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Diretrizes para um Programa de Atenção Integral ao Estomizado e Família: uma proposta de Enfermagem1

Resumos

Objetivos:

descrever necessidades e demandas de cuidado que marcam as práticas discursivas de clientes estomizados e familiares e discutir diretrizes para um programa de atenção integral ao cliente estomizado e sua família, organizadas por categorias macrossociológicas.

Método:

Criativo e Sensível, desenvolvido com dezessete sujeitos estomizados e familiares, em um ambulatório municipal. Os aspectos éticos foram atendidos. Utilizado formulário de caracterização e Dinâmicas de Criatividade e Sensibilidade: "mapa-falante", "corpo-saber" e "almanaque". Aplicada a Análise Crítica do Discurso.

Resultados:

as necessidades de saúde e demandas de cuidado dos estomizados e familiares, em suas múltiplas dimensões, foram constituídas no contexto domiciliar e comunitário, ambulatorial e societal, implicando em novo direcionamento para o cuidado de enfermagem. O desvelamento dos dados trouxe elementos que se constituíram em diretrizes, de abordagem macrossociológica, para o alcance da integralidade ampliada do cuidado de enfermagem.

Conclusão:

o cliente estomizado é único em seu gênero/peculiar do latim sui generis, levando-se a pensar em estratégia que atenda e discrimine suas especificidades. Elaborar uma Política Pública de Saúde que aperfeiçoe e reorganize as demandas de cuidado, levando em conta os aspectos biopsicossociais e espirituais desse indivíduo é meta possível e irrevogável no ensejo de melhores condições de sua saúde e bem-estar.

Enfermagem; Estomia; Família; Determinação de Necessidades de Cuidados de Saúde; Integralidade em Saúde


Objectives:

describe care needs and demands that mark the discursive practices of ostomized clients and family members and discuss guidelines for a comprehensive care program to ostomized clients and their families, organized by macrosociological categories.

Method:

Creative and Sensitive, involving 17 ostomized subjects and family members at a municipal outpatient clinic. The ethical aspects were complied with. A characterization form was used, as well as Creativity and Sensitivity Dynamics: "speaking map", "body-knowledge" and "calendar". Critical Discourse Analysis was applied.

Results:

the health needs and care demands of the ostomized patients and their family members, in their multiple dimensions, were constituted in the home and community, outpatient and social context, implying new orientations for nursing care. The unveiling of the data brought elements that constituted guidelines, in a macrosociological approach, to achieve the expanded integrality of nursing care.

Conclusion:

the ostomized clients are unique in their genre/peculiar from Latin sui generis, calling for strategies that respond to and distinguish their specificities. Elaborating a Public Health Policy that improves and reorganizes the care demands, taking into account these individual biopsychosocial and spiritual aspects, is a possible and irrevocable target in the attempt to achieve better conditions of health and wellbeing.

Nursing; Ostomy; Family; Needs Assessment; Integrality in Health


Objetivos:

describir necesidades y demandas de cuidado que marcan las prácticas discursivas de clientes ostomizados y familiares y discutir directivas para un programa de atención integral al cliente ostomizado y su familia, organizadas por categorías macrosociológicas.

Método:

Creativo y Sensibles, desarrollado con diecisiete sujetos ostomizados y familiares, en un ambulatorio municipal. Los aspectos éticos fueron atendidos. Utilizado formulario de caracterización y Dinámicas de Creatividad y Sensibilidad: "mapa-hablante", "cuerpo-saber" y "almanaque". Aplicado el Análisis Crítico del Discurso.

Resultados:

las necesidades de salud y demandas de cuidado de los ostomizados y familiares, en sus múltiples dimensiones, fueron constituidas en el contexto domiciliar y comunitario, ambulatorio y social, implicando nuevo direccionamiento para el cuidado de enfermería. El desvelamiento de los datos trajo elementos que aportaron directivas, con aproximación macrosociológica, para el alcance de la integralidad ampliada del cuidado de enfermería.

Conclusión:

el cliente ostomizado es único en su género/peculiar del latín sui generis, llevándose a pensar en estrategia que atienda y discrimine sus especificidades. Elaborar una Política Pública de Salud que perfeccione y reorganice las demandas de cuidado, considerando los aspectos biopsicosociales y espirituales de ese individuo es blanco posible e irrevocable con el objetivo de mejores condiciones de su salud y bienestar.

Enfermería; Estomía; Familia; Evaluación de Necesidades; Integralidad en Salud


Introdução

As diretrizes para um programa de atenção integral ao estomizado e sua família, propostas neste artigo, são aqui entendidas como tecnologia de processo, de abordagem macrossociológica. Tecnologia no campo social é entendida como um conjunto de artes e técnicas sociais aplicadas para fundamentar o trabalho social, sendo instrumento de inclusão social e melhoria da qualidade de vida. Compreende, assim, produto, técnica ou metodologia replicável, desenvolvida na interação com a comunidade e representa efetiva solução de transformação social(11. Lorenzetti J, Trindade LL, Pires DEP, Ramos FRS. Tecnologia, inovação tecnológica e saúde: uma reflexão necessária. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):432-9.). Agregando à definição, o termo processo significa atividade reflexiva que tem por objetivo alcançar o conhecimento de algo. Dessa forma, fazendo parte dos modos de agir do enfermeiro, sustentado na valorização da cultura, poderia caracterizar uma clínica do cuidado de enfermagem(22. Silva RC, Ferreira MA. Clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva: aliança entre técnica, tecnologia e humanização. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(6):1325-32.).

Considerando o grupo social estudado, a estomia é derivação cirúrgica de uma víscera (geralmente intestino ou vias urinárias) para a pele em um ponto diferente do orifício natural de excreção. Nessa cirurgia, ocorre a ligação do cólon ou de parte do aparelho urinário (geralmente bexiga ou ureteres) à parede abdominal, comunicando-os com o exterior, com vistas à eliminação de fezes e/ou urina. Assim, o estomizado passa a usar uma bolsa coletora aderida ao abdômen, a fim de proteger a pele(33. Barros EJL, Santos SSC, Gomes GC, Erdmann AL. Gerontotecnologia educativa voltada ao idoso estomizado à luz da complexidade. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):95-101.).

As repercussões sociais em saúde para o cliente estomizado e sua família têm início no momento da necessidade de confecção do estoma e na dificuldade de aceitação dessa nova situação. Há evidências de que o diagnóstico e confecção do estoma de eliminação trazem impacto para a vida dos próprios e daqueles com os quais se relacionam. Os clientes sofrem uma ruptura biográfica e se deparam com diversas alterações em seu processo de viver que vão desde a alteração da fisiologia gastrintestinal, quando perdem o controle de seus esfíncteres, da autoestima até a alteração da imagem corporal, reconhecendo seu corpo como disfuncional. Assim, o estoma não altera somente o sistema biológico, mas, também, afeta emocional e fisiologicamente os indivíduos, prejudicando sua relação social. Sentem-se, pois, estigmatizados, sofrem complicações cirúrgicas no pós-operatório e enfrentam problemas referentes à vivência de sua sexualidade. Em função da mudança anatômica do corpo, há alteração no modo de viver da pessoa com estoma de eliminação. Essas transformações, por sua vez, condicionam a vida familiar, afetiva, laboral e social da pessoa, tornando-se necessário o apoio encontrado na família e estrutura de atendimento profissional, para reabilitação mais rápida e eficaz(44. Coelho AR, Santos FS, Poggetto MTD. A estomia mudando a vida: enfrentar para viver. Rev Min Enferm. 2013;17(2):258-67.).

A partir das observações feitas no Núcleo de Ostomizados que serviu de cenário da pesquisa, pôde-se evidenciar que, no dia a dia da assistência de enfermagem, o suporte dado à problemática do sujeito estomizado, em suas múltiplas dimensões, privilegia a restauração e manutenção do corpo físico avariado pela derivação cirúrgica. Esse modelo de atenção, ainda enraizado na perspectiva da biomedicina, não dá destaque aos múltiplos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) que influenciam sobremaneira o curso de vida dos clientes estomizados e de seus familiares, como os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que determinam e condicionam, em seu conjunto, a manutenção da saúde e ocorrência de doenças. Nessa perspectiva, as diferenças de saúde entre grupos humanos não podem ser justificadas por fatores biológicos, pelo contrário, as diferenças de saúde parecem resultar de hábitos e comportamentos construídos socialmente e, principalmente, de fatores que estão fora do controle direto do indivíduo ou do grupo(55. Souza DO, Silva SEV, Silva NO. Determinantes Sociais da Saúde: reflexões a partir das raízes da "questão social". Saúde Soc. 2013;22(1):44-56.).

Como seres humanos sociais, as pessoas estomizadas e seus familiares estão sujeitos a esses DSS, aliados às condições próprias de vida e saúde, inerentes ao sistema familiar com estoma de eliminação. Precisam, portanto, ser desvelados para o investimento nas "causas das causas" dos problemas de saúde e seus desdobramentos, enfrentando as dificuldades no (con)vívio com a derivação cirúrgica, galgando a possibilidade do alcance da integralidade do cuidado. Vale ter em consideração a emergência de um programa próprio que consolide a organização de uma rede de apoio e a operacionalização de um processo de assistência em saúde a esse grupo, no espaço singular. Tendo isso em conta, objetivou-se: descrever necessidades e demandas de cuidado que marcam as práticas discursivas de clientes estomizados e familiares, e discutir diretrizes para um programa de atenção integral ao cliente estomizado e sua família, organizadas por categorias macrossociológicas.

Em que pese às políticas públicas sobre os estomizados, essas vêm avançando paulatinamente na intenção de subsidiar boas práticas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao buscar um alinhamento com estudos internacionais, pôde-se observar a ausência de investigações que tratem diretamente de políticas de saúde voltadas ao grupo social em apreço. Há destaque para uma pesquisa norte-americana sobre o Desenvolvimento de um Programa de Autogestão de Cuidados com a Estomia que emerge mediante as recomendações/sugestões de qualidade de vida dos próprios estomizados, considerando o impacto da derivação cirúrgica nas questões física, psicológica, social e espiritual(66. Grant M, McCorkle R, Hornbrook MC, Wendel CS, Krouse R. Development of a chronic care ostomy self-management program. J Cancer Educ. 2012;28(1):70-8.). Atentar-se para as políticas públicas em vigor, na atenção a clientes estomizados e seus familiares, pode se constituir em importante ferramenta para fazer valer os direitos e deveres dos usuários do SUS, gestores e profissionais de saúde.

Método

Pesquisa de campo qualitativa, desenvolvida por meio do Método Criativo e Sensível (MCS) como eixo produtor de dados para construção, análise e validação dos resultados de pesquisa(77. Soratto J, Pires DEP, Cabral IE, Lazzari DD, Witt RR, Sipriano CAS. A maneira criativa e sensível de pesquisar. Rev Bras Enferm. 2014;67(6):994-9.). O estudo teve como bases teóricas a discussão acerca das relações sociais e suas repercussões à saúde no alcance à integralidade do cuidado, considerando a ordem contemporânea do capital que aliena e coisifica as relações do ser social e os Determinantes Sociais da Saúde, no modelo de Dahlgren e Whitehead(88. Consalter GLT. Determinantes sociais da saúde do idoso. Ciênc Saúde Coletiva. 2012; 17(1):123-33.), enfrentamento das iniquidades em saúde nos diferentes graus de governabilidade: o geral, o particular e o singular(99. Bedin DM, Scarparo HBK, Martinez HA, Matos IB. Reflexões acerca da gestão em saúde em um município do sul do Brasil. Saude Soc. 2014;23(4):1397-1407.), bem como a pedagogia problematizadora em saúde, na mediação do diálogo com clientes estomizados e seus familiares(1010. Martins PAF, Alvim NAT. Plano de cuidados compartilhado junto a clientes estomizados: a pedagogia freireana e suas contribuições à prática educativa da enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(2):286-94.).

Participaram onze (11) clientes estomizados, dos quais sete (7) adultos e quatro (4) idosos; e seis (6) familiares, sendo quatro (4) adultos e dois (2) idosos, envolvidos e afetados pelo problema da estomia em seu cotidiano, totalizando 17 sujeitos. Os participantes foram distribuídos em 4 grupos distintos de produção de dados, compostos por diferentes sistemas familiares, haja vista o critério da constituição grupal máxima instituída entre 6 e 8 sujeitos. A identificação dos participantes foi feita por códigos alfanuméricos, conforme a ordem de produção dos dados, assim descritos: pesquisadora/coordenadora dos grupos (C), auxiliares de pesquisa (A) e estomizados (E). Os familiares foram identificados de acordo com o número atribuído ao seu estomizado (F1, F2...). Cada grupo foi também identificado para melhor organização da produção e análise de dados: G1, G2, G3 e G4.

O cenário da pesquisa foi um Núcleo de Ostomizados, ambulatório municipal, localizado em Campos dos Goytacazes, RJ. O projeto foi registrado na Plataforma Brasil, atendendo o previsto na Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, e aprovado em 27 de novembro de 2012, Parecer nº155.748, número CAAE 07399512.2.0000.5238. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram implementadas as etapas: solicitação de autorização para inserção no campo, entrada no cenário e iniciação do processo de produção de dados, a partir da captação aleatória dos sujeitos em potencial, ocorrida no próprio cenário, entre os meses de dezembro/2012 e março/2013, onde foi realizada entrevista individual para caracterização, depois de efetivado o aceite de participação na pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nessa direção, em outros encontros, foram desenvolvidos três tipos de Dinâmicas de Criatividade e Sensibilidade (DCS) com cada grupo de participantes, denominadas "Mapa-Falante", "Corpo-Saber" e "Almanaque", nessa ordem.

A DCS "Mapa-Falante", que tem uma raiz espaço social, foi assim conduzida: numa folha de papel ofício cada participante (cliente estomizado e familiar) deveria desenhar e/ou escrever livremente os lugares/caminhos percorridos para suprir suas necessidades, após a estomia, situando limites e desafios que enfrentam nessa caminhada. A DCS "Corpo-Saber" teve como temática central "as demandas de cuidado, o que precisam para cuidar e o que fazem", onde cada participante do grupo manifestou o lugar que os cuidados de manutenção do corpo do cliente estomizado e do corpo do familiar ocupavam na silhueta de quatro corpos físicos, dois femininos e dois masculinos, desenhados em uma folha de papel pardo, na dependência do enquadramento dos participantes. A DCS "Almanaque" teve a finalidade de síntese da produção de dados: em uma folha de papel ofício, os sujeitos deveriam construir uma produção artística individual articulada à temática central que versou sobre o quê o cliente estomizado (ou o familiar) precisa para se sentir completo e cuidado. Foram oferecidas aos participantes várias revistas, tesoura, cola, caneta hidrocor e esferográfica.

As discussões ocorridas nos grupos foram gravadas em áudio com mídia eletrônica. Em seguida, realizaram-se a organização e digitalização das produções artísticas. A reunião dos dados provenientes de todas as técnicas compôs o corpus textual do relatório de produção da pesquisa, onde se procedeu à leitura flutuante para a apreensão das ideias principais e aplicação da Análise Crítica do Discurso (ACD), triangulando os dados emergentes(1111. Fairclough N, Melo IF. Análise crítica do discurso como método em pesquisa social científica. Linha d'Água. 2012;25(2):307-29.).

Resultados

Dos 17 participantes da pesquisa, 11 eram estomizados, havendo predominância de mulheres (7) estomizadas, colostomizadas (9), com média de tempo de confecção da derivação cirúrgica de 113 meses. A idade variou de adulto jovem a idoso de idade avançada. A maioria (6) era casada, possuía ensino médio completo (4), pertencentes às religiões Evangélica (5) e Católica (5), além de renda familiar média de 1 salário-mínimo (6). Os 6 familiares participantes tinham o seguinte grau de parentesco: marido (2), prima (1), tia (1), irmã (1) e esposa (1). A maioria (5) iniciou o acompanhamento na fase pré-operatória de confecção da estomia, sexo feminino (4), idade de 34 a 67 anos. A situação conjugal da maior parte era casada (3), dentre (1) divorciada e (2) solteiras, com ensino fundamental incompleto (3), religião Evangélica (3) e Católica (3). Predominou a renda familiar entre 1 e 3 salários-mínimos (3).

Os participantes da pesquisa usaram a linguagem como forma de prática social. As necessidades de saúde, demandas de cuidado e situações-limites, em suas múltiplas dimensões, que marcaram sua prática discursiva foram constituídas no contexto domiciliar e comunitário, ambulatorial e societal, um exercendo influência sobre o outro, implicando em novo direcionamento para o cuidado de enfermagem. Os clientes estomizados possuíam diferentes causas que subsidiaram a confecção da estomia, denominada por eles como "cirurgia da vida" (E7, E9, E11), sendo o começo de toda a nova vida (E1). Dentre as causas da estomia permanente ou temporária, dos sujeitos da pesquisa, adultos e idosos, colostomizados ou ileostomizados, houve relatos de neoplasia, pólipos, Perfuração por Arma de Fogo (PAF), retocolite ulcerativa, doença de Chron e erros médicos, como diagnóstico inadequado e abscesso intestinal oriundo de infecção nas trompas, causada por exame realizado erroneamente.

Os estomizados participantes ressaltaram que, para se sentirem completos e verdadeiramente cuidados, precisam se alimentar e realizar sonhos, cultivar a esperança e a perspectiva otimista de futuro frente à nova condição de ser/estar estomizada (fragmento da síntese realizada pela coordenadora da DCS "Almanaque" - G2; G4 e E8/G3), ainda que com dificuldades de aceitá-la: ... um bom ambiente para o nosso cuidado diário, alimentação saudável, lugar tranquilo... pra você se cuidar... O amor das pessoas, o carinho dos nossos familiares... (E4).

Dentre as necessidades e demandas do corpo físico do estomizado estão aquelas relativas à manutenção do estoma, com atenção especial às particularidades do estomizado idoso; cuidados básicos de higiene e estética: uso de equipamentos, adjuvantes e acessórios, que atendam à sua especificidade (bolsa coletora drenável ou fechada, barreira protetora de pele em pasta e pó, lubrificante desodorante, cinta e adesivo fixador). A qualidade do material oferecida no mercado é uma preocupação constante, pois nem sempre se considera o que melhor se adéqua ao usuário, do ponto de vista de seu bem-estar e conforto, mas, sim, o que corresponde aos interesses do sistema econômico: ... precisei comprar a caixa de bolsa e stomahesive eu comprei, porque eu saí do hospital, veja bem eu não fiz pelo X, eu fiz por um hospital particular... (E11). Essa bolsa, uma vem de uma qualidade outra vem de outra, entendeu? (F4). É, a qualidade da bolsa... (F3). ... pra gente que é ostomizado seria bom que tivesse assim... um lugar só pra gente, entendeu, principalmente banheiro... (E4).

O cuidado com a alimentação também ocupa lugar de destaque devido a algumas adaptações e restrições alimentares pelas quais passam os clientes face ao estoma. O saber da experiência feita, desse grupo, auxilia na testagem dos alimentos, identificando aqueles que ajudam a neutralizar odores ou produzem cheiros fortes, dos que amolecem as fezes ou provocam constipação intestinal e de outros que produzem aumento de flatos. Além disso, a localização do estoma, a doença de base e comorbidades são fatores interferentes da dieta a ser seguida: ... aí eu também falei da alimentação, pois é de extrema importância termos uma boa alimentação sempre, apesar das nossas restrições por causa da estomia, né?! (E11).

Quanto ao acesso aos profissionais e redes de apoio, além da família como núcleo importante de apoio e cuidado, tiveram destaque em seus respectivos espaços sociais aqueles que cuidam da imagem corporal (salões de beleza) e do espírito (igreja). No tocante às necessidades sociointerativas, a ênfase se situou na constituição familiar, no lazer e no trabalho. Esse último como forma de reconhecimento social, além de se constituir em linha de fuga de problemas de diferentes ordens, decorrentes da presença do estoma. A disponibilização tecnológica, como o aparelho celular, também favorece a interação social: ... eu não consigo viver parado, o trabalho é uma ocupação de mente quando você ocupa a mente, muita das vezes eu até esqueço que uso a bolsa (E1). ... contato com a natureza, contato com as pessoas e com o ser humano criado por Deus... (E4).

Destaque, também, à necessidade de ter seus direitos garantidos como uma questão cidadã: ... que na sociedade as leis se referem aos direitos dos cidadãos, e que deveriam ser respeitados, e que dificilmente também temos segurança e saúde... (F1).

Algumas necessidades e demandas dos familiares se assemelham àquelas dos estomizados. Afora os cuidados básicos de manutenção da saúde, os familiares exibem uma dinâmica própria de todos que convivem com pessoas que apresentam algum tipo de deficiência ou que efetivamente assumem a função de cuidador. Por sua vez, sofrem as consequências sociais a ela implicadas. A síntese temática dos grupos destacou aspectos importantes à saúde tanto física quanto psicoespiritual dos familiares: acordar cedo, uso de protetor solar, uso de óculos de sol e grau, ir à academia, praticar exercícios e alongamento, hábitos alimentares saudáveis, ingestão de água, sono e repouso, higiene e estética corporal, criação e manutenção de vínculos no trabalho, com vizinhos, amigos e familiares, necessidade de mente boa e tranquila e de suporte espiritual e religioso, como ir à igreja com frequência, ler a bíblia e fazer orações. Nos interdiscursos produzidos, as necessidades e demandas de cuidado inerentes à saúde dos familiares são merecedoras de atenção e inclusão em um processo de enfermagem, no intento de se alcançar a integralidade do cuidado em saúde. O sistema familiar precisa estar em equilíbrio para o enfrentamento conjunto das limitações impostas ao bem-estar da pessoa que é/está estomizada e de seu familiar.

Na prática discursiva desse grupo social ainda emergiram situações-limites que se colocam como fronteira/problema/desafio à dinâmica de vida e saúde do sistema familiar, como: redes sociais fragmentadas, contradições/conflitos na busca por um estilo de vida saudável, condições ambientais gerais e de habitação desequilibradas/desajustadas/desorganizadas e sua influência no cuidado de si, condições socioeconômicas desfavoráveis, alienação do trabalho e suas consequências e demandas para a vida humana, falta de atendimento profissional ou sua precarização, especificidades da pessoa idosa estomizada - vulnerabilidade às repercussões da estomia, entorno social do estomizado e sua influência no psicológico e na forma como ele promove a prática social, com atenção à dificuldade de aceitação de sua condição física no campo social, produção de alimentos e sua influência no comportamento do estoma de eliminação intestinal. Esses elementos foram considerados no planejamento das diretrizes de abordagem macrossociológica em prol de melhores condições de saúde e bem-estar, junto aos sujeitos da pesquisa, tendo em conta a necessidade do alcance da integralidade da atenção em saúde.

Discussão

A integralidade da atenção em saúde precisa ser trabalhada em várias dimensões para que ela seja alcançada da forma mais completa possível no cuidado em saúde. Faz-se necessária maior aproximação entre profissionais e usuários, na medida em que as ações passem a ser orientadas pelas necessidades dos indivíduos e coletividade, rompendo a imposição vertical das condutas(1212. Bonfada D, Cavalcante JRLP, Araujo DP, Guimarães J. A integralidade da atenção à saúde como eixo da organização tecnológica nos serviços. Ciênc Saúde Coletiva. 2012; 17(2):555-60.). O cuidado a um usuário nessa perspectiva seria o esforço de uma abordagem completa, holística, portanto, integral, de cada pessoa com necessidades de saúde que, por certo período de sua vida, precisasse de cuidados de enfermagem.

Essas necessidades, próprias da condição humana, como "necessidades de alimento, abrigo, reprodução e saúde, além de autonomia e liberdade" e respectivas demandas, "produtos das relações sociais e estão ligadas às carências" são social e historicamente determinadas(1313. Jeiss AFU, Kauchakje S. Rede no campo da assistência social em Colombo: estratégias e políticas. Sociedade em Debate. 2010;16(1):195-208.). Contemplam um processo de mensuração do déficit de saúde em uma população e são medidas como perdas de determinado perfil de saúde. Avaliá-las implica construir um perfil de saúde ou de doença. A necessidade cresce à medida que aumenta o déficit de saúde.

Na compreensão de que tais necessidades podem ser captadas no microespaço de cuidado, com olhar macrossociológico, gerando demandas de cuidado em saúde e em enfermagem, essas demandas devem garantir, no seu modus operandi, a possibilidade de ver o cliente como um todo, em constante interação com o ambiente dinâmico, permitindo que o cliente se sinta completo e verdadeiramente cuidado. Os elementos constitutivos das dimensões macrossociológicas (biológica, psicológica-afetiva, estética, ética, política, econômica, social, laboral, ambiental, tecnológica, cultural, educacional e religiosa-espiritual) que permeiam a vida do ser humano são fundamentais para o alcance da saúde e bem-estar. Todas as necessidades de saúde e demandas de cuidado, incluídas na dimensão do macro, precisam ser consideradas para o planejamento de ações a serem realizadas por cada profissional junto aos usuários que necessitam de cuidados. Faz-se necessário, pois, o seu retorno ao microespaço de cuidado para subsidiar atitudes profissionais coerentes com as necessidades de saúde específicas de cada grupo social e de cada ser humano.

As dimensões suprarreferidas transcendem as necessidades de saúde das pessoas que não possuem esse tipo de derivação cirúrgica. Paulatinamente, o sistema familiar do estomizado é afetado e seus membros se veem envolvidos no movimento existencial dessas dimensões, passando a assumir responsabilidades, de modo a oferecer o apoio necessário no contexto desse novo estado de ser família. Oriundo dessa condição, imposta, a família passa a ter novas necessidades de saúde e demandas de cuidado que acompanham o itinerário terapêutico de seu familiar estomizado, para além do que tinha antes da estomia.

Entendendo saúde como a sinergia de diversos fatores e o sujeito como um complexo biopsicossocial e espiritual, as políticas públicas atuais visam acolhê-lo no seu contexto e primam pela autonomia, integridade física e moral. Para isso, busca-se, fundamentalmente, o atendimento dos princípios doutrinários do SUS, de universalidade de acesso aos serviços, integralidade e igualdade da assistência à saúde. Destaca-se a Política Nacional de Humanização em que pese sua ênfase nas necessidades sociais e nos interesses dos diferentes atores envolvidos na saúde. Suas ações políticas, portanto, se pautam nos desafios de construir e ampliar os espaços de troca entre esses atores, no avanço de uma nova ética que move e sustenta a função do apoio institucional(1414. Martins CP, Luzio CA. Experimentações no apoio a partir das apostas da Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS. Interface. 2014;18( Suppl 1 ):1099-1106.). Sendo assim, para se pensar na organização de um Programa de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Estomizada e Família no Contexto Ambulatorial, é preciso valorizar esses sujeitos como protagonistas do cuidado, seres socioculturais que detêm demandas específicas e situá-los como partícipes ativos do processo de cuidar em saúde. Para tanto, é importante investir em diretrizes organizadas segundo dimensões macrossociológicas, conforme discussão a seguir.

É necessário incentivo à participação do usuário nas conferências e conselhos de saúde, desenvolvidos no âmbito do SUS, além do desenvolvimento de pesquisas de satisfação do usuário, com vistas à melhoria do serviço ofertado/compartilhado. Faz-se mister investir na integração do ambulatório com a rede de serviços de saúde, sob a perspectiva da interdisciplinaridade, agregando outros tipos de serviços que transcendam a concepção tradicional do que seja saúde, haja vista a necessidade de se trabalhar com a intersetorialidade no mundo contemporâneo, assegurando a referência e contrarreferência.

No que concerne à dimensão biológica e psicológico-afetiva, ressaltam-se as especificidades próprias de manutenção do corpo, tanto físicas quanto socioemocionais, do usuário com estoma de eliminação intestinal e urinária: troca da bolsa coletora (drenável e fechada), manutenção diária da bolsa coletora drenável, manutenção da bolsa coletora fechada, manutenção diária da bolsa coletora drenável para urostomia, autoirrigação, uso de adjuvantes (barreira protetora de pele em pasta e pó, lubrificante desodorante), prevenção de complicações tardias (dermatite, prolapso e hérnia), uso de acessórios (cinta e adesivo fixador), banho de sol e proteção do equipamento durante o banho habitual, com vistas a se alcançar uma pele periestomal saudável, cor, forma, tamanho, protrusão, umidade, integridade da mucosa - com características normais de um estoma, controle do efluente, alívio da dor, autoestima, segurança, autonomia, conforto, bem-estar, felicidade, atividade sexual satisfatória, autoconceito, atividade de vida diária congruente, aumento da expectativa de vida, entre outras. Vale destacar o incremento da disponibilização de bolsas coletoras e adjuvantes que atendam as singularidades emergentes do cliente no cenário do SUS.

Na dimensão estética, como forma de beleza humana física, vale considerar a oferta de cursos e oficinas de tratamentos estéticos aos estomizados, no intento de contribuir para a manutenção de sua autoestima e bem-estar, principalmente voltadas ao gênero feminino. No que se refere ao campo socioeconômico e laboral, é relevante o aconselhamento financeiro junto ao sistema familiar, além do incentivo à participação efetiva dos profissionais de saúde, clientes estomizados e seus familiares na Associação dos Ostomizados. Vale considerar a promoção de cursos profissionalizantes aos estomizados, de modo a facilitar sua (re)inserção no mercado de trabalho, atentando aos limites e possibilidades para assumir determinadas funções que possam divergir com a condição de saúde dos mesmos.

Emergiu a necessidade de promoção de ambiente ambulatorial e domiciliar saudável que abranja os aspectos higiênicos, de temperatura, aeração, iluminação, cromoterapia e aromaterapia. Na dimensão tecnológica, consideram-se aquelas pessoais, relacionadas aos usuários do SUS, como a necessidade de promoção da inserção tecnológica, além das profissionais no intento de se alcançar um processo de trabalho em saúde com atendimento individualizado e coletivo, visando a maximização e controle de cuidados em saúde junto ao cliente com estoma de eliminação temporário e seu familiar, no que concerne à atenção e ao apoio necessários à realização da cirurgia de reconstrução, o atendimento individualizado e coletivo aos familiares de estomizados, de modo a inseri-los no cuidado de seu familiar estomizado e serem também cuidados, a implementação de consultas por diferentes profissionais: enfermeiros, médicos, assistentes sociais, psicológicos e nutricionistas, para suporte e ajustamento dos desequilíbrios oriundos da confecção do estoma nas diferentes dimensões da vida do cliente com estoma intestinal/urinário e de seus familiares, a identificação e acompanhamento de complicações tardias, a implementação de visitas domiciliares para compreensão do contexto domiciliar e dinâmica familiar e orientação dialogada sobre o cuidado de si, além do gerenciamento de material, pessoal e estrutura física, inerentes ao funcionamento do ambulatório e desenvolvimento das atividades promovidas pelos profissionais de saúde lotados na unidade e usuários cadastrados.

Na dimensão cultural, ressalta-se o desenvolvimento de atividades lúdicas e de inserção sociocultural, como jogos, esportes, música, dramatização adequadas à capacidade física, social e psíquica de cada participante. Ademais, o campo educacional abrange: educação em saúde dialógica, grupal e individual, para problematização das situações-limites, vivenciadas na realidade concreta das pessoas envolvidas no processo de cuidado derivado da confecção da estomia, com vistas ao alcance do cuidado de si e educação permanente para os profissionais de saúde envolvidos. Além disso, destaca-se o desenvolvimento de pesquisas de campo interdisciplinares, em atendimento aos problemas emergentes desse grupo social e disseminação do conhecimento produzido. A necessidade religiosa-espiritual emergiu com grande destaque no tempo da enunciação dos participantes estomizados e familiares, evidenciando a demanda de cuidado em saúde que garanta o respeito à religiosidade e/ou à espiritualidade desses sujeitos.

Quando se pensa na implementação de tais diretrizes, organizadas segundo as dimensões macrossociológicas referidas, há necessidade de se trabalhar com a perspectiva interdisciplinar da saúde. Esse é um ponto temático comum que atua como integrador e mediador da circulação dos discursos disciplinares, coexistindo reciprocidade, enriquecimento mútuo e tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos, superando a disciplinaridade e a fragmentação do conhecimento, tornando-o, portanto, relacionado com a realidade e os problemas da vida moderna em busca de um cuidar da integralidade do ser humano(1515. Santos I. Por uma perspectiva interdisciplinar em saúde e enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2012;20(2):147-8.).

No campo da interdisciplinaridade, os esforços da equipe serão em prol da situação inerente a cada serviço de saúde. Diferentes profissionais, com formação particular/específica, lançarão olhares distintos em função de um objetivo comum, não significando justaposição de saberes e nem anulação da especificidade de cada campo, implicando, contudo, em consciência dos limites e das potencialidades de cada campo de saber para que possa haver abertura em direção a um fazer coletivo(1616. Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, Castanharo RCT, Oliveira FRL. Interdisciplinaridade e intersetorialidade na estratégia de saúde da família e no núcleo de apoio à saúde da família: Potencialidades e desafios. Tempus Actas Saúde Coletiva. 2015;8(4):111-29.).

Para o adequado funcionamento de um Programa de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Estomizada e Família, deve-se providenciar uma estrutura física pertinente às atividades a serem desenvolvidas, pessoal qualificado e em quantidade suficiente, de acordo com o número de usuários cadastrados, material impresso e/ou informatização da assistência em saúde, equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança para pessoas estomizadas, bem como material permanente e de consumo diário das ações profissionais. Importante investir nos meios de comunicação como celular e internet, tendo em vista sua inserção em um mundo globalizado, onde a informação multiplica-se de maneira exponencial. Há necessidade de os profissionais de saúde estarem se refazendo para mudanças contínuas da prática cotidiana, com fomento à prática baseada em evidências e pesquisa científica. Essa tecnologia também é relevante para a comunicação inter-rede de saúde, de modo a responder pelas ações de referência e contrarreferência dos usuários e atividades administrativas.

No tocante às ações específicas do enfermeiro no âmbito do Programa, destacam-se a consulta de enfermagem, com implementação do processo de enfermagem em suas cinco fases e a educação permanente, com a implantação de programas de treinamento e capacitação. No âmbito do exercício profissional da enfermagem, o enfermeiro é considerado essencial no processo de reabilitação do estomizado, pois está presente desde o momento do diagnóstico da estomia(1717. Taylor C, Lopes de Azevedo-Gilbert R, Gabe S. Rehabilitation needs following stoma formation: a patient survey. Br J Community Nurs. 2012;17(3):102-7.). Nesse ínterim, o enfermeiro orienta os estomizados a respeito dos cuidados com o estoma, alimentação, higienização, preparando-os para o cuidado de si e retorno às atividades de vida diária.

Importante considerar as particularidades dos idosos no que se refere às alterações próprias do processo de envelhecimento: anatômico-fisiológicas, cognitivas, funcionais e psicossociais(1818. Fechine BR, Trompieri N. O processo de envelhecimento: as principais alterações que acontecem com o idoso com o passar dos anos. InterSciencePlace. 2012;20(1):106-94.). Essa precaução vai influenciar a organização do serviço de estomaterapia, planejamento e implementação de cuidados que garantirão as especificidades demandadas para o gerenciamento da qualidade de vida desse grupo social.

Cabe aos enfermeiros pensar em estratégias de ações de saúde que transcendam o enfoque da doença, de modo a promover meios para auxiliar os usuários com estomia de eliminação a tomarem decisões, verbalizarem sentimentos e ajudá-los no enfrentamento das mudanças da sua imagem corporal em prol da sobrevivência(1919. Pereira APS, Cesarino CB, Martins MRI, Pinto MH, Netinho JG. Associations among socio-demographic and clinical factors and the quality of life of ostomized patients. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012; 20(1):93-100.). Pesquisas internacionais têm identificado, em convergência com as nacionais, o enfrentamento de pessoas com estomias ao longo de suas vidas, pois há impacto nas questões física, psicológica, social e espiritual. Necessitam, assim, de ajustamentos em prol da manutenção da qualidade de vida(66. Grant M, McCorkle R, Hornbrook MC, Wendel CS, Krouse R. Development of a chronic care ostomy self-management program. J Cancer Educ. 2012;28(1):70-8.), sendo meta possível com a ajuda dos serviços de saúde e enfermeiros especialistas ou não, apesar da presença da estomia(2020. Aronovitch SA, Sharp R, Harduar-Morano L. Quality of Life for Patients Living With Ostomies: Influence of Contact With an Ostomy Nurse. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2010; 37(6):649-53.).

Conclusão

A operacionalização da assistência em saúde, a mercantilização do cuidado e a falta de aplicação efetiva de conceitos fundamentais na execução de um trabalho humanizado, integral, técnico e fidedigno aos princípios estabelecidos pelo SUS desfavorecem a resolutividade das situações-limites vivenciadas pelas pessoas no contexto onde vivem. Dessa maneira, faz-se mister investir na organização de uma rede de serviços de saúde que mantenha fluxo condizente com as necessidades peculiares de determinado grupo social, no ensejo de se alcançar a saúde em seu conceito ampliado. O alcance desse pleno estado de saúde, muitas vezes considerado utópico e revolucionário, sendo dinâmico no itinerário da vida cotidiana, configura-se como um desafio emergente não só para os usuários do SUS como também para os profissionais de saúde e seus gestores, onde quer que estejam, não sendo considerado, entretanto, objetivo ingênuo, mas possível de ser realizado quando se faz e pensa saúde com olhar macrossociológico e postura profissional diferenciada, a partir da escuta sensível das necessidades de saúde dos próprios usuários em questão e promoção da articulação e integração efetiva com os diferentes espaços: geral, particular e singular.

No âmbito do desenvolvimento desta pesquisa em saúde e enfermagem, desafios e limites emergiram na fase de concepção acerca de um projeto singular e, principalmente, na etapa de produção de dados, onde houve dificuldades na captação dos sujeitos e manutenção dos grupos formados para o desenvolvimento das DCS, apesar dos critérios de confiabilidade atendidos, relacionados à saturação dos dados: empírico, teórico e categorial. Os resultados aqui tratados não se encerram em sua construção, haja vista a concepção do conhecimento como inesgotável, inconcluso e inacabado, além da complexidade advinda das múltiplas alterações da estomia de eliminação na vida das pessoas envolvidas. Por meio desses resultados, constatou-se que as necessidades de saúde de clientes estomizados e familiares, bem como as situações-limites que se apresentam a esse grupo social, são captadas no microespaço de suas relações sociais, gerando demandas de cuidado em saúde e em enfermagem. Imprimir um olhar macrossociológico sobre essas demandas, a partir das múltiplas vozes dos sujeitos no seu espaço singular, por meio de uma escuta sensível e qualificada do profissional, é o caminho para se alcançar a integralidade ampliada do cuidado.

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    Artigo extraído da tese de doutorado "Necessidades de Saúde de Clientes Estomizados e Familiares Implicadas na Integralidade do Cuidado de Enfermagem", apresentada à Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2014
  • Aceito
    02 Ago 2015
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