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Intervenção educativa para candidatos ao transplante de fígado

Resumos

OBJETIVO: o estudo teve como objetivo analisar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado, antes e depois da implementação de intervenção educativa. MÉTODOS: trata-se de estudo com delineamento de pesquisa quase-experimental, do tipo grupo único, antes e depois. A amostra final foi composta por 15 sujeitos. A coleta de dados da investigação, cuja duração foi de janeiro a março de 2010, ocorreu em três etapas, a saber: pré-teste, implementação da intervenção educativa (dois encontros) e pós-teste. RESULTADOS: os resultados evidenciaram ganho cognitivo significativo após a intervenção, com melhora no desempenho dos participantes. CONCLUSÕES: o estudo traz evidências de que a implementação de estratégia direcionada para educação de paciente pode aumentar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado e, consequentemente, contribuir para o sucesso do tratamento.

Enfermagem; Transplante de Fígado; Ensino; Aprendizagem


OBJECTIVE: The objective in this study was to analyze candidates' knowledge on the liver transplantation process before and after putting in practice an educational intervention. METHOD: A quasi-experimental, one-group pretest-posttest research design was adopted. The final sample included 15 subjects. Research data were collected between January and March 2010 in three phases, which were: pretest, implementation of the educational intervention (two meetings) and posttest. RESULTS: The results evidenced significant cognitive gains after the intervention, with improvements in the participants' performance . CONCLUSIONS: The research presents evidence that putting in practice a patient education strategy can enhance candidates' knowledge on the liver transplantation process and consequently contribute to a successful treatment.

Nursing; Liver Transplantation; Teaching; Learning


OBJETIVO: El objetivo del estudio fue analizar el conocimiento de candidatos sobre el proceso de trasplante de hígado, antes y después de la implementación de una intervención educativa. MÉTODO: Se trata de un estudio con diseño casi experimental, del tipo grupo único, antes y después. La muestra final abarcó a 15 sujetos. La recolecta de datos de la investigación, con duración de enero a marzo del 2010, fue llevada a cabo en tres etapas, que son: pre-test, implementación de la intervención educativa (dos encuentros) y post-test. RESULTADOS: Los resultados evidenciaron ganancia cognitiva significativa tras la intervención, con mejora en el desempeño de los participantes. CONCLUSIONES: El estudio evidencia que la implementación de una estrategia dirigida a la educación del paciente puede aumentar el conocimiento de candidatos sobre el proceso de trasplante de hígado y consecuentemente contribuir al éxito del tratamiento.

Enfermería; Trasplante de Hígado; Enseñanza; Aprendizaje


ARTIGO ORIGINAL

Intervenção educativa para candidatos ao transplante de fígado1

Karina Dal Sasso MendesI; Orlando de Castro e Silva JuniorII; Luciana da Costa ZivianiIII; Fabiana Murad RossinIII; Márcia Maria Fontão ZagoIV; Cristina Maria GalvãoV

IPhD, Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

IIPhD, Professor Titular, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

IIIMestrandas, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Enfermeiras, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Universidade de São Paulo, Brasil

IVPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

VPhD, Professora Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: o estudo teve como objetivo analisar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado, antes e depois da implementação de intervenção educativa.

MÉTODOS: trata-se de estudo com delineamento de pesquisa quase-experimental, do tipo grupo único, antes e depois. A amostra final foi composta por 15 sujeitos. A coleta de dados da investigação, cuja duração foi de janeiro a março de 2010, ocorreu em três etapas, a saber: pré-teste, implementação da intervenção educativa (dois encontros) e pós-teste.

RESULTADOS: os resultados evidenciaram ganho cognitivo significativo após a intervenção, com melhora no desempenho dos participantes.

CONCLUSÕES: o estudo traz evidências de que a implementação de estratégia direcionada para educação de paciente pode aumentar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado e, consequentemente, contribuir para o sucesso do tratamento.

Descritores: Enfermagem; Transplante de Fígado; Ensino; Aprendizagem.

Introdução

O enfermeiro é o elemento da equipe de saúde que permanece mais tempo ao lado do paciente, o que torna essencial seu papel como educador nas diversas necessidades de aprendizagem que as morbidades exigem(1). Para tanto, é relevante que esse profissional tenha fundamentação científica e proporcione a implementação de estratégias efetivas para promover mudanças de comportamento, atitudes e estilos de vida dos pacientes.

As pessoas com doença crônica do fígado necessitam intervenções de enfermagem que auxiliem nas mudanças requeridas no estilo de vida, com a finalidade de prevenção e controle da progressão da doença. Os pacientes em algum momento da sua condição irão apresentar exacerbações agudas, tais como ascite refratária, encefalopatia hepática e hemorragia digestiva que necessitarão de cuidados prestados pelos profissionais de saúde, no contexto hospitalar. O foco do cuidado de enfermagem é promover o desenvolvimento de habilidades do paciente para o automanejo da doença, as quais só serão possíveis com o uso de intervenções educativas pelo enfermeiro e equipe multidisciplinar(2).

Na literatura nacional, constatou-se que o processo de ensino-aprendizagem do paciente é tema pouco explorado pelos enfermeiros envolvidos em programas de transplantes de órgãos, no que se refere à produção do conhecimento, sendo essa a motivação para a realização da investigação(3).

A educação de pacientes pode ser definida como o processo pelo qual o paciente atinge a compreensão de sua própria condição física e realiza o autocuidado pelo uso de diferentes experiências e recursos. A meta da educação é possibilitar que o paciente não só apresente o entendimento do seu estado de saúde atual, mas, também, seja capaz para a tomada de decisão relacionada ao cuidado em saúde(4).

Dentre os benefícios do processo de educação em saúde para os pacientes, salientam-se o aumento da satisfação e da qualidade de vida, a melhoria da continuidade dos cuidados no domicílio, a diminuição da ansiedade e das possíveis complicações, a promoção de adesão ao plano de tratamento proposto, a maximização da independência e o empoderamento(4-5).

Os pacientes que necessitam de transplante de órgão sólido apresentam doença crônica, a qual, por natureza, acarreta riscos e agravos à saúde. Dessa forma, o paciente que é capaz de entender o transplante, também pode alterar sua experiência de vida. Ele precisa aprender a lidar com os novos medicamentos, tomá-los pelo resto de sua vida, além de aderir a mudanças no estilo de vida, incluindo práticas de higiene, prevenção de infecção, monitoramento da função do novo órgão, mudanças na imagem corporal, adaptação a flutuações no humor e no nível de energia, questões do status profissional, dentre outras(6).

No presente estudo, para o planejamento e implementação do processo de ensino-aprendizagem, conduzido com os candidatos ao transplante de fígado, utilizaram-se os pressupostos teóricos propostos por estudioso da área(7). Essa teoria tem como base o modelo de processamento da informação, considerado importante para o desenvolvimento da aprendizagem relacionada à saúde.

A aprendizagem é definida como o processo que permite aos indivíduos modificar seu comportamento de maneira permanente. Ela acontece quando a pessoa responde e recebe estímulo do seu ambiente externo. Quando se observa a modificação no desempenho do aprendiz é sabido que a aprendizagem ocorreu(7).

Face ao exposto, a pesquisa teve como objetivo analisar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado, antes e depois da implementação de intervenção educativa.

Métodos

Trata-se de estudo com delineamento de pesquisa quase-experimental, do tipo grupo único, antes e depois. O estudo foi realizado em hospital geral, público, do interior do Estado de São Paulo, que possui programa de transplante de fígado cadastrado no Sistema Nacional de Transplantes. A população foi constituída pelos sujeitos que estavam em cadastro técnico de fígado, com doador falecido, aguardando a realização da cirurgia, totalizando 77 pacientes no ano de condução da pesquisa.

Em relação aos critérios de seleção delimitaram-se pacientes que estavam na faixa etária igual ou superior a 18 anos, com classificação de MELD (Model for End-stage LiverDisease - modelo que indica a gravidade da doença do fígado) de seis (menor gravidade) a 25 (maior gravidade); em condições clínicas para receberem a intervenção educativa e com habilidades para a realização de tarefas de alfabetização (leitura e escrita), para viabilizar o preenchimento do instrumento de coleta de dados.

Os sujeitos que verbalizaram ou apresentaram evolução da doença hepática que desfavorecia sua participação na intervenção educativa e que realizaram transplante de fígado, tiveram a função hepática recuperada, ou evoluíram para falecimento, durante o período de coleta de dados, foram excluídos (n=22).

No período da coleta de dados, cuja duração foi de três meses consecutivos (janeiro a março de 2010), todos os pacientes que obedeceram aos critérios de seleção delimitados foram convidados para participar da intervenção educativa, pelos pesquisadores (n=55). O convite foi realizado 30 dias antes da intervenção, sendo, portanto, utilizada uma amostra de conveniência. Dos 55 pacientes, 15 compareceram ao primeiro encontro. Frente às dificuldades verbalizadas pelos pacientes para a participação no estudo, foi planejado um segundo grupo. Dessa vez compareceram mais quatro pacientes, totalizando 19 pacientes. No entanto, durante o período de intervalo entre uma intervenção e outra, quatro pacientes não conseguiram concluir a intervenção educativa pelos seguintes motivos: um paciente foi submetido ao transplante de fígado, um paciente faleceu, um paciente estava em fase aguda de encefalopatia hepática e outro não compareceu e não justificou. Dessa forma, 15 pacientes participaram da presente investigação.

No planejamento da intervenção educativa elaborou-se um plano de ensino, sendo que a implementação da intervenção foi executada por um dos pesquisadores. Assim, o planejamento e a execução da intervenção educativa foram fundamentados na teoria do desenvolvimento de aprendizagens(7), no modelo de ensino-aprendizagem ao paciente, no transplante de órgãos(8) e na avaliação diagnóstica das necessidades de informação de pacientes realizada em estudo anterior.

A intervenção educativa foi realizada em anfiteatro, próximo à Unidade de Transplante de Fígado, o qual conta com aparelho de multimídia, telão, 76 lugares e ar condicionado para promoção de conforto e bem-estar aos participantes da pesquisa.

A intervenção educativa foi implementada em dois encontros, sendo que, no primeiro, os seguintes tópicos foram desenvolvidos: visão geral do órgão a ser transplantado e aspectos históricos do transplante de fígado; processo de avaliação para o transplante e atuação da equipe; complicações da doença do fígado antes do transplante, indicações e contraindicações para o transplante; esperando por um novo órgão; o sistema de alocação de órgãos e o doador de fígado; o dia do transplante, a cirurgia e a anestesia.

No segundo encontro, os tópicos conduzidos foram: período de internação no hospital; medicamentos utilizados após o transplante; complicações após o transplante; qualidade de vida após o transplante e os cuidados necessários por toda a vida. No final do segundo encontro, foi promovida discussão entre os candidatos com receptores de transplante de fígado, com duração de, aproximadamente, uma hora. Após cada encontro foi servido um lanche, de acordo com as recomendações da nutricionista da equipe de transplante.

A intervenção educativa teve a duração total de seis horas, sendo quatro horas de aula dialogada e duas horas de discussão (primeiro e segundo encontros). Para o desenvolvimento da intervenção educativa foram utilizadas estratégias de ensino-aprendizagem ativas, com fomento de discussões dos pacientes (aprendizes) com o enfermeiro (facilitador), conforme os conteúdos eram desenvolvidos.

Para a avaliação do conhecimento do paciente foi construído instrumento com 17 questões do tipo múltipla escolha, abrangendo as principais fases do processo de transplante de fígado (pré, intra e pós-transplante). A elaboração do instrumento foi baseada em publicações da área(8-9) e em materiais educativos da Sociedade Internacional de Enfermeiros de Transplante, voltados para o ensino dos pacientes(10), bem como no folheto informativo destinado aos pacientes inscritos no programa de transplante de fígado da instituição onde a pesquisa foi conduzida.

O instrumento foi submetido à validação aparente e de conteúdo por sete juízes. Os juízes selecionados foram três enfermeiros e dois médicos que atuam em transplante de fígado, um docente com experiência na validação de instrumento e um paciente submetido ao transplante de fígado. A concordância das respostas entre os juízes, sobre os itens do instrumento foi acima de 80%. As sugestões apresentadas foram referentes à forma de apresentação do instrumento, as quais foram acatadas pelos pesquisadores.

A coleta de dados da investigação ocorreu em três etapas, a saber: pré-teste, aplicação do instrumento para avaliar o conhecimento dos pacientes e preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido, intervenção educativa (dois encontros) e pós-teste, aplicação do instrumento para avaliar o conhecimento dos pacientes após a intervenção educativa.

Para a análise dos dados utilizou-se estatística descritiva. Os dados relativos a variáveis quantitativas foram sumarizados na forma de média aritmética e respectivo desvio-padrão. Métodos estatísticos paramétricos (teste t de Student e coeficiente de correlação de Pearson) e não paramétricos (teste de Kruskal-Wallis e coeficiente de correlação para postos de Spearman) foram empregados. Os dados relativos a variáveis qualitativas foram sumarizados na forma de porcentagens. Para a comparação de dados de uma determinada variável dicotômica, entre dois grupos estabelecidos (tabelas de contingência 2x2), foi empregado o teste exato de Fisher. O programa GraphPad InStat 3.05 (GraphPad Software, Inc) foi empregado para a realização de todas as análises descritas. O nível de significância adotado foi de 5% (α=0,05). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Processo nº12953/2008).

Resultados

Dos 19 pacientes que participaram do primeiro encontro da intervenção educativa, 16 (84,21%) eram homens e três (15,79%) eram mulheres. A média de idade foi de 52,84 anos (DP=7,57); 14 (73,68%) nasceram em área urbana e cinco (26,32%) em área rural. Apenas quatro pacientes (21,05%) estavam trabalhando, sendo que os outros 15 (78,95%) estavam afastados. A média de anos de estudo era de 7,53 (DP=3,82), sendo o mínimo de três e o máximo de 15 anos de estudo, sendo 13 (68,42%) candidatos com ensino fundamental, três (15,79%) com ensino médio e três (15,79%) com ensino superior.

Em relação às condições clínicas dos pacientes, o MELD apresentou média de 15,16 pontos (DP=2,06), quatro sujeitos (21,05%) tinham cirrose hepática causada pelo álcool, 13 (68,42%) tinham cirrose hepática causada pelo vírus da hepatite (cinco deles também associados ao etilismo), um (5,26%) possuía cirrose hepática criptogenética e o outro (5,26%) esteato-hepatite não alcoólica (NASH). A média de tempo na fila de espera para o transplante de fígado foi de 1.247,53 dias (DP=661,78).

Na aplicação do instrumento para a avaliação do conhecimento sobre o processo de transplante antes da intervenção educativa, os sujeitos obtiveram médias de acertos de 10,37 (DP=3,06) e erros de 6,63 (DP=3,06), sendo a porcentagem global de acertos de 60,99%. O mínimo e máximo de acertos pelos pacientes foi de três a 15 questões, respectivamente.

A análise dos dados permitiu observar que os pacientes com idade até 55 anos apresentaram índices maiores de acertos (67,97%), quando comparados aos pacientes mais jovens (54,71%), embora tal diferença não apresentasse diferença estatisticamente significante (p=0,1103, teste t de Student). A análise de correlação de Pearson revelou apenas uma tendência de correlação negativa entre porcentagem de acertos e idade (coeficiente de correlação de Pearson: r=-0,3310; p=0,1663). Constatou-se correlação positiva significativa entre a porcentagem de acertos e anos de estudo (correlação para postos de Spearman: rS=0,4899; p=0,0332). Entretanto, quando os sujeitos foram estratificados de acordo com o nível de ensino, observou-se que os candidatos que possuíam apenas o ensino fundamental apresentaram índices de acertos menores (57,01%), quando comparados aos candidatos com nível médio, superior ou pós-graduação (69,61%), apesar de essa diferença não ter sido significativa (p=0,1619, teste t de Student).

O tempo de fila de espera não demonstrou correlação com os índices de acertos dos pacientes (coeficiente de correlação de Pearson: r=-0,0298; p=0,9036), uma vez que os candidatos, que estavam na fila até dois anos, apresentaram índice de acertos médio de 61,18%, enquanto os pacientes que estavam entre dois e cinco anos apresentaram índice de 62,57% e os pacientes com mais de cinco anos na fila, 54,90% de acertos (p=0,9900, teste de Kruskal-Wallis). Na análise dos resultados, ao comparar os sujeitos em relação à gravidade da doença do fígado, ou seja, valores do MELD, os pacientes com MELD até 14 pontos, tiveram índice de acertos de 53,78%, enquanto que os candidatos com MELD maior do que 14 pontos tiveram 65,2% de acertos (p=0,1899, teste t de Student). Apesar da diferença, o MELD não mostrou correlação com os índices de acertos dos pacientes (coeficiente de correlação de Pearson: r=0,0343; p=0,8891).

Em relação aos índices de acertos do instrumento de avaliação de conhecimento sobre o processo de transplante de fígado, as questões que obtiveram índices de acertos maiores foram sobre os fatores contribuintes para o sucesso do transplante (100%), seguida pela questão relativa às responsabilidades do candidato ao transplante (94,74%) e referente ao pós-operatório, relacionada ao período de internação hospitalar (89,47%). As questões que obtiveram os índices de acertos menores foram: sobre os medicamentos imunossupressores utilizados após o transplante de fígado (10,53%), relativa aos cuidados necessários após o transplante de fígado (15,79%), a que se referia às complicações após o transplante de fígado (21,05%) e a direcionada para os aspectos da qualidade de vida após o transplante (31,58%). Todas as quatro questões estavam relacionadas ao período pós-operatório.

De forma geral, os pacientes tiveram índices de acertos maiores para as questões do período pré-operatório do transplante (70,40%), seguida do período intraoperatório (68,42%) e pós-operatório (44,74%). Entretanto, não houve diferença estatisticamente significante da taxa de acertos de questões entre os três períodos (p=0,4560, teste de Kruskal-Wallis).

Ressalta-se que durante o período de intervalo entre o primeiro encontro e o segundo (a intervenção teve dois momentos), um paciente foi submetido ao transplante de fígado, um faleceu, um estava em fase aguda de encefalopatia hepática e outro não compareceu, sem justificativa, totalizando a amostra final da pesquisa em 15 pacientes.

Na análise dos acertos das 17 questões que compunham o instrumento de avaliação de conhecimento sobre o processo de transplante antes e após a intervenção educativa, observa-se novamente diferença estatisticamente significante tanto em teste monocaudal (p=0,0043, teste t de Student monocaudal para amostras pareadas) quanto em teste bicaudal (p=0,0086, teste t de Student monocaudal para amostras pareadas). De forma geral, apenas questões relacionadas ao período pós-operatório demonstraram aumento significativo do índice de acertos (teste exato de Fisher monocaudal). Verificou-se, também, que nenhuma questão obteve 100% de acertos após a intervenção educativa.

As questões que apresentaram índices de acertos maiores após a intervenção educativa foram: questão relacionada à importância do fígado (93,33%), referente ao período de espera para o transplante (93,33%), sobre os sinais de piora da doença do fígado (93,33%) e relativa ao dia do transplante de fígado (93,33%). A questão sobre os cuidados necessários após o transplante de fígado foi a que obteve índice de erro maior (66,67%). No que se refere aos acertos das questões referentes ao período perioperatório, as questões voltadas para o pré-operatório foram as que obtiveram média maior de acertos (74,17% antes da intervenção e 82,50% depois), seguidas das questões do período intra (71,11% antes da intervenção e 80% depois) e pós-operatório (45,56% antes da intervenção e 68,89% depois).

Na análise geral dos índices de acertos, foi possível observar aumento global de acertos na margem de 2,13 questões (12,55%) após a intervenção, o que acarreta melhora média de desempenho equivalente a 19,75% (valor obtido pela razão entre o aumento global - 12,55% - e a porcentagem de acertos no instrumento de avaliação de conhecimento antes da intervenção - 63,53%).

Antes da intervenção, os pacientes tiveram 63,53% de acertos e depois da intervenção esse índice subiu para 76,08%. Essa diferença foi estatisticamente significante tanto em teste monocaudal (p=0,0117, teste t de Student monocaudal para amostras pareadas) quanto em teste bicaudal (p=0,0234, teste t de Student monocaudal para amostras pareadas). Ressalta-se que o número de pacientes que obtiveram índices de acertos inferiores a 80% foi reduzido de 13 (86,67%), antes da intervenção, para apenas seis (40%), após a intervenção (Tabela 1).

Discussão

O principal desafio para a condução da pesquisa consistiu no recrutamento de candidatos ao transplante de fígado para a implementação da intervenção educativa. Nesse estudo, além do envio de correspondência formal para o domicílio, foram realizados contatos telefônicos previamente às datas dos encontros programados. Ressalta-se, ainda, que as condições clínicas de evolução da doença crônica do fígado são fatores intervenientes para um processo educativo efetivo. Apesar do uso dos recursos disponíveis para o recrutamento dos pacientes, não foi possível obter uma amostra maior de candidatos incluídos no cadastro técnico de fígado.

Em relação ao desempenho dos candidatos frente às questões presentes no instrumento adotado, chamou a atenção o conhecimento dos pacientes diante dos fatores que contribuem para o sucesso do transplante e suas responsabilidades enquanto candidatos em lista de espera, pois foram as questões que obtiveram os índices de acertos maiores. Isso indica que, apesar das dificuldades de adesão do paciente ao tratamento proposto em programa de transplante de órgãos, relatadas na literatura(4,11-12), os pacientes têm conhecimento do que deveria ser feito para contribuir para o sucesso do seu tratamento. Para ilustrar a problemática, em 2007, foi publicado um estudo em Portugal que constatou que a não adesão ao tratamento de receptores de transplante de fígado é muito frequente, sendo a prevalência média de 25,28%(13).

No momento que os potenciais candidatos são indicados para entrar no cadastro técnico para o transplante de fígado, eles necessitam receber informações pertinentes sobre o pré, intra e pós-operatório da cirurgia. A análise dos dados do instrumento de avaliação de conhecimento apontou que o conhecimento dos participantes da pesquisa sobre o pré-operatório é maior em detrimento aos outros períodos antes e depois da intervenção educativa. Talvez esse resultado seja reflexo da experiência que o candidato vivenciou até o momento, aguardando a cirurgia em fila de espera. No entanto, conhecer o que se espera no futuro, diante da complexidade do transplante de fígado, auxilia na conscientização e responsabilização do candidato e dos familiares para o autocuidado, especialmente no período pós-operatório, na qual mudanças de estilo de vida são fundamentais para a manutenção e sucesso do tratamento.

Em um centro de transplante de fígado no Reino Unido, antes do paciente ser aceito para inclusão em lista de espera, candidatos e familiares/cuidadores são convidados para participarem de uma sessão grupal educativa, realizada por equipe de enfermeiros coordenadores de transplante. A sessão grupal educativa tem duração de, aproximadamente, duas horas. Três meses após a sessão grupal é aplicado questionário aos participantes para avaliar a intervenção ministrada. Os autores concluíram que a introdução de sessões de ensino grupais têm ajudado a manejar o tempo gasto pela equipe no ensino de pacientes. Um dado relevante constatado é o entendimento pobre sobre o processo de transplante, tanto por pacientes quanto por familiares/cuidadores(14).

Na Espanha, em estudo realizado com o objetivo de avaliar a eficácia de estratégias de ensino-aprendizagem para pacientes submetidos ao transplante de fígado, os autores compararam o cumprimento das recomendações dadas na alta hospitalar, entre os pacientes que receberam somente informações verbais e aqueles que receberam informações escritas e/ou com uso de audiovisual. Na pesquisa, foi utilizado questionário para mensurar o cumprimento da terapêutica proposta na alta hospitalar, o qual abordava hábitos de vida diária, hábitos nocivos, tratamento farmacológico, uso de medidas de prevenção (vacinas, protetor solar), exercício físico e situações de urgência. Os resultados demonstraram que os pacientes que receberam apenas informações verbais tiveram cumprimento menor das recomendações dadas na alta, quando comparados aos pacientes que tiveram suporte escrito e/ou audiovisual no processo educativo(15). Tal estudo corrobora os resultados da presente pesquisa uma vez que se utilizou recurso audiovisual para implementar a intervenção educativa, a qual, a princípio, se mostrou eficaz para a amostra estudada.

Na literatura nacional há escassez de estudos que investigam o ensino de pacientes em programas de transplante de fígado. Em pesquisa publicada em 2005, o objetivo foi descrever os resultados de aprendizagem da experiência de implementação de estratégias de ensino com candidatos em fila de espera para o transplante de fígado. Trata-se de estudo descritivo, no qual foi aplicado questionário de conhecimento, baseado nas informações escritas fornecidas ao candidato no momento de entrada no cadastro técnico. O questionário foi aplicado antes da realização de discussão de caráter educativo, na qual os pacientes e os familiares verbalizavam suas dúvidas, e recebiam mais informações sobre o processo de transplante. Os resultados mostraram média de acertos global do questionário de conhecimento de, aproximadamente, 80%, sendo que os pacientes obtiveram índices de acertos maiores nas questões relacionadas ao período pré-operatório(16).

Em 2007, outro estudo brasileiro avaliou a eficácia de um grupo interdisciplinar de orientação para candidatos ao transplante de fígado. Utilizou-se questionário com 17 itens para avaliar a opinião dos pacientes em relação ao processo de transplante. A eficácia do grupo foi avaliada de acordo com a porcentagem de respostas corretas, antes e após a participação no grupo. A intervenção ocorreu em uma sessão de, aproximadamente, duas horas. Os resultados mostraram que houve incremento de 59% nas respostas corretas após a intervenção(17); entretanto, o estudo não apontou como o questionário foi construído e validado.

Conclusões

Diante do objetivo da pesquisa que consistiu em analisar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado, antes e depois da implementação de intervenção educativa, constatou-se ganho cognitivo significativo após a intervenção, com melhora média de quase 20% no desempenho dos participantes. A análise estatística mostrou p<0,05 em relação aos índices de acertos antes e depois da intervenção.

Apesar da amostra reduzida, até o momento não havia sido publicado na literatura nacional nenhum estudo sobre o tema investigado e conclui-se que a implementação da intervenção educativa contribuiu para melhorar o conhecimento de candidatos sobre o processo de transplante de fígado.

Assim, ressalta-se a relevância do papel de educador do enfermeiro no preparo de pacientes, especialmente para os procedimentos cirúrgicos complexos como os transplantes de órgãos.

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  • Corresponding Author:
    Karina Dal Sasso Mendes
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
    Av. Bandeirantes, 3900 Bairro: Monte Alegre
    CEP: 14040-902, Ribeirão Preto, SP, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation "O processo ensino-aprendizagem para o candidato ao transplante de fígado" presented to Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, WHO Collaborating Centre for Nursing Research Development, Ribeirão Preto, SP, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 2012
    • Aceito
      03 Dez 2012
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