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Tendência empreendedora de estudantes de enfermagem: comparação entre alunos de graduação iniciantes e concluintes* * A publicação deste artigo na Série Temática “Recursos Humanos em Saúde e Enfermagem: Formação e Atuação nas Américas” se insere na atividade 2.2 do Termo de Referência 2 do Plano de Trabalho do Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil. Apoio Financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 424869/2018-7, Brasil.

Resumos

Objetivo:

comparar a tendência empreendedora entre alunos iniciantes e concluintes de cursos de graduação em enfermagem.

Método:

trata-se de uma pesquisa quantitativa, de caráter transversal. Os dados foram coletados com 377 estudantes de enfermagem de quatro cursos de graduação em enfermagem de diferentes regiões do Brasil, sendo 162 do primeiro ano e 215 do último ano. Coletaram-se os dados por meio de uma ficha de caracterização social e acadêmica e o Teste de Tendência Empreendedora Geral. A análise dos dados foi meio de estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

as pontuações dos alunos iniciantes ficaram abaixo da média em todas dimensões do instrumento. Os alunos concluintes ficaram acima da média do teste na dimensão Impulso e determinação. Identificou-se diferença estatisticamente significativa em relação ao período do curso e a tendência empreendedora nas dimensões: Necessidade de realização (p=0,001) e Impulso e determinação (p=0,000).

Conclusão:

os resultados indicam a importância do investimento das universidades no desenvolvimento de uma cultura empreendedora no ensino superior em enfermagem.

Descritores:
Mercado de Trabalho; Contrato de Risco; Estudantes de Enfermagem; Educação em Enfermagem; Papel do Profissional de Enfermagem; Pesquisa em Administração de Enfermagem


Objective:

to compare the entrepreneurial tendency between beginner and graduating students from undergraduate Nursing courses.

Method:

this is a cross-sectional and quantitative research study. Data was collected from 377 Nursing students from four undergraduate Nursing courses in different Brazilian regions, 162 of them in first year and 215 in last year. Data was collected by means of a social and academic characterization form and the General Entrepreneurial Tendency Test. Data analysis was conducted by means of descriptive and inferential statistics.

Results:

the scores of the beginner students were below the mean in all dimensions of the instrument. The senior year students were above the test mean in the Impulse and determination dimension. A statistically significant difference was identified in relation to the course period and to the entrepreneurial tendency in the following dimensions: Need for achievement (p=0.001) and Impulse and determination (p=0.000).

Conclusion:

the results indicate the importance of investment by universities in the development of an entrepreneurial culture in higher education in Nursing.

Descriptors:
Job Market; Entrepreneurship; Students, Nursing; Education, Nursing; Nurse’s Role; Nursing Administration Research


Objetivo:

comparar la tendencia emprendedora entre estudiantes de primer año y concluyentes de la carrera de Enfermería.

Método:

se trata de una investigación cuantitativa de carácter transversal. Se recolectaron datos con 377 estudiantes de Enfermería de cuatro cursos de grado en Enfermería en diferentes regiones de Brasil, 162 de ellos en primer año y 215 en el último año de la carrera. Los datos se recolectaron por medio de un formulario de caracterización social y académica y por medio de la Prueba de Tendencia Emprendedora General. El análisis de datos se realizó por medio de estadística descriptiva e inferencial.

Resultados:

las puntuaciones de los estudiantes de primer año estuvieron por debajo de la media en todas las dimensiones del instrumento. Los estudiantes concluyentes estuvieron por encima de la media de la prueba en la dimensión Impulso y determinación. Se identificó una diferencia estadísticamente significativa en relación con el período de la carrera y la tendencia emprendedora en las siguientes dimensiones: Necesidad de realización (p=0,001) e Impulso y determinación (p=0,000).

Conclusión:

los resultados indican la importancia de la inversión de las universidades en el desarrollo de una cultura emprendedora en la educación superior en Enfermería.

Descriptores:
Mercado de Trabajo; Acuerdo de Riesgo; Estudiantes de Enfermería; Educación em Enfermería; Rol de la Enfermera; Investigación en Administración de Enfermería


Introdução

O empreendedorismo, de modo geral, é definido como a realização ou introdução de algo novo e diferente do que é feito tradicionalmente, a partir da identificação de oportunidades ou necessidades não atendidas(11 Henrekson M, Sanandaji T. Measuring Entrepreneurship: Do Established Metrics Capture Schumpeterian Entrepreneurship? Entrep Theory Pract. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];44(4):733-60. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1042258719844500
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). Pode ser desenvolvido sob diferentes formas, sendo as três principais: empreendedorismo empresarial, intraempreendedorismo e empreendedorismo social. A primeira tipologia é mais conhecida e consiste na criação de uma empresa ou um negócio que possibilite prática profissional autônoma. No intraempreendedorismo, o empreendedor é motivado pelo crescimento da empresa ou organização com a qual possui vínculo empregatício, enquanto os empreendedores sociais desejam promover mudanças sociais no contexto em que estão inseridos(11 Henrekson M, Sanandaji T. Measuring Entrepreneurship: Do Established Metrics Capture Schumpeterian Entrepreneurship? Entrep Theory Pract. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];44(4):733-60. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1042258719844500
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
-22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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).

Essas três formas de empreendedorismo aplicam-se à Enfermagem. O enfermeiro pode ter uma empresa para atuar diretamente no atendimento a pacientes ou prestação de serviços de consultoria. Também se destaca seu potencial no desenvolvimento de tecnologias e busca por inovações nos processos assistenciais dentro dos serviços de saúde. Além disso, atua como agente de transformação e busca por melhores condições para o cuidado de indivíduos, famílias e coletividades nos sistemas de saúde(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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-33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Nesse sentido, discute-se mundialmente a importância do potencial empreendedor dos enfermeiros na operacionalização de boas práticas de cuidado em saúde, bem como para o desenvolvimento social e econômico. Isso se deve à representatividade numérica dos profissionais de enfermagem como maior força de trabalho da área da saúde e sua presença nos mais diversos cenários de cuidado, podendo contribuir e potencializar a oferta e cobertura universal de assistência à saúde de forma integrada, contínua e interdisciplinar(44 Backes DS, Zamberlan C, Siqueira HCH, Backes MTS, Sousa FGM, Lomba MLLF. Quality nursing education: a complex and multidimensional phenomenon. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];27(3). Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072018000300313&lng=pt&tlng=pt
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-55 All-party Parliamentary Group on Global Health. Triple impact: how developing nursing will improve health, promote gender equality and support economic growth. [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited Apr 25, 2019]. Available from: https://www.who.int/hrh/com-heeg/digital-APPG_triple-impact.pdf?ua=1&ua=1
https://www.who.int/hrh/com-heeg/digital...
).

Para uma atuação empreendedora, são necessárias competências específicas, como, por exemplo: comunicação, liderança, tomada de decisão e capacidade de resolução de problemas(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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-33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
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,66 Backes DS, Forgiarini AR, Silva LD, Souza MHT, Backes MTS, Büscher A. Nursing entrepreneur care in social inequity contexts. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];73(4). Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672020000400164&tlng=en
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). Dessa forma, torna-se importante o desenvolvimento e aprimoramento dessas competências ao longo da formação em Enfermagem, por meio de metodologias e estratégias didáticas inovadoras, e existência de uma gestão universitária capaz de influenciar a formação de um perfil empreendedor. É fundamental instigar no estudante o conhecimento das diversas áreas de prática profissional e como o enfermeiro pode exercer sua autonomia, além de estimular suas características para atuação como futuro empreendedor na profissão. Para o desenvolvimento dessas competências e do empreendedorismo em Enfermagem, devem ser contempladas ao currículo de Enfermagem cursos e práticas que orientam atividades criativas e inovadoras, bem como que contribuam para habilidades de enfrentamento de riscos, situações indefinidas e complicadas(77 Ispir Ö, Elibol E, Sönmez B. The relationship of personality traits and entrepreneurship tendencies with career adaptability of nursing students. Nurse Educ Today. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];79:41-7. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0260691719307063
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).

Diante do contexto de trabalho contemporâneo cada vez mais dinâmico e competitivo, características empreenderas são um diferencial importante para a inserção e desenvolvimento profissional enfermeiro no mercado de trabalho em saúde. Além disso, um comportamento empreendedor representa uma oportunidade para estabelecer novas relações com o contexto social, atuar para garantir a integralidade da assistência, tomar decisões e intervir no processo de trabalho com foco no aprimoramento das práticas de cuidado em saúde e na visibilidade da profissão(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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3 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
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-44 Backes DS, Zamberlan C, Siqueira HCH, Backes MTS, Sousa FGM, Lomba MLLF. Quality nursing education: a complex and multidimensional phenomenon. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];27(3). Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072018000300313&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

No mundo, algumas universidades já adotam a premissa de que uma educação empreendedora pode contribuir para o desenvolvimento social e econômico de um país, a exemplo da Massachusetts Institute of Technology e Stanford University que oferecem cursos relacionados ao empreendedorismo. Nessa perspectiva, a universidade é considerada o local para difusão e aprofundamento desse tema, porque é no processo de formação acadêmica que se constrói o pensamento crítico, a formação de opiniões e a disseminação do saber(33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,88 Brasil Junior. Universidades Empreendedoras. [Internet]. São Paulo: Brasil Junior; 2016 [Acesso 22 jun 2020]. Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/diversos/17112016-Livro-Universidades-Empreendedoras.pdf
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).

Contudo, mesmo se tratando de uma área de conhecimento transversal para muitas profissões, o empreendedorismo é explanado de forma variável e desnivelado entre os cursos de ensino superior no Brasil. Enquanto no curso de Administração, 65% de alunos já fizeram uma disciplina de empreendedorismo, apenas 27% tiveram oportunidade na área de ciências da saúde(88 Brasil Junior. Universidades Empreendedoras. [Internet]. São Paulo: Brasil Junior; 2016 [Acesso 22 jun 2020]. Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/diversos/17112016-Livro-Universidades-Empreendedoras.pdf
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), o que corrobora para a necessidade de sensibilização sobre a temática no contexto da Enfermagem, principalmente no sentido de conhecer como ocorre essa abordagem ao longo da formação do enfermeiro.

É importante ressaltar que há uma lacuna no conhecimento científico relacionado ao empreendedorismo entre estudantes de Enfermagem no Brasil. Busca na Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), utilizando os termos “enfermagem” e “empreendedorismo”, sem recorte temporal, evidenciou 36 artigos. Considerando as publicações a partir de 2010, foram localizados 26 artigos, porém dois estudos estavam duplicados e três eram editoriais, totalizando assim 21 artigos. Desses estudos, dois(99 Backes DS, Grando MK, Gracioli MSA, Pereira AD, Colomé JS, Gehlen MH. Theoretical and practical experience with an innovative approach to nursing education. Esc Anna Nery. [Internet]. 2012 [cited Jun 22, 2020];16(3):597-602. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452012000300024&lng=pt&tlng=pt
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-1010 Lima KFR, Pinheiro AS, Silva PL, Cavalini AFM, Bispo AS, Andrade AC, et al. Nurse entrepreneur profile: contribution of academic training. Rev Enferm UFPE On Line. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];13(4):904-14. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/238347/31767
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) estavam relacionados à formação de graduação em Enfermagem, porém nenhum deles versava sobre a tendência empreendedora de alunos da graduação em Enfermagem.

De forma semelhante, duas revisões de literatura recentes sobre empreendedorismo na Enfermagem(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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,33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
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), que incluíram bases de dados internacionais como Publisher Medline (PubMed), SciVerse Scopus (SCOPUS), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Education Resource Information Center (ERIC), também evidenciaram a carência de estudos sobre empreendedorismo na educação em Enfermagem. Ressalta-se que não foram evidenciados estudos comparando especificamente o empreendedorismo de alunos iniciantes e concluintes do curso de enfermagem na produção científica sobre o tema(33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
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,77 Ispir Ö, Elibol E, Sönmez B. The relationship of personality traits and entrepreneurship tendencies with career adaptability of nursing students. Nurse Educ Today. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];79:41-7. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0260691719307063
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,1111 Ferreira GE, Rozendo CA, Santos RM, Pinto EA, Costa ACS, Porto AR. Características empreendedoras do futuro enfermeiro. Cogitare Enferm. [Internet]. 2013 [Acesso 22 jun 2020];18(4):688-94. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/34921/21675
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). Assim, justifica-se a pertinência e contribuição da realização deste estudo para a comunidade científica nacional e internacional.

A partir do panorama exposto e considerando a abordagem do empreendedorismo ao longo da formação do enfermeiro como objeto de estudo, definiu-se a seguinte questão norteadora da pesquisa: Há diferença entre a tendência empreendedora de alunos que estão iniciando e concluindo o curso de graduação em enfermagem?

Desse modo, este estudo teve como objetivo comparar a tendência empreendedora de alunos iniciantes e concluintes do curso de graduação em Enfermagem.

Método

Trata-se de um estudo transversal e quantitativo, desenvolvido a partir de uma pesquisa multicêntrica entre quatro Instituições de Ensino Superior Públicas de diferentes regiões no Brasil: Sudeste (Rio de Janeiro), Sul (Santa Catarina), Centro-oeste (Mato Grosso do Sul) e Nordeste (Bahia). A definição das instituições foi intencional, a fim de considerar a diversidade regional e o vínculo profissional dos pesquisadores.

Os cenários da pesquisa foram os quatro cursos de graduação em Enfermagem das universidades participantes do estudo. A amostragem foi não probabilística, pois previu a aplicação dos instrumentos para a população total do estudo. Os critérios de inclusão utilizados foram: estar regularmente matriculado no curso de Enfermagem e cursando o primeiro ou último período do curso. O critério de exclusão foi: participantes com trancamento de matrícula ativo no momento de coleta de dados. Desse modo, o total de participantes da pesquisa foi 377 estudantes de Enfermagem, sendo 162 (43%) do primeiro ano e 215 (57%) do último ano.

A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2018. Os alunos foram abordados nos intervalos dos horários de aulas nos campi das universidades. Foi aplicado um instrumento com três partes. A primeira continha questões sobre aspectos sociodemográficos e acadêmicos para caracterização da amostra (idade, sexo, estado civil, curso técnico de Enfermagem, participação em grupo de pesquisa ou extensão, bolsa de pesquisa, bolsa de extensão e atividade remunerada).

A segunda parte do instrumento avaliou a percepção dos estudantes quanto à relação entre empreendedorismo e Enfermagem, por meio de três assertivas: 1) O empreendedorismo aplica-se à Enfermagem; 2) O conteúdo de empreendedorismo é importante na formação do enfermeiro; e, 3) O empreendedorismo é abordado durante o curso de graduação em Enfermagem. Para cada uma, o respondente deveria indicar a sua concordância por meio de uma escala de zero a 10. Quanto maior o valor indicado, maior a concordância.

Na terceira parte do questionário, havia o “Teste de Tendência Empreendedora Geral” (TEG)(1212 Caird S. Testing Enterprising Tendency In Occupational Groups. Br J Manag. 1991;2(4):177-86. doi: 10.1111/j.1467-8551.1991.tb00025.x
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), que divide as características empreendedoras em cinco dimensões: Necessidade de Sucesso, Necessidade de Autonomia/Independência, Tendência Criativa, Propensão a Riscos Calculados e Impulso e Determinação. Essa escala foi desenvolvida por Dr. Sally Caird na Durham University Business School em 1990, possui foco comportamentalista e apresenta crescente utilização em pesquisas brasileiras(1313 Anunciação L, Silva SR, Almeida Santos F, Landeira-Fernandez J. Redução da Escala Tendência Empreendedora Geral (TEG-FIT) a partir do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) e Teoria da Resposta ao Item (TRI). Rev Eletrônica Ciênc Adm. [Internet]. 2018 [Acesso 22 jun 2020];17(2):192-207. Disponível em: http://www.periodicosibepes.org.br/index.php/recadm/article/view/2512
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), inclusive na área da Enfermagem(33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
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,1111 Ferreira GE, Rozendo CA, Santos RM, Pinto EA, Costa ACS, Porto AR. Características empreendedoras do futuro enfermeiro. Cogitare Enferm. [Internet]. 2013 [Acesso 22 jun 2020];18(4):688-94. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/34921/21675
https://revistas.ufpr.br/cogitare/articl...
,1414 Roncon PF, Munhoz S. Do nursing students have entrepreuner profile? Rev Bras Enferm. [Internet]. 2009 [cited Jun 22, 2020];62(5):695-700. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000500007&lng=pt&tlng=pt
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).

O teste é composto de 54 assertivas, para as quais o respondente deve marcar “concordo” ou “desacordo”. Nas questões ímpares, soma-se um ponto para cada desacordo assinalado; nas perguntas pares, soma-se um ponto para a concordância indicada. Assim, soma-se a pontuação de cada pergunta e tem-se a somatória final de cada dimensão. Para a dimensão Necessidade de Realização, a pontuação máxima do TEG é 12 e pontuação média é 9. Na dimensão Necessidade de Autonomia/Independência, a pontuação máxima é 6 e a média é 4. Para as demais dimensões, a pontuação máxima é 12 e a média é 8. Portanto, a tendência empreendedora aumenta quanto maior a pontuação média em cada dimensão(1212 Caird S. Testing Enterprising Tendency In Occupational Groups. Br J Manag. 1991;2(4):177-86. doi: 10.1111/j.1467-8551.1991.tb00025.x
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).

Para análise dos dados, foi aplicado o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, o qual mostrou que os dados seguiam uma distribuição normal. Utilizaram-se testes estatísticos descritivos e de frequência relativa e absoluta. Na análise inferencial, foi aplicado o Teste t de Student para amostras independentes. O nível de significância utilizado como parâmetro foi o de 5%. Foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 19.0.

O estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa, sob o número CAEE 66306117.9.2008.5238. Todas as recomendações nacionais e internacionais para a pesquisa com seres humanos foram seguidas.

Resultados

Participaram do estudo 377 estudantes de Enfermagem, sendo 162 (43%) do primeiro ano e 215 (57%) do último ano. A média de idade dos estudantes foi 22,5 (±5,2) anos. A caracterização sociodemográfica dos participantes do estudo está na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica dos estudantes de Enfermagem. Florianópolis, SC, Brasil, 2018

Na Tabela 2, apresentam-se as atividades acadêmico-profissionais desenvolvidas pelos estudantes de Enfermagem. Os alunos concluintes têm maior participação em grupos de pesquisa ou extensão e demonstraram maior engajamento na atuação como bolsistas e no desempenho de atividades profissionais remuneradas.

Tabela 2
Atividades acadêmico-profissionais dos estudantes de Enfermagem. Florianópolis, SC, Brasil, 2018

Quanto à relação entre empreendedorismo e Enfermagem, as médias obtidas indicam que os estudantes consideram que esse tema é aplicável e importante para a profissão e formação do enfermeiro. Porém, predomina a visão de que ele é pouco abordado na graduação em Enfermagem, principalmente entre os alunos concluintes (Tabela 3).

Tabela 3
Relação entre empreendedorismo e Enfermagem. Florianópolis, SC, Brasil, 2018

A Tabela 4 apresenta o comportamento dos estudantes de Enfermagem em relação às cinco tendências empreendedoras. As pontuações dos alunos iniciantes ficaram abaixo da média em todas dimensões. Os alunos concluintes ficaram acima da média do teste na dimensão Impulso e Determinação, que é de 8 pontos. Identificou-se diferença estatisticamente significativa em relação ao período do curso e a tendência empreendedora nas dimensões: Necessidade de Realização (p=0,001) e Impulso e Determinação (p=0,000). Os alunos iniciantes obtiveram médias maiores do que os alunos concluintes nas outras quatro dimensões do instrumento.

Tabela 4
Tendência empreendedora dos alunos iniciantes e concluintes. Florianópolis, SC, Brasil, 2018

Discussão

A caracterização sociodemográfica dos participantes deste estudo assemelha-se ao perfil de estudantes da área da saúde de outras universidades federais no Brasil, em que predominam jovens do sexo feminino, na faixa etária entre 18 e 24 anos e solteiros(1414 Roncon PF, Munhoz S. Do nursing students have entrepreuner profile? Rev Bras Enferm. [Internet]. 2009 [cited Jun 22, 2020];62(5):695-700. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000500007&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-1515 Bresolin JZ, Dalmolin GL, Vasconcellos SJL, Barlem ELD, Andolhe R, Magnago TSBS. Depressive symptoms among healthcare undergraduate students. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];28. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692020000100313&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Além disso, o perfil predominantemente feminino dos participantes retrata uma característica histórica da profissão de Enfermagem no Brasil e no mundo, que vem se perpetuando ao longo do tempo(1616 Machado MH, Aguiar Filho W, Lacerda WF, Oliveira E, Lemos W, Wermelinger M, et al. Características gerais da Enfermagem: o perfil sócio demográfico. Enferm Em Foco. [Internet]. 2016 [Acesso 22 jun 2020];7(Esp):9. Disponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/686
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
).

Em relação às atividades acadêmico-profissionais, destacou-se o envolvimento dos estudantes de Enfermagem em atividades de pesquisa e extensão, principalmente dos alunos na reta final do curso. Tal resultado já era esperado, pois a maioria dos alunos nos estágios iniciais do curso ainda não teve a oportunidade de entrar em contato com essas atividades. Além disso, esse achado reforça o destaque das universidades públicas como principais instituições responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisa e extensão no país, bem como o incentivo ao engajamento dos estudantes em ações dessa natureza.

Quanto à relação vislumbrada pelos estudantes entre empreendedorismo e Enfermagem, identificou-se que a percepção da abordagem do tema ao longo da formação é menor do que a importância que eles atribuem ao conteúdo para a prática do enfermeiro. Assim, os resultados sugerem que o ensino de empreendedorismo não é conteúdo abordado amplamente na grade curricular da graduação em Enfermagem das universidades analisadas. Porém, esse não é apenas um problema brasileiro. Nos Estados Unidos, a maioria dos cursos de graduação em Enfermagem não ensina conceitos de comportamento inovador e empreendedorismo, apesar das recomendações de organizações multidisciplinares e de Enfermagem que apoiam a necessidade da atuação dos enfermeiros como agentes inovadores e promotores de mudança(1717 Cusson RM, Meehan C, Bourgault A, Kelley T. Educating the next generation of nurses to be innovators and change agents. J Prof Nurs. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];36(2):13-9. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722319301176
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).

A partir dos resultados do TEG, identificou-se que os alunos iniciantes obtiveram pontuações abaixo da média nas cinco dimensões do teste. Os alunos concluintes ficaram acima da média em apenas uma das dimensões do instrumento: Impulso e Determinação.

Esse resultado pode ser explicado pela falta de ensino formal sobre empreendedorismo ao longo do curso de graduação, a fim de desenvolver habilidades e competências específicas para um perfil empreendedor(1717 Cusson RM, Meehan C, Bourgault A, Kelley T. Educating the next generation of nurses to be innovators and change agents. J Prof Nurs. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];36(2):13-9. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722319301176
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-1818 Valente GSC, Silva ACP, Valente GLC. Entrepreneurship as a tool for the nurse´s work. Rev Enferm UFPE On Line. 2017;11(4):1595-602. doi: 10.5205/reuol.9763-85423-1-SM.1104201701
https://doi.org/10.5205/reuol.9763-85423...
). Além disso, o conhecimento sobre o tema ainda é embrionário no País, o que dificulta a disseminação da cultura empreendedora no meio universitário(1919 Broome ME, Bowersox D, Relf M. A new funding model for nursing education through business development initiatives. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(2):97-102. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722317302314
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-2020 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG, Lanzoni GMM, Andrade SR. Entrepreneurship in the public university management of nursing: obstacles and strategies. Rev Rede Enferm Nordeste. [Internet]. 2017 [cited Jun 22, 2020];18(5):577. Available from: http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/30795/71469
http://periodicos.ufc.br/rene/article/vi...
).

A disseminação de cultura empreendedora no meio acadêmico requer discussões sobre as competências dos docentes na área da saúde. Resultados de uma revisão sistemática indicam que liderança e empreendedorismo são competências avaliadas como de conhecimento mediano pelos próprios docentes da área(2121 Mikkonen K, Ojala T, Sjögren T, Piirainen A, Koskinen C, Koskinen M, et al. Competence areas of health science teachers - A systematic review of quantitative studies. Nurse Educ Today. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];70:77-86. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0260691718304192
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). A existência de um corpo docente com o espírito empreendedor e que reconheça a necessidade de educar os estudantes de Enfermagem sobre inovação é necessária para apoiar iniciativas de educação, pesquisa e desenvolvimento profissional(1717 Cusson RM, Meehan C, Bourgault A, Kelley T. Educating the next generation of nurses to be innovators and change agents. J Prof Nurs. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];36(2):13-9. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722319301176
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,1919 Broome ME, Bowersox D, Relf M. A new funding model for nursing education through business development initiatives. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(2):97-102. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722317302314
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).

As instituições formadoras precisam incorporar a perspectiva de que o empreendedorismo na Enfermagem possibilita diferentes perspectivas de atuação, que foge dos padrões tradicionais de trabalho, oportunizando o desenvolvimento individual e econômico por meio da criação de novas maneiras de atuar no mercado de trabalho(2222 Colichi RMB, Lima SGS, Bonini ABB, Lima SAM. Entrepreneurship and Nursing: integrative review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):321-30. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700321&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-2323 Richter SA, Santos EP, Kaiser DE, Capellari C, Ferreira GE. Being an entrepreneur in nursing: challenges to nurses in a strategic leadership position. Acta Paul Enferm [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];32(1):46-52. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002019000100046&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Nessa mesma linha de pensamento, estudo australiano destaca também a importância do apoio de órgãos de classe na definição de políticas específicas para o desenvolvimento do empreendedorismo na prática da Enfermagem(2424 Hains T, Turner C, Strand H. Complexities of the Australian perioperative nurse entrepreneur. Aust J Adv Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];36(1):48-55. Available from: https://researchers.cdu.edu.au/en/publications/complexities-of-the-australian-perioperative-nurse-entrepreneur
https://researchers.cdu.edu.au/en/public...
).

No Brasil, estudos utilizando a TEG na Enfermagem foram realizados anteriormente e também evidenciaram que estudantes e enfermeiros apresentavam baixa tendência empreendedora(1414 Roncon PF, Munhoz S. Do nursing students have entrepreuner profile? Rev Bras Enferm. [Internet]. 2009 [cited Jun 22, 2020];62(5):695-700. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000500007&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,1818 Valente GSC, Silva ACP, Valente GLC. Entrepreneurship as a tool for the nurse´s work. Rev Enferm UFPE On Line. 2017;11(4):1595-602. doi: 10.5205/reuol.9763-85423-1-SM.1104201701
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,2525 Carvalho DP, Vaghetti HH, Dias JS, Rocha LP. Entrepreneurial characteristics of nurses: a study in southern Brazil. Rev Baiana Enferm?. [Internet]. 2016 [cited Jun 22, 2020];30(4). Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/16803
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
). Os profissionais da Enfermagem têm sido amplamente absorvidos pelos serviços hospitalares, principalmente pelo Sistema Único de Saúde (modelo adotado no Brasil) e serviços privados, o que pode levar os enfermeiros a procurarem trabalho na condição de empregados, principalmente em países como o Brasil, de economia ainda instável(2626 Colichi RMB, Lima SAM. Entrepreneurship in Nursing compared to other health professions. Rev Eletrônica Enferm. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];20:1-11. Available from: https://www.revistas.ufg.br/fen/article/view/49358
https://www.revistas.ufg.br/fen/article/...
).

Outro aspecto a ser pontuado é o tabu que esse tema representa à profissão. Historicamente, a Enfermagem é vista como um trabalho feminino associado à caridade e doação, com potencial limitado para ser remunerado e ofertado livremente por meio do empreendedorismo. Ademais, a grande maioria dos enfermeiros atua como profissional assalariado, sendo incomum e, muitas vezes, considerada antiética a troca monetária entre profissionais e pacientes(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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).

Apesar dos resultados gerais da tendência empreendedora dos estudantes serem baixos, é importante destacar que os alunos concluintes apresentaram médias com diferença estatisticamente significativa nas dimensões: Necessidade de Realização e Impulso e Determinação. Uma pontuação alta nesses itens pode indicar que os futuros enfermeiros, à medida que se aproximam da inserção no mercado de trabalho, estão mais atentos na busca de oportunidades ou de criá-las, com autoconfiança e determinação em suas atitudes e saberes para realizar os seus sonhos e objetivos profissionais(2727 Costa FG, Vaghetti HH, Martinello DFG, Mendes DP, Terra AC, Alvarez SQ, et al. Enterprising tendencies of nurses in a university hospital. Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2013 [cited Jun 22, 2020];34(3):147-54. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472013000300019&lng=pt&tlng=pt
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).

Em contrapartida, alunos no período inicial do curso não possuem ainda maior clareza do papel do enfermeiro e das possibilidades do campo de atuação, o que pode explicar os achados do estudo. O empreendedorismo associa-se a um sentimento de busca para encontrar no mundo e trazer novos significados à vida, capaz de promover o reconhecimento e o avanço profissional(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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,2727 Costa FG, Vaghetti HH, Martinello DFG, Mendes DP, Terra AC, Alvarez SQ, et al. Enterprising tendencies of nurses in a university hospital. Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2013 [cited Jun 22, 2020];34(3):147-54. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472013000300019&lng=pt&tlng=pt
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). Tal sentimento pode se intensificar ao longo do processo formativo.

O enfermeiro possui uma formação humanística e pautada na ética, o que permite olhar para todas as dimensões que compõem o ser humano, sempre pensando na integralidade e qualidade da assistência. Nesse sentido, o empreendedorismo social destaca-se na Enfermagem e colabora para formação de profissionais agentes de mudanças significativamente positivas para pacientes e famílias(2222 Colichi RMB, Lima SGS, Bonini ABB, Lima SAM. Entrepreneurship and Nursing: integrative review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):321-30. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700321&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Os enfermeiros sabem o que é preciso desenvolver em suas comunidades, quais serviços são necessários ou como podem ser prestados com mais eficácia, para atingirem diferentes metas e objetivos de saúde(55 All-party Parliamentary Group on Global Health. Triple impact: how developing nursing will improve health, promote gender equality and support economic growth. [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited Apr 25, 2019]. Available from: https://www.who.int/hrh/com-heeg/digital-APPG_triple-impact.pdf?ua=1&ua=1
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).

Para além do empreendedorismo social, também há o empreendedorismo empresarial e intraempreendedorismo na Enfermagem(22 Arnaert A, Mills J, Bruno FS, Ponzoni N. The educational gaps of nurses in entrepreneurial roles: An integrative review. J Prof Nurs. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];34(6):494-501. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722318300334
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,33 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];72(suppl 1):289-98. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672019000700289&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,2828 Machado MH, De Oliveira E, Lemos W, De Lacerda WF, Aguiar Filho W, Wermelinger M, et al. Mercado de trabalho da Enfermagem: aspectos gerais. Enferm Em Foco. [Internet]. 2016 [Acesso 22 jun 2020];7(Esp):35. Disponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/691
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
). Assim, pode-se considerar que o empreendedorismo não é apenas uma competência importante para enfermeiros que buscam uma prática autônoma, mas também uma característica diferenciadora do profissional para atuação nos serviços de saúde.

Como estratégia para estimular o empreendedorismo na graduação em Enfermagem, pode-se citar as Empresas Júniores (EJs). Trata-se de associações sem fins lucrativos de cunho educacional, formadas e geridas unicamente por alunos da graduação, que prestam serviços sob orientação de professores. Em sua estrutura, elas são idênticas às empresas reais, com princípios de governança corporativa e regulamentação própria. Por terem finalidade educacional, são conhecidas por serviços de qualidade, mas com preços mais baixos(2929 Spagnof CA, Bastos JM. Empresa Júnior: espaço criativo e empreendedor de ensino-aprendizagem na Enfermagem. Enferm Em Foco. [Internet]. 2015 [Acesso 22 jun 2020];4(3/4):164-6. Disponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/541
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-3030 Aveni A, Del Fiaco RM, De Gois TC. Empresas Junior: suas características com base as pesquisas nacionais da Brasil Júnior e em Brasília no Distrito Federal. Universitas Gestão TI. [Internet]. 2016 [Acesso 22 jun 2020];6(1). Disponível em: http://www.publicacoes.uniceub.br/index.php/gti/article/view/3902
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).

O objetivo central das EJs é a consolidação e o reforço do aprendizado, ao mesmo tempo em que contribuem com organizações públicas e privadas. Além do trabalho em equipe, os alunos desenvolvem outros atributos, como: liderança, comunicação, negociação e desenvolvimento de produtos e projetos(3030 Aveni A, Del Fiaco RM, De Gois TC. Empresas Junior: suas características com base as pesquisas nacionais da Brasil Júnior e em Brasília no Distrito Federal. Universitas Gestão TI. [Internet]. 2016 [Acesso 22 jun 2020];6(1). Disponível em: http://www.publicacoes.uniceub.br/index.php/gti/article/view/3902
http://www.publicacoes.uniceub.br/index....
). No Brasil, há cerca de 900 Empresas Juniores e 22 mil empresários juniores, que realizam aproximadamente 17 mil projetos por ano. Porém, há apenas três EJs federadas da área da Enfermagem(3131 Confederação Brasileira de Empresas Juniores. Censo & Identidade: relatório 2018. [Internet]. Brasil Júnior; 2018 [Acesso 18 dez 2019]. Disponível em: https://static.brasiljunior.org.br/static-files/[BRASIL_JÚNIOR]_Censo_e_Identidade_2018.pdf
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).

Em uma Empresa Junior de Enfermagem, os alunos de graduação, sob a supervisão de professores, podem aplicar seus conhecimentos no desenvolvimento de projetos para organizações públicas ou privadas como escolas, creches, hospitais e na comunidade de modo geral, contribuindo com a realização de um cuidado seguro à população e para o aperfeiçoamento da educação permanente dos profissionais da saúde e enfermagem(2929 Spagnof CA, Bastos JM. Empresa Júnior: espaço criativo e empreendedor de ensino-aprendizagem na Enfermagem. Enferm Em Foco. [Internet]. 2015 [Acesso 22 jun 2020];4(3/4):164-6. Disponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/541
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
).

Internacionalmente, outras estratégias e metodologias de aprendizagem têm sido incorporadas na formação em Enfermagem para o aprimoramento do empreendedorismo. Modelo de educação empreendedora na Enfermagem desenvolvido na Coreia do Sul sugere a inclusão de conteúdos teóricos e práticos sobre empreendedorismo na grade curricular do curso de Enfermagem, realização de palestras com enfermeiros empreendedores e desenvolvimento de programas de estágio vinculados a clínicas e/ou profissionais com prática autônoma. Pontua também a importância de cursos complementares de curta duração sobre contabilidade financeira, marketing, liderança, cultura organizacional e desenvolvimento de startups(3232 Kim YJ, Lim JY. Factors Influencing Entrepreneurial Intention of Nursing Students Based on Theory of Planned Behavior. J Korean Acad Nurs Adm. [Internet]. 2019 [cited Jun 22, 2020];25(3):175. Available from: https://jkana.or.kr/DOIx.php?id=10.11111/jkana.2019.25.3.175
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).

Na Irlanda, pesquisadores também destacam o potencial de jogos e simulações para o desenvolvimento de habilidades empreendedoras, tais como tomada de decisão, gestão de riscos, solução de problemas, comunicação e trabalho em equipe. Essas estratégias permitem um ambiente de aprendizado inovador e contextualizado aos estudantes, a partir da criação de cenários e situações do mundo real(3333 Costin Y, O'Brien MP, Slattery DM. Using Simulation to Develop Entrepreneurial Skills and Mind-Set: An Exploratory Case Study. Int J Teach Learn High Educ. [Internet]. 2018 [cited Jun 22, 2020];30(1):136-45. Available from: http://hdl.handle.net/10344/6660
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).

O desenvolvimento de projetos de extensão universitária é uma alternativa para o aprendizado do cuidado de Enfermagem como prática socialmente empreendedora. Como exemplo, pode-se destacar projeto desenvolvido por docentes e estudantes de Enfermagem brasileiros em uma Associação de Materiais Recicláveis, a partir de intervenções de cuidado que envolvem rodas de conversa, oficinas de educação em saúde e confraternizações em datas especiais. A inserção da universidade na comunidade constitui-se em uma estratégia empreendedora e propositora de mudanças de forma criativa e com participação ativa dos trabalhadores para o alcance mais efetivo e resolutivo das questões de saúde e bem-estar(66 Backes DS, Forgiarini AR, Silva LD, Souza MHT, Backes MTS, Büscher A. Nursing entrepreneur care in social inequity contexts. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];73(4). Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672020000400164&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Outra experiência exitosa é o Programa de Inovação em Cuidados de Saúde desenvolvido nos Estados Unidos. O objetivo desse programa é desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes de futuros enfermeiros para identificar problemas, formar ideias criativas escaláveis e, posteriormente, desenvolver essas inovações para atender às necessidades de cuidados de saúde de pacientes, famílias e comunidades. Para isso, a principal estratégia utilizada é o desenvolvimento de um plano de negócio ou inovação, em que o aluno deve descrever a necessidade clínica da inovação, o mercado-alvo, usuários finais e/ou compradores da inovação, concorrência no mercado e estratégia de implementação(1717 Cusson RM, Meehan C, Bourgault A, Kelley T. Educating the next generation of nurses to be innovators and change agents. J Prof Nurs. [Internet]. 2020 [cited Jun 22, 2020];36(2):13-9. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S8755722319301176
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).

Os resultados desta pesquisa contribuem para a identificação da tendência empreendedora de estudantes de Enfermagem ao longo do curso de graduação, por meio de um estudo multicêntrico. Nesse sentido, pontua-se a necessidade do investimento na formação empreendedora do enfermeiro para o atendimento às demandas sociais e de cuidado em saúde, bem como para a busca de inovações e tecnologias diante das transformações do mercado de trabalho no contexto contemporâneo. Espera-se que os achados apresentados possam contribuir com a prática de docentes e gestores universitários, fomentando discussões sobre mudanças curriculares e estratégias visando ao desenvolvimento de competências para o empreendedorismo na Enfermagem.

Esta pesquisa apresenta algumas limitações. Uma delas foi a opção por uma amostragem de conveniência, que foi considerada a melhor estratégia para a otimização da coleta de dados nos diferentes cenários do estudo. Outra limitação refere-se ao delineamento transversal, no qual a causalidade reversa não pode ser descartada. Além disso, não foram consideradas eventuais diferenças na forma como o tema empreendedorismo é abordado nos diferentes cursos de Enfermagem em que os dados foram coletados. Tais fragilidades indicam possibilidades a serem exploradas em futuros estudos visando ao aprofundamento da temática investigada.

Conclusão

Os alunos iniciantes e concluintes do curso de graduação em Enfermagem apresentaram baixa tendência empreendedora. Porém, os concluintes ficaram acima da média na dimensão Impulso e Determinação. O estudo também evidenciou que há uma dissonância na percepção dos estudantes entre a importância do empreendedorismo na Enfermagem e sua abordagem como um conteúdo ao longo da formação universitária. Portanto, pontua-se a importância do investimento das universidades no desenvolvimento de uma cultura empreendedora no ensino superior em Enfermagem.

  • *
    A publicação deste artigo na Série Temática “Recursos Humanos em Saúde e Enfermagem: Formação e Atuação nas Américas” se insere na atividade 2.2 do Termo de Referência 2 do Plano de Trabalho do Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil. Apoio Financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 424869/2018-7, Brasil.

References

Editado por

Editora Associada: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Aceito
    28 Jul 2020
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