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Eventos adversos relacionados ao uso de cateteres venosos centrais em recém-nascidos hospitalizados

Resumos

O objetivo deste estudo foi identificar os eventos adversos relacionados ao uso de cateteres venosos centrais (CVC), em recém-nascidos internados em unidade neonatal. Trata-se de pesquisa quantitativa, descritiva, retrospectiva. A população foi constituída por 167 neonatos internados na unidade neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre que utilizaram CVCs, inseridos por punção percutânea (PICC) e inserção cirúrgica, totalizando 241 cateteres. Nos PICCs houve maior prevalência de eventos adversos mecânicos, predominando a oclusão (19,44%) e a ruptura do cateter (8,8%). Os CVCs por inserção cirúrgica apresentaram maior prevalência dos eventos adversos infecciosos relacionados ao cateter, sendo o mais frequente a sepse clínica (16%). O estudo sugere que, para maior segurança do uso de CVCs, é importante que seja utilizada a técnica correta de inserção do cateter e realizado o acompanhamento dos CVCs por equipe especializada e atenta para a prevenção de eventos adversos.

Recém-Nascido; Cateterismo Venoso Central; Efeitos Adversos


This study identifies the adverse events related to the use of central venous catheters (CVC) in newborns admitted to a neonatal care unit. This is a quantitative, descriptive and retrospective study. The population consisted of 167 newborns admitted in the neonatal unit of the Hospital de Clínicas at Porto Alegre, RS, Brazil which used CVCs inserted through percutaneous puncture (PICC) and surgical insertion, totaling 241 catheters. There was a higher prevalence of mechanical adverse events in the PICC line insertions, with a preponderance of catheter occlusions (19.44%) and ruptures (8.8%). The surgically inserted CVCs had a higher prevalence of catheter-related infectious adverse events with the most common being clinical sepsis (16%). This study suggests that the correct insertion technique should be used and a specialized team should monitor the CVCs to ensure safety and prevent adverse events.

Infant; Newborn; Catheterization; Central Venous; Adverse Effects


El objetivo de este estudio fue identificar los eventos adversos relacionados con el uso de catéteres venosos centrales (CVC), en recién nacidos internados en una unidad neonatal. Se trata de investigación cuantitativa, descriptiva, retrospectiva. La población fue constituida por 167 neonatos internados en la unidad neonatal del Hospital de Clínicas de Porto Alegre que utilizaron CVCs, inseridos por punción percutánea (PICC) e inserción quirúrgica, totalizando 241 catéteres. En los PICCs hubo mayor incidencia de eventos adversos mecánicos, predominando la oclusión (19,44%) y la ruptura del catéter (8,8%). Los CVCs por inserción quirúrgica presentaron la mayor incidencia de los eventos adversos infecciosos relacionados al catéter, siendo el más frecuente la sepsis clínica (16%). El estudio sugiere que, para mayor seguridad del uso de CVCs, es importante que sea utilizada la técnica correcta de inserción del catéter y realizado el acompañamiento de los CVCs por un equipo especializado y atento a la prevención de eventos adversos.

Recién Nacido; Cateterismo Venoso Central; Efectos Adversos


ARTIGO ORIGINAL

Eventos adversos relacionados ao uso de cateteres venosos centrais em recém-nascidos hospitalizados

Alessandra Tomazi FranceschiI; Maria Luzia Chollopetz da CunhaII

IEnfermeira, Residente em Terapia Intensiva, Grupo Hospitalar Conceição, RS, Brasil. E-mail: alefranceschi@gmail.com

IIProfessor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: luzia@adufrgs.ufrgs.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar os eventos adversos relacionados ao uso de cateteres venosos centrais (CVC), em recém-nascidos internados em unidade neonatal. Trata-se de pesquisa quantitativa, descritiva, retrospectiva. A população foi constituída por 167 neonatos internados na unidade neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre que utilizaram CVCs, inseridos por punção percutânea (PICC) e inserção cirúrgica, totalizando 241 cateteres. Nos PICCs houve maior prevalência de eventos adversos mecânicos, predominando a oclusão (19,44%) e a ruptura do cateter (8,8%). Os CVCs por inserção cirúrgica apresentaram maior prevalência dos eventos adversos infecciosos relacionados ao cateter, sendo o mais frequente a sepse clínica (16%). O estudo sugere que, para maior segurança do uso de CVCs, é importante que seja utilizada a técnica correta de inserção do cateter e realizado o acompanhamento dos CVCs por equipe especializada e atenta para a prevenção de eventos adversos.

Descritores: Recém-Nascido; Cateterismo Venoso Central / Efeitos Adversos.

Introdução

O cateterismo venoso central é prática comum nas unidades de cuidados intensivos neonatais. Cateteres venosos centrais fornecem acesso vascular seguro ao recém-nascido, mas não são procedimentos inócuos, muitas vezes estão associados a eventos adversos(1).

Os cateteres venosos centrais (CVC) podem ser não tunelizados, tunelizados, centrais de inserção periférica (PICC) e totalmente implantáveis(2). Em neonatologia, os cateteres mais utilizados são os não tunelizados e os PICCs. Os PICCs são inseridos por enfermeiras especializadas, à beira do leito, por punção percutânea de veia periférica. Já a inserção dos cateteres por punção percutânea das grandes veias do pescoço e do tórax e os cateteres inseridos por flebotomia são realizados pelo cirurgião.

Evento adverso, atualmente, é definido como lesão não intencional que resultou em incapacidade temporária ou permanente e/ou prolongamento do tempo de permanência ou morte como consequência do trabalho prestado(3).

Os eventos adversos, relacionados ao uso de CVC, são divididos em eventos adversos infecciosos, eventos adversos mecânicos e trombose. Segundo estudos, os eventos adversos mecânicos ocorrem em 5 a 19% dos pacientes em uso de CVC, os eventos adversos infecciosos em 5 a 26% e a trombose em 2 a 26%(4).

Mesmo com a possibilidade de ocorrência de eventos adversos, o uso do cateter venoso central não deve ser eliminado, porque a sobrevivência de muitos neonatos depende de sua utilização. A decisão sobre a inserção de cada cateter central envolve equilibrar riscos e benefícios.

Condutas de identificação de eventos adversos pela instituição são o primeiro passo para a construção de um sistema de cuidado concebido para evitar erros. A Academia Americana de Pediatria refere que, para a redução da probabilidade de eventos adversos, é necessário se identificar os erros e estudar os seus padrões de ocorrência(5).

Estudo sugere que indicadores de resultados como os eventos adversos são ferramentas fundamentais da qualidade, por apontarem aspectos do cuidado que podem ser melhorados, tornando a assistência aos pacientes mais segura(6).

Percebendo que o uso de cateteres venosos centrais é essencial para a viabilidade da maioria dos recém-nascidos (RN) internados na Unidade de Internação Neonatal (UIN) e que a ocorrência de eventos adversos nessa população pode ter consequências graves e irreversíveis, devido à fragilidade dos neonatos, este estudo objetivou identificar os eventos adversos relacionados ao uso de cateteres venosos centrais em recém-nascidos internados em unidade de internação neonatal.

Métodos

A metodologia utilizada para este trabalho foi a de pesquisa quantitativa, descritiva, retrospectiva. O estudo foi realizado por meio da revisão de prontuários dos pacientes internados na Unidade de Internação Neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no período de janeiro a dezembro de 2007. A população foi constituída por recém-nascidos, admitidos na Unidade de Internação Neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no período de primeiro de janeiro a 31 de dezembro de 2007, que utilizaram cateteres venosos centrais. A seleção dos participantes foi realizada de maneira intencional, por conveniência(7). Foram incluídos todos os recém-nascidos que utilizaram cateteres venosos centrais inseridos por punção percutânea e inserção cirúrgica no ano 2007. Foram excluídos do estudo os cateteres venosos de inserção por dissecção da veia umbilical, os CVCs inseridos em outra unidade de internação e/ou hospital e os cateteres venosos centrais não retirados pela equipe assistencial da unidade de internação neonatal, situação que ocorre quando um RN é transferido com o cateter da neonatologia/Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) para outra unidade de internação ou hospital.

A busca por sujeitos foi feita através de números dos registros dos prontuários encontrados nas fichas de acompanhamento de pacientes em uso de cateter venoso central, preenchidas pelas enfermeiras. Utilizou-se amostra de 167 neonatos, totalizando 241 cateteres. Realizou-se coleta de informações através da revisão dos prontuários. As informações foram coletadas pela própria pesquisadora, utilizando instrumento de coleta de dados. Este estudo recebeu financiamento do Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (FIPE/HCPA).

Quanto ao tipo de CVC utilizado, adotaram-se as seguintes definições:

- cateter venoso central de inserção periférica (PICC), cateter inserido através de punção percutânea de um vaso periférico, com a posição da ponta localizada em um vaso central.

- cateter venoso central por inserção cirúrgica (CVCIC), cateter inserido por dissecção cirúrgica ou por punção de uma veia central (subclávia, jugular ou femoral) pelo cirurgião.

Análise estatística

A análise foi realizada através da estatística descritiva. As variáveis categóricas foram descritas por frequência absoluta e relativa percentual, as variáveis quantitativas simétricas foram descritas pela média e desvio padrão e as variáveis assimétricas pela mediana e amplitude interquartil.

Aspectos éticos

As questões éticas foram contempladas mediante o uso do termo de compromisso para utilização de dados. Esse termo estabelece que os pesquisadores do projeto se comprometem a preservar a privacidade dos pacientes, cujos dados são coletados em prontuários e bases de dados do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Igualmente, está firmado no compromisso que essas informações são utilizadas única e exclusivamente para a execução do atual projeto de pesquisa.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (COMPESQ/EEUFRGS) e pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (GPPG/HCPA).

Resultados

Foram utilizados os dados de todos os recém-nascidos admitidos na Unidade de Internação Neonatal do HCPA, no ano 2007, que utilizaram cateteres venosos centrais inseridos por punção percutânea ou cirurgicamente.

A amostra consistiu de 167 recém-nascidos, sendo que 35 neonatos utilizaram 2 cateteres, 5 neonatos utilizaram 3 cateteres, 7 neonatos utilizaram 4 cateteres e 2 neonatos utilizaram 5 cateteres, totalizando 241 cateteres inseridos. Quanto às características dos recém-nascidos, a média de idade gestacional foi de 33,6 (±4,6) semanas e houve predominância do sexo masculino (53,9%) (Tabela 1).

Os cateteres venosos centrais foram analisados conforme o tipo de inserção: PICC e CVCIC. Foram inseridos 216 PICCs e 25 CVCICs. Quanto ao tipo de CVCI utilizado, foram inseridos 21 cateteres duplo lúmen por flebotomia, 3 cateteres duplo lúmen por punção percutânea e 1 cateter monolúmen por punção percutânea. Desses 241 cateteres (PICC e CVCI) inseridos, 118 apresentaram eventos adversos, sendo 103 PICCs e 15 CVCICs.

Os eventos adversos infecciosos estão apresentados neste estudo em três categorias: sepse com hemocultura positiva, sepse clínica e suspeita de infecção. Considerou-se sepse com hemocultura positiva aquelas que apresentaram confirmação laboratorial e os pacientes receberam tratamento com antibióticos. Foram denominados sepse clínica os casos em que ocorreram indícios clínicos da sepse, mas sem confirmação laboratorial e os recém-nascidos receberam tratamento com antibioticoterapia. A suspeita de infecção foi considerada nos casos em que não houve confirmação laboratorial e o paciente não recebeu tratamento com antibióticos.

Nos RNs que utilizaram o PICC o evento adverso com maior prevalência foi a oclusão do cateter, presente em 19,44% (n=42) dos PICCs. Os RNs que utilizaram CVCICs não apresentaram nenhum caso de oclusão do cateter. Esses neonatos tiveram como evento adverso mais prevalente a sepse clínica, presente em 16% (n=4) dos cateteres (Tabela 2).

Dos 44 recém-nascidos que tiveram óbito na população estudada, 19 RNs estavam utilizando PICCs e nenhum estava utilizando CVCICs. Esses RNs foram investigados quanto às causas do óbito e nenhuma foi associada ao uso de cateter.

Discussão

A oclusão intralúmen do cateter pode ocorrer por trombos sanguinolentos ou pela formação de fibrina, decorrente da presença de sangue no cateter, após processo inadequado de lavagem do cateter ou fluxo retrógrado; a oclusão pode ser também de origem não trombótica, ocasionada por minerais precipitados, provenientes de soluções infundidas ou medicamentos incompatíveis(2). Entre os cateteres estudados, a taxa de oclusão do PICC foi de 19,44% (n=42), índice semelhante aos encontrados na literatura. Estudo realizado com 135 cateteres, utilizados por pacientes da neonatologia, mostra o total de 22,9% (n=31) de oclusão dos cateteres utilizados, dados similares aos aqui encontrados(8).

Para prevenir a oclusão intralúmen, recomenda-se evitar o uso de fenitoína e diazepam pelo PICC, porque, na sua infusão, são formados cristais no interior do cateter(2). Também se recomenda não infundir hemoderivados pelo risco de hemólise e obstrução(9), e não fazer coletas pelo cateter, porque, devido ao fino calibre, ao refluir existe o risco de colabamento das paredes do cateter (exceto em PICCs que possuam válvula de Groshong). Quando a oclusão já está instalada, alguns autores relatam o uso de urokinase 5000iu/ml ou ativador do plasminogênio tecidual como forma de desobstruir cateteres ocluídos por trombos(10-11). Porém, é preciso avaliar o uso dessas soluções em neonatologia, já que nenhum desses estudos foi realizado nessa população.

Ao contrário dos PICCs, os CVCICs não apresentaram nenhum caso de oclusão. Tal fato pode estar relacionado ao maior calibre dos CVCICs (4 French) em relação aos PICCs (1.2 ou 1.9 French). Além do pequeno calibre utilizado em neonatologia, o PICC também percorre grande distância na rede venosa, o que pode facilitar a obstrução mecânica por dobras no cateter.

Dados da literatura trazem freqüência de ruptura do cateter de 4 a 5%, nesta população, ora estudada, ocorreram 19 casos (8,8%) nos PICCs e nenhum caso nos CVCICs(8,12). A ruptura do PICC está associada à má manipulação do cateter e à infusão com grande pressão intralúmen(2). Neste estudo, todos os rompimentos ocorreram na zona de inserção do cateter, porém, a ruptura do cateter pode se tornar evento adverso grave se ocorrer na corrente sanguínea. Para evitar a ruptura do cateter é recomendado não utilizar força para infundir qualquer solução e não se utilizar seringas menores do que 10ml para infusão de fluidos, seringas menores que esse calibre possuem pressão de infusão maior que a suportada pelo PICC(9,12).

A contaminação de cateteres venosos centrais pode acontecer através da invasão direta dos micro-organismos existentes na pele e no local de penetração do cateter, por manipulação inadequada de soluções parenterais e conexões do cateter ou contaminação endógena(13). Os casos de sepse, relacionada ao cateter, se enquadram na incidência de sepse de início tardio. A sepse de início tardio é de origem nosocomial e ocorre após 48 horas de vida do recém- nascido(14). O critério usado neste estudo para determinar infecção relacionada a cateter é similar a outro estudo encontrado na literatura(15). Os eventos infecciosos foram divididos em três categorias: sepse com hemocultura positiva, sepse clínica e suspeita de infecção.

Foram retirados 20 PICCs por causas infecciosas (5 por sepse com hemocultura positiva, 9 por sepse clínica e 6 por suspeita de infecção); destes 20 cateteres, 4 (1,9%) apresentaram cultura da ponta positiva. Em relação aos CVCICs, 8 cateteres foram retirados por causas infecciosas (3 por sepse com hemocultura positiva, 4 por sepse clínica e 1 por suspeita de infecção); destes 8 cateteres, 7 (28%) apresentaram cultura da ponta positiva.

Estudo realizado, comparando o uso de CVCIC e PICC em adultos, mostrou dados semelhantes aos encontrados aqui, neste estudo. O estudo encontrou o total de 6 (21%) PICCs retirados por infecção, em que apenas metade confirmou infecção relacionada ao cateter; já nos CVCICs, dos 21 cateteres retirados por suspeita de infecção, relacionada ao cateter, todos comprovaram a infecção(10). Outro estudo traz a experiência de uma unidade hospitalar que implantou 135 PICCs em neonatos em determinado período. Destes 135 PICCs, apenas 3 (2,2%) cateteres se apresentaram como foco infeccioso(8).

Estudo relata que a taxa de incidência de sepse relacionada ao PICC encontra-se entre 2 e 21%. Esse estudo sugere que a menor incidência de infecção em PICC, quando comparados aos outros CVCs, pode estar relacionada à baixa concentração de bactérias em sítios periféricos (50 a 100 colônias de bactérias por cm2 de pele), quando comparado ao tórax (1000 a 10000 colônias de bactérias por cm2 de pele)(12). Os PICCs raramente são inseridos na região torácica. Algumas vezes é utilizada a veia axilar para a cateterização, porém essa é a última escolha para a inserção de PICC. Neste estudo, apenas 11 PICCs (5%) foram inseridos nessa veia e apenas 1 apresentou como motivo de retirada a sepse.

A literatura demonstra que há micro-organismos mais prevalentes na sepse primária relacionada ao cateter. Os cocos gram-positivos são responsáveis por 65% das infecções, sendo os mais prevalentes o Staphylococcus epidermidis (31%) e o Staphylococcus aureus (14%). Os bacilos gram-negativos são responsáveis por 30% das infecções, sendo os mais prevalentes o Pseudomonas sp (7%) e o Escherichia coli (6%). A infecção por Cândida sp é responsável pelos demais 5% de infecções relacionadas ao cateter. Porém, o estudo destaca que o micro-organismo mais frequentemente isolado em culturas foi o Staphylococcus sp coagulase negativo(13). Aqui, as quatro culturas de ponta de cateter positivas nos PICCs apresentaram a colonização de Staphylococcus sp coagulase negativo. Já entre os CVCICs, das 7 culturas positivas para ponta de cateter, 6 estavam colonizadas por Staphylococcus sp coagulase negativo e 1 por microbiota múltipla.

Para evitar a contaminação do cateter venoso central, devem ser implementadas diversas medidas em sua instalação e manutenção. A inserção de um cateter central, seja PICC ou CVCIC, deve ser asséptica, utilizando medidas de precauções de barreira (tais como gorro, máscara, avental estéril, luvas estéreis e campos estéreis). Na manutenção do CVC é recomendada a lavagem de mãos antes e depois do contato com o cateter, utilizando-se clorexidina degermante ou álcool gel. Deve-se realizar a troca do curativo a cada 7 dias ou quando estiver úmido ou descolando, trocar as dânulas, equipos e extensões a cada 72h e a cada 24h os equipos de nutrição parenteral, friccionando sempre com álcool a 70% as conexões e tampas do cateter antes de manuseá-los(9).

A literatura consultada relata a experiência de uma instituição onde as taxas de infecção relacionada ao PICC diminuíram significativamente após a implantação de um “Time de manutenção do PICC”. Esse “time”, composto por um neonatologista que realiza seguimento de RN pré-termo (fellow) e duas enfermeiras, realiza cuidado proativo através da inspeção diária dos cateteres, tendo autonomia para sua remoção ou tração. Essa ação diminuiu as taxas de infecção relacionadas ao PICC na instituição de 25 para 7,1%, nos recém-nascidos pré-termo(15).

A trombose venosa ocorre pelo permanente contato do cateter com o endocárdio, no caso de CVCIC, ou endotélio, no caso do PICC, acarretando fenômeno irritativo, inflamatório e formação de trombo. A presença prolongada do CVC pode causar trombo em até 70% dos casos. Vários fatores podem influenciar na incidência de trombose associada ao CVC, incluindo composição, tamanho, duração de uso e número de portas de entrada(16-17). Estudo demonstrou que a incidência de trombose venosa em PICC varia entre 4 e 38%. Os fatores que levam ao coágulo são o trauma na parede endotelial, interrupção da terapia por tempo prolongado, refluxo de sangue pelo cateter, velocidade lenta de infusão. A incidência de trombose aumenta à medida que aumenta o diâmetro do cateter(12). Neste estudo, observou-se a ocorrência de trombose venosa apenas nos CVCICs. A ocorrência de todos os eventos foi relacionada à permanência prolongada do CVC, um evento ocorreu no 14º dia de uso do cateter, o outro no 22º dia de uso do cateter e o terceiro no 23º dia de uso do cateter.

A infiltração é o acúmulo de substâncias não irritantes infundidas no tecido que circunda a veia, devido ao deslocamento do cateter da íntima da veia para o tecido subcutâneo. Já a infiltração de solução vesicante é chamada extravasamento(2). Estudos encontrados na literatura apresentam frequência de infiltração equivalente a 3,7% (n=5) em PICCs e 3,8% (n=14) em CVCICs(8,18). Esses dados mostraram-se inferiores aos do presente estudo que encontrou frequência de infiltração de 5,09% (n=11) para os PICCs e de 12% (n=3) para os CVCs.

Na literatura há vários eventos descritos decorrentes da má localização da ponta do cateter, tais como pneumotórax, hidrotórax, hemotórax, hidromediastino, fístula arteriovenosa, perfuração cardíaca e tamponamento, entre outros(9,17). Nenhum evento adverso ocorreu neste estudo decorrente do mau posicionamento do cateter. Tal fato está relacionado à terapia intravenosa acontecer após a análise do primeiro raio-X, onde é avaliada a necessidade de tracionar-se o cateter ou sua retirada por posicionamento indevido. A posição ideal para o PICC é na veia cava no terço distal do nível do tórax, já o CVCIC deve se localizar entre a veia cava e o átrio direito(17).

Identificou-se como limitação do estudo o fato de o mesmo ser retrospectivo. Devido à escolha dessa metodologia, os achados foram baseados nos registros de prontuários e limitou o acesso a algumas informações, como a imagem radiológica e laudos dos raios-X dos cateteres.

Considerações finais

Eventos adversos em cateteres centrais mostraram-se frequentes na população neonatal ,tanto em PICC quanto em CVCIC. O evento adverso mais prevalente nos PICCs foi a oclusão do cateter. Nos CVCICs prevaleceu a sepse clínica.

O PICC apresentou, com maior frequência, eventos adversos mecânicos, sendo os principais a oclusão e a ruptura do cateter. Em contrapartida, seu uso apresentou taxas muito baixas de infecções relacionadas ao cateter, tais índices se mostram semelhantes ou inferiores aos descritos na literatura. Dessa forma, entende-se o PICC como um meio seguro de administração parenteral na população neonatal, devido ao baixo índice de infecção encontrado neste estudo e na literatura.

O uso de CVCIC acarretou menor índice de eventos adversos mecânicos, não sendo encontrados neste estudo a oclusão e a ruptura desse cateter. Entretanto, as taxas de eventos adversos infecciosos, relacionados ao cateter, foram as mais prevalentes.

Os resultados do presente estudo demonstram a necessidade da realização de futuras pesquisas para avaliar os fatores associados à ocorrência de sepse nos CVCICs. Em relação aos PICCs, sugere-se investigação dos fatores associados à oclusão do cateter. Pesquisas que identifiquem os fatores predisponentes desse evento adverso tornariam mais seguro o uso do PICC.

O uso de CVC é imprescindível para a sobrevivência de muitos neonatos. Espera-se que os resultados deste trabalho estimulem a análise dos padrões de ocorrência de eventos adversos. Também, considera-se importante o acompanhamento do CVC por equipe especializada e atenta para a prevenção de eventos adversos.

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  • Corresponding Author:

    Maria Luzia Chollopetz da Cunha
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul
    Rua São Manoel, 963
    Rio Branco
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      21 Jan 2009
    • Aceito
      16 Nov 2009
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