Preditores da intenção de trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade de trabalho, instituição de saúde e profissão^*

Resumos

Objective:

to identify the factors related to the nursing workers’ intention to leave the work unit, health institution and profession.

Method:

cross-sectional study with quantitative approach was carried out with 267 nursing workers from seven emergency units in Brazil. For data collection, we used the Questionnaire of socio-demographic, life style and work and health aspects as well as the Work Ability Index, Workplace violence questionnaire, questions about intention to leave and the Turnover Intention Scale. The predictors of intentions to leave were evaluated through Poisson regression models.

Results:

workplace violence increased and better satisfaction with current job decreased the probability of greater intention to leave the unit, institution and profession. Better work ability decreased the probability of greater intention to leave the unit and profession. The more qualified workers and those who had been working in the institution longer was more likely to greater intention to leave the profession.

Conclusion:

promoting job satisfaction, work ability and a violence-free environment is possible to decrease the workers’ intention to leave the job or profession, but nursing managers need to understand the three phenomena of intention to quit individually for retention strategies.

Descriptors:
Intention; Employment; Occupations; Nursing; Nurses; Workplace Violence

Objetivo:

identificar los factores relacionados con la intención de los trabajadores de enfermería de dejar la unidad de trabajo, la institución de salud y la profesión.

Método:

se realizó un estudio transversal con enfoque cuantitativo con 267 trabajadores de enfermería de siete unidades de emergencia en Brasil. Para la recopilación de datos, utilizamos el Cuestionario de aspectos sociodemográficos, de estilo de vida y de trabajo y salud, así como el Índice de Capacidad para el Trabajo, el Cuestionario de violencia en el trabajo, las preguntas sobre la intención de dejar y la Escala de Intención de Rotación. Los predictores de intenciones de dejar fueron evaluados a través de modelos de regresión de Poisson.

Resultados:

la violencia en el trabajo aumentó y una mejor satisfacción con el trabajo actual disminuyó la probabilidad de una mayor intención de dejar la unidad, la institución y la profesión. Una mejor capacidad para el trabajo disminuyó la probabilidad de una mayor intención de dejar la unidad y la profesión. Los trabajadores más calificados y aquellos que han trabajado en la institución por más tiempo tenían más probabilidades de una mayor intención de dejar la profesión.

Conclusión:

promoviendo la satisfacción laboral, la capacidad para el trabajo y un ambiente libre de violencia es posible disminuir la intención de los trabajadores de dejar el trabajo o la profesión, pero los gerentes de enfermería deben comprender los tres fenómenos de intención de dejar individualmente para estrategias de retención.

Descriptores:
Intención; Empleo; Ocupaciones; Enfermería; Enfermeros; Violencia Laboral

Introdução

A escassez de trabalhadores de enfermagem é um fenômeno global e atualmente motivo de preocupação para vários países. O envelhecimento da população em geral e da força de trabalho em enfermagem, aliado ao aumento da demanda por assistência à saúde, diminuição do interesse pela carreira de enfermagem e desejo de jovens enfermeiros em abandonar sua profissão são alguns dos fatores que contribuem para a atual falta de profissionais de enfermagem^(1-8). Estes fatores constituem a escassez real de pessoal na enfermagem, e alguns autores destacam a possibilidade de uma pseudoescassez, em que o número de trabalhadores de enfermagem é suficiente, mas muitos destes profissionais não estão dispostos a trabalhar sob as condições oferecidas por algumas organizações de saúde^(7,9).

No entanto, a falta de trabalhadores de enfermagem é um desafio para os sistemas de saúde, considerando a capacidade em cuidar das pessoas, os padrões de qualidade da assistência prestada e o alcance geral de saúde^(1,10-12); isso ocorre porque a enfermagem é responsável pela maior parte dos cuidados prestados nos serviços de saúde⁽⁷⁾. Estudos indicam que o número inadequado de enfermeiros pode contribuir para resultados negativos, tais como mortalidade de pacientes, infecções e eventos adversos^(7,13-14). Além disso, a redução da equipe de enfermagem torna os trabalhadores remanescentes responsáveis por um número maior de pacientes, o que aumenta sua carga de trabalho e estresse, bem como contribui para a insatisfação no trabalho e burnout ^(7,10,15-16).

Por isso, a retenção de trabalhadores de enfermagem é uma questão particularmente importante para o sistema de saúde e, inicialmente, requer a compreensão dos fatores associados à intenção dos trabalhadores de deixar seu emprego e profissão em cada país⁽⁸⁾. Como os fatores são diferentes entre os países, é relevante analisá-los em contextos nacionais para apoiar planos de ação específicos⁽⁸⁾.

Na América Latina, que inclui o Brasil, estudos sobre recrutamento e retenção de trabalhadores de enfermagem estão incluídos nas prioridades de pesquisa em enfermagem⁽¹⁷⁾. Também, as estimativas indicam que, para cada 100 jovens, haverá 153 idosos em 2040 no Brasil, o que requer preparação do sistema de saúde⁽¹⁸⁾. No entanto, o número de estudos sobre a manutenção de uma força de trabalho de enfermagem especializada e suficiente para a atenção à saúde, a fim de evitar a falta destes trabalhadores no país, ainda é restrito. Diante deste cenário, realizou-se o presente estudo para identificar os fatores relacionados à intenção de trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade de trabalho, instituição de saúde e profissão. Esse é um dos poucos estudos que avaliaram estas três formas de intenção em deixar entre os trabalhadores de enfermagem brasileiros.

Método

Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado com 267 trabalhadores de enfermagem que atuavam em sete unidades de emergência em três instituições públicas de saúde no Brasil, sendo duas no interior do Estado de São Paulo e, uma, no interior do Estado de Santa Catarina. O trabalho em unidades de emergência inclui cuidar de pacientes com condições complexas muitas vezes inesperadas e estar em contato com familiares ansiosos⁽¹⁹⁾. Nestas unidades, em geral, há tempo de espera prolongado devido ao aumento da carga de trabalho e alta demanda^(19-20). Com isso, considera-se que os trabalhadores de enfermagem da emergência estão expostos a situações que podem levar à exaustão física e mental (por exemplo, situações de violência no trabalho), além de contribuir para a intenção de trabalhadores de enfermagem experientes em deixar seu emprego ou instituição de saúde^(19-22). O Comitê de Ética em Pesquisa da universidade de vínculo dos pesquisadores aprovou este estudo (número CAAE: 41225814.4.0000.5404).

Participaram do estudo enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, que são categorias profissionais que integram a equipe de enfermagem no Brasil. Os trabalhadores atuavam nas unidades há pelo menos três meses, considerando a importância do período de trabalho para a experiência profissional na unidade de emergência, assim como contato com suas características. Para compor a amostra utilizou-se esquema de amostragem probabilístico que incluiu estratificação por unidade de trabalho e categoria profissional, além de amostra aleatória de trabalhadores. De acordo com as atribuições de cada profissional na equipe de enfermagem, foram definidas duas categorias para o esquema amostral, sendo: (i) enfermeiros e (ii) técnicos ou auxiliares de enfermagem.

Para o cálculo amostral foi considerada proporção p igual a 0,50; nível de significância igual a 5% e erro de 5%, o que gerou o tamanho amostral mínimo de 201 trabalhadores de enfermagem. Excedeu-se esta amostra mínima e dados foram coletados de 267 trabalhadores, assegurando taxa de resposta de 63,7%. Para garantir a equivalência e manter rigorosamente os critérios do esquema amostral, o número de participantes que excedeu o tamanho mínimo da amostra foi definido considerando proporção adicional equivalente às três instituições de saúde. Por fim, distribuiu-se este número de acordo com o número de trabalhadores em cada unidade de trabalho e categoria profissional. Os profissionais afastados do trabalho (por exemplo, de licença médica, férias) não participaram deste estudo.

A coleta de dados foi realizada de 2015 a 2017. Os trabalhadores foram abordados individualmente em suas unidades de trabalho pela primeira autora, que forneceu informações sobre a pesquisa e convidou-lhes a participar de forma voluntária e anônima. O termo de consentimento livre e esclarecido registrou o desejo dos trabalhadores em fazer parte do estudo. Os formulários retornaram na mesma data do convite, enquanto a pesquisadora permanecia na unidade para apoiar ou esclarecer dúvidas, ou em outro horário acordado entre as partes. Nesta última situação, a pesquisadora retornou à unidade para coleta dos formulários.

Para coleta de dados sobre o perfil da amostra utilizou-se o Questionário de aspectos sociodemográficos, estilo de vida, trabalho e saúde (QSETS)⁽²³⁾. Este questionário foi desenvolvido no Brasil e tem sido utilizado em diferentes projetos de pesquisa na área de saúde ocupacional há duas décadas, incluindo estudos envolvendo trabalhadores de enfermagem⁽²³⁾. O QSETS permitiu a coleta de dados referentes às variáveis: (i) variáveis sociodemográficas: sexo, idade, estado civil, ter filhos e escolaridade; (ii) variáveis de estilo de vida e aspectos da vida: prática de atividade física, satisfação com a vida atual, estresse, cansaço e/ou desânimo após o trabalho, dormir bem após o trabalho e número de atividades de lazer; (iii) condições de saúde: saúde comparada e problemas de saúde nos últimos 15 dias; e (iv) características relacionadas ao trabalho: categoria profissional, tempo de trabalho na unidade e instituição de saúde, idade do primeiro emprego e satisfação com o emprego atual⁽²³⁾.

Aplicou-se a Escala de Intenção de Rotatividade (EIR) para avaliar a intenção dos trabalhadores em deixar a instituição de saúde. Essa é uma escala desenvolvida e validada no Brasil, que permite ao trabalhador expressar em que medida planeja, pensa e deseja sair da instituição. As opções de resposta variaram de um (nunca) a cinco pontos (sempre), e uma pontuação média foi gerada. O escore foi classificado em alta ou média intenção (3 a 5 pontos) e baixa intenção (1 a 2,9 pontos).¹

Duas questões avaliaram a intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade de trabalho e a profissão. As perguntas foram: (i) você tem a intenção de deixar de trabalhar na unidade de emergência em que se encontra atualmente? (ii) você tem a intenção de deixar a sua profissão? As respostas variaram de zero (sem intenção) a dez (forte intenção)⁽²⁴⁾. Em ambas as intenções os escores foram classificados em duas categorias, a saber: sem intenção ou baixa intenção (até cinco pontos) e maior intenção (pontuação superior a cinco pontos).

Para avaliar a capacidade para o trabalho empregou-se o Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT)⁽²⁵⁾. Esse índice é originalmente finlandês e foi validado para uso no Brasil⁽²⁶⁾. A pontuação varia de 7 a 49 pontos, e indica melhor capacidade à medida que aumenta⁽²⁵⁾.

Um questionário organizado a partir de medidas anteriores e da literatura acessou a experiência de violência no trabalho nos últimos 12 meses, especificamente três tipos de violência: abuso verbal, assédio sexual e violência física⁽²⁷⁾. Cinco especialistas em validação de medidas, violência no local de trabalho e prática de enfermagem avaliaram o questionário por meio da validade aparente⁽²⁷⁾. Considerou-se vítima de violência no trabalho aqueles que sofreram pelo menos um dos três tipos de violência. Da mesma forma, esse critério definiu as testemunhas de violência no local de trabalho. Além do mais, estes três tipos de violência apoiaram a classificação em categorias de análise: não sofreu, sofreu um tipo, sofreu dois ou todos os três tipos de violência; e não testemunhou, testemunhou um tipo, testemunhou dois ou todos os três tipos de violência.

Para análise dos dados utilizou-se o Statistical Analysis for the Social Sciences (SPSS^®, versão 20.0) e o Statistical Analysis System (SAS^®, versão 9.4). Primeiramente, foi analisada a intenção em deixar a unidade de trabalho, instituição de saúde e profissão usando a estatística descritiva. Em seguida, o teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher permitiram avaliar a existência de associações estatisticamente significantes entre as intenções em deixar e as outras variáveis categóricas. O teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis analisaram se havia diferença entre os grupos de intenção em deixar com relação às variáveis numéricas. Os dados não aderiram à distribuição normal a partir dos testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, o que apoiou o uso de testes não paramétricos. Finalmente, as variáveis que resultaram em p-valor menor que 0,20 nas análises foram inseridas como variáveis independentes no modelo de regressão de Poisson correspondente a cada intenção em deixar^(28-29). A inserção de variáveis independentes ocorreu em grupos com variáveis semelhantes (por exemplo, grupo de variáveis demográficas-estado civil e escolaridade). A estrutura dos modelos respeitou etapas e inseriu-se um grupo de variáveis em cada etapa⁽²⁸⁾. As variáveis com significância estatística na etapa atual de análise permaneceram no modelo para análise na próxima etapa⁽²⁸⁾. As variáveis sexo, idade e local de trabalho ajustaram os três modelos. Considerou-se como nível de significância p-valor menor que 0,05.

Resultados

Neste estudo, 73% eram técnicos ou auxiliares de enfermagem e os demais eram enfermeiros. A idade média foi de 39,2 anos (desvio padrão - DP 9,9), variando de 21 a 68 anos. O tempo médio de trabalho na unidade de emergência foi de 5,5 anos (DP 5,7) e 7,9 anos (DP 7,4) na instituição de saúde.

Com relação à intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade de trabalho a média foi de 2,9 (DP 3,4), variando de zero a dez. Um total de 24,1% dos trabalhadores manifestou maior intenção em deixar a unidade. Na Tabela 1 são apresentadas as etapas 6.1 e 6.2 que destacam os resultados do modelo de regressão de Poisson. Existem duas etapas porque diferem quanto à inserção das variáveis de violência no local de trabalho em dois formatos. Nas duas etapas os trabalhadores que apresentaram percepções mais positivas sobre sua satisfação com o trabalho atual (nem satisfeitos, nem insatisfeitos; satisfeitos ou muito satisfeitos) estavam menos propensos a manifestar maior intenção em deixar a unidade do que os trabalhadores insatisfeitos ou pouco satisfeitos. Na análise a probabilidade de maior intenção em deixar foi ainda menor no grupo satisfeito ou muito satisfeito com o emprego em relação aos trabalhadores nem satisfeitos, nem insatisfeitos (Tabela 1). Neste estudo, o alfa de Cronbach para o ICT foi de 0,70.

Tabela 1
Preditores da intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade de trabalho, Campinas, SP, Chapecó, SC, Brasil, 2015-2017 (n=220)^*

		Etapa 6.1
Variáveis independentes	RP†	Intervalo de confiança (95%)		p-valor
		Limite inferior	Limite superior
Satisfação com o trabalho atual (nem satisfeito, nem insatisfeito)‡	0,55	0,34	0,88	0,0128
Satisfação com o trabalho atual (satisfeito ou muito satisfeito)‡	0,33	0,13	0,84	0,0208
Sofreu um dos três tipos de violência no trabalho§	2,71	1,29	5,69	0,0083
Sofreu dois ou todos os três tipos de violência no trabalho§	2,29	1,03	5,09	0,0418
Capacidade para o trabalho	0,93	0,90	0,97	0,0002
		Etapa 6.2
Variáveis independentes	RP†	Intervalo de confiança (95%)		p-valor
		Limite inferior	Limite superior
Satisfação com o trabalho atual (nem satisfeito, nem insatisfeito)‡	0,54	0,34	0,87	0,0111
Satisfação com o trabalho atual (satisfeito ou muito satisfeito)‡	0,33	0,13	0,86	0,0236
Sofreu violência no trabalho (sim)||	2,58	1,24	5,37	0,0115
Capacidade para o trabalho	0,93	0,90	0,97	0,0002

• ^*
  Modelo de regressão de Poisson para estimar a probabilidade de maior intenção em deixar a unidade de trabalho (ajustado por idade, sexo e local de trabalho), n = 220 considerando dados ausentes;
• ^†
  RP = razão de prevalência;
• ^‡
  Satisfação com o trabalho atual (insatisfeito ou pouco satisfeito) (referência);
• ^§
  Quantos tipos de violência no trabalho foram sofridos (não sofreu) (referência);
• ^||
  Sofreu violência no trabalho (não) (referência)

Além da satisfação com o trabalho atual identificou-se que a violência no trabalho e a capacidade para o trabalho predisseram a intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade. As vítimas de violência no trabalho estavam mais propensas a quererem deixar a unidade do que as não vítimas. Bem como, para cada ponto aumentado no escore de capacidade para o trabalho (melhor capacidade), a probabilidade de maior intenção em deixar diminuiu 7% (Tabela 1).

Por outro lado, verificou-se que 80,2% dos trabalhadores de enfermagem tinham baixa intenção em deixar a instituição e 19,8% média ou alta intenção. A satisfação com o trabalho atual e a violência no trabalho também foram preditores da intenção dos trabalhadores em deixar a instituição, em ambas as etapas. Os profissionais satisfeitos ou muito satisfeitos com o seu trabalho atual, nem satisfeitos/nem insatisfeitos, estavam menos propensos a ter média ou alta intenção em deixar do que o grupo insatisfeito ou pouco satisfeito. Nas vítimas de violência no trabalho identificou-se maior probabilidade de média ou alta intenção em deixar a instituição do que as não vítimas. A probabilidade de média ou alta intenção em deixar a instituição foi 215% maior entre as vítimas de um tipo de violência no local de trabalho, e 241% maior entre os trabalhadores que sofreram dois tipos ou mais, tendo como grupo de referência as não vítimas (Tabela 2). Neste estudo, o alfa de Cronbach para a EIR foi de 0,92.

Tabela 2
Preditores da intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a instituição de saúde, Campinas, SP, Chapecó, SC, Brasil, 2015-2017 (n=210)^*

		Etapa 6.1
Variáveis independentes	RP†	Intervalo de confiança (95%)		p-valor
		Limite inferior	Limite superior
Satisfação com o trabalho atual (nem satisfeito nem insatisfeito)‡	0,43	0,25	0,73	0,0019
Satisfação com o trabalho atual (satisfeito ou muito satisfeito)‡	0,20	0,05	0,83	0,0266
Sofreu um dos três tipos de violência no trabalho§	3,15	1,36	7,32	0,0076
Sofreu dois ou todos os três tipos de violência no trabalho§	3,41	1,44	8,11	0,0055
Capacidade para o trabalho	0,97	0,93	1,01	0,1286
		Etapa 6.2
Variáveis independentes	RP†	Intervalo de confiança (95%)		p-valor
		Limite inferior	Limite superior
Satisfação com o trabalho atual (nem satisfeito nem insatisfeito)‡	0,43	0,25	0,74	0,0022
Satisfação com o trabalho atual (satisfeito ou muito satisfeito)‡	0,20	0,05	0,82	0,0259
Sofreu violência no trabalho (sim)||	3,23	1,43	7,29	0,0047
Capacidade para o trabalho	0,97	0,93	1,01	0,1272

• ^*
  Modelo de regressão de Poisson para estimar a probabilidade de média ou alta intenção em deixar a instituição de saúde (ajustado por idade, sexo e local de trabalho), n = 210 considerando dados ausentes;
• ^†
  RP = razão de prevalência;
• ^‡
  Satisfação com o trabalho atual (insatisfeito ou pouco satisfeito) (referência);
• ^§
  Quantos tipos de violência no trabalho foram sofridos (não sofreu) (referência);
• ^||
  Sofreu violência no trabalho (não) (referência)

A intenção em deixar a profissão foi em média 2,2 (DP 3,4), variando de zero a dez, e 17,3% dos trabalhadores tinham maior intenção em deixá-la. A satisfação com o trabalho atual, escolaridade, capacidade para o trabalho e tempo de trabalho na instituição foram variáveis independentes relacionadas com a intenção dos trabalhadores em deixar a profissão nas duas etapas do modelo. Os dados revelaram que os profissionais nem satisfeitos, nem insatisfeitos com o trabalho atual estavam menos propensos a relatar maior intenção em deixar a profissão do que o grupo insatisfeito ou pouco satisfeito. A probabilidade de maior intenção em deixar foi ainda menor entre os trabalhadores satisfeitos ou muito satisfeitos com o trabalho atual, considerando o mesmo grupo de referência. A probabilidade de maior intenção em deixar a profissão foi maior entre os graduados e pós-graduados do que no grupo com até nível técnico; e para cada ponto adicional no escore de capacidade para o trabalho, a probabilidade de maior intenção em deixar diminuiu 5%. Além disso, para cada ponto adicional no tempo de trabalho na instituição, a probabilidade de maior intenção em deixar aumentou 8% (Tabela 3).

Tabela 3
Preditores da intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a profissão, Campinas, SP, Chapecó, SC, Brasil, 2015-2017 (n=228)^*

		Etapa 5.1
Variáveis independentes	RP†	Intervalo de confiança (95%)		p-valor
		Limite inferior	Limite superior
Escolaridade (graduação incompleta)‡	0,87	0,36	2,12	0,7638
Escolaridade (graduação)‡	2,51	1,13	5,57	0,0242
Escolaridade (pós-graduação)‡	2,60	1,19	5,67	0,0161
Satisfação com o trabalho atual (nem satisfeito nem insatisfeito)§	0,35	0,20	0,61	0,0002
Satisfação com o trabalho atual (satisfeito ou muito satisfeito)§	0,07	0,01	0,44	0,0044
Tempo de trabalho na instituição (em anos)	1,08	1,03	1,13	0,0011
Sofreu um dos três tipos de violência no trabalho||	1,32	0,73	2,38	0,3581
Sofreu dois ou todos os três tipos de violência no trabalho||	2,05	1,03	4,08	0,0396
Capacidade para o trabalho	0,95	0,91	0,99	0,0215
		Etapa 5.2
Variáveis independentes	RP†	Intervalo de confiança (95%)		p-valor
		Limite inferior	Limite superior
Escolaridade (graduação incompleta)‡	0,94	0,37	2,40	0,8957
Escolaridade (graduação)‡	2,33	1,05	5,19	0,0375
Escolaridade (pós-graduação)‡	2,55	1,16	5,59	0,0196
Satisfação com o trabalho atual (nem satisfeito nem insatisfeito)§	0,38	0,21	0,68	0,0013
Satisfação com o trabalho atual (satisfeito ou muito satisfeito)§	0,07	0,01	0,43	0,0040
Tempo de trabalho na instituição (em anos)	1,08	1,03	1,13	0,0028
Capacidade para o trabalho	0,95	0,91	0,99	0,0108

• ^*
  Modelo de regressão de Poisson para estimar a probabilidade de maior intenção em deixar a profissão (ajustado por idade, sexo e local de trabalho), n = 228 considerando dados ausentes;
• ^†
  RP = razão de prevalência;
• ^‡
  Escolaridade (até nível técnico) (referência);
• ^§
  Satisfação com o trabalho atual (insatisfeito ou pouco satisfeito) (referência);
• ^||
  Quantos tipos de violência no trabalho foram sofridos (não sofreu) (referência)

Outro preditor da intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a profissão foi o número de tipos de violência no trabalho sofridos durante o último ano. A probabilidade de maior intenção em deixar foi 105% maior nas vítimas de dois tipos ou mais de violência, tendo como grupo de referência as não vítimas (Tabela 3).

Discussão

Na literatura é evidente a importância de se conhecer a intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade, instituição ou profissão e o porquê desejam sair do trabalho e da enfermagem^(8,30-31). Assim, considerou-se essa recomendação e a necessidade de ampliar estudos sobre o tema no Brasil para desenvolver este projeto de pesquisa⁽³²⁾, bem como a importância do reconhecimento contextual para o futuro desenho de ações focadas na retenção de trabalhadores e na promoção da qualidade do cuidado^(33-34).

Os resultados deste estudo indicaram que a satisfação com o trabalho atual está relacionada à intenção em deixar a unidade, instituição e profissão no Brasil. Outros estudos demonstraram resultados semelhantes, destacando a influência da satisfação no trabalho sobre a intenção do trabalhador em deixar o trabalho, posição e campo de atuação^{(21-22,31-32,35-37)}. Esse fato sugere que promover a satisfação no trabalho pode ser uma possibilidade de diminuir a intenção em deixar e de melhorar as taxas de retenção^{(21-22,31-32,35-37)}. Por outro lado, como esse conceito geralmente envolve mais de um fator, para promover a intenção dos trabalhadores em continuar trabalhando na unidade, instituição ou profissão, será necessário, em alguns casos, conhecer os fatores de base que levam a diferentes níveis de satisfação com o trabalho e que consequentemente contribuem para a intenção em deixar⁽³⁵⁾.

Evidenciou-se que os trabalhadores de enfermagem com maiores níveis de qualificação estavam mais propensos a expressar maior intenção em deixar sua profissão, concordando com uma revisão integrativa da literatura sobre a intenção de enfermeiros em deixar a profissão⁽¹¹⁾. Os trabalhadores mais qualificados podem representar perda significativa para as instituições, sistemas de saúde e cuidados de enfermagem. Além disso, pesquisadores revelaram a relação entre a educação do enfermeiro e a probabilidade de morte dos pacientes, indicando que o aumento de 10% de enfermeiros bacharéis em enfermagem diminui a mortalidade de pacientes em 9%⁽¹⁴⁾. Desta forma é evidente que a educação é um fator que pode contribuir para se obter melhores resultados no atendimento ao paciente^(13-14).

Também, autores consideram o ambiente de trabalho um fator relevante nos estudos sobre a intenção dos trabalhadores em deixar^(35,38). O presente estudo apresentou a violência no trabalho como preditor das três formas de intenção em deixar analisadas. Constatou-se que a probabilidade de média ou alta intenção em deixar a instituição aumentou à medida que o número de tipos de violência sofridos foi maior, mas esse resultado não foi comum na intenção em deixar a unidade, por exemplo. Utilizou-se no estudo uma variável que representa os tipos de violência sofridos e não o impacto e o número de vezes que os trabalhadores sofreram, fato que pode se relacionar com o resultado⁽³⁹⁾. De qualquer forma, estudos desenvolvidos em vários países, tais como Inglaterra, China e Gana, também identificaram correlações entre a violência no trabalho e a intenção de trabalhadores em deixar a instituição e sua profissão^{(21,30-31,40)}. Os resultados obtidos, associados com pesquisas anteriores, sugerem que promover condições de trabalho, boas relações interpessoais, segurança e apoio dos supervisores são estratégias que podem contribuir para melhorar a retenção de trabalhadores de enfermagem^(36,41).

Da mesma forma, o presente estudo sugere que os gerentes precisam avaliar e promover a capacidade para o trabalho, a fim de manter os trabalhadores na unidade e na profissão, o que concorda com outra pesquisa⁽⁴¹⁾. A literatura confirma a influência da baixa capacidade para o trabalho no aumento da intenção em deixar a unidade, emprego e profissão^(41-42). Neste contexto, estratégias voltadas à construção de boas relações interpessoais são importantes, pois podem neutralizar o impacto da baixa capacidade para o trabalho sobre a intenção em deixar⁽⁴¹⁾. A manutenção da capacidade para o trabalho também pode contribuir para a retenção de trabalhadores mais experientes, que possuem significante papel no ensino, cuidado e gestão em enfermagem, como resultado dos conhecimentos estruturados ao longo da sua carreira^(6,41). No presente estudo, entretanto, os trabalhadores mais experientes da instituição estavam mais propensos a quererem deixar a profissão. É evidente que os gestores necessitam prestar atenção a esses detalhes e encontrar alternativas de ação, enquanto os trabalhadores têm a intenção mas ainda não optaram definitivamente pela saída da instituição e, posteriormente, da profissão em enfermagem^{(11,33,43-44)}.

Este estudo tem algumas limitações. Primeiro, as características do estudo transversal não permitem o estabelecimento de relações causais, embora indiquem a influência de determinadas variáveis nos resultados de interesse⁽⁴³⁾. Em segundo lugar, buscou-se garantir o uso de questionários com propriedades psicométricas conhecidas, mas isso não foi possível em todos os casos. Por outro lado, especialistas avaliaram o questionário sobre violência no local de trabalho durante o processo de validade de face, e o questionário de dados sociodemográficos integra diversos estudos na área da saúde ocupacional ao longo dos anos. No Brasil, a baixa disponibilidade de medidas validadas para avaliar a violência no trabalho é um desafio para os pesquisadores desse tema⁽²⁷⁾. Terceiro, o tamanho da amostra foi definido para estimar a proporção de violência no trabalho, considerando o eixo central deste estudo e a existência de mais de um resultado. Outra limitação é a avaliação dos eventos anteriores de violência no local de trabalho, que exigiam recordação dos participantes. Nesses casos, existe a possibilidade de viés de memória, mas os autores reconhecem que os eventos são melhor lembrados quando marcados por experiências negativas ou relacionados a fatores de risco (por exemplo, violência no trabalho) e quando os participantes são questionados a fornecer detalhes sobre o mesmo⁽⁴⁵⁾.

Esta pesquisa sobre a intenção de trabalhadores de enfermagem em deixar sua posição tem implicações para as organizações de saúde e novos estudos. Reconhece-se a relevância deste tema no Brasil, assim como a importância de conhecer a força de cada fator na intenção em deixar dentro de grupos específicos, tais como em categorias profissionais e pessoas em diferentes fases de carreira e vida. Os fatores de retenção entre os trabalhadores mais jovens e as pessoas que trabalham por mais tempo podem ser diferentes, e os dois grupos são importantes para o desempenho da instituição e do sistema de saúde ao trabalharem coletivamente.

Nesse contexto é interessante destacar que nem todos os trabalhadores que sofreram violência no trabalho manifestaram intenção em deixar. Entende-se que a intenção em deixar e a saída efetiva do trabalhador, quando não motivada por boas novas oportunidades, pode estar relacionada à existência de equilíbrio ou desequilíbrio em outros domínios (afetivo/emocional, familiar, financeiro ou relacionamento interpessoal/social). Os estudos sobre trajetórias de vida e profissional podem ser importantes nesse sentido, e precisam articular as fases da carreira e da vida, bem como a rede de apoio individual e coletiva.

A permanência de trabalhadores mesmo determinados a deixar a unidade, instituição ou profissão é outro elemento que requer atenção em termos de saúde do trabalhador, interação paciente/profissional e cuidado de enfermagem. O fato de trabalhar em um ambiente indesejado pode ser uma experiência altamente negativa para a saúde do trabalhador, principalmente quando a regulação das emoções é frágil. Dessa forma, estudar a intenção dos trabalhadores de enfermagem em deixar a unidade, instituição e profissão é importante para monitorar a dinâmica destas intenções e, posteriormente, agir com antecedência, evitando crises na força de trabalho da enfermagem brasileira e em outros países.

Conclusão

A partir deste estudo conclui-se que a violência no trabalho e a satisfação com o trabalho atual são fatores importantes para a retenção de trabalhadores de enfermagem, pois predisseram as três formas de intenção em deixar. Melhor capacidade para o trabalho também diminuiu a probabilidade de maior intenção em deixar a unidade, assim como a profissão. Dessa forma, apontou-se alguns fatores comuns entre a intenção em deixar a unidade, instituição e profissão; no entanto, existem elementos que se relacionam apenas a uma destas três formas. Os resultados sugerem que, ao promover a satisfação no trabalho, a capacidade para o trabalho e um ambiente seguro com relação à violência no trabalho, é possível diminuir a intenção dos trabalhadores em deixar o emprego ou a profissão. Entretanto, os gestores de enfermagem precisam compreender os três fenômenos individualmente para propor estratégias de retenção da força de trabalho em enfermagem de acordo com os objetivos da instituição ou do sistema de saúde.

• *
  Artigo extraído da tese de doutorado “Capacidade para o trabalho, violência e intenções de abandono entre trabalhadores de enfermagem”, apresentada à Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem, Campinas, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) - Processo nº 2016/06128-7, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo nº 162825/2014-5 e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Processo nº 01-P-3481/2014, Brasil.
• 1
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Agradecimentos

Aos trabalhadores por permitirem o estudo.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  21 Dez 2018
• Aceito
  19 Ago 2019