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As estratégias de resistência dos operadores de telemarketing frente às ofensivas do capital

Resumos

Este artigo propõe reflexões acerca das formas de consciência, organização e resistência dos trabalhadores num contexto de flexibilização das relações de trabalho, fragmentação da classe trabalhadora e setorialização do movimento sindical, à luz de estudiosos das transformações contemporâneas no mundo do trabalho. Resgata parte da tese de doutorado da autora, apresentando resultados de uma pesquisa sobre a greve dos operadores de telemarketing de uma empresa privada de telecomunicações que ocorreu na cidade de Fortaleza, em 2007, motivada por baixos salários e precárias condições de trabalho de jovens trabalhadores terceirizados. A observação dos protestos e das mobilizações, bem como a coleta de depoimentos, revelou as percepções, motivações e perspectivas dos manifestantes, apontando os significados do movimento que marcou a história desses "infoproletários" mais pelo seu caráter inédito de luta política contra o grande capital do que pela conquista efetiva de direitos.

Operadores de telemarketing; Resistência; Greve


This article reflects on the forms of consciousness, organization and resistance of workers in a context of flexibilization of labor relations, fragmentation of the working class and sectorialization of the union movement, in light of studies of contemporary changes in the world of labor. It revives part of the author's doctoral thesis, presenting results of a study about a strike by telemarketing operators at a private telecommunications company that took place in the city of Fortaleza in 2007, motivated by low salaries and precarious working conditions for young out-sourced workers. The observation of the protests and mobilizations, as well as interviews, revealed the perceptions, motivations and perspectives of the demonstrators, indicating the meanings of the movement that marked the history of these "info-proletariat", which was more striking for the unprecedented nature of their political struggle against big capital than because of the conquest of effective rights.

Telemarketing operators; Resistance; Strike


PESQUISA APLICADA

As estratégias de resistência dos operadores de telemarketing frente às ofensivas do capital

Mônica Duarte Cavaignac

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

RESUMO

Este artigo propõe reflexões acerca das formas de consciência, organização e resistência dos trabalhadores num contexto de flexibilização das relações de trabalho, fragmentação da classe trabalhadora e setorialização do movimento sindical, à luz de estudiosos das transformações contemporâneas no mundo do trabalho. Resgata parte da tese de doutorado da autora, apresentando resultados de uma pesquisa sobre a greve dos operadores de telemarketing de uma empresa privada de telecomunicações que ocorreu na cidade de Fortaleza, em 2007, motivada por baixos salários e precárias condições de trabalho de jovens trabalhadores terceirizados. A observação dos protestos e das mobilizações, bem como a coleta de depoimentos, revelou as percepções, motivações e perspectivas dos manifestantes, apontando os significados do movimento que marcou a história desses "infoproletários" mais pelo seu caráter inédito de luta política contra o grande capital do que pela conquista efetiva de direitos.

Palavras-chave: Operadores de telemarketing. Resistência. Greve.

Introdução

Tradicionalmente, as lutas de classes, conforme afirma Postone (2000), têm-se mantido na "crítica ao capitalismo do ponto de vista do trabalho", em vez de avançarem na "crítica ao trabalho no capitalismo". Por esse ponto de vista, questiona-se a distribuição de renda dentro da forma de sociabilidade capitalista, deixando-se de lado a possibilidade de emancipação dos sujeitos reais da produção e a negação do trabalho alienado. As manifestações da luta entre os trabalhadores e empregadores em torno de questões relacionadas aos salários e à jornada de trabalho, por exemplo, não rompem com a estrutura do sistema do capital, mas, antes, são intrínsecas à sua dinâmica. Todavia, "a análise do capitalismo, como uma sociedade contraditória, procura mostrar que as possibilidades para uma crítica localizada e para a pluralidade são geradas socialmente do interior da estrutura do próprio capitalismo" (POSTONE, 2000, p. 140). Desse modo, é no contexto histórico das relações sociais de produção capitalistas que se forma não apenas a consciência que afirma ou perpetua a ordem existente, mas também uma consciência crítica e de contraposição em relação ao respectivo contexto.

O presente artigo propõe reflexões acerca das formas de consciência e organização dos trabalhadores, bem como de suas estratégias de resistência frente às determinações objetivas do capital no cenário contemporâneo, marcado pela flexibilização das relações de trabalho, pela fragmentação da classe trabalhadora e pela setorialização do movimento sindical. Para tanto, aborda a greve dos operadores de telemarketing que trabalham numa das maiores empresas de telecomunicações do Brasil – a maior no estado do Ceará –, aqui denominada Empresa T-Com, e são contratados pela maior empresa de contact center da América Latina, que será chamada de Empresa X-Subcon1 1 Vale ressaltar que a empresa T-Com e a empresa X-Subcon, embora ofereçam produtos/serviços diferenciados, fazem parte do mesmo grupo empresarial. T-Com é uma Empresa de telecomunicações líder no mercado cearense, ex-estatal, privatizada na década de 1990. A empresa X-Subcon é considerada a maior prestadora de serviços de contact center da América Latina. . Tal greve, inédita na história desses trabalhadores terceirizados, constituiu um momento crucial para o desenvolvimento da minha pesquisa de doutorado2 2 Ver tese intitulada Relações 'de' trabalho e relações 'no' trabalho na lógica capitalista contemporânea: um olhar sobre atendentes do call center de uma empresa de telecomunicações (CAVAIGNAC, 2010). , cujo trabalho de campo compreendeu diversas etapas e procedimentos metodológicos3 3 Além da observação e das entrevistas abertas realizadas durante a referida greve, o percurso investigativo da pesquisa original envolveu aplicação de questionários, com uma amostra de 100 operadores e 20 ex-operadores de telemarketing, tendo em vista traçar um perfil dos sujeitos em análise; entrevistas semi-estruturadas com empregados da Empresa T-Com, com dirigentes sindicais e com trabalhadores que assumiram várias funções e tiveram diferentes trajetórias no call center da Empresa X-Subcon. , embora este artigo limite-se a apresentar os resultados do estudo qualitativo realizado durante o referido movimento.

1 Os sujeitos da pesquisa e os procedimentos metodológicos

Ao tomar conhecimento da greve dos operadores de telemarketing da empresa onde eu mesma já havia trabalhado – exercendo esta mesma função e, portanto, conhecendo a realidade desses trabalhadores – fiquei surpresa com a iniciativa de paralisação, uma vez que, nos últimos anos, tem-se observado a crescente submissão dos jovens às exigências do mercado de trabalho, sob pena de ficarem desempregados ou sequer conseguirem o primeiro emprego. De fato, a greve surpreendeu a todos que jamais esperaram qualquer ação de "rebeldia" daqueles que costumam falar sempre em nome da empresa em que trabalham.

Durante o movimento, além da observação e do registro sistemático dos acontecimentos e situações vivenciados pelos manifestantes – por meio de anotações em diário de campo, fotografias e vídeos –, entrevistei sete pessoas com diferentes formas de envolvimento na greve, tendo em vista apreender suas percepções, motivações e perspectivas, dado o caráter qualitativo desse estudo. Identificadas aqui por iniciais fictícias, são elas: um militante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com mais de vinte anos de participação em lutas trabalhistas; um operador de telemarketing que assumiu papel de liderança durante a greve, apesar de não ter experiência anterior de militância; o presidente e também um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores de Telemarketing (Sintratel); além de outros quatro operadores (três mulheres e um homem), todos com no mínimo dois anos de experiência no call center da referida empresa.

Os depoimentos dos entrevistados tiveram diferentes amplitudes, conforme sua disponibilidade de tempo e a ocasião em que foram abordados: durante as pausas ou no fervor das manifestações. Quanto à pauta, foram considerados aspectos como: trajetória profissional e de militância; motivações para participar do movimento; principais reivindicações; dificuldades e significados da greve. Todavia, em um tipo de entrevista aberta e espontânea, os sujeitos falaram à vontade, sem preocupação com a ordem das questões. No esforço de sistematizar as narrativas, delinearam-se seis temáticas, as quais serão apresentadas no decorrer do próximo item.

Vale ressaltar que a Resolução 196/96, que regulamenta as pesquisas realizadas com seres humanos, prevê situações que tornam impossível a obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido dos participantes, devendo-se justificar as causas da impossibilidade. No caso desta pesquisa, devido à própria natureza do fato social investigado – uma greve de trabalhadores da iniciativa privada – e à urgência da coleta de informações para o desenvolvimento do trabalho de campo, esta pesquisadora não pôde realizar consulta prévia ao Comitê de Ética e Pesquisa, pois não tinha como prever a greve nem saber que sujeitos seriam entrevistados. Tratava-se de um ato público, com repercussão na sociedade e nos meios de comunicação, cujos manifestantes fizeram questão de socializar suas reivindicações e dar visibilidade social ao movimento grevista.

A estratégia de pesquisa utilizada naquela ocasião foi a coleta de depoimentos gravados durante as manifestações, com ênfase nos aspectos relacionados à própria greve e à categoria de trabalhadores envolvida, e não nas informações pessoais dos manifestantes, que foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e falaram de forma voluntária, tendo, mesmo assim, suas identidades preservadas. Desse modo, a pesquisa não causou quaisquer riscos e danos à integridade, à dignidade e à privacidade dos participantes, estando, portanto, compatível com os valores protegidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

2 A greve inédita dos operadores de telemarketing da Empresa T-Com: estratégia de luta contra a dominação do grande capital

Em assembleia realizada no dia 14 de junho de 2007, na cidade de Fortaleza, os operadores de telemarketing que trabalham para a Empresa T-Com, contratados pela Empresa X-Subcon, decidiram paralisar suas atividades, em razão de não concordarem com as propostas apresentadas na última convenção coletiva de trabalho. A greve, inédita na história desses trabalhadores terceirizados, foi levada a cabo pelo Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Ceará (Sinttel) e teve início no dia 19 de junho do mesmo ano.

Durante mais de um mês, representantes da referida categoria lutaram pelos objetivos que constituíam sua pauta de negociações, articulando-se a movimentos sociais e a outras categorias de trabalhadores insatisfeitos com suas condições de trabalho4 4 Entre outras categorias de trabalhadores que participaram das manifestações, os operadores de telemarketing receberam apoio dos mototaxistas, que reivindicavam a regulamentação de sua profissão. Uma das passeatas organizadas pelos manifestantes dirigiu-se ao prédio da Polícia Federal, cujos funcionários também se encontravam em greve naquele momento. . Para tanto, tentaram encontrar eco nos espaços públicos da sociedade, manifestando-se nas ruas, nos diversos meios de comunicação, nos órgãos parlamentares, nos órgãos de defesa dos direitos do trabalho, entre outros, onde mostraram sua capacidade de resistência, embora com visíveis limitações. Com o objetivo de ampliar a força do movimento e despertar a solidariedade social, realizaram passeatas e mobilizações, exibindo faixas e cartazes com protestos e denúncias contra a empresa. Por meio de "gritos de guerra", os grevistas protestavam contra a omissão do empregador: "Se não tiver dinheiro, vai ter greve o ano inteiro!"; "Se não tiver aumento, na PA5 5 Na linguagem dos operadores de telemarketing, PA significa posição de atendimento. eu não me sento!". E, com um "grito de alerta", chamavam os colegas não participantes do movimento: "Você aí parado também é explorado!".

Os manifestantes aproveitaram a visita do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) à capital cearense, em julho de 20076 6 Ocasião em que o Presidente da República apresentou os objetivos e metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). para entregar-lhe uma carta na qual expunham os motivos da greve e solicitavam que intercedesse em prol do atendimento de suas reivindicações. Eis alguns trechos da referida carta:

O trabalho de Call Center e Telemarketing é penoso e insalubre, os trabalhadores nesta empresa sofrem de doenças profissionais e as condições oferecidas agravam o problema. [...]. A pressão para atingir metas e a opressão com hora inclusive para ir ao banheiro causa estresse e como se não bastasse tudo isso esta empresa mantém uma rotatividade absurda que chega a renovar seu quadro funcional em 90% ao ano. [...]. Nossas reivindicações são simples e não abalariam de forma alguma uma empresa que teve um faturamento de 1,3 bilhões no ano passado. [...]. A resposta da empresa tem sido a ameaça, uso da força policial para intimidar os/as trabalhadores/as, a intransigência e o silêncio. [...]. No mais agradecemos por ter recebido esta carta e se Vossa Excelência puder interceder no sentido de reabrir as negociações, seremos gratos e se já temos consciência de que valeu a nossa esperança, sabemos que quem nos ensinou a lutar nos mostrou que é preciso continuar sem medo de ser feliz (SINTTEL/CE, 2007).

2.1 O trabalho do operador de telemarketing e suas condições de realização

No universo do call center investigado, as condições de trabalho são uma expressão concreta da lógica desumana do capital. Aspectos como ritmo acelerado, pressão psicológica, assédio moral e riscos à saúde são comuns no ambiente de trabalho dos operadores de telemarketing. Trata-se de um cenário típico do mundo moderno, cujas contradições expressam-se na intensificação do trabalho humano na mesma medida em que cresce o espaço de atuação da tecnologia, a qual está organicamente articulada a formas de exploração com ares de escravidão. Senão vejamos:

Nós somos muito cobrados diariamente. [...]. É uma ligação atrás da outra, causando algumas doenças no nosso dia a dia: doença na garganta, problemas na coluna; tendinite é uma coisa constante. [...]. Mas o operador não pode, de maneira nenhuma, colocar um atestado médico, porque é passado para ele pelo supervisor que, se ele colocar atestado, vai gerar uma coisa chamada absenteísmo, e com isso uma futura demissão (PH, líder do movimento).

Se você atrasar um minuto, prejudica a meta da bateria toda; prejudica o supervisor, que vai buscar o atendente onde ele estiver. A pausa para ir ao banheiro também é muito rigorosa: são cinco minutos no máximo. Se tiver com uma necessidade maior de ir ao banheiro, o supervisor fica 'na sua cola', atrás de você, querendo saber o que você tanto faz no banheiro. Tudo é muito rígido (RA, operadora de telemarketing).

Temendo o "castigo do desemprego", os teleatendentes comportam-se como verdadeiros escravos, tendo de abrir mão não só de direitos sociais – como o direito de repousar quando doentes –, mas também de direitos humanos, como o de satisfazer necessidades fisiológicas e a liberdade de ir e vir. A empresa, voltada para a efetivação dos resultados e, mais precisamente, para os lucros, em vez de contratar mais trabalhadores para garantir a tão propagada "qualidade no atendimento", aumenta a cobrança e o controle sobre os atendentes, que têm de cumprir determinadas metas – sobretudo o tempo médio de atendimento (TMA) – sob a pressão constante dos supervisores e, ainda, sob a ameaça de demissão. Nesse ambiente de trabalho, chamado pelos próprios operadores de "senzala", o supervisor é transformado numa espécie de "feitor", que está sempre a perseguir os "escravos" sob sua responsabilidade (operadores de uma mesma bateria), de modo a fazê-los cumprir as ordens (metas) do senhor (empresa). Daí a música7 7 Trata-se da música de abertura da novela brasileira Escrava Isaura, adaptação do romance de Bernardo Guimarães pelo novelista Gilberto Braga. Cantada pelos operadores de telemarketing em greve, simboliza as condições de trabalho desses "trabalhadores livres", tratados pela empresa como escravos. que os manifestantes cantavam durante a greve, seguida de um apelo: "Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê... Negociação pra senzala já!".

2.2 As motivações para aderir ou não à greve

Dependentes do trabalho assalariado, porém conscientes de sua condição de sujeitos de direitos, alguns atendentes do call center entregaram-se às possibilidades históricas da greve. Outros, diante das incertezas, não. Eis algumas motivações de quem decidiu pela participação no movimento.

Acredito que todas as pessoas têm, sim, vontade de lutar pelos seus direitos; não só pelos seus direitos, mas pelos direitos dos outros. [...]. Eu faço faculdade pública, mas tenho vários colegas que fazem faculdade particular que, com o salário, não têm como estar pagando a faculdade, não têm como estar sustentando seus filhos, não têm como estar até se alimentando mesmo8 8 Já é bastante conhecida dos consumidores a forma como os operadores de telemarketing costumam falar, usando a forma verbal do gerúndio para se referir a ações em curso ou futuras. Trata-se de um hábito adquirido em seu ambiente de trabalho, para se adaptar não só às atividades, mas também a falas repetitivas e rotineiras. (W, operadora de telemarketing).

A questão salarial foi, de fato, a principal motivação dos operadores que aderiram à greve. Todavia, as condições de trabalho destes trabalhadores não foram esquecidas, uma vez que são elas que tornam provisória não só sua passagem pela empresa, mas também sua identificação com a atividade que realizam e com as pessoas com quem trabalham. Advém daí a dificuldade de organização da categoria e de uma adesão massiva ao movimento grevista. Mas foi notória a presença de operadores veteranos, buscando uma motivação – como aumento salarial – para permanecerem no emprego, já que tiveram tempo suficiente para compreender a lógica da empresa de não reconhecer nem valorizar os chamados "colaboradores". Os novatos, por outro lado, ainda que insatisfeitos com o salário e com as condições de trabalho, temiam perder a oportunidade de financiar seus estudos e adquirir tempo e experiência no mercado de trabalho até conseguirem um emprego melhor. Por isto, sua participação na greve foi bem menor:

Várias pessoas também não aderiram à greve porque são novatas. A empresa, só segunda-feira, demitiu mais de 400 pessoas. Então, outras entraram para trabalhar. Como, para a maioria dessas pessoas, esse é o primeiro emprego, elas não estão dispostas a aderir à greve, têm medo de ficarem desempregadas. [...] não têm nenhuma assistência, como o seguro-desemprego (W, operadora de telemarketing).

O medo de perder o emprego e os mecanismos de pressão exercidos pela empresa desmotivaram a adesão de muitos trabalhadores, enfraquecendo o movimento.

Foram vários os esforços das lideranças no sentido de manter os grevistas engajados e encorajá-los à resistência. Para motivar a presença dos manifestantes na "porta da empresa", o Sinttel lhes oferecia almoço e lanche, enquanto um carro de som, além de mantê-los informados sobre o processo de negociação, tocava músicas para animá-los. A empresa aproveitou esse clima de entusiasmo para acusá-los de baderna e até mesmo de agressão contra os supervisores e operadores que permaneciam no trabalho. Por sentir-se incomodada com a mobilização, tentava intimidá-los com a reprovação social e a de seus familiares, como será visto mais adiante.

2.3 As reivindicações dos operadores de telemarketing

Para contextualizar, cabe apresentar as principais reivindicações dos operadores de telemarketing da Empresa X-Subcon, esclarecidas no depoimento a seguir, tomado no dia 19 de junho:

Esses trabalhadores estão, desde maio, tentando negociar um reajuste de salário e a empresa ofereceu apenas 2,5%, abaixo da inflação, porque a inflação foi de 3,44%. Uma outra necessidade fundamental é a alimentação. É uma necessidade humana. Essa empresa aqui adotou um padrão americano: um cartão que o pessoal passa na máquina, aí cai um refrigerante e um "xilito", um saquinho de batata gelado. Outro caso muito grave é o problema das doenças ocupacionais ou doenças profissionais. O fato é que elas (tendo em vista que a maioria são mulheres) trabalham o dia todo num horário ininterrupto, de revezamento, inclusive à noite e nos feriados. Trabalham com equipamentos de som que estão acoplados no ouvido, portanto, durante todo dia, elas estão escutando vozes e isso gera doenças de audição. [...]. Elas falam o dia todo e isso também gera problemas na garganta. E, por último, tem a questão da digitação. Elas digitam muito e isso proporciona a LER (lesão por esforço repetitivo). Várias dessas trabalhadoras e desses trabalhadores (e a maioria são jovens) já estão mutilados, com problemas sérios. [...]. A reivindicação é no sentido de garantir reajuste de salário, melhoria na condição de trabalho, sendo a reivindicação especial essa questão da saúde (AI, militante da CUT).

As principais reivindicações dos manifestantes eram, portanto, reajuste salarial, com a negociação de um piso salarial para a categoria; melhoria na qualidade da alimentação, com a substituição de lanches industrializados por refeições mais saudáveis; e atenção à saúde, como forma de prevenir as doenças ocupacionais9 9 Entre tais doenças, as que mais atingem os operadores de telemarketing são a tendinite (inflamação dos tendões), a miosite (inflamação dos músculos), a otite (inflamação do ouvido), os calos nas cordas vocais, os problemas de coluna, além do estresse (CAVAIGNAC, 2010). , conforme ilustram os cartazes e faixas levantados durante a greve:

"Greve geral na Empresa (X-Subcon) contra os baixos salários e em defesa da saúde dos trabalhadores";

"Greve geral em defesa do trabalho, saúde e dignidade";

"Baixos salários";

"Doenças ocupacionais";

"Empresa (X-Subcon): fábrica de mutilar pessoas";

"Empresa (X-Subcon): é triste assim";

"Na Empresa (X-Subcon) é grave, o caso é greve";

"Aumento já".

2.4 A reação da empresa ao movimento grevista

A Empresa X-Subcon é conhecida no meio forense como uma das empresas com maior número de reclamações trabalhistas, tais como: desatendimento de jornada, ausência de repouso para alimentação, submissão de trabalhadores ao trabalho exaustivo10 10 De matéria publicada no jornal O Estado, em 3 de julho de 2007, na página 10. .

Durante a greve, ela foi acusada pelo Sinttel, junto ao Ministério Público do Trabalho, pela prática de uma série de atos constrangedores contra os empregados. A força policial foi utilizada sem necessidade de tal medida, permitindo-se, inclusive, que policiais ingressassem e circulassem no ambiente de trabalho, coagindo os operadores em serviço. A presença constante de policiais armados na área externa da empresa visava intimidar os manifestantes ali agrupados e inibir suas ações de protesto. Indignado, um entrevistado afirma:

A polícia do Governo do Estado está de forma ostensiva, com armas, protegendo o capital da empresa. Na verdade, isso é um absurdo. Esse não é o papel da polícia (AI, militante da CUT).

Os supervisores exerciam uma pressão constante sobre os operadores que continuavam trabalhando, acompanhando-os ao local do lanche e até ao banheiro, como forma de impedir seu ingresso na greve; além disso, marcavam presença nas paradas de ônibus próximas à empresa para pressionar os grevistas a voltarem ao trabalho, o que causou a revolta de PH, líder do movimento:

A gente começa a ser funcionário no momento em que a gente entra na empresa. E nesse momento de exploração [presença de supervisores nas paradas de ônibus], eles demonstraram que a gente era funcionário e escravo deles desde o momento da descida do ônibus.

Foram, ainda, feitas ameaças através de telegramas e ligações telefônicas para os familiares, convocando os trabalhadores ao serviço, sob pena de demissão:

As pessoas que não estão trabalhando estão sofrendo pressões psicológicas. Estão ligando para os pais de cada operador que aderiu à greve, inventando calúnias, mentiras, dizendo que seus filhos estão com badernagem, com briga. Isto não é verdade (PH, líder do movimento).

Em afronta às determinações legais, a empresa demitiu trabalhadores e contratou novos atendentes durante o período da greve, como forma de mostrar que a manifestação seria inútil e que os manifestantes seriam penalizados. Por ordem do Tribunal Regional do Trabalho, ela foi obrigada a vedar o ingresso de força policial em suas dependências e a atuação de qualquer supervisor ou empregado no sentido de restringir a liberdade do exercício da greve e do direito de ir e vir dos trabalhadores, sob pena de pagar uma multa diária fixada em R$ 1000 por trabalhador constrangido. Quanto às reivindicações dos trabalhadores, houve muita dificuldade de negociação, pois a empresa não admitia pagar o piso salarial proposto pela categoria (R$ 460). Insistia em manter salários abaixo do mínimo11 11 O valor do salário mínimo na época da greve era de R$ 380. e não apresentava contrapropostas para as questões relacionadas à redução da jornada semanal de trabalho, ao pagamento de horas extras, auxílio-alimentação e à participação dos trabalhadores nos lucros e resultados12 12 "TRT determina reintegração de grevistas da Empresa (X-Subcon). Demitidos a partir do dia 14 de junho devem retornar ao trabalho." Publicado no jornal O Estado, em 4 de julho de 2007. . Devido à demora nas negociações, a paralisação chegou a durar 45 dias.

2.5 As perspectivas do movimento e o apoio intersindical

Durante a greve, diversos sindicatos apoiaram o movimento, conforme registrado no seguinte depoimento:

[...] nós conseguimos o apoio da CUT e do movimento social organizado aqui em Fortaleza. São vários sindicatos importantes e, ao longo desses nove dias de greve, nós tivemos aqui o sindicato dos têxteis; o sindicato dos comerciários; o sindicato dos sapateiros; o sindicato dos Correios; o sindicato do asseio e da conservação; a Federação do Comércio; o sindicato dos trabalhadores em saúde; o sindicato dos próprios trabalhadores daqui, o Sinttel; do Sintratel, que é um sindicato que também atua nessa categoria, além de vários outros. O próprio MST13 13 Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. esteve aqui. Esse apoio, a importância dessas categorias estarem aqui ajudando, é porque tem o princípio entre nós, trabalhadores internacionalistas, da solidariedade. A classe trabalhadora é explorada por um único sistema, que é o sistema capitalista, que hoje representa a miséria, a degradação da vida, prostituição, violência, droga, desemprego. Um bilhão de trabalhadores no mundo inteiro se encontram desempregados hoje. Então, se o sistema capitalista está agindo para explorar a classe trabalhadora em nível mundial, os trabalhadores precisam ter entre si, como maior tesouro, a solidariedade (AI, militante da CUT).

O depoimento aponta em duas direções: para a visão de totalidade do contexto social e para a articulação das reivindicações dos trabalhadores em nível internacional, como meios de resistência às formas de dominação do capital mundializado. A greve em foco, embora tenha contado com o apoio intersindical, expressa o caráter setorial e a postura defensiva, assumidos pelo movimento sindical nos dias atuais, tendências apontadas por Mészáros (2002). Não se pode dizer, entretanto, que isto se deve a uma mera questão de escolha subjetiva dos trabalhadores, sem que antes sejam analisadas as condições objetivas da realidade em que vivem.

A Empresa T-Com surgiu do processo de privatização dos serviços de telecomunicações, que gerou, entre outras consequências negativas, desemprego e precarização do trabalho, principalmente por meio da terceirização. Os trabalhadores terceirizados passaram a constituir uma parcela da classe trabalhadora cuja organização sociopolítica torna-se um desafio cada vez maior para o movimento sindical, tendo em vista que trabalham para empresas de determinados ramos de atividade – onde estabelecem suas relações no trabalho – e são contratados por empresas prestadoras de serviços – com as quais mantêm suas relações de trabalho. Desse modo, há dificuldades em situar os interesses dos operadores de telemarketing no âmbito do sindicato que representa os trabalhadores do setor de telecomunicações (Sinttel), já que a Empresa T-Com não os reconhece como seus empregados. Surge daí a necessidade de criar uma associação em defesa dos "desfiliados", que prestam serviços de telemarketing para empresas de diversos setores, não sendo considerados, todavia, como parte de suas atividades-fim. LS expressa esta situação:

No dia 15 de outubro de 2005, vários trabalhadores de telemarketing de Fortaleza, de call centers de vários ramos se reuniram e fundaram um sindicato específico da categoria, que é o Sintratel, fundado com intuito de legalizar a categoria para [...] estabelecer uma base salarial e obter o reconhecimento na carteira profissional [...]. Então, o Sintratel foi fundado com o objetivo de defender a categoria de telemarketing, que estava órfã, por mais que houvesse outros sindicatos aos quais os operadores eram filiados, como o Sinttel, o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde e outros. Porque, por mais que eles tentem defender os trabalhadores dessa categoria, eles não a conhecem como nós a conhecemos, porque nós, operadores de telemarketing, é que vivenciamos esse dia a dia (LS, presidente do Sintratel).

O Sinttel e o Sintratel disputam, assim, a adesão sindical de uma categoria que se encontra em uma "crise de identidade", que se deve tanto à sua trajetória provisória no call center, quanto à indefinição ou imprecisão de sua posição no mercado de trabalho – já que, embora trabalhem no e para o setor de telecomunicações, não fazem parte do quadro de empregados da empresa que os (sub)contrata via terceirização. Em outras palavras, são contratados por uma prestadora de serviços e subcontratados por uma empresa de telecomunicações.

2.6 Os significados da greve no universo dos operadores de telemarketing da Empresa X-Subcon

As dificuldades e os obstáculos colocados à greve dos operadores de telemarketing da Empresa X-Subcon acabaram por dividir os trabalhadores, comprometendo a força coletiva do movimento. Contudo, a iniciativa de paralisação teve significados importantes para a categoria, conforme ressaltam os depoimentos a seguir:

Esta é minha primeira greve. Está sendo uma experiência formidável, porque estou vendo pessoas sérias lutando por uma causa justa. Nossa greve é pacífica; em nenhum momento houve ato de vandalismo e agressão. Só queremos um acordo. [...]. O trabalhador tem que vender sua força de trabalho todo dia, mas, assim como ele precisa da empresa, a empresa também precisa do trabalhador (PH, líder do movimento).

Todas as conquistas dos trabalhadores devem-se às suas reivindicações, lutas, protestos. Então os trabalhadores, que só têm a sua força de trabalho a oferecer, têm como protestar e conseguir seus objetivos. Devido ao processo liberal [neoliberal], o meio sindical teve uma estagnação grande, mas os jovens estão retomando e revitalizando o movimento sindical (LS, presidente do Sintratel).

Embora conscientes da força do capital contra a classe trabalhadora, sobretudo no contexto da chamada "globalização neoliberal", esses jovens trabalhadores acreditam que a resistência ainda é possível e que pode trazer resultados favoráveis, afinal há uma mútua dependência entre capital e trabalho, como nos lembra o líder do movimento. Para além de algumas conquistas pontuais14 14 Apesar de várias demissões, a greve obteve algumas conquistas para os operadores de telemarketing contratados pela Empresa X-Subcon: um pequeno aumento salarial, adiado para o ano seguinte (2008); a substituição do lanche industrializado por cartão alimentação, em algumas circunstâncias; e a extensão do auxílio creche para os operadores homens que comprovem ter a guarda da criança. , a greve significou um passo importante e o primeiro na luta da categoria. Trata-se dos operadores de telemarketing de uma empresa de contact center que se tornou referência para outras empresas do ramo em todo o continente latino-americano, inclusive no que se refere à regulação dos salários. As reivindicações e os protestos de seus empregados denunciaram à sociedade que o crescimento gigantesco desta empresa tem uma única explicação: a exploração e a intensificação do trabalho, sob o argumento do investimento tecnológico – que, em verdade, transforma os "infoproletários" em "subproletários", na medida em que precariza suas condições de trabalho em favor de sofisticadas formas de comunicação e interação das empresas contratantes com seus clientes.

A manifestação coletiva também mostrou resultados por visualizar a força da classe trabalhadora quando unida para resistir às ofensivas do sistema. Ao expressar distintas formas de consciência e de comportamento existentes no universo do call center da Empresa X-Subcon, a greve apontou os limites e os desafios da organização dos trabalhadores, debilitada pela nova configuração das relações de trabalho, cuja tendência é substituir o vínculo direto pela subcontratação, no sentido de dotar o capital de maior flexibilidade e fragmentar a classe trabalhadora, fragilizando sua luta política.

3 O debate sobre a resistência dos trabalhadores no contexto atual

Segundo Mészáros (2002), na atual conjuntura, diante das tentativas do capital globalizante de transformar o trabalho em seu cúmplice – em vez de seu adversário –, o movimento operário assume um caráter setorial e uma posição defensiva. Ignora-se, assim, a possibilidade histórica de superação da dependência do trabalho em relação ao capital, tendo em vista que o capital depende absolutamente do trabalho – o qual tem de explorar permanentemente –, ao passo que a dependência do trabalho em relação ao capital é relativa, criada historicamente e, portanto, superável.

A construção de uma forma de sociabilidade alternativa ao capital, entretanto, não é tarefa fácil. Se a crítica ao sistema vigente deve ser a mais radical possível, a ruptura com os elementos que lhe dão sustentação requer um processo de transição repleto de mediações. Conforme assinala Antunes (2000, p. 177-178), as respostas às efetivas necessidades da classe trabalhadora passam, hoje, por duas reivindicações necessárias: a) a luta pela redução da jornada de trabalho e a consequente ampliação do chamado "tempo livre", visando, no plano mais imediato, minimizar o desemprego estrutural; e b) a luta pelo direito ao trabalho, não porque se cultue o trabalho assalariado, "mas porque estar fora do trabalho, no universo do capitalismo vigente, [...] significa uma desefetivação, des-realização e brutalização ainda maiores do que aquelas já vivenciadas pela classe-que-vive-do-trabalho15 15 Esta expressão corresponde à noção ampliada de classe trabalhadora defendida por Antunes (2000, p. 102-103), a qual deve incorporar o conjunto dos assalariados que vendem sua força de trabalho, incluindo o proletariado industrial, "aqueles que criam diretamente mais-valia e participam diretamente do processo de valorização do capital", os trabalhadores da chamada economia informal, os terceirizados e precarizados, além dos que estão desempregados "pela vigência da lógica destrutiva do capital." ." Segundo o autor, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho a partir dos anos 1970, quando se inicia um quadro de crise estrutural do capital, afetaram tanto a materialidade (a forma de ser), quanto a subjetividade da classe trabalhadora (os valores e o ideário que pautam suas ações e práticas concretas). O processo de reestruturação produtiva e a flexibilização das relações de trabalho não têm apenas um conteúdo econômico, mas também um forte conteúdo político e ideológico, uma vez que fragmentam a classe trabalhadora e fragilizam seus organismos de representação, desafiados a buscar estratégias de luta que contemplem a totalidade dos trabalhadores.

No Brasil, de acordo com Cruz (2000), os sindicatos haviam conquistado um forte poder de pressão ao longo dos anos 1970 e início dos anos 1980, período de aprofundamento da crise do regime militar, marcado pelo crescimento da oposição política e pelo retorno da esquerda – consubstanciada na organização do Partido dos Trabalhadores (PT), na criação da CUT e na fundação do MST. Nesse período, o movimento sindical caracterizou-se por um conjunto de práticas sociais que ficou conhecido como "Novo Sindicalismo", cuja visão de mundo procurava compreender a totalidade das relações sociais e apresentava uma imagem de classe articulada pela noção de enfrentamento coletivo das formas de dominação socioeconômica, política e ideológica do capital, propondo a construção de uma nova forma de sociabilidade, por meio da conscientização e organização política dos trabalhadores. O período que se segue à redemocratização, por sua vez, não só altera a paisagem socioeconômica e política da sociedade brasileira, mas também oblitera a janela de observação da classe trabalhadora, agora uma "janela estilhaçada": "Ao invés de uma luminosidade cristalina, pouco a pouco a observação é turvada por uma luz prismada pelo conjunto de transformações vivenciadas neste final de século" (CRUZ, 2000, p. 100).

A transição global ao neoliberalismo marca uma conjuntura extremamente desfavorável à classe trabalhadora, colocando na defensiva qualquer discurso baseado na unidade dos interesses e da ação dos trabalhadores. Segundo Alves (2005), como alternativa à lógica da contestação do capital, segue-se ao sindicalismo crítico dos anos 1980 um "defensivismo de novo tipo", de caráter neocorporativo, que altera substancialmente as formas de organização sociopolítica dos trabalhadores, com o predomínio de estratégias que tendem a promover apenas articulações verticais de categorias assalariadas dos setores da indústria ou dos serviços, em vez de articular interesses gerais da classe trabalhadora. Para o autor, a instauração de um "novo (e precário) mundo do trabalho" nas últimas décadas, decorrente do complexo de reestruturação produtiva, é responsável, direta ou indiretamente, pelo declínio da sindicalização, entre cujas causas destacam-se: a) mudanças na composição da força de trabalho, com a redução do número de trabalhadores ocupados nos setores industriais, de maior densidade sindical, e o aumento do número de trabalhadores ocupados nos setores de serviços, onde a mobilização sindical é historicamente mais difícil; b) crescimento do chamado "subproletariado tardio", composto pelos trabalhadores precários, subcontratados (incluindo os terceirizados), por tempo parcial ou temporário, ou seja, segmentos da classe trabalhadora pouco suscetíveis à sindicalização; e c) a crescente participação de mulheres no mercado de trabalho, contribuindo para o declínio dos níveis de sindicalização, na medida em que a taxa de sindicalização de mulheres sempre se manteve abaixo da taxa de sindicalização dos homens (ALVES, 2005).

Tais fatores podem ser visualizados na realidade dos operadores de telemarketing, uma força de trabalho predominantemente feminina e terceirizada, que ainda apresenta fraca organização política e distanciamento do movimento sindical16 16 É o que revelam os dados obtidos em outro momento do meu trabalho de campo. Metade daqueles que responderam ao questionário – aplicado após a greve – afirmou sequer conhecer qualquer um dos sindicatos que representam os operadores de telemarketing da empresa de telecomunicações pesquisada (Sinttel e Sintratel). Apenas 12,50% afirmaram que participam/participaram de algum sindicato, enquanto a maioria, composta por 87,50%, não participa/participou (CAVAIGNAC, 2010). . A criação do Sindicato dos Trabalhadores de Telemarketing (Sintratel) é uma expressão da "miséria do neocorporativismo" a que se refere Alves (2005). Este sindicato foi criado para defender exclusivamente os interesses de trabalhadores inseridos numa categoria de assalariados que Antunes e Braga (2009) definem como "infoproletários", isto é, aqueles que exercem atividades originárias da implantação e do desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação e informação nos processos de produção de mercadorias e serviços, com forte tendência à terceirização e à degradação do trabalho.

Cruz (2000, p. 211-213) aponta algumas respostas que o movimento sindical pode dar às aflições da classe trabalhadora em tempos de crise: a) reafirmar o marxismo como método privilegiado de análise do capitalismo, abandonando a visão reificada/fragmentada da realidade; b) produzir um discurso que aponte para a identidade da classe trabalhadora em seu conjunto (os assalariados, os terceirizados e subcontratados, os informais, os autônomos, os desempregados e os excluídos da riqueza socialmente produzida); c) identificar claramente o seu opositor, mostrando o Estado como elemento central da ação ordenadora do discurso neoliberal e propondo uma pauta conjunta para a nova "classe-que-vive-do-trabalho"; e d) constituir-se como um sindicato único da classe trabalhadora, estruturado organicamente e unificado discursivamente, ou seja, romper com a identificação tradicional da classe trabalhadora como sendo o conjunto dos assalariados, propondo formas identitárias de organização social e até mesmo produtiva daqueles que estão fora do mercado formal.

CAVAIGNAC, M. D. Relações 'de' trabalho e relações 'no' trabalho na lógica capitalista contemporânea: um olhar sobre atendentes do call center de uma empresa de telecomunicações. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010.

SINTTEL/CE-Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Estado do Ceará. Carta ao Presidente Lula. Disponível em: <http://www.sinttelce.org.br/site/the-news>. Acesso em: 9 jul. 2007.

Notas

Recebido em 07.03.2013.

Aprovado em 10.06.2013.

Mônica Duarte Cavaignac

monicacavaignac@bol.com.br

Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Professora Adjunta do Curso de Serviço Social da UECE

UECE – Curso de Serviço Social

Av. Paranjana, 1700, Campus do Itaperi

Fortaleza – Ceará – Brasil

CEP: 60714-903

  • ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.
  • ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.
  • ANTUNES, R.; BRAGA, R. Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.
  • CRUZ, A. A janela estilhaçada: a crise do discurso do Novo Sindicalismo. Petrópolis: Vozes, 2000.
  • MÉSZÁROS, I. Para além do capital. Tradução de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002.
  • POSTONE, M. Repensando a crítica de Marx ao capitalismo. In: PAIVA, J. Teoria crítica radical, a superação do capitalismo e a emancipação humana Fortaleza: Instituto Filosofia da Práxis, 2000, p. 85-150.
  • 1
    Vale ressaltar que a empresa T-Com e a empresa X-Subcon, embora ofereçam produtos/serviços diferenciados, fazem parte do mesmo grupo empresarial. T-Com é uma Empresa de telecomunicações líder no mercado cearense, ex-estatal, privatizada na década de 1990. A empresa X-Subcon é considerada a maior prestadora de serviços de
    contact center da América Latina.
  • 2
    Ver tese intitulada
    Relações 'de' trabalho e relações 'no' trabalho na lógica capitalista contemporânea: um olhar sobre atendentes do call center
    de uma empresa de telecomunicações (CAVAIGNAC, 2010).
  • 3
    Além da observação e das entrevistas abertas realizadas durante a referida greve, o percurso investigativo da pesquisa original envolveu aplicação de questionários, com uma amostra de 100 operadores e 20 ex-operadores de
    telemarketing, tendo em vista traçar um perfil dos sujeitos em análise; entrevistas semi-estruturadas com empregados da Empresa T-Com, com dirigentes sindicais e com trabalhadores que assumiram várias funções e tiveram diferentes trajetórias no
    call center da Empresa X-Subcon.
  • 4
    Entre outras categorias de trabalhadores que participaram das manifestações, os operadores de
    telemarketing receberam apoio dos mototaxistas, que reivindicavam a regulamentação de sua profissão. Uma das passeatas organizadas pelos manifestantes dirigiu-se ao prédio da Polícia Federal, cujos funcionários também se encontravam em greve naquele momento.
  • 5
    Na linguagem dos operadores de
    telemarketing, PA significa posição de atendimento.
  • 6
    Ocasião em que o Presidente da República apresentou os objetivos e metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
  • 7
    Trata-se da música de abertura da novela brasileira
    Escrava Isaura, adaptação do romance de Bernardo Guimarães pelo novelista Gilberto Braga. Cantada pelos operadores de telemarketing em greve, simboliza as condições de trabalho desses "trabalhadores livres", tratados pela empresa como escravos.
  • 8
    Já é bastante conhecida dos consumidores a forma como os operadores de
    telemarketing costumam falar, usando a forma verbal do gerúndio para se referir a ações em curso ou futuras. Trata-se de um hábito adquirido em seu ambiente de trabalho, para se adaptar não só às atividades, mas também a falas repetitivas e rotineiras.
  • 9
    Entre tais doenças, as que mais atingem os operadores de
    telemarketing são a tendinite (inflamação dos tendões), a miosite (inflamação dos músculos), a otite (inflamação do ouvido), os calos nas cordas vocais, os problemas de coluna, além do estresse (CAVAIGNAC, 2010).
  • 10
    De matéria publicada no jornal
    O Estado, em 3 de julho de 2007, na página 10.
  • 11
    O valor do salário mínimo na época da greve era de R$ 380.
  • 12
    "TRT determina reintegração de grevistas da Empresa (X-Subcon). Demitidos a partir do dia 14 de junho devem retornar ao trabalho." Publicado no jornal
    O Estado, em 4 de julho de 2007.
  • 13
    Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
  • 14
    Apesar de várias demissões, a greve obteve algumas conquistas para os operadores de
    telemarketing contratados pela Empresa X-Subcon: um pequeno aumento salarial, adiado para o ano seguinte (2008); a substituição do lanche industrializado por cartão alimentação, em algumas circunstâncias; e a extensão do auxílio creche para os operadores homens que comprovem ter a guarda da criança.
  • 15
    Esta expressão corresponde à noção ampliada de classe trabalhadora defendida por Antunes (2000, p. 102-103), a qual deve incorporar o conjunto dos assalariados que vendem sua força de trabalho, incluindo o proletariado industrial, "aqueles que criam diretamente mais-valia e participam diretamente do processo de valorização do capital", os trabalhadores da chamada economia informal, os terceirizados e precarizados, além dos que estão desempregados "pela vigência da lógica destrutiva do capital."
  • 16
    É o que revelam os dados obtidos em outro momento do meu trabalho de campo. Metade daqueles que responderam ao questionário – aplicado após a greve – afirmou sequer conhecer qualquer um dos sindicatos que representam os operadores de
    telemarketing da empresa de telecomunicações pesquisada (Sinttel e Sintratel). Apenas 12,50% afirmaram que participam/participaram de algum sindicato, enquanto a maioria, composta por 87,50%, não participa/participou (CAVAIGNAC, 2010).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Mar 2013
    • Aceito
      10 Jun 2013
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