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Qualidade de vida, características clínicas e adesão ao tratamento de pessoas vivendo com HIV/AIDS1 1 Artigo extraído da tese de doutorado "Qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/aids e sua associação com aspectos sociodemográficos, clínicos, psicoemocionais e adesão ao tratamento", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Resumos

OBJETIVOS:

avaliar a qualidade de vida das pessoas vivendo com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida e suas associações com características clínicas e adesão ao tratamento.

MÉTODO:

estudo transversal, realizado em um hospital do Estado da Paraíba. Utilizou-se questionário para caracterização sociodemográfica e clínica, escala de qualidade de vida (proposta pela Organização Mundial da Saúde) e escala de adesão ao tratamento (Questionário para Avaliação da Adesão ao Tratamento Antirretroviral).

RESULTADOS:

dos 314 entrevistados, 190 (60,5%) eram do sexo masculino, idade média de 43 anos, 121(38,5%) contavam com até cinco anos de estudo, 108 (34,4%) recebiam até dois salários-mínimos e 112 (35,7%) estavam afastados das atividades laborais. Quanto às variáveis clínicas, identificou-se que os indivíduos com carga viral indetectável apresentaram maiores escores em todos os domínios de qualidade de vida, com diferença estatisticamente significante em três domínios. Sobre a adesão ao tratamento, 235 (73,8%) apresentaram adesão insuficiente, os que apresentaram adesão estrita obtiveram melhores escores de qualidade de vida. Os resultados mostraram que a qualidade de vida é melhor para os aderentes ao tratamento antirretroviral. Apoiar as pessoas em tratamento para melhorar a adesão aos antirretrovirais deve ser tarefa constante dos profissionais de saúde e de outras pessoas que participam do tratamento, como familiares e amigos.

HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Qualidade de Vida; Adesão à Medicação


OBJECTIVES:

to assess the quality of life of people living with HIV/AIDS and verify its association with clinical characteristics and treatment adherence.

METHOD:

cross-sectional study conducted in a hospital in the state of Paraíba, Brazil. A questionnaire was used to collect socio-demographic and clinical data. The quality of life scale proposed by the World Health Organization and a questionnaire to measure treatment adherence were used.

RESULTS:

of the 314 interviewees, 190 (60.5%) were male, aged 43 years on average, 121 (38.5%) had attended up to five years of schooling, 108 (34.4%) received up to two times the minimum wage, and 112 (35.7%) were on sick leave. In regard to clinical variables, individuals with an undetectable viral load scored higher in all the domains concerning quality of life, with statistically significant differences in three domains. Regarding treatment adherence, 235 (73.8%) presented poor adherence and those who strictly adhered to treatment obtained better scores in quality of life. The results show that quality of life is better among individuals adherent to ART. Supporting people to adhere to the antiretroviral treatment should be a persistent task of healthcare workers and other people participating in the treatment, such as family members and friends.

VHI; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Quality of Life; Medication Adherence


OBJETIVOS:

evaluar la calidad de vida de las personas viviendo con VIH/Sida y sus asociaciones con características clínicas y adhesión al tratamiento.

MÉTODO:

estudio transversal, realizado en un hospital del estado de Paraíba. Se utilizó un cuestionario para caracterización sociodemográfica y clínica, la Escala de Calidad de Vida (propuesta por la Organización Mundial de la Salud) y la Escala de Adhesión al Tratamiento (Cuestionario para Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antirretroviral).

RESULTADOS:

de los 314 entrevistados, 190 (60,5%) eran del sexo masculino, edad promedio de 43 años, 121(38,5%) contaban con hasta cinco años de estudio, 108 (34,4%) recibían hasta dos salarios mínimos y 112 (35,7%) no realizaban actividades laborales. En cuanto a las variables clínicas, se identificó que los individuos con carga viral indetectable presentaron mayores puntajes en todos los dominios de calidad de vida, con diferencia estadísticamente significativa en tres dominios. Sobre la adhesión al tratamiento, 235 (73,8%) presentaron adhesión insuficiente, los que presentaron adhesión estricta obtuvieron mejores puntajes de calidad de vida. Los resultados mostraron que la calidad de vida es mejor para los adherentes a la TARV. Apoyar a personas en tratamiento para mejorar la adhesión a los antirretrovirales debe ser una tarea constante de los profesionales de la salud y de otras personas que participan del tratamiento, como familiares y amigos.

HIV; Sindrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Calidad de Vida; Cumplimiento de la Medicación


Introdução

O impacto da Terapia Antirretroviral (TARV), em pessoas vivendo com o Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS), contribuiu para a diminuição da mortalidade ou para doenças definidoras de HIV/AIDS em pacientes infectados ou doentes( 11. Brito AM, Szwarcwald CL, Castilho EA. Fatores associados à interrupção de tratamento antirretroviral em adultos com AIDS. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(2):86-92. ). O número de mortes relacionadas à AIDS entre adultos e crianças diminuiu 29% desde 2005. Na América Latina, na última década, observou-se diminuição de 37% de mortes por AIDS( 22. UNAIDS. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Global Report. AIDS by the numbers. Geneva: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; 2013. [acesso 2 set 2014]. Disponível em: http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/documents/unaidspublication/2013/JC2571_AIDS_by_the_numbers_en.pdf
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). Isso, certamente, é resultado dos aportes terapêuticos que, além de prolongar a vida, promovem alteração na sua qualidade( 33. UNAIDS. Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. AIDS. Epidemic update. Geneva, UNAIDS; 2012. [acesso 5 out 2013]. Disponível em: http://www.unAids.org/hivdata2009.
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).

A adesão ao tratamento, as alterações psicológicas e as características clínicas são fatores que estão diretamente associados à Qualidade de Vida (QV) das pessoas vivendo com HIV/AIDS. Consequentemente, têm-se buscado não somente métodos de prevenção e controle, mas estratégias para facilitar e melhorar a qualidade de vida das pessoas infectadas ou doentes. Enfrentar o HIV/AIDS significa deparar-se com situações que poderão diminuir ou limitar a qualidade de vida( 11. Brito AM, Szwarcwald CL, Castilho EA. Fatores associados à interrupção de tratamento antirretroviral em adultos com AIDS. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(2):86-92. ).

Condições de saúde, habitabilidade, emprego, segurança e relações sociais são fatores que, sob diferentes aspectos, afetam a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS. É um dos termos com maior expressão multifatorial, o que justifica as suas várias definições. Nesse estudo, optou-se por adotar a definição de qualidade de vida proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS), definida como a "percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de culturas e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"( 33. UNAIDS. Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. AIDS. Epidemic update. Geneva, UNAIDS; 2012. [acesso 5 out 2013]. Disponível em: http://www.unAids.org/hivdata2009.
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- 44. WHO - World Realth Organization. Contry protocol for developing the who quality of life (WHOQOL): HIV/Aids module. Genebra; 1997. ).

Nesse contexto, a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS e sua relação com a TARV tornou-se motivo de investigação. Muitos estudos buscam avaliar a QV dessas pessoas; porém, estudos que tratam da relação da QV e da TARV são escassos. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade das pessoas vivendo com HIV/AIDS e sua associação com fatores clínicos e adesão à terapia antirretroviral.

Método

Trata-se de estudo analítico, transversal, realizado em hospital de referência para doenças infecciosas do Estado da Paraíba, Brasil, localizado na cidade de João Pessoa.

A amostra do estudo foi composta por 314 pessoas vivendo com HIV/AIDS, obtida por conveniência, a partir de critério viável em dias de atendimento no hospital de referência. Os critérios de seleção foram: viver com o HIV/AIDS, estar em TARV há pelo menos três meses e possuir residência fixa no Estado da Paraíba, uma vez que o referido hospital recebe para tratamento e acompanhamento pacientes de outros Estados. Os dados foram coletados num período de quatro meses (dezembro de 2012 a março de 2013) por auxiliares da pesquisa que foram devidamente capacitados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba, Protocolo nº0405/12. É importante ressaltar que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para a coleta de informações sociodemográficas e clínicas foi utilizado um questionário semiestruturado. Para avaliação da qualidade de vida, utilizou-se o WHOQOL-HIV Bref( 55. Zimpel RR, Fleck MPA. Quality of life in HIV-positive Brazilians: application and validation of the WHOQOL-HIV, Brazilian version. AIDS Care. 2007;19(7):223-30. ), constituído por 31 itens, divididos em seis domínios: físico, psicológico, relações sociais, meio ambiente, nível de independência e religiosidade( 44. WHO - World Realth Organization. Contry protocol for developing the who quality of life (WHOQOL): HIV/Aids module. Genebra; 1997. ).

Para a coleta de dados relacionados à adesão à TARV, utilizou-se o CEAT-VIH (Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antirretroviral en Personas com Infección por VIH y Sida), constituído por 20 itens considerados em duas dimensões: cumprimento do tratamento e fatores de adesão ao tratamento( 66. Remor E. Systematic Review of the Psychometric Properties of the Questionnaire to Evaluate the Adherence to HIV Therapy (CEAT-VIH). Patient. 2013;6:61-73. ). A pontuação mínima possível é 17 e a máxima, 89. Neste estudo, o valor mínimo possível foi igual a 52, e o valor máximo possível foi de 88. De acordo com a análise proposta por Remor( 66. Remor E. Systematic Review of the Psychometric Properties of the Questionnaire to Evaluate the Adherence to HIV Therapy (CEAT-VIH). Patient. 2013;6:61-73. ), estabeleceram-se os Percentuais (PC) para a pontuação global do questionário na amostra: PC ≥ 85 indica adesão estrita (boa), 50 ≤ PC <85 indica adesão insuficiente (dificuldade com o comprimento), PC ≤ 49 indica adesão insuficiente (não adesão). Foi utilizada a sintaxe para calcular os escores de cada item do WHOQOL HIV Bref. A consistência interna para os domínios do instrumento foi calculada conforme o coeficiente de fidedignidade de Cronbach.

Resultados

Participaram do estudo 314 pessoas vivendo com HIV/AIDS, sendo 190 (60,5%) homens e 124 (39,5%) mulheres, com idade média de 43 anos, variando entre a idade mínima de 21 e a máxima de 70 anos. A maioria dos entrevistados 110 (35,0%) encontrava-se na faixa etária dos 30 aos 39 anos. Quanto à escolaridade, verificou-se que 193 (61,4%) dos pesquisados têm, no máximo, dez anos de estudos, com predomínio de indivíduos com escolaridade de um a cinco anos, 121 (38,5%). A maioria das pessoas declarou ser de religião católica 190 (60,5%); declararam estar afastadas do emprego ou estarem aposentadas 190 (60,5%) e 226 (72%) indivíduos declararam receber renda de até dois salários-mínimos (Tabela 1).

Tabela 1 -
Distribuição das pessoas vivendo com HIV/AIDS, segundo variáveis sociodemográficas. João Pessoa, PB, Brasil, 2012 e 2013

Quanto à distribuição das pessoas vivendo com HIV/AIDS, segundo as variáveis clínicas (Tabela 2), verificou-se que a via sexual foi a principal categoria de exposição ao vírus (251; 79,9%). Quanto ao tempo de diagnóstico conhecido, 124 (39,5%) indivíduos tinham menos de cinco anos de diagnóstico. Referente às características clínicas, quanto à contagem de células T CD4 +, observa-se que a maioria (220; 70,1%) dos participantes possuía mais de 350 cel/mm3. A carga viral se apresentava indetectável para 248 (79%) entrevistados; de 50 a 100.000 cópias/ml para 59 (18,8%), e acima de 100.000 cópias/ml para 7 (2,2%) (Tabela 2).

Tabela 2 -
Distribuição das pessoas vivendo com HIV/AIDS, segundo variáveis clínicas. João Pessoa, PB, Brasil, 2012 e 2013

Na Tabela 3, quanto ao tempo de diagnóstico, os indivíduos apresentaram os maiores escores nos domínios psicológico e espiritual, dentre os domínios de qualidade de vida, segundo o WHOQOL HIV Bref.

Tabela 3 -
Distribuição dos escores dos domínios do WHOQOL-HIV Bref, segundo variáveis clínicas das pessoas vivendo com HIV/AIDS. João Pessoa, PB, Brasil, 2012 e 2013

Referente à contagem de linfócitos T CD4+, observou-se que não houve diferenças significativas nos domínios do WHOQOL HIV Bref. Quanto à carga viral, este estudo apresentou diferenças significativas nos domínios psicológico, nível de independência e meio ambiente. Maiores escores em todos os domínios de QV foram identificados nos indivíduos com carga viral menor que 50 cópias/ml.

Sobre a presença de doenças ou comorbidades e os domínios de QV, não houve diferença significativa; no entanto, quanto a doenças prévias, observou-se diferença significativa no domínio psicológico. A variável clínica "uso de antirretroviral" não apresentou diferença significativa nos domínios de QV, segundo o WHOQOL HIV Bref.

Quando se analisaram as médias dos escores de QV, segundo a adesão terapêutica (Tabela 4), identificou-se que indivíduos classificados como "não adesão" tiveram piores escores em todos os domínios da QV. A Tabela 4 apresentou resultados estatisticamente significativos para os domínios físico, psicológico, de relações sociais e religião, avaliação procedida segundo a Escala CEAT.

Tabela 4 -
Distribuição dos escores dos domínios do WHOQOL- HIV Bref, segundo a adesão ao CEAT HIV das pessoas vivendo com HIV/AIDS. João Pessoa, PB, Brasil, 2012 e 2013

Discussão

Neste estudo, a caracterização sociodemográfica dos indivíduos condiz com o perfil da epidemia do HIV/AIDS no Brasil, ou seja, homens, com faixa etária acima de trinta anos, baixa escolaridade, baixa renda e infectados com HIV/AIDS através da transmissão sexual( 22. UNAIDS. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Global Report. AIDS by the numbers. Geneva: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; 2013. [acesso 2 set 2014]. Disponível em: http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/documents/unaidspublication/2013/JC2571_AIDS_by_the_numbers_en.pdf
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).

A mudança do perfil dos Vírus do Papiloma Humano (PVH) tem chamado a atenção. A razão de casos entre homens e mulheres reduziu em todas as faixas etárias( 77. Ministério da Saúde (BR). Boletim epidemiológico AIDS - DST; 2013. [acesso 26 maio 2014]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013
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). Apesar da maior incidência no sexo masculino, estudos recentes evidenciam predomínio entre pessoas do sexo feminino. Em pesquisas desenvolvidas no Sul da Índia( 88. Chandra PS, Gandhi C, Satishchandra P, Kamat A, Desai A, Ravi V, et al. Quality of life in HIV subtype C infection among asymptomatic subjects and its association with CD4 counts and viral loads - a study from South India. Qual Life Res. 2006;15:1597-605. ) e nos Estados Unidos( 99. Bayliss M, Rendas-Bawm R, White MK, Mariish M, Byorner J, Tunis SL, et al. Health-related quality of life (HRQL) for individuals with self-reported chronic physicaland/or mental health conditions: panel survey of an adult sample in the United States. Health Qual Life Outcomes. 2012;10:154. ), o sexo feminino foi predominante.

Com relação às variáveis clínicas, a maior porcentagem encontrada, relacionada à variável tempo de diagnóstico para este estudo, foi de 124 (39,5%) indivíduos com conhecimento de sua situação sorológica há menos de cinco anos. A maioria possuía bons parâmetros clínicos relacionados à carga viral indetectável e alta contagem de células T CD4 +. Neste estudo, os indivíduos com carga viral indetectável apresentaram maiores escores em todos os domínios de QV. O aumento da carga viral provoca agravamento das condições clínicas da pessoa, exacerbando os sintomas e aumentando a possibilidade de internação e, consequentemente, diminuindo a QV( 1010. Gaspar J, Reis RK, Pereira FMV, Neves LAS, Castrighini CC, Gir E. Qualidade de vida de mulheres vivendo com o HIV/AIDS de um município do interior paulista. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):230-6. ). O diagnóstico precoce é um dos aspectos positivos quanto ao prognóstico do HIV/AIDS. Saber a sua situação sorológica precocemente possibilita intervenções apropriadas e favorece a adesão à TARV( 1111. Vyankandondera J, Mitchell K, Asiimwe-Kateeira B, Boer K, Mutwa P, Balinda JP, et al. Antiretroviral therapy drug adherence in Rwanda: Perspectives from patients and healthcare workers using a mixed-methods approach. AIDS Care. 2013;25(12):1504-12. ).

Diante dos resultados, todos os indivíduos apresentaram bons escores nos domínios de QV, segundo as variáveis clínicas, enfatizando os domínios psicológico e espiritualidade, e os menores escores nos domínios nível de independência e meio ambiente. Em estudos desenvolvidos no Brasil: Rondônia( 1212. Nascimento JS. Qualidade de vida: percepções de adultos com AIDS no interior de Rondônia. [acesso 20 mar. 2013]. Disponível em: http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/2506/1/2006_Janice%20Santana%20do%20Nascimento.pdf.
http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/...
), Santa Catarina(13) e nas cidades de São Paulo( 1414. Santos ECM, França I Jr, Lopes F. Qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/AIDS em São Paulo. Rev Saúde Pública. 2007; 41(Suppl 2):64-71. ) e Porto Alegre( 55. Zimpel RR, Fleck MPA. Quality of life in HIV-positive Brazilians: application and validation of the WHOQOL-HIV, Brazilian version. AIDS Care. 2007;19(7):223-30. ), o domínio meio ambiente apresentou o menor escore em relação aos outros domínios de qualidade de vida.

Em estudo desenvolvido na Índia, os escores dos domínios de QV foram maiores no domínio meio ambiente e menores no domínio referente à espiritualidade( 88. Chandra PS, Gandhi C, Satishchandra P, Kamat A, Desai A, Ravi V, et al. Quality of life in HIV subtype C infection among asymptomatic subjects and its association with CD4 counts and viral loads - a study from South India. Qual Life Res. 2006;15:1597-605. ). Neste estudo, observou-se o inverso: o domínio espiritualidade apresentou maior escore em relação aos outros domínios. A religião, a espiritualidade, as crenças representam a busca por significado na vida, o porquê e para que os indivíduos passam por situações estressantes e difíceis, o que se considera como aspectos válidos para a melhoria da QV( 1515. Peterson M, Webb D. Religion and spirituality in quality of life studies. Appl. Res. In Qualityof Life. 2006;1:107-16. ).

A espiritualidade configura-se como um apoio nos momentos de sofrimento, em que o isolamento social e familiar se faz presente. A religião é uma importante instância de significação e ordenação da vida, de seus reveses e sofrimentos, resultado também encontrado em outro estudo( 88. Chandra PS, Gandhi C, Satishchandra P, Kamat A, Desai A, Ravi V, et al. Quality of life in HIV subtype C infection among asymptomatic subjects and its association with CD4 counts and viral loads - a study from South India. Qual Life Res. 2006;15:1597-605. , 1616. Reis AC, Lencastre L, Guerra MP, Remor E. Relação entre sintomatologia psicopatológica, adesão ao tratamento e qualidade de vida na infecção HIV/AIDS. Psicologia: Reflexão Crítica. 2010;23(3):420-9. ). Investigação desenvolvida em Ribeirão Preto, com indivíduos coinfectados com tuberculose e HIV/AIDS, apontou o domínio espiritualidade com os maiores escores em relação aos outros domínios( 1717. Neves LAS, Canini SRM, Reis RK, Santos CB, Gir E. AIDS e tuberculose: a coinfecção vista pela perspectiva da qualidade de vida dos indivíduos. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):704-10. ).

No presente estudo, o escore total do CEAT apresentou correlação significativa com os domínios físico, psicológico, relações sociais e espiritualidade/religião. Baixos escores no domínio físico podem estar associados às condições clínicas, à imunossupressão vírica e ao não uso da TARV( 1717. Neves LAS, Canini SRM, Reis RK, Santos CB, Gir E. AIDS e tuberculose: a coinfecção vista pela perspectiva da qualidade de vida dos indivíduos. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):704-10. ).

A não adesão terapêutica, particularmente para as pessoas que vivem com HIV/AIDS, é um problema de maior amplitude. As consequências dessa situação prejudicam o próprio indivíduo que não adere, mas, também, provocam uma série de consequências que podem afetar a população de um modo geral. Da adesão, depende a supressão vírica, consequentemente a diminuição da contaminação, minimização dos riscos de infecções oportunistas e diminuição de resistência aos antirretrovirais( 1818. Penedo FJ, Gonzalez JS, Dahn JR, Antoni M, Malow R, Costa P, et al. Personality, quality of life and HAART adherence among men and women living with HIV/AIDS. Journal of Psychosomatic Research. 2003 Mar;54(3):271-8. ).

A maioria da amostra estudada apresenta "adesão insuficiente"; os indivíduos classificados em "não adesão" têm menores escores em todos os domínios de QV. Neste estudo, observou-se o impacto da não adesão à TARV sobre a QV. Tendo em vista as modificações na morbimortalidade, estudos mostram o impacto positivo da adesão à TARV sobre a QV( 1818. Penedo FJ, Gonzalez JS, Dahn JR, Antoni M, Malow R, Costa P, et al. Personality, quality of life and HAART adherence among men and women living with HIV/AIDS. Journal of Psychosomatic Research. 2003 Mar;54(3):271-8. ).

Sabe-se que a adesão à TARV melhora os resultados clínicos, retarda o avanço da doença, o que, supostamente, deveria resultar em melhoria na qualidade de vida( 1616. Reis AC, Lencastre L, Guerra MP, Remor E. Relação entre sintomatologia psicopatológica, adesão ao tratamento e qualidade de vida na infecção HIV/AIDS. Psicologia: Reflexão Crítica. 2010;23(3):420-9. ). Em um estudo do tipo longitudinal, observou-se que a adesão à TARV está associada ao aumento na qualidade de vida( 1919. Mannheimer SB, Matts J, Telzak E, Chesney M, Child C, Wu AW, et al. Quality of life in HIV-infected individuals receiving antiretroviral therapy is related to adherence. AIDS Care. 2005;17(1):10-22. ). Em estudos do tipo transversal, identificaram-se associações entre a QV e adesão à TARV( 1010. Gaspar J, Reis RK, Pereira FMV, Neves LAS, Castrighini CC, Gir E. Qualidade de vida de mulheres vivendo com o HIV/AIDS de um município do interior paulista. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):230-6. , 2020. Margalho R, Quakinin S, Canavarro MC. Adesão à HAART, Qualidade de vida e sintomatologia psicopatológica em doentes infectados pelo VIH/SIDA. Acta Med Port. 2011;24(S2):539-48. ).

Ao se avaliar a qualidade de vida de uma pessoa vivendo com HIV/AIDS e sua associação com a TARV, faz-se necessário identificar as características clínicas do indivíduo, em qual fase da infecção ele se encontra: assintomático, sintomático ou fase do HIV/AIDS( 2121. Souza FG, Külkamp IC, Galato D. Avaliação da qualidade de vida em um grupo de portadores de HIV. DST - J Bras Doenças Sex Transm. 2009;21(2):53-5. ).

A adesão ao tratamento antirretroviral pode causar efeitos colaterais em curto prazo (náusea e vômitos) e em longo prazo (lipodistrofia e dislipidemia), os quais geram impacto na qualidade de vida. Em outro estudo, verificou-se que não houve diferença estatisticamente significativa entre os domínios de qualidade de vida e o uso de antirretrovirais; porém, apresentava diferença estatisticamente significativa na avaliação geral de saúde com a presença de reações aos medicamentos( 2121. Souza FG, Külkamp IC, Galato D. Avaliação da qualidade de vida em um grupo de portadores de HIV. DST - J Bras Doenças Sex Transm. 2009;21(2):53-5. ).

A relação entre a adesão à TARV e a qualidade de vida é recíproca. A QV das pessoas que vivem com HIV/AIDS pode ser influenciada pela adesão à TARV. Nesse contexto, torna--se imperativo compreender a terapia antirretroviral, com o objetivo de maximizar seus benefícios e minimizar os efeitos sobre os indivíduos( 2121. Souza FG, Külkamp IC, Galato D. Avaliação da qualidade de vida em um grupo de portadores de HIV. DST - J Bras Doenças Sex Transm. 2009;21(2):53-5. ).

Nesta pesquisa, a maioria da população era assintomática, com carga viral indetectável (<50 copias/ml). Pode-se inferir que essas características clínicas influenciam a adesão à TARV e, consequentemente, na QV do indivíduo, pois a ausência de sintomas e os efeitos indesejáveis da medicação foram citados, em outro estudo, como fatores que dificultam a adesão à terapia medicamentosa( 2222. Goujard C, Bernard N, Sohier N, Sohier N, Peyramond D, Lançon F, et al. Impact of a patient education program on adherence to HIV medication: a randomized clinical trial. J Acquir Immune Defic Syndrn. 2003;34(2):191-4. ).

Uma limitação do presente estudo foi o delineamento metodológico do tipo transversal. Apesar dessa limitação, os resultados apontam a necessidade de se avaliar a influência da TARV na QV dessa população específica.

Conclusão

A qualidade de vida da população estudada, segundo o WHOQOL HIV Bref, apresentou associação com as variáveis clínicas e adesão à terapia antirretroviral. Segundo as variáveis clínicas, é importante destacar maiores escores em todos os domínios de qualidade de vida nos indivíduos com carga viral menor que 50 cópias/ml. Quanto à adesão à terapia antirretroviral, indivíduos classificados em "não adesão" apresentaram baixos escores em todos os domínios de QV.

A adesão à terapia antirretroviral é um predito positivo de qualidade de vida, principalmente por melhorar a imunidade, controlar a carga viral e retardar a progressão da doença. Apesar dos benefícios, muitas pessoas que vivem com o HIV/AIDS têm dificuldades de adesão, relacionadas não apenas às repercussões clínicas do tratamento, mas pela dificuldade de acesso ao serviço e, consequentemente, de acesso aos medicamentos.

Nesse sentido, sugere-se a necessidade de acompanhar a adesão à TARV das pessoas que vivem com HIV/AIDS, partindo do entendimento de que a adesão é um processo contínuo, que envolve a família e os profissionais de saúde, principalmente. E que, em algumas situações, a não adesão é resultado do abandono do paciente pelos familiares ou pelos próprios profissionais de saúde.

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    Artigo extraído da tese de doutorado "Qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/aids e sua associação com aspectos sociodemográficos, clínicos, psicoemocionais e adesão ao tratamento", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2013
  • Aceito
    09 Set 2014
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