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As mulheres, os feminismos e as TICs

The women, the feminisms and the ICTs

Resumo

O espaço on-line possibilita caminhos de desenvolvimento social, permeado e formado pela relação de organismos e não organismos forjam-se como novo ambiente de convivência e apresentação de diferentes práticas, discursos e saberes, que torna esse espaço ao mesmo tempo uno e multifacetário. Marcado também pela difusão de informações e promoção de reivindicações e lutas sociopolíticas agem como palcos de visibilidade para diversos grupos oprimidos e marginalizados socialmente. Nessa perspectiva, a pesquisa que se apresenta investiga quais os modos de apropriação dos dispositivos tecnológicos pelo movimento feminista e suas implicações na vida sociopolítica na contemporaneidade. Os resultados apontaram que a existência do movimento feminista na contemporaneidade é marcada pelas mediações técnicas e pela formação de redes on-line, contudo assinala que esse mesmo ambiente não escapa da dinâmica de poder que definem princípios de apropriação técnica e visibilidade midiática.

Palavras-chave:
Feminismos; Interconexão digital; Ciberativismo; Tecnopoder

Abstract

The online space allows social developmenting ways, surrounded and made by the relationship of organisms and non organisms which forge themselves as a new enviroment for getting along and introducing different practices, speeches and knowledge, what makes this space at the same time unique and multifaceted. Marked also by the diffusion of informations and promoting claims and sociopolitical fights they also act like stages for the visibility of many different socially oppressed and marginalized groups. In this perspective, the following research investigates which appropriation modes of the technological dispositives are used by the feminist movement and its implications in the sociopolitical life in the contemporaneity. The results pointed out that the existence of the feminist movement in the contemporaneity is marked by the technical mediations and also by the creation of on-line networks, however it also shows that this same enviroment does not escape from the dynamics of power that define principles of technical appropriation and media visibility.

Keywords:
Feminisms; Digital interconnection; Cyberactivism; Technopower

Introdução

Neste texto, inspirado na Teoria Ator Rede, refletimos acerca de como a rede sociotécnica constitui e constrói-se em um processo ativo, incessante e interdependente que implica em uma relação híbrida e simétrica entre máquinas e organismos, e com implicações na fronteira de espaço e tempo. Desenvolve-se o ciberespaço por e como ambiente de produções das experiências e contatos humanos permeado por tensões e encontro do múltiplo. Com isso, atenta-se para a importância de estudar os processos socioculturais implicados no desenvolvimento tecnológico e as apropriações políticas que emergem e se formam nesses espaços.

À luz de reflexões de autores(as) como Moraes (2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016.), Lévy (1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.) e Miguel e Boix (2013MIGUEL, A.; BOIX, M. Os gêneros da rede: os ciberfeminismos. In: NATANSOHN, G. Internet em código feminino: teorias e práticas. Buenos Aires: La Crujía Ediciones, 2013.) objetiva-se entender quais os modos de apropriação dos dispositivos tecnológicos pelo movimento feminista e suas implicações na vida sociopolítica na contemporaneidade. Nesse propósito, foram realizados dois grupos focais nos quais propôs-se como tema de discussão os feminismos e a articulação midiática. Assim, o texto orienta-se na discussão sobre os processos de acesso a rede digital como instrumento de produção de conhecimentos e estratégia de participação democrática, contudo também aponta para as brechas digitais de gênero produzidas por valores falocêntricos e econômicos que permeiam o processo de desenvolvimento de todo o campo tecnológico.

Feminismos em rede

O desenvolvimento tecnológico observado nas últimas décadas junto com a rápida expansão e interconexão dos dispositivos de comunicação e informação on-line trouxeram promessas de universalização do acesso desses recursos, e atrelado a isso forjou uma sensação de liberdade, participação e inclusão tecnosocial no que se refere ao engajamento nas transformações providenciadas pela nova era da comunicação digital.

Como apontado no novo relatório Digital 2020 pela agência We are Social em parceria com a Hootsuite, o uso global de telefones celulares está crescendo exponencialmente ultrapassando a marca de 5,19 bilhões de usuários (as) no ano de 2020, quanto ao número de usuários (as) da Internet nota-se um crescimento de 7% em comparação ao relatório de janeiro de 20191 1 Disponível em: https://wearesocial.com/blog/2020/01/digital-2020-3-8-billion-people-use-social-media. Acesso em: 24 de fevereiro de 2020. 2 Disponível em: https://www.projetovazou.com/. Acesso em: 26 de fevereiro 2020. , com penetração de 298 milhões de novos(as) usuários(as) a rede que soma um total de 4,54 bilhões de internautas pelo mundo (WE ARE SOCIAL, 2020). Sem desconsiderar o tempo gasto na rede, o relatório indica uma redução de 3 minutos do tempo de navegação na rede em relação em 2019, obtendo atualmente um uso médio diário de 6 horas e 43 minutos on-line, tempo que ainda equivale a mais de 100 dias de conexão por usuário no ano (WE ARE SOCIAL, 2020).

Desenvolvimento e interconexão tecnológica que operam como agentes estruturantes do ciberespaço, ambiente on-line permeado e produzido por relações humanas que atua como campo de contato, trocas e construção de experiências e repertórios socioculturais. Lévy (1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.) indica três princípios necessários para a criação do ciberespaço, sendo: a interconexão dos dispositivos como estratégia de ligação, não só técnica como também humana e de todas as dimensões que a fundamentam, logo “A interconexão tece um universal por contato” (LÉVY, 1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 128). O segundo princípio diz sobre a formação de comunidades virtuais que é facilitada e provinda da interconexão organizada com base em interesses, objetivos e projetos comumente compartilhados entre os(as) integrantes. E o terceiro princípio apontado é a construção da inteligência coletiva sendo está definida como uma inteligência e conhecimento múltiplo e distributivamente produzido pelo esforço e participação ativa de diversos sistemas, com isso o autor coloca “O ciberespaço como suporte da inteligência coletiva é uma das principais condições de seu próprio desenvolvimento” (LÉVY, 1999, p. 27; CHAMPANGNATTE; CAVALCANTI, 2015CHAMPANGNATTE, D. M. de O.; CAVALCANTI, M. A. de P. Cibercultura - perspectivas conceituais, abordagens alternativas de comunicação e movimentos sociais. Revista de Estudos de Comunicação, Curitiba, v. 16, n. 41, p. 312-326, set./dez. 2015. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/estudosdecomunicacao/article/view/22532. Acesso em: 22 fev. 2020.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/es...
).

Como declarado por Lévy (1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 32), as tecnologias digitais aparecem como “[...] novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também novo mercado de informação e do conhecimento”. Análises e dados sobre a nova gestão de relações digitais que alude vagamente para a ocorrência de uma descentralização dos dispositivos de informação que acarretaria a dissipação do exercício hierárquico da dinâmica produzida entre saber e poder (CHAMPANGNATTE; CAVALCANTI, 2015CHAMPANGNATTE, D. M. de O.; CAVALCANTI, M. A. de P. Cibercultura - perspectivas conceituais, abordagens alternativas de comunicação e movimentos sociais. Revista de Estudos de Comunicação, Curitiba, v. 16, n. 41, p. 312-326, set./dez. 2015. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/estudosdecomunicacao/article/view/22532. Acesso em: 22 fev. 2020.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/es...
).

A partir do século XX, com a ampliação do mundo, a progressiva descoberta de sua diversidade, o crescimento cada vez mais rápido dos conhecimentos científicos e técnicos, o projeto de domínio do saber por um indivíduo ou por um pequeno grupo tornou-se cada vez mais ilusório. Hoje, tornou-se evidente, tangível para todos que o conhecimento passou definitivamente para o lado do intotalizável, do indominável (LÉVY, 1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 161).

Contudo, contrapondo-se a esta análise, que ainda mesmo com tais transformações alude-se também para o poder dos discursos hegemônicos que emergem e permeiam esses mesmos ambientes em determinado período. Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de janeiro: Graal, 1979., p. 224), referindo-se às mídias, embora não tenha produzido uma análise que se referisse aos dispositivos de comunicação on-line, defende as mídias como um instrumento de poder, assim “[...] as medias, uma materialidade que obedece aos mecanismos da economia e do poder de imprensa, edições, depois de cinema e televisão”, assim as “medias seriam necessariamente comandados por interesses econômico-político”.

Sendo passível de se afirmar que a tecnologia em suas diferentes formas e complexidade está intrincada na tessitura social no qual é produto e produzido por ela, como afirma Lévy (1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 21), “[...] não somente as técnicas são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas durante seu uso pelos homens, como também é o próprio uso intensivo de ferramentas que constitui a humanidade enquanto tal [...]”.

Nessa perspectiva, o ambiente on-line além de promover e ser promotor das relações humanas também desempenha um papel, como declara Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de janeiro: Graal, 1979., p. 212) sobre a dinâmica e estruturação dos espaços “[...] o espaço se especifica e torna-se funcional”, isto pois, sendo caracterizado pela presença e gerenciado por determinado poder e saber que utilizam de técnicas e medidas definidas para o controle, visando atingir ideais econômicos, políticos e sociais. Com isso, ressalta a necessidade de se “fazer uma ‘história dos espaços’ - que seria igualmente uma ‘história dos poderes’ - que estudasse desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do habitat [...]” (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de janeiro: Graal, 1979., p. 212; POZOBON, 2012POZOBON, R. de O. O panóptico na era da mídia: reconfigurações do modelo de vigilância e controle. Visualidades, Goiás, v. 7, n. 9, p. 24-43, abr. 2012. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/view/18188. Acesso em: 25 fev. 2020.
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).

Desenvolve-se dentro de uma estrutura que cria e é recriado pelas demarcações estruturais de determinado contexto histórico, carrega valores sociopolíticos e culturais próprios de dado contexto de modo que influi sobre os modos de apropriação e uso das tecnologias. Dessa forma, os dispositivos de comunicação podem atuar como ferramentas e o ciberespaço como palco de expressão, manutenção e extensão do domínio e opressão que permeia as relações entre homens e mulheres (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016.).

Dessa forma, conforme os dados do principal registro disponível no Brasil, Safernet (DATASAFER, 2019), os pedidos de ajuda dos(as) internautas brasileiros(as) em 2019 foram motivados principalmente pela exposição de imagens íntimas com 467 atendimento e cyberbullying/ofensas com 343. Essas violações computadas se distribuem conforme o gênero da seguinte forma: na exposição de imagens íntimas ocorreram 255 de atendimentos a mulheres e 211 voltados para homens, e o cyberbullying foram 210 mulheres e 131 de homens.

O Grupo de Criminologias Contemporâneas, de Porto Alegre, realizou em 2018 o “Projeto Vazou2 Cristiane Moreira da Silva cristiane.moreira@ucp.br Doutora em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Professora Adjunta do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) ”, que buscou coletar informações sobre o vazamento não consentido de imagens íntimas no Brasil, de acordo com o projeto dos(as) 141 participantes 84% eram mulheres e 16% homens, identificando a idade média de 24 anos dos(as) participantes, mas a exposição ocorreu aos 19 anos. Os homens (84%) foram apontados como os principais responsáveis pelo vazamento, ocorrendo pelas plataformas WhatsApp (70%) e Facebook (26%).

Sem deixar de levar em consideração também as subnotificações das violações cibernéticas que são reforçadas, entre outros motivos, pela inexistência de fontes confiáveis de ajuda, a crença social de que as mulheres são as culpadas pelo ocorrido e que, portanto, devem assumir a responsabilidade pelo compartilhamento. Em outra proporção observa-se um silenciamento também dos homens em notificar a exposição não concedida de imagens íntimas, fenômeno que se explicaria pelo não reconhecimento de tal exposição como uma violência e pela diferente visão social construída sobre o corpo feminino e masculino. Acrescentado a isso atenta-se para as diversas e cotidianas violações e estereótipos de subordinação, objetificação e todas as características englobadas a concepção de feminilidade e que é atrelada a existência e corpo da mulher, e são constantemente perpetrados pelas mídias sociais.

Os meios de comunicação impressos e eletrônicos da maioria dos países não oferecem uma imagem equilibrada dos diversos estilos de vida das mulheres e da contribuição dada por elas à sociedade num mundo em constante evolução. Além disso, os produtos violentos e degradantes ou pornográficos dos meios de difusão afetam negativamente a participação da mulher na sociedade. Os programas que insistem em apresentar a mulher nos seus papéis tradicionais podem ser igualmente restritivos (VIOTTI, 1995VIOTTI, M. Declaração e a plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a mulher: Pequim, 1995.. p. 232).

Nessa medida, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial (VIOTTI, 1995VIOTTI, M. Declaração e a plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a mulher: Pequim, 1995.) sobre a Mulher, realizada em 1995 em Pequim, China, com tema central “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, define os direitos das mulheres como direitos humanos e apresenta estratégias e ações para garantir que sejam respeitados. Dentre os direitos apresentados na declaração consta no tópico J - “A mulher e os meios de comunicação”, o qual aponta a necessidade de desenvolver ações e estratégias políticas de inserção e promoção das mulheres em todos os processos de desenvolvimento do campo da Ciência e Tecnologia, desde o desenho até a apropriação dos dispositivos tecnológicos, para que assim possam participar de modo mais ativo e pleno de todas os processos implicados na dinâmica técnica, social e política. Indicando estratégia para isso a necessidade de:

Aumentar o acesso das mulheres aos processos de expressão e de tomada de decisões na mídia e nas novas tecnologias de comunicações, aumentar também sua participação nessas áreas, bem como aumentar a possibilidade para elas de expressar-se pelos meios de comunicação e as novas tecnologias de comunicação (VIOTTI, 1995VIOTTI, M. Declaração e a plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a mulher: Pequim, 1995., p. 232).

E assinala que o uso e apropriação das TICs como importante ferramenta de união, formação e empoderamento da mulher favorecendo a maior participação nos processos de decisão sobre a sociedade, influindo em transformações sobre as perspectivas dos gêneros e seus papéis sociais. Assim, torna-se fundamental:

Incentivar as redes de comunicação de mulheres, entre elas as redes eletrônicas e outras novas tecnologias aplicadas à comunicação e reconhecer seu valor como meio para a difusão de informação e o intercâmbio de ideias, inclusive em nível internacional, e apoiar os grupos de mulheres que atuam em todos os setores da mídia e dos sistemas de comunicação (VIOTTI, 1995VIOTTI, M. Declaração e a plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a mulher: Pequim, 1995., p. 232).

Nessa perspectiva, a rede digital projeta-se como canal de compartilhamento de múltiplas e divergentes perspectivas e discursos sociais, e com a ampliação do acesso às TICs e o desenvolvimento do ciberespaço, as redes on-line têm se tornado importantes ambiente de difusão de práticas, discursos, saberes socioculturais, ademais têm se configurado em importantes arenas de debates das questões que dizem respeito à vida na pólis (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016.).

Como aponta Lévy (1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 24), as tecnologias exercem papéis e permitem diversas formas de apropriação, “Encarna, por fim, o ideal de cientista, de artistas, de gerentes ou de ativistas da rede que desejam melhorar a colaboração entre as pessoas, que exploram e dão vida a diferentes formas de inteligência coletiva e distribuída”. Podendo, conforme ressaltado pela Declaração de Pequim (1995), auxiliar no processo de democratização da participação, discussão e decisões que dizem respeito à vida individual, de grupos e da sociedade como um todo, assim “A convergência da Internet com a comunicação móvel descentraliza os fluxos informativos e intensifica intercâmbios entre pessoas, grupos e comunidades propiciando o desenrolar de novas diretrizes de análise e interpretação da realidade”. (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016., p. 129).

De tal forma, a apropriação dessas ferramentas de comunicação on-line tem permitido ampliar e visibilizar para diferentes campos sociais as pautas de reivindicação do movimento feminista, colocando em discussão a existência das mulheres na sociedade. A introdução em diferentes espaços e mesclagens de saberes tem buscado promover o constante redesenho das rotas de entendimento e significação sociocultural no que se referem à existência humana e suas delimitações, conforme os aspectos biológicos, étnico-raciais e de classe social (MIGUEL; BOIX, 2013MIGUEL, A.; BOIX, M. Os gêneros da rede: os ciberfeminismos. In: NATANSOHN, G. Internet em código feminino: teorias e práticas. Buenos Aires: La Crujía Ediciones, 2013.).

Em um processo de retroalimentação e extensão estabelecido entre a pólis, as técnicas e os discursos, no qual estrutura o ciberespaço como campo e ferramentas para uma nova formulação de atuação política (MIGUEL; BOIX, 2013MIGUEL, A.; BOIX, M. Os gêneros da rede: os ciberfeminismos. In: NATANSOHN, G. Internet em código feminino: teorias e práticas. Buenos Aires: La Crujía Ediciones, 2013.; SERRA JUNIOR, ROCHA, 2013SERRA JUNIOR, G. C.; ROCHA, L. M. L. A Internet e os novos processos de articulação dos movimentos sociais. Revista Katálysis, Florianópolis, vol. 16, v. 2, p. 205 - 213, julho de 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141449802013000200006&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2020.
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).

Em sua vertiginosa expansão, a internet constitui mais uma arena de embates pela hegemonia cultural e política [...]. O aproveitamento da rede mundial de computadores para a difusão e a circulação social de conteúdos contra-hegemônicos - isto é, de contestação às formas de dominação impostas pelas classes e instituições dominantes constitui hoje pressuposto para ações conjugadas e complementares de defesa dos direitos da cidadania, da justiça social e da liberdade de expressão, em atualizações contínuas (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016., p. 167-168).

Apropriações que desenvolvem estratégias que possibilitem maiores alcance e aproximação da sociedade como um todo, busca pela visibilidade e tornar público as discriminações e diversas formas de subjugação da existência da mulher. Dessa forma, buscando entender as apropriações sociopolíticas e implicações emergidas na relação das tecnologias de comunicação e os feminismos propôs-se o desenvolvimento desta pesquisa, na qual foram organizados dois grupos sendo o primeiro grupo formado por estudantes, e o segundo constituído por militantes feministas.

Método

No grupo é possível promover um espaço de exposição e articulação de pensamentos, crenças, conhecimentos, experiências e representações coletivas e pessoais sobre os fenômenos sociais, sendo uma abordagem indicada para o entendimento e exploração de como se operam esses aspectos psíquicos e comportamentais em determinado contexto sociocultural. Adota-se o discurso como importante instrumento na reprodução daquilo que é construído socialmente, dessa forma a comunicação opera como ferramenta de transferência de sentidos e significados sociais (HAMUI-SUTTON; VARELA-RUIZ, 2012HAMUI-SUTTON, A.; VARELA-RUIZ, M. La técnica de grupos focales. Investigación em Educación Médica, México, v. 2, n. 1, p. 55-60, set. 2012. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2007505713726838. Acesso em: 12 fev. 2020.
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).

Procedimentos

O recrutamento das(os) participante se deu por meio da publicação de convites nas páginas e grupos acadêmicos e coletivos feministas no Facebook. O critério de inclusão foi ter acima de 18 anos e fazer uso de algum dispositivo de comunicação e informação on-line. Para o segundo grupo, o critério incluiu ser militante de algum grupo ou coletivo feminista.

Nos grupos propôs-se como foco de discussão a relação do movimento feminista e as mídias, e posteriormente foi apresentado um questionário que apresentava perguntas sobre o uso e apropriação dos dispositivos midiáticos e as implicações na formação e agenciamento políticos. A pesquisa cumpre os requisitos éticos com sua aprovação pelo Conselho de Ética sob número do parecer 3.403.663, e apresentou previamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a todos(as) os(as) participantes, a fim de disponibilizar mais informações e foi disponibilizado canais de comunicação em casos de dúvidas ou emergências.

Resultados e Discussão

Com base nos dados obtidos com os grupos focais, aponta-se que o uso das plataformas on-line propicia o contato e conhecimento de diferentes temáticas sociais, como é expresso:

[...] tem acesso a uma grande quantidade de coisas, assim, que antes você não tinha esclarecimento, tantas fontes ‘pra’ você realmente saber o que acontece, se você quiser pesquisar sobre aquilo você vai e caça, você pode abrir uma página e ver três mil casos parecidos (A4, em grupo focal, 2019).

Desenvolvendo-se também como espaço compartilhamento que auxilia no reconhecimento e identificação com outras existências e realidades que coabitam o ciberespaço, como declara:

Acho que a mídia intensifica né, eu acho que sim, modifica porque você começa a ver, a receber aquilo e ver que outras pessoas também pensam daquela forma, que as pessoas estão perdendo o medo e a vergonha. Acho que a mídia influencia muito nas mudanças de encorajamento, porque “Ah eu tenho isso e tenho vergonha de falar por um motivo” vem outra pessoa e fala, eu me vejo naquela fala, naquele post que a pessoa fez no Facebook ou não sei aonde. Aí eu compartilho e aquilo tudo vai empoderando mesmo, acho que ajudou muito (A2, em grupo focal, 2019).

Ampliando a perspectiva de possibilidades de exame da realidade, contribui na formação de vínculos, identificação e afirmação de um lugar, que consequentemente gera reconhecimento de si como parte e pertencente de direitos como qualquer outra pessoa na sociedade: “Então assim, você ver que já tem essa força e é legal ver que as pessoas estão conquistando espaço e tão conseguindo realmente se empoderar mesmo e falar esse é meu espaço e eu não vou abrir mão dele dane-se o que vão achar”. (A4, em grupo focal, 2019).

Com isso, observa-se a exponencial formação de grupos, coletivos, blogs, sites feministas e tantas outras modalidades de articulação na e pela rede on-line expressando diferentes leituras da realidade das mulheres, seja com análises atreladas a classe social, aspectos étnicos-raciais, de orientação sexual, com ou sem vertentes religiosas, de cunho informativo, de apoio, para organização e mobilização política entre outras possibilidades, podendo citar, o Vamos Juntas, 8M Brasil, Mulheres Unidas com o Brasil, Me Too Movement, Feminismo Negro, Guerrilla Girls, SubRosa e tantos outros.

A apropriação das plataformas de relação, comunicação e informação on-line (Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp, YouTube etc.) por perspectivas feministas passam a utilizá-las como ferramentas para organização e divulgação de eventos, como bases informativas, de fortalecimento e como via de aproximação dos(as) as discussões que permeiam a esfera virtual-social (MERTINEZ, 2019MERTINEZ, F. Feminismos em movimento no ciberespaço. Cadernos Pagu, Campinas, n. 56, p. 1-34, 2019. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332019000200502. Acesso em: 23 fev. 2020.
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).

Mobilização e mídia hoje em dia ‘tá’ completamente ligado [...]. Assim exatamente o que acontece as pessoas começam a se encontrar, os coletivos começam a surgir e muitos coletivos, existem coletivos inclusive só virtuais, existem coletivos que não se encontram presencialmente. Essa rede que o feminismo tem ela é virtual e é muito forte (B1, em grupo focal, 2019).

Operam no propósito de difusão e criação de novas concepções sobre as mulheres, providenciando-se como cenário de potencialização das vozes de modo que transponha o silêncio inculcado na vivência feminina. Como aponta Moraes (2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016., p. 130) as mídias “[...] amplificar as vozes das ruas e dos povos, fazer ecoar reivindicações por melhores condições de vida e justiça social”, assim traz à tona problemáticas sociais que afetam todas as mulheres nos diversos contextos.

Então, tem esse lado da mídia que é muito forte de mobilização e fortalecimento para criação de rede, isso é fator primordial do feminismo. A formação de rede entre mulheres é a prática do feminismo no Brasil. É essa formação de rede, aí é rede de apoio, rede de discussão política, é rede de mulheres pretas, rede de mulheres que quer creche e tem um monte de rede. [...] hoje em dia tem coletivos no plural em uma unidade, coletivos feministas [...]. (B1, em grupo focal, 2019).

Associado e utilizado por essas atuações políticas no ciberespaço, o uso recorrente das hashtags, que são termos ou palavras indexadas ao símbolo cerquilha (#) e se encontram ligadas à uma informação ou tópico de discussão, operam como ferramentas de divulgação das diversas violações cotidianamente sofridas pelas mulheres e como vias de mobilização política, tais como: #MeuPrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto, #nãomereçoserestuprada, #meuprimeiroassédio, #chegadefiufiu, #nãoénão, #metoo, #NiUnaAMenos, #Mexeucomumamexeucomtodas, #TimesUp, #deixaelatrabalhar, #8M, #elenão e tantas outras.

Atos aparentemente simples gerados nas redes on-line, mas que têm demonstrado poderes impensáveis de aderência e transformação social no que diz respeito ao entendimento e reconhecimento de diversas situações de violência presentes nas experiências cotidianas e que são comumente naturalizadas, como relata uma participante:

[...], mas até aquela hashtag que você colocou, meu amigo secreto, acho que foi uma mudança fundamental assim “pra” gente conseguir perceber, “pra” eu conseguir perceber essas opressões. E todo dia tem um acréscimo, tem um pontinho ali trazendo aqui um outro ponto, e eu acho que é um momento de autoconhecimento também (B3, em grupo focal, 2019).

Em outro momento é dito “70% das mulheres que foram (cita um coletivo feminista, o nome foi retirado para não identificação da participante) no início, todas tiveram insight a partir dessa hashtag meu amigo secreto, todas, de abusos e tal. Todas” (B1, em grupo focal, 2019).

Novas formas de interações sociopolíticas marcadas pela essencialidade de desterritorialização e sinergia do ciberespaço, assim movimentos sociais feministas nacionais e internacionais se atravessam e se constroem através dessas mediações tecnológicas. Nisso, os movimentos feministas têm se utilizado dos meios de comunicação on-line para a construção gradativa de conhecimento sobre as engrenagens e desnaturalização da opressão das mulheres gerando em múltiplas vias mais possibilidades de participação e decisão política, como é o caso da hashtag #elenão, utilizadas durante as eleições de 2018 no Brasil, como foi declarado: “Eu lembro muito da hashtag ele não, das últimas eleições, em que um dos critérios básicos para você não votar no Bolsonaro é essa agressão a mulher, aí passava ele falando que ele fraquejou quando veio a última filha” (A4, em grupo focal, 2019).

Nesse sentido, as tecnologias apresentam distintos modos de exposição de aspectos atrelados à vida e ao mundo das mulheres permitindo com que problemas, necessidades e reivindicações delas venham à luz, auxiliando a organização e construção de grupos conforme as afinidades de objetivos, vivências e interesses específicos de cada uma, buscando o ambiente on-line como espaço de afirmação, construção da sororidade e empoderamento das mulheres, ao mesmo tempo em que luta pela reconfiguração da estrutura que invalida, subordina e oprime as existências femininas (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016.; MIGUEL; BOIX, 2013MIGUEL, A.; BOIX, M. Os gêneros da rede: os ciberfeminismos. In: NATANSOHN, G. Internet em código feminino: teorias e práticas. Buenos Aires: La Crujía Ediciones, 2013.).

Perante o exposto, é inegável a compreensão que o acesso e a apropriação das tecnologias e do ciberespaço gerem a sensação de ampliação das possibilidades de participação social, devido ao amplo, fluído e descentralizado fluxo de informações consumidas e produzidas na rede digital. Configura-se como instrumento e ambiente de encontro, resistência e fortalecimento de diferentes segmentos sociais, contudo, em outra medida os instrumentos tecnológicos são controlados por grupos e conglomerados hegemônicos que tecem o desenvolvimento e organizam a rede digital conforme valores e princípios próprios.

Os conglomerados midiáticos detêm a propriedade dos meios de produção, a infraestrutura tecnológica e as bases logística, o que lhes confere proeminência nos processos de produção material e imaterial. A concentração dos processos produtivos e dos esquemas globais e distribuição e comercialização em torno de um punhado de grupos empresariais tem por finalidade garantir o maior domínio possível sobre a cadeia de fabricação, processamento, comercialização e distribuição dos produtos e serviços, ampliando consideravelmente a lucratividade (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016., p. 111).

A técnica encontra-se fortemente construída sobre princípios econômicos de produção e lucratividade, sendo também marcada por concepções patriarcais e machistas, assim “Sua presença e uso em lugar e época determinados cristalizam relações de força sempre diferentes entre seres humanos” (LÉVY, 1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 23). Mesmo com os avanços tecnológicos ainda permanece a relação de poder, que apresenta atualmente de forma mais explícita sua intrínseca articulação com a comunicação na manutenção e ressignificação das desigualdades produzidas e que permeiam todas as etapas do processo de desenvolvimento e apropriação das TICs e do espaço on-line pelos diferentes grupos sociais (NATANSOHN, 2013NATANSOHN, G. Internet em código feminino: teorias e práticas. Buenos Aires: La Crujía Ediciones, 2013.; MERTINEZ, 2019MERTINEZ, F. Feminismos em movimento no ciberespaço. Cadernos Pagu, Campinas, n. 56, p. 1-34, 2019. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332019000200502. Acesso em: 23 fev. 2020.
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).

Isto pois, conforme o Relatório Digital 2020 da We are Social (2020), o número de desconectados mundialmente é de aproximadamente de 3,2 bilhões pessoas - que corresponde a pouco mais de 40% da população mundial, indicando o sul da Ásia e o continente Africano como os lugares onde se encontram as maiores taxas de desconectados(as) do mundo, sendo 31% e 27% respectivamente, mesmos lugares que também apresentam taxas mais baixas de propriedade de telefones celulares, de acordo com dados da International Telecommunication Union (UIT). (INTERNATIONAL TELECOMMUNICATION UNION, 2020).

Essa realidade se agrava quando em análise do uso e apropriação dos dispositivos tecnológicos entre e homens e mulheres, como indicam os dados da UIT, os quais apresentam crescimento da disparidade digital entre os gêneros nos países em desenvolvimento, tendo uma proporção global de 48% de mulheres e 58% de homens que acessam a Internet, lacuna digital que se intensifica quando somados a aspectos étnicos-raciais, de classe e renda. Disparidade digital de gênero que igualmente se expressa quanto a apropriação dos dispositivos de comunicação móvel, no qual dos 85 países que disponibilizaram informações apenas 24 deles possuíam uma proporção de mais mulheres do que homens em posse dos dispositivos móveis (INTERNATIONAL TELECOMMUNICATION UNION, 2019).

Dessa forma, na era da informação, a desigualdade digital que permeia questões de gênero, raça e classe encontra-se integralmente em todas as fases de desenho, produção, difusão e apropriação das tecnologias e são reflexos de uma continuada detenção dessas ferramentas por perspectivas falocêntricas e capitalistas que ressignificam e mantém hegemonias opressoras e excludentes. Isto, quando se compreende o fundamental desempenho dos meios de comunicação nas estruturas e processos de interpretação e significação da realidade coletiva e individual, dessa forma o acesso e apropriação desses recursos de comunicação está no nível de retenção de poder que incorre sobre maior capacidade de influência e domínio das esferas sociais (CHAZEL, 1995CHAZEL, F. O poder. In: BOUDON, R. Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.).

Como expõe Chazel (1995CHAZEL, F. O poder. In: BOUDON, R. Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995., p. 235), “Assim sendo, os recursos são ao mesmo tempo os instrumentos do exercício do poder e o meio que permite a reprodução das estruturas de dominação [...]”, com isso os dispositivos de comunicação e o ciberespaço agem como meios de difusão e de afirmação de poder, e exercem-se mais efetivamente mediante sua desigualdade na distribuição, e que consequentemente atua como estratégia facilitadora no monopólio midiático e definição dos sistemas de visibilidade e acesso às informações.

O sistema midiático demonstra capacidade de fixar sentidos e ideologias, selecionando os conteúdos que, a seu critério, devem ser vistos, lidos e ouvidos pelo conjunto do público. Por mais que haja escolhas, respostas e reações diferenciadas aos conteúdos recebidos pela audiência, sabemos que são os meios massivos que, na essência, definem os enfoques editoriais, quais os atores sociais que merecem ser incluídos ou marginalizados em seus noticiários e programações, e quais as agendas e pautas que devem ser destacadas ou ignoradas no que poderíamos chamar de gestão de gestão midiática da realidade (MORAES, 2016MORAES, D. de. Crítica da Mídia & hegemonia Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2016., p. 112).

Dessa forma, o debate atual sobre as mulheres e as TICs e as possibilidades permitidas de desenvolvimento e resistência na atualidade ainda é obscuro frente à íntima relação existente entre poder, saber e comunicação e a contínua relação com denominado mundo dos homens. Nisso, assinala os poderes hegemônicos opressivos e de dominação que permeiam e definem não só os modos de acesso e apropriação das tecnologias, mas que primeiramente incorre sobre a socialização diferenciada de meninos e meninas implicando posteriormente sobre a percepção e apropriação dada ao mundo e as técnicas (GANDHI, 2018GANDHI, A. Sobre as correntes filosóficas dentro do Movimento Feminista. 2. ed. [S. l.]: Nova Cultura, 2018.; MIGUEL; BOIX, 2013MIGUEL, A.; BOIX, M. Os gêneros da rede: os ciberfeminismos. In: NATANSOHN, G. Internet em código feminino: teorias e práticas. Buenos Aires: La Crujía Ediciones, 2013.).

Logo, garantir a presença ativa das mulheres nas diversas áreas referentes ao desenvolvimento tecnológico de modo que reconfigure a relação constituída entre mulheres, feminismos e TICs, assim ampliando os campos de participação da mulher e expandindo as possibilidades de criarem discursos sobre seus próprios corpos, sexualidades e existências. Com isso, entender os fatores de gênero, étnico raciais e de classe implicados no desenvolvimento e utilização das tecnologias operam como medida essencial para propor um real e integral, como na definição da participante sobre o feminismo “encontro da mulher na sociedade”. (A1, em grupo focal, 2019).

Colocando para isso o acesso integral à informação como fator indispensável no processo de conscientização das engrenagens sociais de opressão, considera-se o assinalado por Haraway (2009HARAWAY, D. Manifesto ciborgue Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, T. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., p. 36): “A libertação depende da construção da consciência da opressão, depende de sua imaginativa apreensão e, portanto, da consciência e da apreensão da possibilidade”. Nisso, o acesso à informação perfila como valor e direito essencial na constituição humana e atualmente o acesso e apropriação aos meios de comunicação configuram como novo modo de aproximação das dinâmicas de decisão e como instrumento viabilizador de participação sociopolítica.

Considerações finais

A apropriação das TICs torna-se importante instrumento de divulgação dos pensamentos e reivindicações feministas possibilitando o entendimento e a atenção para o sistema de subjugação vividos pelas mulheres. Assim, a interconexão dos aparelhos digitais opera como infraestrutura para a criação de redes de relações fluidas, dinâmicas, diversas e informativa entre as mulheres no ciberespaço e estruturam-se como ambientes para debates e promotores de participação nas decisões sobre temáticas que dizem respeito à vida na pólis e, dessa forma, configura-se como ágoras virtuais que permitem reelaboração das apropriações do espaço social e de suas possibilidades de transformação.

Compreende-se, assim, que os dispositivos tecnológicos além de instrumentos técnicos, os quais possibilitam a interconexão digital entre diferentes pessoas, contextos, nichos e saberes, atuam como artefatos produzidos e produtores da dimensão sociocultural, consequentemente, forjar-se como campo de embate entre poderes hegemônicos e contra-hegemônicos. Nesse sentido, o uso e apropriação tecnológica proporcionam diferentes alcances conforme o ambiente geográfico no qual se inserem, os aspectos educacionais, econômicos, de gênero, raciais e de classe daqueles(as) que os utilizam. Com isso, atenta-se para as necessárias estratégias de promoção à participação integral das mulheres no processo de desenvolvimento do campo das Ciências e Tecnologias como medida de reestruturação social. Associado a isso, faz-se necessário também ampliar a pesquisa para vias que vão ao encontro com os feminismos não visibilizados, silenciados e com perspectivas deturpadas pelas mídias dentro dessa gestão monopolizada dos dispositivos de comunicação.

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa concedida. Grupo de Pesquisa Tecnologias e Cognição Social pela colaboração com as transcrições e discussões, por fomentar o debate acerca das mídias e psicologia.

Referências

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Notas

  • 1
    Disponível em: https://wearesocial.com/blog/2020/01/digital-2020-3-8-billion-people-use-social-media. Acesso em: 24 de fevereiro de 2020. 2 Disponível em: https://www.projetovazou.com/. Acesso em: 26 de fevereiro 2020.
  • Agência financiadora

    Marilene de Oliveira foi contemplada com bolsa PIBIC/CNPq, edital n°001/2018, no projeto Psicologia e Mídia: Tecnologias de Comunicação na Construção dos Sujeitos na Cibercultura com vigência de agosto de 2018 a julho de 2019.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação

    A pesquisa foi aprovada CAAE: 15647819.3.0000.5218 sob o parecer 3.403.663 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Petrópolis em 20 de junho de 2009. Todos os participantes assinaram e receberam cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
  • Consentimento para publicação

    Consentimento das autoras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2020
  • Aceito
    08 Maio 2020
  • Revisado
    14 Jun 2020
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