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Fatores sociais e ambientais associados à hospitalização de pacientes com tuberculose1 1 Artigo extraído da Tese de Mestrado "Internação Hospitalar de Doentes com Tuberculose em Manaus e Fatores Sociais e Ambientais" apresentada à Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 481423/2008-7.

Resumos

OBJETIVO:

identificar os fatores sociais e ambientais associados à hospitalização de pacientes com tuberculose, em Manaus, Amazonas, em 2010.

MÉTODOS:

trata-se de estudo epidemiológico transversal e quantitativo, com coleta de dados primários e análise do vírus da imunodeficiência humana, com base na soropositividade.

RESULTADOS:

entre os fatores sociais para a coinfecção tuberculose/vírus da imunodeficiência humana, foi significativa a associação entre o uso e dependência de álcool de trabalhadores empregados e entre os não coinfectados, a associação entre renda inferior a um salário-mínimo (200 dólares norte-americanos) e aposentados, Programa Bolsa Família/outros benefícios sociais foi significativa. Em relação aos fatores ambientais, a associação foi significativa para coinfecção tuberculose/vírus da imunodeficiência humana entre aqueles que não têm a sua própria casa, tendo habitação de alvenaria e coleta de lixo diária, e entre os não coinfectados, possuindo sua própria casa, sem moradia de alvenaria e falta de coleta de lixo diária foi significativa.

CONCLUSÃO:

os resultados indicaram que não só fatores sociais, mas, também, os ambientais estão associados à internação de pacientes com tuberculose, e essas associações diferem de acordo com a coinfecçãotuberculose/vírus da imunodeficiência humana.

Tuberculose; Hospitalização; Fatores Epidemiológicos; Coinfecção


OBJECTIVE:

to identify social and environmental factors associated with hospitalization of tuberculosis (TB) patients in Manaus, Amazonas, during 2010.

METHODS:

this is a quantitative cross-sectional epidemiological study, with primary data collection and analysis of human immunodeficiency virus (HIV), based on seropositive status.

RESULTS:

Among social factors for TB-HIV co-infection, the association between alcohol use and dependence was significant for employed workers; among non-co-infections, the association between income less than one minimum wage (U.S. $200) and retired people, Bolsa Família Program [Family Allowance]/other social benefits was significant. Regarding environmental factors, the association was significant for TB-HIV co-infection among those not having their own house, having masonry housing and daily garbage collection; and among non-co-infection, owning their own house, no masonry housing and lack of daily garbage collection was significant.

CONCLUSION:

The findings indicated that not only social factors, but also environmental ones are associated with hospitalization of tuberculosis patients, and such associations differ according to TB-HIV co-infection. Findings revealed that the non-biological factors associated with hospitalization of tuberculosis patients should be considered when caring patients with this disease.

Tuberculosis; Hospitalization; Epidemiologic Factors; Co-infection


OBJETIVO:

identificar los factores sociales y ambientales asociados con la hospitalización de de los pacientes con tuberculosis (TB) en Manaus, Amazonas, durante el año 2010.

MÉTODOS:

se trata de un análisis cuantitativo de corte transversal estudio epidemiológico, con la recolección de datos primarios y el análisis de virus de la inmunodeficiencia humana (VIH), en estado seropositivo.

RESULTADOS:

Entre los factores sociales para la TB-VIH-SIDA, la asociación entre el consumo de alcohol y la dependencia fue significativa para los trabajadores empleados, entre los no co-infectados, la relación entre ingresos inferiores a un salario mínimo (EE.UU. $ 200) y los jubilados, Programa Bolsa Família [Asignación Familiar] / otras prestaciones sociales fue significativa. En cuanto a los factores ambientales, la asociación fue significativa para TB-VIH-SIDA entre las personas que no tenían casa, que tenían una vivienda de mampostería y que había recolección de basura diariamente, y entre los no-co-infectados, ser dueño de su propia casa, sin viviendas de mampostería y la falta de recolección de basura diaria fue significativa.

CONCLUSIÓN:

Los resultados indicaron que no sólo los factores sociales, sino también los ambientales están asociados a la hospitalización de los pacientes con tuberculosis, y estas asociaciones difieren de acuerdo con la correlación TB-VIH-SIDA.

Tuberculosis; Hospitalización; Factores Epidemiológicos; Coinfección


Introdução

A Tuberculose (TB) é uma doença endêmica no Estado do Amazonas, Brasil, e, com o advento da Aids, não houve mudança significativa no perfil epidemiológico, ao se analisar a incidência temporal da doença(11. Levino A, Oliveira RM. Tuberculose na população indígena de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23(7):1728-32.).

A hospitalização dos pacientes com TB é indicada apenas para casos graves ou aqueles que são propensos a abandonar o tratamento como decorrência das condições sociais do paciente, em casos de complicações da doença e em casos de novo tratamento(22. Caliari JDS, Figueiredo RMD. Perfil de pacientes com tuberculose internados em hospital especializado no Brasil. Rev Panam Infectol. 2007;9(4):30-5.). Esses motivos de internação são detalhados pelo Ministério da Saúde(33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011.) que recomenda a internação em casos especiais e de acordo com as seguintes prioridades: meningite tuberculosa, intolerância aos medicamentos anti-TB incontrolável em ambulatório, estado geral que não permita tratamento ambulatorial, complicações clínicas e/ou cirúrgicas, relacionadas ou não ao tratamento da TB exigido, e/ou procedimento em ambiente hospitalar, e os casos de vulnerabilidade social, como ausência de residência fixa ou grupos com maior probabilidade de abandono do tratamento, especialmente em casos de novo tratamento, falha ou multirresistência à drogas.

Os dados do Brasil registram grande número de internações hospitalares, em especial no Estado do Amazonas, onde a taxa de hospitalização, devido à tuberculose, em 2010, foi de 8,5 casos por 100.000 habitantes, enquanto que, em todo o Brasil, a taxa de internação naquele ano foi de 7,2 casos por 100.000 habitantes.

Apesar da magnitude do problema, encontram-se poucos trabalhos publicados sobre o assunto, mesmo esses terem sido, em sua maioria, realizados com coleta de dados secundários dos prontuários médicos(22. Caliari JDS, Figueiredo RMD. Perfil de pacientes com tuberculose internados em hospital especializado no Brasil. Rev Panam Infectol. 2007;9(4):30-5.,44. Galesi, VMN, Almeida MMMB. Indicadores de morbimortalidade hospitalar de tuberculose no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2007;10(1):48-55.) e terem como objetivo descrever a epidemiologia da hospitalização(55. Arcêncio RA, Oliveira MF, Villa TCS. Internações por tuberculose pulmonar no Estado de São Paulo no ano de 2004. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(2):409-17.). Fatores ambientais e sociais estão associadas à tuberculose, e tais fatores podem influenciar a ocorrência de hospitalização, especialmente considerando o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que influencia o perfil de internação por TB(66. Silva DR, Menegotto DM, Schulz LF, Gazzana MB, Dalcin PTR. Características clínicas e evolução de pacientes imunocomprometidos não HIV com diagnóstico intra-hospitalar de tuberculose. J Bras Pneumol. 2010;36(4):475-84. ).

Entretanto, a associação dos fatores relacionados à morbidade ainda não estão claros se seriam os mesmos que resultaram na internação. Em geral, os critérios para internação estão relacionados ao indivíduo e como seu corpo evolui com a doença tuberculose. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores sociais e ambientais associados à internação de pacientes com tuberculose, de acordo com a sua condição de soropositividade para o HIV.

Materiais e Métodos

Trata-se de estudo analítico e epidemiológico transversal, que utilizou a análise quantitativa de dados individuais sobre a internação de paciente com TB, em 2010, nos seguintes hospitais de referência na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas: Fundação Hospital Adriano Jorge, Fundação de Medicina Tropical Dr.Heitor Vieira Dourado, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Instituto da Criança do Amazonas e Hospital Infantil Dr.Fajardo.

A amostra foi representada por pacientes internados nesses hospitais, que tiveram tuberculose como diagnóstico principal ou associado. Foram excluídos do estudo: pacientes não diagnosticados com tuberculose, pacientes, ou seu responsável, que não se sentiam capazes de dar informações ou tenham se recusado a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados foram coletados em duas fases: a) entrevistas com os pacientes e b) coleta de dados do prontuário. Para a análise, as variáveis foram agrupadas nas seguintes dimensões: 1) características do paciente (sexo, faixa etária, raça), 2) fatores sociais (escolaridade, fonte de renda, origem do paciente, uso de álcool, dependência de álcool, tabagismo, tabagismo passivo e uso de drogas) e 3) fatores ambientais (tipo de habitação, pessoas por cômodo, condição de ocupação, moradia de alvenaria, origem da água utilizada no domicílio e coleta de lixo diária).

A análise dos dados foi estratificada de acordo com a soropositividade para o HIV. Os dados foram analisados ​​pelo EpiInfo 3.5.1 e SPSS, 16.0, para Windows. As variáveis ​​contínuas foram comparadas por meio do teste t de Student (distribuição normal), e para as variáveis ​​categóricas, o teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher, conforme o caso, com análise de Resíduos Padronizados (RP) (significado para os valores positivos ≥1,96)(77. Pereira JCR. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para ciências da saúde, humanas e sociais. São Paulo: EDUSP; 2004.), para determinar exatamente a que categoria de análise a associação foi significativa. Em todos os testes estatísticos foi utilizado nível de significância de 5%.

O estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação de Medicina Tropical, sob Protocolo nº1960 (CAAE - 0006.0.114.115-09). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi obtido de cada participante. Nos casos em que o participante com idade inferior a 18 anos, ou que estivesse com alguém, e que não pudesse ser entrevistado, o consentimento informado por escrito adicional foi obtida do pai ou tutor que acompanhava o paciente.

Resultados

Foram identificados 327 pacientes internados com tuberculose em Manaus, no período de janeiro a dezembro de 2010. Em 49 (15,0%) dos casos não foi possível realizar a entrevista com o paciente ou responsável que acompanhava o paciente. Essas perdas ocorreram da seguinte forma: dois casos, devido à sua ausência da instituição durante cada tentativa de realização da entrevista; oito casos por recusa do paciente; 36 casos, a morte ocorreu antes da entrevista ou o diagnóstico de tuberculose foi detectado apenas na certidão de óbito; um caso, o paciente estava recebendo oxigênio e não acompanhado, e, em dois casos, os pacientes apresentavam confusão mental. Entre as perdas, 61,2% eram do sexo masculino, com idade média de 34,5 anos (DP=11,2), não houve diferença significativa (p=0,244), em comparação com os entrevistados. Entre os entrevistados, 57,9% eram do sexo masculino, com idade média de 38 anos (DP=18).

Dos 278 casos de internação em que a entrevista foi realizada, utilizados nesta análise, 122 (43,9%) tinham coinfecção TB/HIV e 156 (56,1%) apenas TB (não infectados com HIV). Portanto, toda análise abaixo corresponde à estratificação da população de casos de TB e casos coinfectados TB/HIV. Houve predomínio do sexo masculino, com o seguinte percentual: 63,1% entre coinfectados TB/HIV e 53,8% entre os casos de TB. A idade média dos casos de TB/HIV foi de 31,9 anos (DP=11,1) e, em casos de TB, foi de 42,8 (DP=20,8) (p<0,01). Vale ressaltar que, entre os casos de coinfecção TB/HIV, houve maior concentração na faixa etária de 20-29 anos (35,2%), enquanto que casos de tuberculose houve maior concentração na faixa etária de 50 anos ou mais (37,8%).

Os fatores sociais descritos na Tabela 1 mostram que houve associação com coinfecção TB/HIV em que a fonte de renda era o trabalho remunerado (39,3%, p=0,002). Sobre os casos somente com tuberculose, a associação foi observada na categoria de renda inferior a um salário-mínimo (30,8%, RP=2,10 e p=0,040) e a fonte dessa renda foi Aposentadoria e Programa Bolsa Família/outros benefícios sociais (38,5%, RP=3,40 p=0,002). O tempo médio de escolaridade dos casos de coinfecção TB/HIV foi de 6,3 anos (4 a 10 anos, DP=3,7) e entre os casos de TB foi apenas 5,3 anos (2 a 8 anos, DP=3,9 e p=0,024). Detectou-se a existência de 16/278 (5,8%) analfabetos (não mostrado na Tabela 1), que foram combinados com aqueles que completaram até 4 anos de estudo, totalizando 41,4% dos entrevistados. A categoria de analfabetos não foi destacada na análise por causa da pequena proporção da população nessa categoria. A associação foi significativa entre os casos de coinfecção TB-/HIV com variáveis ​​relacionadas ao uso de álcool (50,8%, RP=3,20 e p=0,001) e dependência de álcool (37,7%, RP=2,50 e p=0,011).

Tabela 1
Distribuição de características sociais de pacientes internados com tuberculose, de acordo com a situação da coinfecção tuberculose/HIV. Manaus, AM, Brasil, 2010

Para a análise de fatores ambientais, 272 casos internados foram incluídos e seis pacientes relataram não ter moradia. Quanto aos fatores ambientais descritos na Tabela 2, as variáveis ​​que apresentaram associação entre os casos de coinfecção TB/HIV foram: não ter a sua própria casa (32,5%, RP=2,30 e p=0,023), habitação em alvenaria (80,0%, RP=3,00 e p=0,003) e coleta de lixo diária (90,8%, RP=2,10 e p=0,042). Entre os casos de tuberculose, a associação foi: possuir casa própria (79,6%, RP=2,30 e p=0,023), não ter moradia de alvenaria (36,2%, RP=3,00 e p=0,003) e ausência de coleta de lixo diária (17,8% , RP=2,10 e p=0,042). O número médio de pessoas por domicílio foi de 4,9 (DP=2,6) entre os pacientes coinfectados por TB/HIV e 5,4 (DP=2,9) entre os casos de tuberculose, não havendo diferença significativa entre os grupos (p=0,086) (não mostrado na Tabela 2).

Tabela 2

Distribuição das características ambientais de pacientes internados com tuberculose, de acordo com a situação da coinfecção TB/HIV em Manaus. Manaus, AM, Brasil, 2010


Discussão

Como não foi possível realizar a entrevista com todos os pacientes internados, as características desses pacientes, em relação ao sexo e à idade, não apresentaram diferenças significativas em comparação com os dados analisados​​, minimizando o viés de seleção, uma vez que essas foram as principais características da população associadas ao perfil de pacientes com tuberculose. Considera-se que se pode dar credibilidade às informações obtidas através de entrevistas durante a hospitalização, mesmo que o ideal fosse uma visita domiciliar, pois permitiria a observação clara das condições em que os pacientes vivem. No entanto, como os participantes de pesquisa estavam restritos aos hospitais públicos (maioria dos internamentos registrados em Manaus naquele ano), presume-se que haja aproximação de um padrão social de homogeneidade entre os pacientes. Além disso, a entrevista foi realizada para obter informações o mais fielmente possível, portanto, pode-se confiar nas declarações dos pacientes.

A predominância de homens detectados neste estudo segue os dados de morbidade em que se observa maior incidência de TB em homens (88. Hargreaves JR, Boccia D, Evans CA, Adato M, Petticrew M, Porter JDH. Am J Public Health. 2011;101(4):654-62.), embora, no Brasil, as mulheres tenham conquistado papel importante na sociedade, em especial como chefes de família (99. Montali L. Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família sob a precarização do trabalho e o desemprego. Rev Bras Estud Popul. 2006;23(2):223-45.). No contexto da TB, a maior taxa de detecção continua a ocorrer entre a população masculina. No entanto, a hospitalização potencializa o dano social/perda causada pela tuberculose, uma vez que separa os homens para longe da sua família e os tornam improdutivos durante a internação.

Quanto à idade, a média da distribuição apresentou diferença significativa entre os coinfectados TB/HIV e aqueles com casos somente de TB (p<0,001), predominantemente na faixa etária de 20-29 anos para os coinfectados TB/HIV, e 50 anos e mais entre as pessoas infectadas com tuberculose exclusivamente. Esses dados são sustentados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que estima que dois terços dos casos de tuberculose ocorrem em adultos jovens(1010. World Health Organization. Global Tuberculosis Control 2010: WHO Report 2011. Geneva: World Health Organization; 2011.), embora seja possivel maior proporção de pessoas idosas doentes, em vista da fraqueza causada pela doença em doentes idosos. No entanto, isso também deve ser interpretado como o resultado do perfil epidemiológico da morbidade.

A cor/raça parda, amarelo e preto foram predominantes na população, principalmente marrom, que também coincide com a distribuição de raça na população do estudo. No entanto, deve ser salientado que a raça branca não tem destaque em morbidade hospitalar por TB, confirmando os resultados do Censo Demográfico de 2010, que mostram que a soma de preto, marrom, amarelo e indígena (99,7 milhões) supera a população branca (91.000.000)(1111. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010 [acesso 26 jul 2012]. Disponível em: www.ibge.gov.br.
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). O uso de variáveis ​​como raça e etnia em estudos epidemiológicos tem desempenhado papel fundamental na identificação e documentação de padrões de saúde entre determinados grupos da população, no controle de fatores de confusão, risco potencialmente confundidores e divulgação das desigualdades na saúde(1212. Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(1):253-61.).

Em relação à escolaridade, quando a Região Norte estava na fase inicial da epidemia de HIV, apresentava maior taxa de incidência de Aids na população de maior escolaridade(1313. Fonseca MGP, Szwarcwald CL, Bastos FI. Análise sociodemográfica da epidemia de Aids no Brasil, 1989-1997. Rev Saúde Pública. 2002;36(6):678-85.). Neste estudo, observou-se que a média de anos de estudo foi maior entre os casos de coinfecção HIV/tuberculose, o que corrobora as conclusões acima referidas, que a infecção pelo HIV afeta pessoas de nível socioeconômico mais elevado. Ao menos esse perfil não mudou o suficiente para impactar o perfil de hospitalização dos pacientes coinfectados TB/HIV.

Dentre os fatores sociais relacionados tanto à coinfecção HIV e casos de TB apenas, cabe destacar a associação entre a internação e a renda familiar, em que a vulnerabilidade à infecção TB/HIV é maior no meio e níveis socioeconômicos mais baixos(1414. Brunello MEF, Chiaravalotti-Neto F, Arcêncio RA, Andrade RLP, Magnabosco GT, Villa TCS. Áreas de vulnerabilidade para co-infecção HIV-aids/TB em Ribeirão Preto-SP, Brasil. Rev Saúde Pública. 2011;45(3):556-63.). Embora a pesquisa tenha sido realizada apenas em hospitais públicos, onde são atendidos aqueles de menor renda, quando comparados com hospitais privados, observou-se diferença em que a renda mais baixa (<1 salário-mínimo) teve associação significativa entre os infectados por HIV, mas não nos casos coinfetados TB/HIV.

Entre os fatores sociais relacionados aos casos de coinfecção TB/HIV, destaca-se a associação de hospitalização relacionada ao uso de álcool e dependência, confirmando outros estudos que mostraram forte associação entre a tuberculose e o alcoolismo, o que é compreensível porque caquexia devido ao alcoolismo predispõe os indivíduos para baixa imunidade(1515. Severo NPF, Leite CQF, Capela MV, Simões MJS. Características clínico-demográficas de pacientes hospitalizados com tuberculose no Brasil, no período de 1994 a 2004. J Bras Pneumol. 2007;33(5):565-71.), aumentando o estabelecimento de coinfecção, levando à hospitalização. Assim, é muito importante conhecer o perfil, para que se possa, efetivamente, intervir em ações de saúde, e reconhecer nos pacientes ambulatoriais aqueles que usam álcool ou drogas, conhecidos como fatores de risco para internação hospitalar.

Quanto aos fatores ambientais relacionados aos dois casos de coinfectados HIV e não infectados, foi identificada associação para hospitalização relacionada ao desenvolvimento residencial. Isso reflete a propagação de doenças relacionadas à pobreza e degradação da condição de vida, que é resultado da urbanização e crescimento populacional descontrolado na região, ocorrendo sem planos para o fornecimento de serviços básicos de saúde(1616. Bóia MN, Carvalho-Costa FA, Sodré FC, Porras-Pedroza BE, Faria EC, Magalhães GAP, et al. Tuberculose e parasitismo intestinal em população indígena na Amazônia brasileira. Rev Saúde Pública. 2009;43(1):176-8.), o que reforça o papel principal do Estado na prestação de serviços de saúde essenciais (como água e saneamento) e na regulação de bens e serviços com impacto notável sobre saúde (como o tabaco, álcool e alimentos)(1717. Fundação Oswaldo Cruz (BR). A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro. Rio de Janeiro: Fiocruz; Ipea; Ministério da Saúde; Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; 2012. 323 p. ). Os ambientes domésticos mais concentrados e menos arejados colocam em estreito contato as pessoas, favorecendo a transmissão de doenças transmitidas pelo ar, como a tuberculose. Não bastasse isso, neles se concentram populações com muitas outras condições desfavoráveis de vida como desnutrição, menor acesso aos serviços de saúde e ao saneamento básico (18).

Ao identificar o perfil social e ambiental dos pacientes internados com tuberculose em Manaus, a equipe multidisciplinar será capaz de desenvolver, de forma conjunta e integrada, de acordo com suas atribuições específicas, ações preventivas para promover a qualidade de vida dos pacientes, e intervenções para recuperação da saúde e reabilitação. Isso pode acontecer tanto na unidade de saúde e em outros espaços comunitários (externos), combinando trabalho clínico e técnico com as práticas de saúde na comunidade(1919. Valentim VL, Kruel AJ. A importância da confiança interpessoal para a consolidação do Programa de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(3):777-88.), bem como as práticas de apoio social(2020. Sá LD, Gomes ALC, Nogueira JA, Villa TCS, Souza KMJ, Palha PF. Intersetorialidade e vínculo no controle da tuberculose na Saúde da Família. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):387-95.). O aspecto social não só influencia as pessoas para se tornarem doentes, com tuberculose, mas, também, pode levar à hospitalização. Dessa forma, deve-se considerar os aspectos ambientais e sociais em que o indivíduo está inserido. Enfermeiros, em particular, por meio da sistematização da assistência de enfermagem e ações do programa de controle da tuberculose, são capazes de desempenhar um papel no programa de controle a ser desenvolvido, promovendo a participação da comunidade na área da saúde(2020. Sá LD, Gomes ALC, Nogueira JA, Villa TCS, Souza KMJ, Palha PF. Intersetorialidade e vínculo no controle da tuberculose na Saúde da Família. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):387-95.-2121. Oblitas FYM, Loncharich N, Salazar ME, David HML, Silva I, Velásquez D. Nursing's Role in Tuberculosis Control: a Discussion from the Perspective of Equity. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(1):130-8.).

Como resultado deste trabalho, e considerando o percentual de altas hospitalares, devido à melhora clínica (76,6%) e de morte (20,9%) entre os pacientes com tuberculose internados, reflete-se sobre ações de controle da tuberculose na atenção primária, onde pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose se reconhece a importância de ampliar a luta contra a tuberculose a todos os cuidados de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, visando a integração do controle da TB na atenção básica, incluindo o Programa Saúde da Família (PSF) para garantir a efetiva ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento(2222. Figueiredo TMRM, Villa TCS, Scatena LM, Gonzales RIC, Ruffino-Netto A, Nogueira JA, et al. Desempenho da atenção básica no controle da tuberculose. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):825-31.), com o objetivo de integração da atenção, através de uma rede de cuidados de saúde(2323. Trigueiro JVS, Nogueira JA, Sá LD, Palha PF, Villa TCS, Trigueiro DRSG. Controle da tuberculose: descentralização, planejamento local e especificidades gerenciais. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(6):1289-96.), isso deveria ser feito levando em consideração os aspectos ambientais e sociais que influenciam o perfil das internações de pacientes com TB.

Conclusão

Os resultados desta pesquisa indicam uma visão mais ampla sobre o aspecto da tuberculose hospitalar, indo além do problema nos cuidados de saúde primários, ao identificar quais os fatores sociais e ambientais também estão associados à hospitalização. Portanto, os profissionais de saúde devem estar cientes dessa associação para a assistência à saúde em pacientes com tuberculose, tendo em vista os aspectos sociais e ambientais.

A assistência prestada aos pacientes HIV-positivos deveatentar para os fatores sociais e ambientais identificados em pacientes com tuberculose, em Manaus, para evitar a hospitalização ou outros desfechos desfavoráveis. Uma ênfase em fatores não biológicos envolvidos no estado do paciente com HIV pode contribuir para o conhecimento da interação entre a tuberculose, incluindo os contextos ambientais e sociais.

Os fatores sociais e ambientais refletem o perfil do grupo de casos estudados, sejam eles coinfectados TB/HIV ou casos de tuberculose somente. Considera-se que o aspecto ambiental denota o contexto social desses pacientes, tornando esses fatores tão entrelaçados que, muitas vezes, a classificação do fator social ou ambiental é apenas uma questão de semântica. Esses fatores permitem a escolha das melhores intervenções de saúde, embora esse não seja objetivo deste trabalho. No entanto, a sua intenção é a de ajudar a prevenir e minimizar os riscos, contribuindo, assim, para o cuidado desenvolvido pela equipe multidisciplinar, de enfermagem, em particular, através de consulta e sistematização da assistência de enfermagem.

A partir desses resultados e inovação deste estudo, para abordar os fatores sociais e ambientais associados à internação de pacientes na cidade de Manaus e as limitações identificadas, essa questão deve ser avaliada em estudos futuros, especialmente incluindo a avaliação dos cuidados de enfermagem para os pacientes hospitalizados, de acordo com os fatores ambientais e sociais identificados aqui como associados à coinfecção TB e TB/HIV.

Agradecimentos

Ao grupo de pesquisa envolvido no projeto intitulado Morbidade Hospitalar de Tuberculose e Fatores Associados na cidade de Manaus, AM.

  • 1
    Artigo extraído da Tese de Mestrado "Internação Hospitalar de Doentes com Tuberculose em Manaus e Fatores Sociais e Ambientais" apresentada à Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 481423/2008-7.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2013

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2012
  • Aceito
    03 Dez 2012
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