Resumos
Resumo Este trabalho objetiva analisar o papel exercido pelo cárcere e o encarceramento de mulheres considerando as conformações do sistema hetero-patriarcal-racista-capitalista implementado no Brasil. A metodologia consistiu em estudo bibliográfico e documental, sendo que os resultados mostraram que os estabelecimentos prisionais se constituíram em tecnologias repressivas utilizadas para a formação e a consolidação do projeto de nação branca, classista, racista e sexista, como forma de atendimento às demandas de estruturação e desenvolvimento do capitalismo. Em tempos de fragilização dos vínculos trabalhistas e de uberização do trabalho o cárcere tem assumido um papel proeminente na gestão da pobreza por meio da violência, repressão e segregação, aprofundando as expressões da questão social decorrentes de desemprego, pobreza e insegurança alimentar que afetam mais efetivamente as famílias monoparentais chefiadas por mulheres, sobretudo, mulheres negras moradoras das periferias urbanas.
Palavras-chave: Estado Penal; Encarceramento de Mulheres; Capitalismo
Abstract The work entitled “The incarceration of women in Brazilian dependent and peripheral capitalism” aims to analyze the role played by the prison and the incarceration of women considering the conformations of the hetero-patriarchal-racist-capitalist system implemented in Brazil. The methodology consisted of a bibliographic and documentary study, and the results showed that the prisons constituted repressive technologies used for the formation and consolidation of the project of a white, classist, racist and sexist nation, as a way of meeting the demands of structuring and development of capitalism. In times of weakening labor ties and uberization of work, the prison has assumed a prominent role in the management of poverty through violence, repression and segregation, deepening the expressions of the social issue arising from unemployment, poverty and food insecurity that affect more effectively single-parent families headed by women, especially black women living in urban peripheries.
Keywords: Criminal Status; Incarceration of Women; Capitalism
Introdução
O trabalho intitulado “O encarceramento de mulheres no capitalismo dependente e periférico brasileiro” objetiva analisar o papel exercido pelo cárcere e o encarceramento de mulheres considerando as conformações do sistema hetero-patriarcal-racista-capitalista presente na realidade brasileira.
A metodologia consistiu em estudo bibliográfico e documental, tendo como base a literatura e documentos produzidos por institutos, grupos de pesquisa e observatórios referentes às categorias em análise, cujos dados mostram que há uma intrínseca relação entre o processo de formação do Estado nacional e a configuração das instituições penais no Brasil.
Considerando os padrões estabelecidos pelo racismo e pelo patriarcado a ação do Estado no encarceramento de mulheres está perpassada por estruturas subalternizantes e moralizantes fazendo com que estas sejam alvo de discriminações e violências. Em conformidade com Lima (2022, p. 244), o racismo “não pode ser restringido a uma mera continuação da escravidão, pois constitui um desdobramento das relações raciais de dominação após a abolição”. Contudo, destaca que os lugares sociais atribuídos às mulheres negras no escravismo são reatualizados na atualidade e se expressam nas situações de “pobreza, desemprego, emprego informal, morte materna, barreiras de acesso à saúde, insegurança alimentar, hipersexualização, marginalização das esferas políticas, controle da sexualidade e, ainda imagens de controle”.
Com a fragilização dos vínculos trabalhistas e a uberização do trabalho em tempos de reestruturação produtiva do capital o cárcere se apresenta como tecnologia repressiva na gestão da pobreza, aprofundando as expressões da questão social decorrentes de desemprego, pobreza e insegurança alimentar que afetam mais efetivamente as famílias monoparentais chefiadas por mulheres, sobretudo, mulheres negras moradoras das periferias urbanas.
A ação do Estado por meio do cárcere na ordem capitalista dependente e periférica instaurada no Brasil
A concepção moderna de cárcere foi constituída no século XVIII visando o disciplinamento dos comportamentos e dos corpos na ordem do capital por meio de vigilância e punição tendo como base a privação da liberdade (FOUCAULT, 1987). Até então, as prisões se constituíam em espaços onde se aguardava a sentença, que, em geral, seria cumprida no próprio corpo da pessoa condenada.
A configuração do cárcere na América Latina e no Brasil a partir dos paradigmas da modernidade articula-se com a propagação das ideias liberais, os movimentos de independência política no campo formal e a formação dos Estados nacionais. No Brasil, a afirmação do cárcere se relaciona com os processos de controle e de gestão do trabalho na transição para o capitalismo dependente e às medidas que foram adotadas na ordem econômico-social e política, engendrando subalternizações, estigmas, discriminações, explorações e opressões.
Nos países da América Espanhola os movimentos de independência formal ocorreram com as diversas lutas envolvendo frações da classe dominante e a participação da população. Em termos econômicos, na América Latina, com “os processos nacionais de independência no início dos anos 1800, temos a transição dos modos de produção pré‑capitalistas para o capitalismo dependente”, contexto em que as relações de produção pautadas no trabalho livre e assalariado foram combinadas “com diversas outras formas tidas como arcaicas” (CASTELO; RIBEIRO; ROCAMORA, 2020, p. 17).
Na realidade brasileira a independência política foi apenas formal com aportes implementados pelos detentores do poder, sem participação popular e sem desconstruir as estruturas de desigualdades, exploração e opressão. De modo que esse processo de gestão da força de trabalho por meio do cárcere na transição do modelo agrário-exportador para o urbano-industrial no Brasil ocorreu com a interlocução entre trabalhadores livres e pessoas escravizadas atuando nos centros urbanos, notadamente a partir da segunda metade do século XIX, cujo principal referência era a cidade do Rio de Janeiro, com a confluência e a intensificação de um fluxo de produtos e serviços nos setores de alimentação, lazer, produção têxtil, dentre outros, com um “conjunto de experiências e modos de ser, comuns a uma massa de despossuídos e explorados”, que serviram de base para a formação da classe trabalhadora (CASTELO; RIBEIRO; ROCAMORA, 2020, p. 28).
Para Marini (2000), o ingresso da América Latina na ordem capitalista ocorreu em consonância com as requisições postas e as demandadas pela produção de mais-valia relativa nos países europeus, tendo como base a superexploração do trabalho, sendo que na transição do modelo agrário-exportador para o urbano-industrial há importantes requisições do capital estrangeiro para o financiamento de investimentos industriais. Para Bambirra (2012, p. 56), dentre os países que implementaram um processo de industrialização anterior ao período das guerras mundiais podem ser citados a Argentina, o México, o Brasil, o Chile, o Uruguai e a Colômbia.
O processo de afirmação do cárcere na ordem capitalista dependente e periférica instaurada no Brasil está articulado a um projeto de nação branca, racista e sexista, no qual o racismo se apresentou como principal elemento norteador da afirmação do Estado nacional. Desde o século XX teóricos e ativistas marxistas negros têm apresentado importantes contribuições para a reflexão sobre o racismo, a exemplo de Fanon (2008), Lélia Gonzalez (1984, 1988) e Angela Davis (2016).
Na análise da raça e do racismo, Fanon (2008, p. 87) destaca que, o “racismo colonial não difere dos outros racismos”. Para Gonzalez (1988), o racismo se afirmou na ordem societária brasileira a partir de estruturas de desigualdades assentadas na superioridade da modernidade europeia e nas sociabilidades de uma elite branca e patriarcal.
Nesse debate, Davis (2016) mostra que o capitalismo industrial em seu processo de consolidação apresentou uma clivagem entre as transformações ensejadas na esfera econômica e nas formas tradicionais de atuação familiar, com uma dicotomia estrutural entre a esfera doméstica e familiar e a do mercado, voltada para a (re)produção dos lucros, mostrando as desigualdades engendradas a partir de uma sociedade racializada e hierarquizada.
Para Ianni (1978, p. 25), no Brasil, “a formação social capitalista foi se constituindo, por assim dizer, por dentro e por sobre a formação social escravista”, sendo que paulatinamente parcela do capital gerado pela força de trabalho escravizada foi utilizada nas atividades “artesanais, fabris, comerciais e financeiras que não revertiam necessariamente em benefício dos interesses escravistas”, contribuindo para o processo de urbanização e de industrialização.
Em conformidade com Clovis Moura (1983, p. 133), as classes dominantes do Império, “estabeleceram mecanismos controladores da luta de classes” no pós-abolição, tendo como base mecanismos repressivos, e ideológicos, visando colocar a população negra nos “espaços marginais de uma economia de capitalismo dependente”.
De modo que o cárcere tem uma importante função na ordem capitalista dependente e periférica instaurada no Brasil, na qual a ação do Estado atuou com base em um caráter higienista e eugenista, com o incentivo à imigração de europeus e com a formatação de aparatos de repressão e processos de periferização de pessoas negras nos espaços urbanos, visando “construir uma nação cada vez mais branca e racialmente homogênea” (ANGOTTI, 2018, p. 89).
O cárcere se constituiu em importante tecnologia de controle e de disciplinamento dos corpos das mulheres para que estas assumissem fielmente o papel de mãe e de cuidadora que socialmente eram lhes atribuído pelo patriarcado. O lugar posto para as mulheres negras e mestiças nesse processo de hierarquização social, racial e de gênero no início do século XX foi o da subalternização, considerando que na escala de opressão do patriarcado estas se apresentavam com um nível de opressão muito maior do que as mulheres brancas (ANGOTTI, 2018).
Ao tempo que há uma subordinação interna a partir da hierarquização assentada nas dimensões de raça, de gênero e de classe, a ordem capitalista implementada no Brasil vai adotar o cárcere como elemento essencial à consolidação do Estado nacional e ao estabelecimento da ordem burguesa. Por outro lado, esse processo de subordinação irá ocorrer também em âmbito internacional com a inserção do Brasil na ordem capitalista de forma dependente e periférica, com a superexploração do trabalho, elevados índices de informalidade, baixa proteção social e o fornecimento de matérias-primas para as indústrias dos países capitalistas centrais (MARINI, 2000; OSORIO, 2014; FERNANDES, 2009; CASTELO, 2021).
A hierarquização social, racial e de gênero na ordem capitalista e periférica instaurada no Brasil teve como base estruturas de desigualdades construídas a partir de elementos subalternizantes e excludentes, constituindo uma sociedade racializada e hierarquizada (ORTEGAL, 2018).
Existe uma estreita relação entre os paradigmas do Código Penal de 1890 e o Código Penal de 1940, marcando um processo de continuidade na articulação das bases necessárias à manutenção da ordem autocrática burguesa. É nesse contexto que foram implantadas as primeiras unidades prisionais voltadas para mulheres nos anos 1940 no Brasil.
A partir das bases do sistema hetero-racista-patriarcal-capitalista (SAFFIOTI, 1987; CISNE; SANTOS, 2018; ALMEIDA, 2018) o encarceramento feminino volta-se para a repressão aos desvios do papel estabelecido para as mulheres, sendo que “a prostituta era, por excelência, o extremo do desvio”. Assim, o lugar da mulher desviante “era aquele da sexualidade insubmissa, que deveria ser domada e padronizada nos modelos dessa família padrão” (ANGOTTI, 2018, p. 86).
O militarismo e a ideologia da segurança nacional aliados ao imperialismo norte-americano durante a ditadura militar promoveram o recrudescimento da repressão não somente pela via do aparato policial e penal (D'ARAUJO, 2006), mas, também por intermédio do autoritarismo, da negação da participação e do Estado de exceção.
A ação do Estado Penal no encarceramento feminino frente às expressões da questão social na atualidade
A categoria Estado Penal tem sido discutida por Wacquant (2015) a partir da realidade norte-americana, mostrando o recrudescimento da legislação e como a violência policial tem atuado no sentido do controle social da pobreza tendo como base um processo de seletividade penal.
Para Bueno (2021, p. 178), o Estado Penal se apresenta como resultado da confluência e de “acúmulos históricos e sociais, constituindo-se, portanto, enquanto fenômeno multidimensional e, dessa forma, dotado de características socio-históricas agregadas, para se conformar, hoje, como Estado penal”, com profundos desdobramentos na sociedade. Em relação ao encarceramento de mulheres, ocorreu um recrudescimento a partir de 2006 com a chamada Lei de Drogas, visto que o Estado brasileiro adotou a política de encarceramento em massa ancorado na perspectiva político-ideológica de repressão ao crime (BORGES, 2019).
O Estado Penal no exercício do encarceramento de mulheres pobres, negras e moradoras das periferias urbanas assume um papel de controle diante do aprofundamento das expressões da questão social, como forma de reprodução do capital (FLAUZINA, 2007), exercendo o controle social da classe trabalhadora, que atualmente vivência elevados índices de desocupação e desemprego (FERNANDES, 2020, p. 808).
O Gráfico 1 mostra a existência de um encarceramento em massa no Brasil, considerando que esse número passou de 5.600 no ano de 2000 para 33.310 mulheres encarceradas em 2021. Com a crise estrutural do capital, o Estado assumiu uma racionalidade pautada na necropolítica no sentido de matar e/ou deixar morrer os segmentos historicamente invisibilizados e indesejáveis à ordem societária do capital (MBEMBE, 2018). O perfil das mulheres encarceradas no Brasil mostra que esse público é majoritariamente constituído por pessoas jovens, pobres e negras moradoras das periferias dos centros urbanos.
O Gráfico 2 mostra que os estados com maior número de mulheres encarceradas são os seguintes: São Paulo (34,26%), Rio de Janeiro (10,56%) e Minas Gerais (7,79%), seguidos dos estados de Mato Grosso do Sul (6,14%) e Paraná (4,52%).
- Percentual de mulheres encarceradas (população prisional feminina da unidade da federação/população prisional feminina no Brasil) - Ano 2018
A partir de 2008 a crise do capital se configurou em âmbito mundial, com desdobramentos nefastos na América Latina e no Brasil diante do aumento exponencial do desemprego/desocupação, fazendo com os indivíduos e famílias que já se encontravam extremamente vulnerabilizados vivenciassem situações de extrema desproteção social, havendo a ampliação do número de pessoas em situação de rua e/ou com moradias precárias nas periferias urbanas.
De modo que a acumulação capitalista (HARVEY, 2013; LUKÁCS, 1968; LUXEMBURG, 1970) articulada aos processos de seletividade penal tem produzido um cenário de profundos riscos para as mulheres, a partir do racismo estrutural, do patriarcado, do sexismo e da misoginia que se constituem em elementos estruturantes da questão social.
A análise do perfil das mulheres no sistema prisional brasileiro e inscritas no CadÚnico, tendo como base as “intersecções entre pobreza, gestação, maternidade e encarceramento”, mostra que as “medianas de renda per capita familiar mensal das mulheres encarceradas e registradas no CadÚnico foi de R$ 40,00 em 2018”, sendo que para as demais mulheres inscritas no CadÚnico esse valor foi de R$ 100,00 no referido período. Tendo como referência o ano de 2018, entre as mulheres responsáveis por famílias que se encontravam inscritas no CadÚnico, 66,8% das mulheres que se encontravam encarceradas e 49,9% das mulheres não encarceradas estavam incluídas no Programa Bolsa Família (PBF) (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2022, p. 14), o que revela um processo de agudização da questão social entre as mulheres encarceradas.
Há uma intrínseca relação entre Estado Penal, encarceramento feminino e questão social no Brasil conforme já foi demonstrado, notadamente em tempos de crise estrutural do capital e pandêmica decorrente da Covid-19. A pandemia de Covid-19 se instaurou no Brasil em março de 2020 e provocou efeitos devastadores, com a morte de 677.563 pessoas (dados de 26 de julho de 2022). Porém, em relação ao perfil, a maioria dos óbitos é de pessoas pobres, negras e moradoras das periferias, o que demonstra que existe um verdadeiro genocídio destes segmentos e grupos sociais.
O estudo mostrou que ao tempo em que ocorreu um aumento no número de pessoas desocupadas, essa população é em sua maioria mulheres pobres, negras e moradoras das periferias urbanas, que em grande parcela não são atendidas pelas políticas públicas, sendo as suas demandas vistas na esfera repressiva por meio do cárcere por residirem em territórios estigmatizados e historicamente marginalizados. Em tal cenário a violência, a repressão e o cárcere são colocados como estratégias da necropolítica que caracteriza a ação do Estado brasileiro na atualidade.
O Quadro 1 mostra que a polícia é responsável pela morte de grande contingente de pessoas, sobretudo, de jovens de 18 a 24 anos (43,5) e de 25 a 29 anos (21,6). A maioria das vítimas é constituída por pessoas jovens, pobres e negras, moradoras das periferias urbanas. Considerando os dados do ano de 2019 no Brasil, 66% do total das mulheres assassinadas eram negras, sendo que em “termos relativos, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 2,5, a mesma taxa para as mulheres negras foi de 4,1” (CERQUEIRA, 2021, p. 38).
- Vítimas de Mortes Violentas Intencionais - por tipo de ocorrência e faixa etária Brasil - Ano 2021
De modo que é de fundamental importância a análise articulada dos marcadores de classe, de raça e de gênero. Considerando o período entre os anos de 2009 e 2019, o número de mulheres negras vítimas de homicídio passou de 2.419 em 2009 para 2.468 em 2019. Contudo, no mesmo período ocorreu uma redução de 26,9% no número de assassinatos de mulheres não negras, o que mostra que as mulheres são “desproporcionalmente expostas a outros fatores geradores de violência, como desigualdades socioeconômicas, conflitos familiares, racismo, intolerância religiosa, conflitos conjugais, entre outros” (CERQUEIRA, 2021, p. 40).
O racismo estrutural se apresenta como elemento norteador e estruturador das relações sociais, promovendo um processo de hierarquização que põe em risco de morte um maior número de mulheres negras, funcionando como “eixo articulador das desigualdades que impacta nas relações de gênero” (CERQUEIRA, 2021, p. 40). Desse modo, é de fundamental importância o desenvolvimento de políticas públicas visando prevenir e enfrentar a violência contra mulheres, com a proteção social à família e seus membros, considerando a interlocução entre os marcadores sociais de classe, de raça e de gênero.
Por outro lado, o número de homicídios de mulheres nos espaços residenciais aumentou 10,6% no período 2009-2019, sendo que os assassinatos nos espaços públicos reduziram 20,6% no referido período, o que demonstra um crescimento das situações de violência doméstica. Fora dos espaços residenciais as armas de fogo são o principal instrumento utilizado em homicídios e feminicídios de mulheres, constituindo-se 54,2% dos registros, sendo o uso de armas brancas o mais utilizado nas situações de violência familiar e doméstica, o que é bastante preocupante o fato de que as atuais medidas de flexibilização da compra e do uso de armas podem impactar na elevação do número de feminicídios de mulheres (CERQUEIRA, 2021, p. 42).
É de fundamental importância discutir e problematizar as práticas de violência contra a população LGBTQIA+, considerando a sua dimensão simbólica e concreta, pautadas no sistema hetero-patriarcal-racista que promove uma hierarquização social, racial e de gênero em consonância com a lógica e interesses capitalistas no Brasil (CERQUEIRA, 2021; MELLO, 2006).
A estrutura do patriarcado historicamente atribuiu ao “homem o controle da propriedade, da renda, da sexualidade” (CAVENAGHI; ALVES, 2018, p. 41). Apesar das lutas sociais, ainda hoje os paradigmas do patriarcado atuam fortemente na dinâmica do sistema carcerário feminino, fazendo com que a privação de liberdade seja acompanhada por um caráter moralizante das instituições que compõem o sistema penal, impondo às mulheres medidas mais severas.
Ademais, os processos de seletividade, o proibicionismo e a Guerra às Drogas que ensejam o encarceramento em massa e a necropolítica no Brasil desde os anos 1990 em obediência às diretrizes do projeto neoliberal, em relação às mulheres, apresenta especificidades que se articulam com a hierarquização social, racial e de gênero (FERRUGEM, 2019), que aprofundam as expressões da questão social vivenciada por estes segmentos sociais.
Em tempos de fragilização dos vínculos trabalhistas e de uberização do trabalho (ANTUNES, 2018), o cárcere tem assumido um papel proeminente na gestão da pobreza (WACQUANT, 2015) por meio da violência, da repressão e da segregação, aprofundando as expressões da questão social decorrentes de desemprego, pobreza e insegurança alimentar que afetam mais efetivamente as famílias monoparentais chefiadas por mulheres, sobretudo, mulheres negras moradoras das periferias urbanas.
Conclusão
A afirmação do cárcere no Brasil articula-se à configuração da ordem capitalista e à afirmação do Estado nacional, tendo como base a implementação de processos de controle e de gestão do trabalho na transição para o capitalismo dependente e periférico.
O cárcere tem uma importante função na instauração da ordem capitalista no Brasil considerando a superexploração da força de trabalho e a implementação de um projeto nacional pautado nos paradigmas de uma nação branca, racista, classista e sexista, na qual o racismo se apresenta como estruturador e estruturante das relações societárias. Em relação ao encarceramento de mulheres o cárcere exerce um papel disciplinador e moralizante assentado nos paradigmas do patriarcado, visando reafirmar o papel historicamente atribuído às mulheres.
A inserção das mulheres no mundo do trabalho ocorreu a partir dos paradigmas do sistema hetero-patriarcal-racista-capitalista cujas estruturas foram incorporadas à ordem capitalista e societária do capitalismo dependente e periférico, sendo o cárcere uma importante tecnologia de repressão às práticas que não se coadunam com os padrões ora estabelecidos.
Com a reestruturação produtiva do capital e a adoção das diretrizes do neoliberalismo no Brasil ocorreu um recrudescimento da ação do Estado por meio do cárcere a partir da década de 1990, com um encarceramento em massa, inclusive de mulheres, impulsionado pela adoção de leis repressivas mais severas.
A partir do golpe jurídico e parlamentar de 2016 no Brasil, a ação do Estado tem sido pautada por medidas regressivas e discursos de ódio com amplos cortes orçamentários nas políticas públicas, tendo como reforço a ação repressiva do Estado pautada no proibicionismo e na Guerra às Drogas como forma de controle social da classe trabalhadora.
De modo que são de fundamental importância as lutas sociais pela garantia de direitos e os processos de desencarceramento, tencionado a desconstrução da perspectiva segregacionista e o enfrentamento das desigualdades sociais, raciais e de gênero, como forma de defesa da democracia e da cidadania.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Humanidades da PUCRS, ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Ética e Direitos Humanos (GEPEDH); à Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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Agência financiadora Trabalho desenvolvido com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Chamada Nº 16/2020 - Bolsa de pós-doutorado Junior (PDJ) - Processo nº 150037/2021-0.
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Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação Não se aplica.Consentimento para publicação As Autoras consentem a publicação do presente manuscrito.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jul 2023 -
Data do Fascículo
May-Aug 2023
Histórico
-
Recebido
29 Ago 2022 -
Aceito
28 Mar 2023 -
Revisado
26 Abr 2023