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Papéis profissionais de uma equipe de saúde: visão de seus integrantes

Resumos

Fundamentado na teoria de papéis, este estudo buscou investigar a visão que os profissionais de uma equipe de saúde têm a respeito do papel desempenhado por seus companheiros de equipe. Entrevistou-se 39 profissionais de saúde: 1 nutricionista, 2 psicólogos, 2 enfermeiros, 3 fisioterapeutas, 4 farmacêuticos, 10 dentistas, e 17 médicos. Os resultados indicaram que os informantes consideram que o trabalho em equipe divide a responsabilidade, aliviando o estresse; é uma forma de aprendizado; indicam também que as expectativas quanto aos papéis profissionais não são claras e que a maioria dos informantes tem pouco conhecimento a respeito do papel profissional dos companheiros de equipe. Os papéis profissionais descritos com mais clareza foram os de médico, enfermeiro e farmacêutico. O mais obscuro é o do psicólogo.

equipe de assistência ao paciente; papel profissional; saúde


Based on the Theory of Roles, this study aimed to examine health team professionals' views on the role played by their colleagues. We interviewed 39 health professionals: 01 nutritionist, 02 psychologists, 02 nurses, 03 physiotherapists, 04 pharmacists, 10 dentists and 17 physicians. The results showed that the participants considered that teamwork shares responsibility, which relieves stress and is a way of learning; they also indicate that expectations regarding the professionals' role are not very clear and that most participants have little knowledge about their colleagues' professional role. The most clearly described professional roles are those of physicians, nurses and pharmacists. The most obscure is the psychologist's role.

patient care team; professional role; health


Este estudio, basado en la Teoría de Roles, tuvo como objetivo estudiar la visión que los profesionales de un equipo de salud tienen con relación al rol de sus compañeros de equipo. Entrevistamos a 39 profesionales de salud: 01 nutricionista, 02 psicólogos, 02 enfermeras, 03 fisioterapeutas, 04 farmacéuticos, 10 dentistas y 17 médicos. Los resultados mostraron que, al compartir el trabajo, los participantes dividen responsabilidad, disminuyen el stress; así como lo consideran una forma de aprendizaje; las expectativas en relación a los roles profesionales no son claras y la mayoría conoce muy poco el rol profesional del equipo. Los roles profesionales descritos más claramente son los de médico, enfermero y farmacéutico. El menos especificado es el del psicólogo.

grupo de atención al paciente; papel profesional; salud


ARTIGO ORIGINAL

Papéis profissionais de uma equipe de saúde: visão de seus integrantes

Sandra Regina da Costa SaarI; Maria Auxiliadora TrevizanII

IEnfermeira, Militar R/R, Doutor em Enfermagem, e-mail: saar@enf.ufmg.br

IIEnfermeira, Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Pesquisador 1A do CNPq, e-mail: trevizan@eerp.usp.br

RESUMO

Fundamentado na teoria de papéis, este estudo buscou investigar a visão que os profissionais de uma equipe de saúde têm a respeito do papel desempenhado por seus companheiros de equipe. Entrevistou-se 39 profissionais de saúde: 1 nutricionista, 2 psicólogos, 2 enfermeiros, 3 fisioterapeutas, 4 farmacêuticos, 10 dentistas, e 17 médicos. Os resultados indicaram que os informantes consideram que o trabalho em equipe divide a responsabilidade, aliviando o estresse; é uma forma de aprendizado; indicam também que as expectativas quanto aos papéis profissionais não são claras e que a maioria dos informantes tem pouco conhecimento a respeito do papel profissional dos companheiros de equipe. Os papéis profissionais descritos com mais clareza foram os de médico, enfermeiro e farmacêutico. O mais obscuro é o do psicólogo.

Descritores: equipe de assistência ao paciente; papel profissional; saúde

INTRODUÇÃO

Na tentativa de resgatar historicamente a origem da equipe de saúde como se conhece hoje, retrocede-se no tempo e consegue-se delinear três modelos de "equipe de saúde"(1) que atuavam a partir do século XVIII. Cada um com características distintas, mas com algo de similar: a preocupação com o estado de saúde da população.

Ressalta-se que o autor não menciona o termo "equipe de saúde", mas, ao descrever as etapas de formação da medicina social, possibilita a visão de uma equipe que trabalha em prol ou em nome da saúde. São elas, como indicadas.

- Medicina de Estado, desenvolvida na Alemanha no começo do século XVIII, sobre a qual se pode delinear uma "equipe de saúde" constituída por médicos, organização administrativa central que supervisionava e dirigia o trabalho médico e funcionários médicos nomeados pelo governo.

- Medicina Urbana, desenvolvida na França, nos fins do século XVIII, na qual se pode vislumbrar uma "equipe de saúde" constituída por médicos, químicos e físicos.

- Medicina da Força de Trabalho, desenvolvida na Inglaterra, no segundo terço do século XIX, sobre a qual se delineia uma "equipe de saúde" constituída por médicos que se ocupavam dos pobres, médicos que se ocupavam de problemas gerais como as epidemias e médicos privados que se ocupavam de quem os podia pagar.

Verificou-se que é no século XVIII, com o surgimento do Hospital, como local de cura e não mais como morredouro e com a medicalização e disciplinarização do espaço hospitalar, que se pode visualizar o surgimento da "equipe de saúde", termo mais familiar, hoje em dia. Essa "equipe de saúde" está presente no ritual da visita médica, que é seguida por toda a hierarquia do hospital, qual seja, assistentes, alunos, enfermeiras e outros. Considerar-se-á que, a partir desse evento, a equipe de saúde se constituiu(1).

Essas modalidades de "equipes de saúde" descritas guardam poucas semelhanças com as equipes de saúde com as quais se convive hoje. É mais familiar ver uma equipe constituída por médicos, enfermeiros, outros profissionais da enfermagem, psicólogos, nutricionistas, dentistas, fisioterapeutas, farmacêuticos e assistentes sociais, comumente denominada equipe multiprofissional ou interdisciplinar de saúde.

A multiprofissionalidade é considerada uma estratégia que orienta e possibilita a realização de assistência integral. Erroneamente, confunde-se com interdisciplinaridade. A primeira retrata uma justaposição de diversas disciplinas e cada profissional atuará de acordo com o seu saber especializado; o processo terapêutico é fragmentado. A segunda implica na interação entre duas ou mais disciplinas, sendo que essa interação se reflete na integração de conceitos-chave, na epistemologia e na organização da pesquisa e do ensino(2 - 3).

Os primeiros trabalhos multiprofissionais surgiram nas décadas de 1930/40 e estavam ligados à área de saúde mental. Na década de 1960 houve incremento quantitativo na força de trabalho em saúde. Esses fatos decorreram de proposta de humanização da atenção ao doente mental, do aumento da demanda por serviço de saúde e da incorporação de tecnologias cada vez mais complexas(2 - 3).

Para realizar o presente estudo, partiu-se de alguns pressupostos, quais sejam o indivíduo desempenha inúmeros papéis no sistema social em que está inserido, dentre esses encontram-se os papéis profissionais; o papel que um indivíduo desempenha é delineado de acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes no sistema social de referência; a definição da situação representada por um determinado participante é parte integral de uma representação alimentada e mantida pela cooperação de mais de um participante da equipe; cada um dos participantes desse grupo ou equipe dá sua própria definição do papel que desempenha; a equipe é um grupo de indivíduos que cooperam na realização de uma rotina particular, de uma tarefa; há vínculo de dependência recíproca unindo os membros da mesma equipe aos outros (4-5).

Considerando esses pressupostos, buscou-se investigar a visão que os profissionais de uma equipe de saúde têm a respeito do papel desempenhado por seus companheiros de equipe.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento deste estudo seguiu-se os preceitos da abordagem qualitativa e adotou-se para análise dos dados o referencial da Análise do Discurso (6).

A investigação empírica foi realizada em uma organização militar de Minas Gerais, especificamente em seu hospital o qual é considerado de pequeno porte e conta com os serviços de clínicas médicas, clínicas cirúrgicas, enfermagem, odontologia, psicologia, farmácia, fisioterapia, laboratório e nutrição, bem como os serviços de apoio e de administração.

Ressalta-se que os dados só foram coletados após obtenção de aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, do consentimento da direção da referida organização militar e dos informantes.

Entrevistou-se trinta e nove profissionais de saúde assim distribuídos: 1 nutricionista, 2 psicólogos, 2 enfermeiros, 3 fisioterapeutas, 4 farmacêuticos, 10 dentistas, e 17 médicos (aproximadamente 80% dos profissionais de saúde lotados no hospital). Mediante consentimento dos informantes, gravou-se as entrevistas e, após transcrição, procedeu-se à análise dos dados. Para garantir o anonimato dos informantes estes foram identificados com um código alfanumérico composto pelas letras iniciais da profissão seguida do número de ordem da entrevista.

RESULTADOS

O exame dos dados possibilitou a construção de 3 categorias de análise. São elas: trabalho em equipe, percepção dos papéis profissionais e equipe multiprofissional, esta com duas subcategorias: como é vista e expectativas.

Trabalho em equipe

O trabalho em equipe é considerado importante, porém, difícil. É visto como uma maneira de dividir as responsabilidades e de se alcançar mais rapidamente a recuperação da saúde do paciente. Essa visão é justificada com o fato de que cada profissional tem uma percepção diferente da situação, e a "união" das diferentes percepções facilita a compreensão do todo, permitindo vislumbrar o paciente na sua totalidade. Requer entrosamento a fim de se evitar tropeços e (re)trabalho. O trabalho em equipe é considerado como uma fonte de aprendizado, por permitir o contato com outras experiências através do diálogo profissional e das discussões de casos. O que pode ser ilustrado com a fala a seguir.

No trabalho em equipe você amplia seus conhecimentos, você pode tirar dúvidas, [...] a gente vai trabalhando com pessoas de outras áreas você melhora seu diagnóstico, seu poder de visão como um todo do paciente é melhor.

Percepção dos papéis profissionais

Todos os informantes visualizam papéis diferenciados para os integrantes da equipe de saúde. Alegaram que é difícil essa definição quando há número insuficiente de profissionais. Razões diferentes foram apontadas para essa diferenciação e se resumem em: existência de hierarquia, existência de leis que regulamentam as profissões e a impossibilidade de se conhecer tudo sobre tudo, daí surgirem os papéis complementares. Evidenciou-se, na fala dos informantes, uma imagem de discriminação/desqualificação dos demais profissionais por parte dos médicos.

Eu vejo assim, talvez seja até antiético eu estar falando, eu vejo uma discriminação muito grande por parte do médico com relação ao restante do pessoal de branco, ou seja, da área da saúde.

O papel do farmacêutico

O papel do farmacêutico foi claramente delimitado em três áreas de atuação: gerência, bioquímica e farmácia propriamente dita. Há maior expectativa, por parte de médicos, enfermeiros e dentistas, quanto à orientação e esclarecimentos de efeitos colaterais e interações medicamentosas. A atuação como bioquímico aparece em segundo lugar como a mais desejada, sendo o auxílio no diagnóstico clínico apontado como justificativa. A gerência é caracterizada pela responsabilidade, creditada pelos informantes, pela aquisição, controle e distribuição de medicamentos e material médico-hospitalar. Outra área citada como sendo de competência do farmacêutico diz respeito à Comissão de Controle de Infecções Hospitalares, contudo, não foram explicitadas as atividades que seriam por ele desempenhadas. Compete, aqui, relatar que um dos informantes considera o farmacêutico desnecessário na equipe de saúde. Segundo ele, o bioquímico é quem tem papel imprescindível

... eu não consigo enxergar a necessidade de um farmacêutico numa equipe multidisciplinar não. O papel de um bioquímico eu acho que é importante, para poder ajudar a gente no suporte de alguns exames complementares. Sobre o farmacêutico eu não consigo enxergar papel importante para ele não.

Alguns informantes afirmaram que, embora conseguissem visualizar as atividades dos farmacêuticos na farmácia e no laboratório, não tinham clareza quanto ao seu papel.

Papel do médico

O médico é visto como o profissional "porta de entrada" do paciente, ou seja, recebe-o, faz o diagnóstico clínico, elabora o plano terapêutico e faz os encaminhamentos necessários. Os informantes estabeleceram como papel principal do médico o diagnóstico clínico. Quanto ao tratamento, existem algumas divergências: a maioria dos informantes o considera de responsabilidade do médico, mas executado conjuntamente com outros profissionais; outros consideram que o tratamento é uma ação complementar dos diferentes profissionais e cada um terá sua responsabilidade sobre ele.

O médico é visto também como coordenador da atuação da equipe de saúde, sendo responsável por orientar e supervisionar o trabalho dos demais profissionais. Ele foi definido também como profissional de pouca visão, preconceituoso, resistente ao trabalho em equipe, centralizador das ações, "o todo poderoso".

Olha o médico é treinado para ser da forma como ele é. [...] os médicos mais antigos têm muita resistência de trabalhar em equipe, [...] As pessoas que já se formaram há mais tempo têm muito preconceito. [...] elas se sentem realmente superiores.

Papel do dentista

A imagem construída do dentista na equipe não é nítida. Ele é percebido como "tratador de dentes" e como profissional tecnicamente capaz de diagnosticar e tratar patologias bucais com repercussões sistêmicas, sendo responsável, portanto, por diagnósticos diferenciais importantes dos quais foi citado, com certa freqüência, o câncer de boca. A referência quanto à sua participação na equipe de saúde oscila entre insignificante e dispensável a fundamental e imprescindível. A maioria dos informantes considera o trabalho do dentista de cunho ambulatorial, isolado da equipe de saúde.

O dentista me parece assim muito dado a questões próprias da odontologia. Me parece um setor muito próprio, vejo pouca articulação com o restante dos profissionais de saúde.

Foi verbalizado pelos informantes um processo de mudança na atuação dos dentistas, decorrente da estratégia do Programa de Saúde da Família que, de certa forma, tem contribuído para integrá-lo à equipe.

Papel do psicólogo

O psicólogo é considerado importante para a composição da equipe de saúde, mas sua atuação não foi claramente definida.

O próprio nome já diz, a parte mais subjetiva, psicológica e ele é mais generalista, não foca só num aspecto, ele vê o paciente como todo, eu acho.

A maioria dos informantes verbaliza que cabe ao psicólogo dar apoio emocional ao paciente, à família e à equipe. Apenas um informante fez referência à atuação do psicólogo como profissional capaz de diagnosticar, estabelecer e conduzir um plano terapêutico. Alguns dos informantes, ao descreverem o papel deste profissional, relataram ações vinculadas à resolução de problemas socioeconômicos dos pacientes e respectivas famílias, desconsiderando a existência do assistente social.

... tem o seu papel bem destacado no que ele tem trabalhado, quanto ao apoio psicológico, assistência social, quanto à orientação.

Papel do fisioterapeuta

A atividade de reabilitação foi a mais citada. Esta foi dividida em reabilitação motora, reabilitação respiratória e reabilitação social; ou seja, reintegração do paciente ao meio social ao qual pertence. Alguns informantes assinalaram que o papel do fisioterapeuta é de coadjuvante do trabalho médico.

Eu acho que é um papel de coadjuvante. [...] Mas a gente trabalha como coadjuvante sim.

Outros o percebem como um profissional capaz de promover a saúde, diagnosticar e tratar patologias que envolvem os diferentes sistemas orgânicos, limitando o indivíduo em suas ações cotidianas. Dois dos informantes fizeram referência ao fato de que os fisioterapeutas, de maneira geral, preferem o trabalho ambulatorial e pouco interagem com a equipe de saúde.

Papel do nutricionista

Os discursos evidenciaram que auxiliar na dieta dos pacientes e profissionais é a função principal do nutricionista. A avaliação nutricional e a educação alimentar foram as outras descrições do papel do nutricionista. O nutricionista foi considerado um profissional que depende do médico para atuar e é visto como coadjuvante do trabalho desse profissional.

Orientações a respeito de dieta, sugestão com relação a prescrição da dieta. [...] quando ele prescreve uma dieta, essa dieta primeiro tem que passar pelo crivo do médico.

Ele é percebido como pouco participativo, mas é considerado importante para a equipe de saúde. Dois dos informantes mencionaram que, além da nutrição clínica, o nutricionista tem papel importante na área da indústria de alimentos. Um dos informantes considera o nutricionista o único profissional capaz de elaborar cardápios saudáveis e adequados às necessidades individuais dos pacientes, sem que esses onerem o orçamento hospitalar ou doméstico.

Papel do enfermeiro

Os informantes têm uma visão múltipla a esse respeito. Atribuem ao enfermeiro ações no campo administrativo, no campo assistencial e no campo educacional. O papel administrativo do enfermeiro foi o mais citado pelos informantes. As funções administrativas foram subdivididas em três áreas de atuação: processo de trabalho, ambiente institucional e equipe de saúde. As ações descritas dizem respeito à provisão de recursos para que os atos de saúde se realizem, à manutenção de equipamentos, à organização e à limpeza das unidades assistenciais, além de ações de interação com todos os membros da equipe de saúde, quer seja providenciando o necessário para o cuidado ao paciente, quer seja como agente detentor de informações.

Os informantes delinearam duas maneiras de os enfermeiros agirem quando assistem o paciente, verbalizando que o enfermeiro tem ações diretas, exemplificando-as com procedimentos invasivos mais complexos e ações indiretas, citando como exemplo a supervisão dos cuidados prestados.

Quanto à atividade educativa, os informantes explicitaram que o enfermeiro é responsável por treinar os demais membros da equipe de enfermagem, orientando-os tecnicamente, repassando-lhes conhecimentos necessários para a realização dos procedimentos e treinando-os para o serviço e em serviço.

A equipe multiprofissional

Como é vista

Indicou-se anteriormente que os informantes consideram o trabalho em equipe importante e uma fonte de aprendizado. A imagem que se construiu, aqui, da equipe a partir de suas falas é a de "um quebra-cabeças" no qual as peças se encaixam "perfeitamente" e o produto final retrata um todo complexo.

Os informantes fizeram referência ao fato de que nem todos os profissionais conhecem o papel, a função ou a competência de seus colegas de equipe. Mencionaram uma disputa pelo poder e também um medo de perder espaço e status profissional, bem como a existência de "feudos" profissionais difíceis de penetrar. Assinalaram que essa dificuldade é decorrente do precário diálogo entre os profissionais, o que dificulta as inter-relações entre os membros da equipe e indicam a falta de espaço adequado para realização de reuniões ou encontros.

Os informantes citaram distanciamento maior do profissional médico dos demais profissionais da equipe, referindo que esse, comumente se coloca em um pedestal, o que dificulta a aproximação. Atribuíram às Universidades a responsabilidade pelo desconhecimento dos distintos papéis profissionais e pelo escasso entrosamento da equipe, uma vez que a academia não promove atividades conjuntas/integradas durante o processo de formação. Eles também mencionaram que quando uma situação foge à rotina de trabalho, ou seja, quando acontece "algo errado", há um jogo de empurra quanto à responsabilidade pelo ocorrido.

As expectativas

Os profissionais entrevistados mostraram-se desejosos de que haja melhor definição de propósitos para o trabalho e melhor entrosamento entre os membros da equipe. Que cada profissional faça a sua parte e que todos os integrantes da equipe se tornem capazes de ouvir e respeitar o outro.

Eles pensam que, quando se conhece bem o que se faz e o que o outro faz, há melhor desempenho, o que proporciona melhoria da atenção dada ao paciente. Afirmam que o contato diário entre os membros da equipe tende a melhorar as inter-relações e a diminuir a sobrecarga e o estresse do trabalho.

Emergiu dos discursos a existência, por parte de alguns profissionais, de dependência do médico para a tomada de decisões. Os médicos, por sua vez, colocam-se como o centro decisório e puxam para si a supervisão do trabalho dos outros profissionais.

DISCUSSÃO

Alguns autores(7-12) se dedicaram ao estudo do tema em questão. Um desses (7) dedicou-se especificamente ao estudo do atendimento multiprofissional ao paciente hipertenso, apontando uma definição clara do papel exercido por cada profissional, dada pela própria especificidade de cada um e referindo que algumas das ações dentro da equipe são óbvias. Neste estudo, constatou-se o oposto: os membros da equipe de saúde conhecem pouco sobre os papéis profissionais de seus companheiros de equipe. Tal fato evidencia que não se tem expectativas claras quanto ao que cada profissional deva/possa fazer nessa equipe e nem clareza quanto à maneira como um profissional poderia complementar o trabalho do outro.

O entrosamento entre os membros de uma equipe tem relação direta com as metas da instituição na qual trabalham e com o tipo de tarefa que se propõem desenvolver(8). É essa relação que "define" os objetivos e os obstáculos com os quais a equipe se depara.

A equipe aqui investigada está inserida em uma organização militar. Inferiu-se que o contexto comum a essas instituições (hierarquia, priorização das atividades militares) possa ter influenciado nos dados obtidos, embora todos os entrevistados exercessem também atividades em outras organizações de saúde.

Ficou evidente que, dentre os profissionais da equipe multidisciplinar, o que tem seu papel delimitado de forma mais clara é o médico. A seguir, aparecem o enfermeiro e o farmacêutico. O psicólogo é o profissional cujo papel é o mais "obscuro". Foi referido seu apoio ao paciente e à família durante a internação, bem como à equipe. Contudo, não fica explícito nas falas como esse apoio ocorre e qual seu significado.

Apesar de o enfermeiro ser o segundo profissional com o papel melhor delimitado, há por parte dos sujeitos uma série de expectativas em torno de seu papel. Os médicos, em especial, esperam que ele se dedique mais ao cuidado, mas afirmam que ele é imprescindível na administração.

Constatou-se que, embora considerados membros da equipe de saúde, os dentistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos foram apontados como muito distantes da equipe, por desenvolverem seu trabalho, na maior parte do tempo, em nível ambulatorial. O fato leva a pensar que o trabalho em equipe, na perspectiva dos informantes, se restringe ao cotidiano hospitalar. Ressalta-se que apenas três deles ampliaram sua visão para além dos hospitais. A situação evidencia e reforça uma prática de atenção à saúde hospitalocêntrica centrada num modelo biológico-curativo de intervenção terapêutica(3).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivenciou-se um momento em que a interdisciplinaridade é discutida e apontada como panacéia para os "desencontros do mundo atual". No entanto, os dados deste trabalho levam a indagar como desenvolver a interdisciplinaridade se no cotidiano de trabalho há desconhecimento sobre o que e como as disciplinas se complementam. Como se pode praticar a interdisciplinaridade se se desconhece o papel profissional de cada membro da equipe?

Concordamos que "a interdisciplinaridade só obtém êxito como forma de conhecimento e prática científica na medida em que a disciplina utilizadora (e igualmente, o sujeito que a pratica) se apropria da disciplina utilizada, passando rigorosamente por dentro da sua problemática"(13).

Nesse sentido a interdisciplinaridade representa toda atividade desenvolvida e vivenciada a partir de distintos enfoques, integrando diferentes conteúdos e convergindo-os para determinado objetivo. Em outras palavras, abrange um fenômeno que deve ser analisado sob a ótica de diversos ramos do conhecimento de tal forma que os vários profissionais envolvidos o visualizam na sua totalidade(14).

Verificou-se que, mais uma vez, a dicotomia teoria/prática ficou evidente. O discurso acadêmico é o interdisciplinar, mas, no mundo do trabalho é a disciplinaridade quem reina (são os "feudos" das especialidades que prevalecem). Neste estudo foi possível verificar que é a própria academia, através de seu processo formador, quem perpetua a prática disciplinar. Explora-se pouco as atividades conjuntas, e quando essas ocorrem não possibilitam aos participantes perceber a importância do papel profissional desempenhado pelos diferentes membros e sua ligação com o seu próprio papel.

A aproximação que se faz da visão que os integrantes da equipe de saúde têm de seus companheiros foi rápida e restringiu-se a um único local de prática. Portanto, tem seus limites. Pensa-se que trabalhos semelhantes, que envolvam um maior número de informantes, devem ser desenvolvidos. Talvez, os mesmos possam subsidiar a construção de uma prática de saúde verdadeiramente em equipe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 15.8.2005

Aprovado em: 13.9.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2005
  • Aceito
    03 Jul 2006
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