estudo morfológico do coração, inclusive do sistema excito-condutor, mostrou lesões capazes de explicar arritmias e consecutiva morte súbita13. Em nossa experiência, em cerca de 300 chagásicos falecidos de modo súbito, em um único caso pudemos, com segurança, atribuir o óbito como devido à lesão do SNC. Isto ocorreu em um jovem chagásico de 15 anos de idade, assintomático, que entrou e permaneceu 96 horas em coma, falecendo em conseqüência de infarto branco encefálico que acometia grande parte do hemisfério cerebelar esquerdo, ponte e mesencéfalo. Na artéria basilar havia tromboêmbolo recente não ocludente.

Entretanto, o fato de não encontrar-se, com a metodologia morfológica rotineira, lesões do SNC, não permite concluir, de modo definitivo, que este sistema não participe do mecanismo da morte súbita no chagásico crônico. É admitido por vários AA.13810 que estímulos do SNC, com ou sem substrato morfológico, podem deflagrar arritmias e óbito súbito e, portanto, não se pode, "a priori" excluir que isto também possa suceder na doença de Chagas.

Nossos achados e outros da literatura mostrando que em chagásicos crônicos as lesões ana tomopatológicas do sistema nervoso central são escassas e aparentemente, pouco significativas, poderia também à primeira vista, indicar a falta de bases morfológicas para explicar a forma crônica nervosa da doença de Chagas como admitem certos autores11,12. Estudos clínicos2 indicam a existência de manifestações decorrentes de alterações do sistema nervoso central e dados laboratoriais9 demonstram a presença de anti-corpos anti-T. cruzi e autoanticorpos no líquido cefalorraquiano de chagásicos crônicos. Por outro lado alguns estudos anatomopatológicos56 frizam a correlação entre lesões morfológicas encefálicas e tripanossomíase cruzi. Além disso os trabalhos de LOPES e col7, PITTELA11 e QUEIROZ12, mostram casos com lesões nas quais, a nosso modo de ver, não se pode excluir, na sua etiopatogênese, a ação direta ou indireta do T. cruzi. Cremos que para uma conclusão definitiva sobre o tema é fundamental que estudos anato mopatológicos detalhados do sistema nervoso sejam feitos em chagásicos, previamente submetitidos a análises neurológicas minuciosas. Só deste modo, poder-se-á ter idéia real da existência ou não de um substrato morfológico da chamada forma nervosa crônica da doença de Chagas.

Antonio Carlos Oliveira MENEZES

Edison Reis LOPES

Edmundo CHAPADEIRO

Recebido para publicação em 05/05/1988.

Trabalho do Departamento de Patologia, Medicina Legal e Deontologia Médica e do Curso de Pós Graduação em Patologia Humana da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil, realizado com auxílio do UNDP World Bank/WHO Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases e do CNPq do Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Prof. Edison Reis Lopes
    Departamento de Patologia, Medicina Legal e Deontologia Médica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
    Praça Manoel Terra, s/nº
    CEP 38.100 Uberaba, Minas Gerais, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 1988
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