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Financiamento à ciência no Brasil: distribuição entre as grandes áreas do conhecimento

Financing for science in Brazil: distribution among major areas of knowledge

Resumo

Este artigo analisa a direção dada às pesquisas científicas aprovadas pelo CNPq entre os anos de 2011 e 2014, identificando a relação entre o público e o privado e a destinação de recursos financeiros para as grandes áreas do conhecimento. Trata-se de uma pesquisa documental baseada em dados coletados do sistema eletrônico do CNPq, de abordagem quali-quantitativa. Os dados demonstraram o progressivo direcionamento de recursos públicos para o financiamento de pesquisas em instituições privadas, bem como a desigual distribuição entre as áreas e grandes áreas de conhecimento

Palavras-chave:
Ciência; CNPq; Financiamento

Abstract

This article analyzes the direction given to scientific research approved by CNPq between the years 2011 and 2014, identifying the relationship between the public and the private sector and the allocation of financial resources to large areas of knowledge. This is a documentary research based on data collected from the CNPq electronic system, with a qualitative quantitative approach. The data demonstrated the progressive targeting of public resources for the financing of research in private institutions, as well as the uneven distribution between areas and large areas of knowledge.

Keywords:
Science; CNPq; Financing

Introdução

Embora as pesquisas científicas no Brasil tenham sido desenvolvidas inicialmente em institutos próprios, há de se destacar que a expansão desta atividade se deu a partir da sua incorporação como uma atividade essencial nas universidades públicas (CURY, 2005CURY, C. R. J. Quadragésimo Ano do Parecer CFE n. 977/65. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 30, p. 07-20, 2005.). Essa assertiva se sustenta, pois cerca de 90% das pesquisas brasileiras são desenvolvidas nas universidades públicas, sendo o principal lócus desta produção os programas de pós-graduação stricto sensu (BUENO, 2014BUENO, A. P. A Universidade e os projetos para o país. Revista Caros Amigos, São Paulo, ano 18, n. 70, p. 23-24, 2014.).

Se por um lado, o desenvolvimento da ciência é fundamental para descobertas importantes e que deveriam ser apropriadas por todos, por outro, o modo de produção capitalista anseia se apropriar dos resultados científicos em favor da reprodução ampliada ou alargada do capital1 1 Sugerimos o artigo de Ribeiro (2015) que discute as contribuições proporcionadas pela ciência moderna para o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo e como ela serve como meio de controle da força de trabalho e de valorização do capital. (RIBEIRO, 2015RIBEIRO, D. B. A Crise do Capital e seus Rebatimentos para a Produção de Conhecimentos. Revista Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 14, p. 314-326, 2015.). Assim, a produção de conhecimentos científicos pode auxiliar no enfrentamento das múltiplas expressões da questão social, mas pode também aprofundá-las, adensando as desigualdades sociais. Trata-se, portanto, de uma disputa entre classes sociais distintas em torno da produção e apropriação do conhecimento científico e de seus resultados.

Desde uma mirada histórica, vemos que a expansão das pesquisas só foi possível a partir da incorporação desta atividade pela pós-graduação stricto sensu (CURY, 2005CURY, C. R. J. Quadragésimo Ano do Parecer CFE n. 977/65. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 30, p. 07-20, 2005.). Este nível de ensino2 2 Apesar da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB) abordar a pós-graduação entendia-se que ela não era suficiente para a normatização do ensino nesse grau. Assim, o parecer CFE nº 977/65, que foi homologado pelo Ministro da Educação em 1966, passou a conceituar e normatizar os cursos de pós-graduação no Brasil sendo este parecer um marco para a institucionalização da pós-graduação no país (CURY, 2005). , que ainda era incipiente nas décadas de 1930 e 1940, contou com o apoio fundamental de duas instituições criadas em 1951 para a sua consolidação: o Conselho Nacional de Pesquisa (CNP)3 3 A Lei nº 6.129 de 6 de novembro de 1974 transformou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNP) em Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BARROS, 1998). e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A criação destas instituições esteve ligada aos interesses da chamada modernização da universidade que neste momento a incluía como um importante espaço para a realização de pesquisas que possibilitassem o desenvolvimento tecnológico, entendido na época como prerrogativa para o desenvolvimento do país. Há também que se destacar que o desenvolvimento tecnológico aparecia como um elemento fundamental em período de guerra fria (CURY, 2005).

A Lei nº 1.310 de 15 de janeiro de 1951, sancionada pelo presidente Dutra, criou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNP) como uma autarquia ligada a Presidência da República (BRASIL, 2015)4 4 Este foi o primeiro órgão sistemático de coordenação da política de ciência e tecnologia (BARROS, 1998). . Dada as divergências e a oposição dos Estados Unidos quanto a atividade nuclear, em 1956 esta atividade foi transferida para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) retirando do CNP esta atribuição. Não mais se envolvendo diretamente nas pesquisas nucleares para a fabricação da energia atômica o CNP passou a fomentar pesquisas nas áreas da física, biologia, tecnologia e ciências da terra. Somente em 19655 5 Decreto nº 56.122, de 27 de abril de 1965 (BRASIL, 1965). as ciências humanas e sociais foram incluídas nas ações de fomento do CNP passando este órgão a estimular todas as áreas do conhecimento (OLIVEIRA, 2003OLIVEIRA, A. de. Política Científica no Brasil: análise das políticas de fomento à pesquisa do CNPq. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.). A Lei nº 6.129 de 6 de novembro de 1974 não só transformou o CNP em CNPq como o vinculou a Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Esta Lei também instituiu o CNPq como fundação e colocou sob sua responsabilidade a elaboração dos Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) (BRASIL, 1974). Em 1985 quando foi criado o Ministério de Ciência e Tecnologia (Decreto nº 91.146/1985) o Conselho passou a fazer parte deste Ministério6 6 Atualmente chamado de Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). (BRASIL, 2015a).

Embora a realização de pesquisas ainda se dê majoritariamente nas universidades públicas, o Estado brasileiro fortaleceu o discurso da necessidade de alocação de recursos públicos para as instituições privadas e delegou às universidades públicas a captação de recursos no mercado, colocando em risco a autonomia dos pesquisadores frente às empresas financiadoras7 7 Pensemos, por exemplo, na descoberta de vacinas e a venda destes produtos, o que deixará grande parte da população sem acesso a esse benefício. . Dessa forma, o Estado brasileiro, ao invés de estimular ainda mais a ciência produzida nas universidades com dinheiro público e a sua socialização, permite o escoamento de recursos financeiros para a produção de pesquisas privadas e rentáveis ao capital. O cenário de disputa por recursos públicos para o desenvolvimento de pesquisas agrava-se ainda mais quando consideramos a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 95) em 2016, que impõe o congelamento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos (BRASIL, 2016). A EC 95/2016 “[...] desmonta o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia [...] o orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e Comunicações para investimento [...] está previsto na ordem de um terço do que era 10 anos atrás” (SOCIEDADE...; 2018). Em termos concretos, em 2019, o Ministério da Educação teve congelados 5,8 bilhões e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação 2,1 bilhões (SAYURI, 2019SAYURI, J. Os problemas da pós-graduação no Brasil e a importância da ciência. Nexo Jornal, 2019. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ reportagem/2019/04/21/Os-problemas-da-pós-graduação-no-Brasil.-E-a-importância-da-ciência. Acesso em: 17 fev. 2020.
https://www.nexojornal.com.br/ reportage...
).

É nesse cenário que é mister refletir sobre quais pesquisas estão sendo desenvolvidas e qual tem sido a direção dada às mesmas. Também é preciso saber se a produção de conhecimentos tem sido desenvolvida levando-se em consideração o princípio constitucional da autonomia científica. Este artigo tem como objetivo geral analisar a direção dada às pesquisas científicas aprovadas pelo CNPq entre os anos de 2011 e 2014, identificando a relação entre o público e o privado e a destinação de recursos financeiros para as grandes áreas do conhecimento. Sendo assim, este artigo discute o tema da ciência e a disputa em torno da sua produção e apropriação. Além disso, demonstra como dados retirados de sistemas eletrônicos podem ser usados para a produção de conhecimentos, para a realização de uma intervenção profissional qualificada e para a luta política, o que contempla os objetivos deste número da revista.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa documental, quali-quantitativa, com documentos de acesso público. Utilizamos os dados brutos encontrados no site do CNPq e dados encaminhados por esta agência via Sistema E-sic. Os dados qualitativos foram analisados por meio da análise de conteúdo e os quantitativos através da análise estatística descritiva. Para a coleta de dados inicialmente utilizamos o site do CNPq e por meio do link chamadas encerradas identificamos todos os editais lançados por esta agência entre os anos de 2011 e 2014. Em seguida, procedemos à leitura dos documentos, anotamos as características dos editais e excluímos do nosso estudo todos os editais de bolsas, Programa Ciência sem Fronteiras e auxílios para editoração e eventos. Foram elegíveis para esta pesquisa apenas os editais de apoio à pesquisa8 8 O CNPq atua por meio do incentivo à capacitação de recursos humanos (assim como a CAPES) e também no fomento à pesquisa. O incentivo à capacitação é realizado mediante a concessão de bolsas de estudo no país e no exterior. Já o fomento à pesquisa acontece por meio do apoio aos projetos de pesquisa, a editoração e a realização de eventos (BRASIL, 2015a). que receberam recursos que não fossem apenas bolsas.

Posteriormente, investigamos no site do CNPq (no link chamadas resultados) a quantidade de projetos que foram aprovados dos editais selecionados e consultamos uma tabela enviada pelo CNPq (por meio do sistema E-sic) a quantidade de projetos submetidos à esta agência, para sabermos qual a demanda versus quantidade de projetos aprovados. Para o levantamento dos recursos financeiros destinados às grandes áreas do conhecimento utilizamos o sistema Dados abertos 9 9 Endereço eletrônico: http://dadosabertos.cnpq.br/pt_BR/organization/cnpq. . Nesta fase de coleta de dados, notamos que os recursos financeiros distribuídos para as pesquisas por ano de aprovação do sistema Dados abertos, se comparado, não condiz com a quantidade de projetos aprovados da lista do site do CNPq do link chamadas encerradas. Isso ocorre, ou porque alguns pesquisadores recorrem, podendo alcançar a aprovação de seu projeto após o recurso, ou pelo fato dos recursos serem repassados em parcelas, podendo ser contabilizado o restante do montante no ano seguinte. Assim, para a sistematização dos valores recebidos para as pesquisas utilizamos as tabelas do sistema Dados abertos (porque possui informações sobre os valores repassados aos pesquisadores). Os valores financeiros foram deflacionados por meio da calculadora cidadã e o índice para a correção escolhido foi o IGP-DI. Separamos os valores repassados aos pesquisadores por ano e na calculadora cidadã utilizamos como data inicial dezembro do ano em que o recurso foi recebido e como data final dezembro de 2019.

Foram elegíveis para esta pesquisa 16 editais de apoio ao pesquisador lançados pelo CNPq no ano de 2011. A estes editais foram submetidos 18.716 projetos de pesquisa, sendo aprovados 4.801 projetos e encontrados na listagem de recursos financeiros, 4.701 projetos. Em relação ao ano de 2012 foram analisados 31 editais, para os quais houve 17.449 submissões, 5.278 projetos aprovados e 4.656 projetos encontrados na lista do sistema Dados abertos. No ano de 2013 foram escolhidos 55 editais, sendo encaminhados 30.732 projetos de pesquisa, dos quais 6.852 foram aprovados, e na listagem de recursos encontramos 8.415 pesquisas que receberam financiamento que não fossem apenas na modalidade bolsa. Quanto ao ano de 2014 foram analisados 28 editais, que receberam 23.445 submissões com 7.096 aprovações, e encontrados na lista de recursos 6.888 projetos. Desse modo, esta pesquisa conta com dados sobre 130 editais lançados pelo CNPq entre 2011 e 2014 cujos pesquisadores receberam recursos financeiros que não fossem apenas bolsas (Quadro 1).

Quadro 1
Síntese dos Editais elegíveis para a pesquisa

O CNPq e as demandas por recursos para pesquisas

O número de projetos de pesquisas submetidos e aprovados pelo CNPq entre os anos de 2011 e 2014 demonstram que os editais funcionam não apenas para a indução de pesquisas por áreas e/ou temas considerados estratégicos, mas também para a otimização dos recursos disponíveis e a possível alocação de parte dos recursos para o setor privado, pois, alguns editais são específicos para o setor privado10 10 Os editais 17/2012 e 12/2014, por exemplo, são específicos para empresas privadas com fins lucrativos. , outros permitem a concorrência deste setor com as instituições públicas. Entre 2011 e 2014, dos 130 editais de apoio ao pesquisador analisados, foram submetidas 90.342 propostas das quais 24.660 foram aprovadas, ou seja, um atendimento de 27,3% da demanda. Os recursos, distribuídos por meio de editais, permitem duas constatações iniciais: menos de 1/3 das demandas é atendida; a distribuição dos recursos é desigual por áreas de conhecimento. Isso se agrava quando observamos os limites das universidades na alocação de recursos próprios para a realização de pesquisa.

Para a submissão de projetos de pesquisa ao CNPq existem alguns critérios previamente definidos nos editais. Dos 130 editais analisados, 108 (83,1%) exigiam a titulação de doutor ao proponente responsável pelo projeto. Dessa forma, afirmamos que dos 24.660 projetos aprovados, pelo menos 22.900 (92,9%) tiveram como proponentes pesquisadores doutores. Sobre as instituições que poderiam ser descritas como executoras dos projetos de pesquisa a serem financiados pelo CNPq, 04 (3,1%)11 11 Editais 94/2013; 17/2014; 40/2014; 11/2014. editais foram destinados exclusivamente às instituições públicas, os outros permitiram a participação do setor privado com fins lucrativos ou sem fins lucrativos.

É preciso salientar que o Estado tem incentivado o setor privado no que tange a pesquisa tanto repassando recursos financeiros, quanto permitindo a associação das universidades públicas às instituições privadas. Nesse sentido, podemos citar a Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/2004) que possui três eixos principais: o estabelecimento de parcerias entre as IES e as empresas; o estímulo à participação das universidades e centros de pesquisa no processo de inovação e o incentivo à inovação tecnológica nas empresas (BRASIL, [2019]). Esta lei permite e incentiva a utilização das universidades públicas para a realização de pesquisas que serão apropriadas por empresas, dando um sentido extremamente utilitário a produção do conhecimento. A Lei de Inovação Tecnológica se articula com a Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005) que permite a subvenção econômica e isenção fiscal às empresas que afirmarem, através da autodeclararão, o compromisso em realizar pesquisas voltadas à inovação tecnológica (LIMA, 2007LIMA, K. R. de S. Contra-reforma na Educação Superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007.). Por isso, alguns autores como Lima (2007LIMA, K. R. de S. Contra-reforma na Educação Superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007.) e Neves (2004NEVES, L. M. W. A Reforma Universitária do governo Lula transforma a universidade em um negócio. Jornal da Associação dos Docentes da UFF, Niterói, p. 7 - 8, 1 ago. 2004.) chamam a atenção para a conversão do professor universitário de instituição pública em empreendedor, sendo uma das leis que respaldam esta atividade a Lei de Inovação Tecnológica.

Distribuição das propostas aprovadas por tema

Dos 130 editais estudados, 121 (93,1%) definiram os temas a serem estudados; 04 (3,1%) definiram a área a ser pesquisada e apenas 05 (3,8%) não definiram temas e áreas para as pesquisas. Os temas e áreas indicados estão listados nos quadros abaixo:

Quadro 2
Temáticas induzidas em 2011.
Quadro 3
Temáticas induzidas em 2012.
Quadro 4
Temáticas induzidas em 2013.
Quadro 5
Temáticas induzidas em 2014.

Em termos de frequência das palavras utilizadas nesses editais, destacamos as 10 mais recorrentes: Tecnologia(s) (49 vezes), Ciência(s) (41 vezes), Saúde (28), Biotecnologia (17), Desenvolvimento (16), Nanotecnologia (13), Energia (12), Materiais (10), Biodiversidade (9), Informação (9). É possível notar a tecnologia e inovação como centralidade nos editais, e a ciência sendo associada aos produtos configurando-se como uma ciência instrumental, como nos aponta Marilena Chauí (2001CHAUÍ, M. Escritos sobre Universidade. São Paulo: Editora UNESP, 2001.). Para esta autora, à universidade transformada em organização social temse solicitado um comportamento análogo ao funcionamento de empresas, inclusive com a encomenda de pesquisas para satisfazer as necessidades de determinados setores da economia. Como demonstramos, dos 130 editais pesquisados 121 (93,1%) indicavam previamente o tema a ser pesquisado. Essa forte indução, limita as possibilidades de escolha dos pesquisadores quanto ao que e para quê pesquisar, o que nos permite afirmar que a autonomia científica da universidade e, consequentemente, dos pesquisadores nela inseridos está fortemente comprometida.

Esta direção dada à produção de conhecimentos no país vincula-se a um documento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações intitulado Livro Azul. Este livro foi publicado em 2010 (resultante das recomendações da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação ocorrida no mesmo ano) e afirma a necessidade de transformação do conhecimento em inovação e na parceria entre as instituições de ensino, de pesquisa e as empresas, além da cooperação internacional. Esta parceria é enfatizada constantemente com elogios a Lei de Inovação e a Lei do Bem (BRASIL, 2010). O Livro Azul determina o incentivo de pesquisas cujos temas são relacionados à agricultura, bioenergia, tecnologias da informação e comunicação, saúde, exploração das reservas de petróleo e gás do pré-sal, tecnologia nuclear, espaço e defesa, tecnologias portadoras de futuro e outras energias12 12 Edital Casadinho/Procad. (BRASIL, 2010).

Recursos financeiros destinados às pesquisas

Dos recursos repassados pelo CNPq referentes aos editais de 2011 observa-se que as ciências biológicas seguidas das ciências exatas e da terra receberam a maior parte dos recursos, R$ 65.173.468,12 e R$ 60.854.645,11 respectivamente. No ano de 2012 a grande área mais contemplada foi a ciências agrárias com o repasse de R$ 73.821.140,22. Em 2013 foram às engenharias (R$ 82.969.236,56), ciências da saúde (R$ 81.462.055,44) e ciências biológicas (R$ 81.013.293,94). Em 2014 as ciências da saúde (R$ 119.970.805,86) e biológicas (R$ 103.950.137,64) (Gráfico 1) (BRASIL, 2015). Observa-se que os menores investimentos em todos os anos pesquisados foram para a grande área de linguística, letras e artes; ciências humanas e ciências sociais aplicadas, corroborando com o debate realizado ao longo deste trabalho sobre a indução de pesquisas em outras áreas.

Gráfico 1
Recursos para as pesquisas.

Considerações Finais

Essa pesquisa demonstra que o Estado cada vez mais se utiliza de estratégias legais para garantir o redirecionamento do fundo público para instituições privadas. O lançamento de editais para a realização de pesquisas com critérios mais flexíveis para a entrada de instituições privadas, sem a exigência de mestres e doutores, demonstra tais estratégias. As parcerias entre as instituições públicas e o setor privado são vistas como forma de incentivar as empresas frente à competitividade internacional. Como a realização de pesquisas demanda um alto financiamento, interessa ao empresariado que este investimento seja realizado com recursos do fundo público, mas que os seus resultados sejam apropriados pelo setor privado. Ou seja, embora as universidades ainda se constituam como os principais loci da produção de conhecimentos científicos, o Estado (através das agências de fomento) tem incentivado e financiado com dinheiro público pesquisas realizadas por empresas ou pesquisas realizadas por instituições públicas em parceria com as empresas.

Outra questão importante diz respeito à indução de pesquisas em determinadas áreas e temas, sendo linguística, letras e artes; ciências humanas e ciências sociais aplicadas as áreas que receberam o menor recurso para o desenvolvimento de pesquisas. Neste item é preciso considerar a prioridade dada para o desenvolvimento de pesquisas voltadas para o desenvolvimento do mercado, sustentando o processo de valorização do capital.

Embora não tenha sido aprovada uma única lei para regulamentar o princípio da autonomia universitária (e da autonomia científica) devemos considerar que a autonomia com o viés privatista já é normatizada por leis aparentemente isoladas (como a Lei de Inovação Tecnológica). Avaliamos assim, que o Estado e o mercado atuam no sentido de restringirem cada vez mais os relativos graus de autonomia científica das universidades públicas brasileiras.

Sendo assim, a produção de conhecimentos que poderia potencializar a satisfação das necessidades dos trabalhadores brasileiros encontra-se subordinada a criação de produtos e serviços a serem vendidos ou a processos que tem por objetivo aumentar a produtividade do trabalho. Há ainda de se mencionar que a venda dos resultados das pesquisas corrompem o compromisso científico do retorno coletivo dos resultados de estudos feitos com recursos públicos.

Agradecimentos

Aos (as) técnicos (as) do CNPq que nos auxiliaram respondendo as dúvidas enviadas pelo sistema E-Sic.

Referências

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  • BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/ 0221/221783.pdf Acesso em: 08 out. 2015.
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  • BUENO, A. P. A Universidade e os projetos para o país. Revista Caros Amigos, São Paulo, ano 18, n. 70, p. 23-24, 2014.
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  • SOCIEDADE Brasileira de Progresso para a ciência pede fim da EC 95 a candidatos. SBPC na Mídia, 2018. Disponível em: http:// portal.sbpcnet.org.br/noticias/sociedade-brasileira-de-progresso-para-a-ciencia-pede-fim-da-ec-95-a-candidatos/. Acesso em: 17 fev. 2020.
    » http:// portal.sbpcnet.org.br/noticias/sociedade-brasileira-de-progresso-para-a-ciencia-pede-fim-da-ec-95-a-candidatos

Notas

  • 1
    Sugerimos o artigo de Ribeiro (2015) que discute as contribuições proporcionadas pela ciência moderna para o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo e como ela serve como meio de controle da força de trabalho e de valorização do capital.
  • 2
    Apesar da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB) abordar a pós-graduação entendia-se que ela não era suficiente para a normatização do ensino nesse grau. Assim, o parecer CFE nº 977/65, que foi homologado pelo Ministro da Educação em 1966, passou a conceituar e normatizar os cursos de pós-graduação no Brasil sendo este parecer um marco para a institucionalização da pós-graduação no país (CURY, 2005).
  • 3
    A Lei nº 6.129 de 6 de novembro de 1974 transformou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNP) em Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BARROS, 1998).
  • 4
    Este foi o primeiro órgão sistemático de coordenação da política de ciência e tecnologia (BARROS, 1998).
  • 5
    Decreto nº 56.122, de 27 de abril de 1965 (BRASIL, 1965).
  • 6
    Atualmente chamado de Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
  • 7
    Pensemos, por exemplo, na descoberta de vacinas e a venda destes produtos, o que deixará grande parte da população sem acesso a esse benefício.
  • 8
    O CNPq atua por meio do incentivo à capacitação de recursos humanos (assim como a CAPES) e também no fomento à pesquisa. O incentivo à capacitação é realizado mediante a concessão de bolsas de estudo no país e no exterior. Já o fomento à pesquisa acontece por meio do apoio aos projetos de pesquisa, a editoração e a realização de eventos (BRASIL, 2015a).
  • 9
    Endereço eletrônico: http://dadosabertos.cnpq.br/pt_BR/organization/cnpq.
  • 10
    Os editais 17/2012 e 12/2014, por exemplo, são específicos para empresas privadas com fins lucrativos.
  • 11
    Editais 94/2013; 17/2014; 40/2014; 11/2014.
  • 12
    Edital Casadinho/Procad.
  • 13
    Edital Universal.
  • 14
    Edital Universal.
  • 15
    Edital Universal.
  • 16
    Edital Universal.
  • 17
    Nas tecnologias portadoras de futuro “estão incluídas a nanotecnologia, a biotecnologia e algumas formas de energia que, embora já presentes em algumas aplicações, terão papel relevante na indústria do futuro. [...] Por conta da preocupação ambiental, outras formas de geração de energia, com baixa emissão de CO2, passarão a ser gradualmente implementadas. Entre as que terão participação crescente na matriz energética brasileira podem ser consideradas a energia fotovoltaica, a eólica, a utilização do hidrogênio nas células combustíveis e a energia nuclear” (BRASIL, 2010, p. 51).
  • Agência financiadora

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [Edital CAPES/Print] número 88887.311889/2018-00, Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo [FAPES/ CAPES PROFIX 10/2018 e Edital FAPES/CNPq Nº 22/2018].
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação

    Não se aplica.
  • Consentimento para publicação

    Consentimento das autoras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2020
  • Aceito
    15 Mar 2020
  • Revisado
    24 Jun 2020
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