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Tecendo significados do processo deliberativo da gestão colegiada na enfermagem1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Tecendo significados na gestão colegiada de um curso de graduação de enfermagem na perspectiva da complexidade", apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Resumos

OBJETIVO:

compreender os significados das deliberações colegiadas, atribuídos pelos seus membros, em um curso de graduação em enfermagem.

MÉTODO:

Teoria Fundamentada nos Dados, sendo entrevistados 30 participantes, constituindo 4 grupos amostrais, entre janeiro e junho de 2012, numa instituição pública de ensino superior.

RESULTADO:

emergiram 5 categorias, apontando o fenômeno e tecendo o modelo paradigmático: compreendendo a experiência das relações e interações complexas nas deliberações em gestão colegiada de enfermagem - entrelaçando divergências, convergências, diálogos, coletividades e diversidades. Esse processo deliberativo apresenta diversos significados envolvendo discussão, posições divergentes, convergentes e complementares, mediante diálogo, comprometimento e negociação.

CONCLUSÃO:

as deliberações no colegiado de enfermagem entrelaçam diálogos, coletividades e diversidades, moldando as tessituras complexas relacionais.

Educação Superior; Organização e Administração; Tomada de Decisões; Enfermagem


OBJECTIVE:

to understand the meanings of the collegiate deliberations attributed by its members on an undergraduate nursing course.

METHOD:

Grounded Theory, interviews being held with 30 participants, making up 4 sample groups, between January and June 2012, in a public higher education institution.

RESULT:

5 categories emerged, indicating the phenomenon and weaving the paradigmatic model: Understanding the experience of the complex relationships and interactions in the deliberations of collegiate management in nursing: intertwining divergences, convergences, dialogs, collectivities and diversities. This deliberative process presents various meanings involving discussion, and divergent, convergent and complementary positions, through dialog, commitment and negotiation.

CONCLUSION:

the deliberations in the collegiate of nursing, intertwining dialogs, collectivities and diversities, mold the complex relational fabrics.

Education, Higher; Organization and Administration; Decision Making; Nursing


OBJETIVO:

comprender los significados de las deliberaciones colegiadas atribuidos por sus miembros en un curso de enfermería.

MÉTODO:

se utilizó la Teoría Fundamentada en los Datos, habiéndose entrevistado 30 participantes constituyendo con ellos 4 grupos muestrales, entre enero y junio de 2012, en una institución pública de enseñanza superior.

RESULTADO:

surgieron 5 categorías, apuntando el fenómeno y tejiendo el modelo paradigmático comprendiendo la experiencia de las relaciones e interacciones complejas en las deliberaciones en la gestión colegiada de enfermería: entrelazando divergencias, convergencias, diálogos, colectividades y diversidades. Este proceso deliberativo presenta diversos significados en los que participan: discusión, posiciones divergentes, convergentes y complementarias, mediante diálogo, comprometimiento y negociación.

CONCLUSIÓN:

las deliberaciones en el colegiado de enfermería entrelazan diálogos, colectividades y diversidades, moldando las complejas contexturas relacionales.

Educación Superior; Organización y Administración; Toma de Decisiones; Enfermería


Introdução

A globalização, a tecnologia e a informação vêm fortemente influenciando o processo de viver humano, repercutindo no âmbito social, educacional, político, econômico e cultural, ao mesmo tempo promovendo novas construções e discussões acerca da gestão universitária, tanto na esfera política quanto no contexto acadêmico( 11. Calderon AI, Pedro RF, Vargas MC. Responsabilidade social da educação superior: a metamorfose do discurso da UNESCO em foco. Interface. 2011;15(39):1185-98. ).

A complexidade da sociedade contemporânea tem incentivado o surgimento de novos processos e modelos de educação, currículos e metodologias ativas, no processo de ensinar e aprender e de gestão por meio de novas abordagens gerenciais como, por exemplo, a gestão colegiada. Desse modo, torna-se salutar para o desenvolvimento de docentes, discentes e demais envolvidos, da organização/ambiente, romper com a gestão tradicional de outrora, embasada no controle, na certeza, e incorporar na prática profissional novos modelos de gestão numa perspectiva compartilhada e participativa. Para acompanhar o avanço e as novas exigências na formação profissional de saúde, em especial do enfermeiro, é necessária a realização de mudanças no processo de ensino-aprendizagem, adaptando o indivíduo à realidade contemporânea, sobretudo à complexidade e à imprevisibilidade característica do trabalho em saúde( 22. Silva KL, Sena RR. Ensino de enfermagem: buscando a formação crítico-reflexiva e as competências profissionais. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(5):755-61. ).

A universidade caracteriza-se como um lócus privilegiado que favorece a produção, apropriação e socialização do saber para agregar, fomentar, construir, incentivar a produção de ciência, tecnologias e inovações, visando impulsionar a formação e qualificação dos indivíduos. Por esse prisma, a universidade( 33. Sampaio RM, Laniado RN. Uma experiência de mudança da gestão universitária: o percurso ambivalente entre proposições e realizações. Rev Adm Pública. 2009;4(1):151-74. ) é parte de uma sociedade civil capaz de garantir a liberdade, igualdade, justiça e a possibilidade de um bem viver. Nessa direção, a universidade se desenvolve por meio do entrelaçar de suas dinâmicas relacionais e funcionais, sendo que a estrutura formal e administrativa apenas suporta esse conjunto( 44. Kanan LA, Zanelli, JC. Envolvimento de docentes-gestores com o trabalho no contexto universitário. Psicol Soc. 2011;23(1):56-65. ).

A partir da década de 1970, destaca-se, nas práticas gerenciais utilizadas pelas Instituições de Ensino Superior (IES), o modelo de gestão colegiada. Destarte, a gestão colegiada configura-se como um "novo" modelo de gestão utilizado nas IESs que, por sua vez, é entendido como uma estrutura coletiva, deliberativa, autônoma, que busca compartilhar decisões em prol da resolução dos problemas e demandas que emergem nesse cenário.

O colegiado representa um novo modelo de gestão, cujas principais características são a descentralização na tomada de decisão, a aproximação e participação plural dos atores envolvidos no contexto( 55. Bernardes A, Cecilio LC de O, Évora YDM, Gabriel CS, Carvalho MB Modelo de gestão colegiada e descentralizada em hospital público: a ótica da equipe de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;19(4):1003-10. ). Logo, a tomada de decisão faz parte do cotidiano laboral do profissional de enfermagem. A participação dos docentes e discentes no colegiado assume fundamental importância, pois potencializa a condução administrativa, pedagógica e deliberativa, amparada legalmente por normas e regulamentos institucionais. O processo decisório é participativo, coletivo e compartilhado pelos representantes do colegiado, os quais estão imersos numa tessitura complexa de interações e associações, de conhecimento e saberes entre as partes e o todo, o todo e as partes e as partes entre si, com pano de fundo de retroatividades e recursividades de ações, relações e retroações( 66. Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 15ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2008. ).

Diante desse cenário, considera-se importante produzir novos conhecimentos acerca da gestão colegiada e do processo deliberativo, para fortalecer a tomada de decisão de forma compartilhada, democrática e participativa, sobretudo alavancar a formação profissional rumo à excelência. Para tal, questiona-se: quais os significados das deliberações colegiadas, atribuídos pelos seus membros em um curso de graduação em enfermagem. Estabeleceu-se como objetivo compreender os significados das deliberações colegiadas, atribuídos pelos seus membros, em um curso de graduação em enfermagem.

Metodologia

Estudo qualitativo, ancorado na Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) de Strauss e Corbin( 77. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ). Realizado em uma universidade pública da Região Sul do Brasil, no período de fevereiro a junho de 2012, por meio de seleção intencional, entrevista individual e semiestruturada. Integrantes do estudo: docentes, discentes e funcionários envolvidos direta e indiretamente com o colegiado do curso de enfermagem, divididos em quatro grupos amostrais, perfazendo 30 participantes.

Os dados foram coletados e analisados de forma concomitante, sendo que, por meio da saturação do primeiro grupo amostral, novas hipóteses e perguntas foram construídas, avançando e aprofundando o conteúdo em direção ao próximo grupo amostral, assim, sucessivamente, para os demais grupos. A partir da consistência da formação dos grupos amostrais emergiu o fenômeno (categoria central) e respectivo modelo paradigmático.

O primeiro grupo amostral foi composto por seis docentes integrantes do colegiado do curso de graduação em enfermagem. Para integrar esse era necessário que o docente tivesse vivenciado a experiência de atuar no colegiado do curso de graduação de enfermagem. A pesquisa teve início a partir da seguinte pergunta inicial: fale-me qual o significado das deliberações colegiadas no curso de graduação em enfermagem. A elaboração das questões subsequentes foi direcionada a partir das respostas dos entrevistados.

O segundo grupo amostral foi alcançado com 11 participantes. Os critérios de inclusão foram possuir cargos de gestão/coordenação e vivenciar experiências de cunho deliberativo. Emergiram hipóteses apontando que o colegiado é um cenário regido por normas, regulamentos, leis, que possibilitam a construção de relações e interações entre seus pares com interface entre docentes de outros departamentos e sem experiência no colegiado. A questão norteadora foi: qual o significado das deliberações e da experiência colegiada no curso de enfermagem?

O terceiro grupo amostral constitui-se de oito participantes, sendo que os critérios para inclusão desse grupo foram: ser docente do curso de enfermagem, porém, integrante de outro departamento. A hipótese foi que são construídas relações e interações entre os docentes e discentes representantes do colegiado. Assim, constituiu- se um quarto grupo amostral com cinco participantes discentes, dividindo-se entre aqueles com e sem experiência no colegiado.

As entrevistas, à medida que eram realizadas e transcritas, foram inseridas no software NVIVO(r)(8), permitindo organização e classificação das informações coletadas. A coleta e análise dos dados ocorreram simultaneamente, seguindo as etapas propostas pela TFD: codificação aberta, axial e seletiva. Desse modo, os códigos foram sendo reagrupados, originando as categorias e subcategorias( 77. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ).

A codificação e a análise dos dados conduziram à identificação de cinco componentes (contexto, causa, condição interveniente, estratégias e consequências), conforme a perspectiva paradigmática da TFD, sustentando o fenômeno e tecendo o modelo paradigmático: compreendendo a experiência das relações e interações complexas nas deliberações em gestão colegiada de enfermagem - entrelaçando divergências, convergências, diálogos, coletividades e diversidades.

A primeira categoria Construindo a teia significados e interface da experiência colegiada caracterizou o contexto do fenômeno, com quatro subcategorias. A segunda categoria Conhecendo a diversidade que permeia a gestão colegiada e o processo de formação no curso de enfermagem representou a condição causal do fenômeno, com uma subcategoria. A categoria Vislumbrando as deliberações colegiadas numa perspectiva plural e singular foi a estratégia, com cinco subcategorias. A categoria Comunicação e gestão de conflitos no processo de deliberações esfera colegiada foi a condição interveniente, constituindo-se por duas subcategorias. A categoria Destacando a importância do colegiado para fortalecimento da formação profissional remete à consequência do fenômeno com três subcategorias.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob Parecer nº 2285/11. Os aspectos éticos foram respeitados em todas as etapas da pesquisa, como prevê a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Os depoimentos dos participantes foram identificados com as letras "GA, GB, GC", seguidos do número ordinal (ex.: GA1; GA2; GB3; GB4...).

Resultados

O processo de codificação e a comparação constante dos dados, somados à sensibilidade teórica, possibilitaram identificar o fenômeno do estudo. Serão apresentadas as categorias e suas respectivas subcategorias, imersas na pluralidade e singularidade das relações, interações que permeiam o processo de gestão universitária.

Construindo a teia de significados e interfaces da experiência colegiada

A categoria foi composta por três subcategorias. A primeira subcategoria foi identificada Significando as experiências no colegiado do curso de enfermagem. Os depoimentos revelaram os significados atribuídos à experiência colegiada como a avaliação, a organização, a resolutividade.

O significado do colegiado é de avaliar o curso para saber as fortalezas e as fragilidades (GA02).

Significa organização, resolutividade dos problemas, é uma interlocução entre diferentes opiniões (GA06).

O colegiado tem o significado de comprometido, busca desenvolver o melhor entre os colegas, com os colegas, para os colegas, principalmente, para os alunos (GC13).

Em contrapartida, na segunda subcategoria, Percebendo a gestão colegiada como um espaço compartilhado e participativo, os participantes revelaram depoimentos contraditórios em relação à gestão compartilhada no colegiado.

Você compartilha as decisões, tarefas, elementos do processo formativo do profissional (GD20).

O colegiado vejo como ir lá e votar, decidir A ou B, sempre dois caminhos, não há uma gestão compartilhada (GA05).

Vejo como um momento de votação, não como gestão compartilhada não (GB12).

A terceira subcategoria intitula-se Caracterizando o colegiado como um espaço de representatividade. Nessa subcategoria, os participantes mencionaram que o colegiado possibilita aproximação entre docentes e discentes.

É importante trazer mais os alunos para as reuniões para maior aproximação dos acadêmicos, trazê-los para os espaços de decisão (GE22).

Conhecendo a diversidade que permeia a gestão colegiada e o processo de formação.

Esta categoria apresenta a subcategoria: Convivendo com a diversidade que entrelaça a gestão colegiada e a formação profissional. Para os participantes, trabalhar com a diversidade é conviver com a pluralidade, flexibilidade e ambiguidade.

Lidar com a diversidade é: um quer ir para o norte, outro que ir para o sul, um pensa que é amarelo, outro pensa que é vermelho, um defende rigorosamente princípios, o outro a sua flexibilização. Como lidar com isso? É difícil, não tem uma fórmula mágica, uma receita (GC15).

Temos uma diversidade de pessoas de origens diferenciadas, porém tem um objeto comum (GD17).

É na pluralidade das experiências que se constroem as melhores possibilidades para a formação (GC13).

Vislumbrando as deliberações colegiadas numa perspectiva plural e singular

Esta categoria divide-se em cinco subcategorias A primeira subcategoria, Significando as deliberações no contexto organizacional do colegiado, revela os significados mencionados pelos participantes do estudo, os quais emergem das experiências e vivencias no colegiado que sustentam a prática profissional, conforme as falas a seguir.

O significado de ser um compromisso prático, concreto e não burocrático de decisão formal (GB7).

Significa um processo de discussão, tomada de decisão por um grupo que tem a responsabilidade de implementação, daquelas ideias, do modelo, da estrutura que foi acordada, uma deliberação sempre passa por definições e escolhas (GA3).

Acho que significa resolver, o assunto é resolutividade, é encontrar o caminho e a saída (GA6).

A segunda subcategoria denomina-se Explicitando o processo de deliberação e o consenso no colegiado. Os participantes apontaram que o processo deliberativo requer o conhecimento e a compreensão das razões pelas quais se está deliberando, pois não existem escolhas únicas. Como pode se observar na assertiva, a saber:

Se eu tenho uma questão a ser deliberada, tenho que compreender a questão, fazer um contexto do problema, tem que pensar nas possíveis alternativas, não acho que só tenha um caminho, são múltiplas escolhas e uma vai ser mais correta, olhando por um lado, outra pode ser mais correta, olhando por outro lado, tem que pensar no impacto para o curso e para o coletivo (GC14).

Os participantes ressaltaram que é difícil trabalhar com o consenso, o qual está atrelado à diversidade e se constrói na pluralidade, conforme as falas a seguir.

Só tem consenso se existir a diversidade. Onde não houve a diversidade que consenso é esse? (GE22).

É difícil trabalhar com o consenso, porque pra negociar, você precisa ceder e isso nem sempre na nossa cultura é aceito, estamos lidando com valores e valores têm a ver com subjetividade (GC13).

Conhecendo e cumprindo com a legislação na esfera colegiada do curso de enfermagem remete à terceira subcategoria. As falas evidenciaram a importância em se ter informação e conhecimento sobre leis e regulamentos normativos.

Tem pessoas bem informadas, das novas legislações, da universidade, do enfermeiro (GB12).

Como é importante um processo de argumentação e as pessoas estarem fundamentadas nas normas nas leis, no seu conhecimento, na sua experiência, isso tudo ajuda com relação à formação, na compreensão do que é um processo de ensino-aprendizagem, no final esse conjunto de ideias forma uma deliberação (GC15).

A quarta subcategoria foi identificada como Deliberando coletivamente no colegiado de enfermagem. Os participantes revelaram que o trabalho coletivo, articulado e participativo potencializa novas relações, interações.

Não tenho dúvidas de que o fazer coletivo, articulado e participativo propicia novas possibilidades de relações entre os atores envolvidos no processo, melhorando o diálogo e a convivência na universidade (GA02).

Quando você pode tomar uma decisão ouvindo, discutindo tomando em conjunto com as pessoas envolvidas é mais sólido, é mais embasado, dá segurança e respaldo (GB10).

Na quinta subcategoria, Apontando estratégias para deliberar no colegiado, os participantes mencionaram como estratégias a deliberação informada e o planejamento numa perspectiva de fluxo contínuo.

A estratégia é o planejamento que vem de fluxo contínuo, pra ver a interlocução das pessoas (GA03).

Acredito em deliberação informada, você só pode julgar e opinar o que você conhece (GE21).

Comunicação e gestão de conflitos no processo de deliberação na esfera colegiada

Na primeira subcategoria, Convivendo com o conflito/divergências/convergências nas relações profissionais colegiadas, os participantes apontaram a necessidade de entender o conflito como um "dispositivo de transformações", ou seja, como possibilidade de renovação e mudanças na dinamicidade organizacional.

A primeira questão do conflito é enfrentar e entender ele como um dispositivo, um disparador da transformação. Essa é a riqueza das diferentes possibilidades de resolução de um conflito (GE22).

Ainda, o conflito é construído nas relações interpessoais estabelecidas nos espaços organizacionais complexos, como ilustram as falas a seguir.

O conflito faz parte das relações e nem sempre é fácil compreender isso quando se está nele, porque quando a gente está no conflito as emoções são exacerbadas. Sua origem, quase sempre parece estar na divergência (GB13).

Na segunda subcategoria, Vislumbrando a perspectiva dialógica e a comunicação no entrelaçar das/nas relações profissionais da organização colegiada, os participantes expressaram que, no colegiado, o diálogo, a interlocução e a troca de informações apresentam fragilidades, principalmente entre os estudantes.

A interlocução com a comunidade de alunos e de professores é muito frágil, sobretudo com os alunos, porque tem um número menor de representante (GB09).

Reforço e reitero que, às vezes, o diálogo é pouco no colegiado (GE23).

Vejo que a comunicação dentro do colegiado é pouco efetiva (GB12).

Destacando a importância do colegiado para fortalecimento da formação profissional

Na primeira subcategoria, Tendo uma atuação profissional em defesa da enfermagem, os depoimentos expressaram a preocupação dos representantes do colegiado em formar profissionais com conhecimentos, aptidões técnicas e cognitivas, habilidade.

A gente trabalha pra que, no final, se obtenha um profissional formado o melhor possível (GA02).

Estamos formando pessoas com competências e habilidades técnicas, políticas e filosóficas (GA06).

Tenho preocupação com a formação profissional do enfermeiro, o enfermeiro tem que conhecer a biologia, patologias, anatomia, mesmo que ele não vá trabalhar em hospitais (GA04).

A segunda subcategoria, Vivenciando a transição do perfil dos estudantes e a participação no colegiado do curso de enfermagem, os depoimentos apontam mudanças no cenário social que refletem na prática profissional e implicam novas relações e perspectivas no mundo do trabalho em um contexto emergente.

A participação é importante, não tem como pensar em formação sem pensar no aluno (GB07).

Os meus alunos são diferentes há 35 anos, novos valores foram engendrados e novas perspectivas de vida, novas tecnologias que permitem novas relações, no momento atual, outras coisas estão sendo fomentadas (GC13).

A terceira subcategoria configura-se como Revelando as ações deliberadas no colegiado e o processo de formação no curso de enfermagem. Os participantes revelaram que as ações e deliberações do colegiado abarcam aspectos técnicos, administrativos, didáticos, pedagógicos que visam atender a dinâmica curricular, as demandas dos docentes, discentes e da instituição.

Se algum tema foi posto em debate, para ser deliberado, foi gerado como necessidade dos alunos, dos professores, da instituição (GB10).

A relação de aluno professor, transferência de curso, chegada de novos alunos, o acolhimento dos alunos novos, formatura, transferência de outras universidades (GE25).

A quarta subcategoria foi Sendo necessária a realização de capacitação pedagógica na esfera colegiada. Os participantes enfatizaram a necessidade de uma capacitação pedagógica e instrumentalização técnica para aprimorar suas ações pedagógicas.

É burocrático do trabalho do professor, cabe ao colegiado fazer capacitação pedagógica do professor (GE23).

Propor oficinas de trabalho, discutir pedagogicamente o instrumento de avaliação, estratégias pedagógicas, o modo de construir a enfermagem (GC18).

Uma instrumentalização técnica de como ocorre, do ponto de vista teórico, para o conhecimento sobre o processo de gestão, como gerenciar conflitos, trabalhar com decisões compartilhadas (GB09).

As relações e integrações entre as categorias e as subcategorias resultaram no fenômeno e modelo paradigmático representado na figura a seguir.

Figura 1
Representação do fenômeno e modelo paradigmático: compreendendo a experiência das relações e interações complexas nas deliberações em gestão colegiada de enfermagem - entrelaçando divergências, convergências, diálogos, coletividades e diversidades

Discussão

Cada participante foi singular e plural ao emitir suas percepções, seus entendimentos e seus significados a respeito da experiência colegiada e deliberativa, de modo que é possível a inferência de que a gestão colegiada está imersa em uma teia de significados, múltiplos, distintos e complexos. A partir da experiência dos participantes, foram emitidos os significados acerca das deliberações em enfermagem, ancorados na objetividade e subjetividade, que permeiam relações, interações e associações de um cenário dinâmico, veloz e complexo( 88. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 11 ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO; 2006. ).

Nessa direção, um estudo revelou significados sobre o trabalho para docentes gestores como, por exemplo, que o mesmo possibilitava a construção de projetos de vida e ajudava a manter a sua individualidade. Por outro lado, poderia gerar insatisfações pessoais de modo a refletir no processo de viver do indivíduo( 33. Sampaio RM, Laniado RN. Uma experiência de mudança da gestão universitária: o percurso ambivalente entre proposições e realizações. Rev Adm Pública. 2009;4(1):151-74. ). As atividades laborais devem repercutir positivamente na vida do indivíduo, pois isso potencializa a satisfação pessoal e o sucesso profissional.

O colegiado, para os participantes do estudo, é um espaço deliberativo com base no comprometimento e responsabilidade em prol do desenvolvimento pessoal, acadêmico, profissional e institucional. Assim, a forma como cada indivíduo defende e declara seus interesses coloca-os ora em posições opostas ora como parceiros. Um estudo aponta que a comunicação e o diálogo são necessários entre os diferentes setores e segmentos da sociedade, pois aproximam as diversas realidades e viabilizam soluções mais concretas, apropriadas e viáveis no âmbito individual e coletivo( 99. Coelho JS. Construindo a participação social no SUS: um constante repensar em busca de equidade e transformação. Saúde Soc. 2012, 21(1):138-51. ).

Para os participantes do estudo, a comunicação e o diálogo deveriam ocorrer de forma mais efetiva e global. Ademais, as informações não devem ser limitadas, fragmentadas, pois podem ofuscar e limitar a possibilidade de vislumbrar o real. Esse resultado corrobora estudo que também retratou dificuldades no processo de comunicação, repercutindo negativamente nas relações pessoais e laborais da organização( 33. Sampaio RM, Laniado RN. Uma experiência de mudança da gestão universitária: o percurso ambivalente entre proposições e realizações. Rev Adm Pública. 2009;4(1):151-74. ).

Os participantes desvelaram entendimentos contraditórios sobre a decisão compartilhada. Nessa perspectiva, viabiliza-se o compartilhamento de ações, encaminhamentos, atividades e decisões em prol das deliberações colegiadas e da formação profissional. Em contrapartida, pode gerar a exclusão, o isolamento, fragmentando as relações e o poder decisório em detrimento de alguns indivíduos. O desafio é fortalecer a participação para um coletivo heterogêneo, pois a diversidade é necessária para sustentar processos deliberativos.

O processo decisório tem como pano de fundo a complexidade, com diversidades, divergências, convergências, contrastes e complementaridades. Nessa perspectiva, um estudo destaca que a deliberação remete à complexidade, pois abarca a incerteza, a subjetividade e a pluralidade das relações e interações humanas e laborais, imersas no ambiente organizacional( 1010. Shimizu T. Decisão nas organizações. 2 ed. São Paulo: Atlas; 2006. ). Deliberar implica em estratégias, diálogo, sensibilidade, criatividade, compreensão da realidade social, econômica e política, fundamentando-se em leis e regimentos da gestão universitária.

O consenso foi constantemente abordado pelos participantes do estudo, como sendo algo importante, porém, em algumas situações, o voto é necessário no colegiado. As ações colegiadas visam atender as necessidades dos discentes, docentes, funcionários e da instituição, com suas singularidades e pluralidades. Por fim, a partir da construção de processos deliberativos fundamentados pelo consenso, pode-se minimizar o surgimento de conflitos.

Nos depoimentos, algumas estratégias para o processo deliberativo foram apontadas, como o planejamento, entretanto, afirmaram a necessidade de fortalecimento e consolidação do planejamento de forma mais incisiva. Um estudo reforçou a necessidade de implementação de planejamento estratégico no âmbito universitário, o planejamento universitário implica em prever e atender as necessidades humanas, econômicas (financeiras), materiais no tocante às esferas acadêmicas e órgãos administrativos( 1111. Moritz M, Moritz GO, Melo MB, Silva FM. A implantação do planejamento estratégico em organizações complexas: o caso da Universidade do Estado de Santa Catarina. Rev Gual. (Florianópolis) ;5(1):228-49. ).

Para os participantes, o conflito é um "disparador de mudança" que se constrói na tessitura das relações e interações. Resultado semelhante pode ser vislumbrado em outro estudo ao revelar que, muitas vezes, o conflito é frequente no exercício gerencial, sendo necessário observar e administrar as situações que possam dificultar ou afetar o desempenho da gerência, com vistas a estimular o crescimento e desenvolvimento coletivos( 1212. Guerra ST, Santos JLG, Prochnow AG, Silva DC, Silva RM, Leite JL, et al. O conflito no exercício gerencial do enfermeiro no âmbito hospitalar. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):362-9. ).

Nessa perspectiva, estudo aponta outros conflitos vivenciados pelos gerentes universitários como, por exemplo, na gestão de pessoas, administração da insatisfação dos conflitos entre os funcionários, ao reunir os docentes, dentre outros. Ainda, os gerentes universitários dedicam grande parte de seu tempo resolvendo problemas, desde o contexto acadêmico-administrativo até a dimensão pessoal, docentes, discentes e funcionários( 1313. Marra AV, Melo MCOL. A prática social de gerentes universitários em uma instituição pública. Rev Adm Contemp. 2005;9(3):9-31. ). É necessário reconhecer a situação de conflito e de forma proativa procurar ouvir, avaliar, refletir e agir adequadamente para solucioná-lo.

O conflito pode emergir em qualquer organização, materializando-se por meio das relações, interações no convívio entre os indivíduos, seja no seio laboral, familiar, social. Nessa direção, o conflito não deve ser ponderado somente nas teorias democráticas, mas como um elemento constitutivo e construtivo do debate público( 1414. Pereira MA. Movimentos sociais e democracia: a tensão necessária. Opin Pública. 2012;18 (1):68-87. ). Após conflito, é necessário reorganização, planejamento e novas ações laborais, para fortalecer as relações e interações entre os profissionais.

A representação viabiliza a participação do indivíduo no processo de decisão nas organizações. Quando um grupo está representativamente fragmentado, pode encontrar dificuldades e tornar-se frágil, no que se refere ao debate e à discussão coletiva. A ampliação do vínculo e do comprometimento legitima a representação, consequentemente, fortalece a dinamicidade organizacional( 99. Coelho JS. Construindo a participação social no SUS: um constante repensar em busca de equidade e transformação. Saúde Soc. 2012, 21(1):138-51. ).

No colegiado, a participação democrática é salutar para uma educação pautada na diversidade e pluralidade de seus representantes. O colegiado pode potencializar a ampliação do saber, do conhecimento e da informação por meio de novas relações e interações, a partir de múltiplas dimensões de ser, saber, conviver numa perspectiva global e complexa. Dessa forma, o docente poderá contribuir para a construção e formação de um profissional direcionado para a excelência na gestão universitária e, de modo geral, no exercício da enfermagem, dotado de conhecimento, ético, qualificado, crítico reflexivo, com habilidades técnicas e conhecimento científico, bem como um ser que valorize aspectos complexos imersos na subjetividade humana.

Conclusão

As categorias encontradas no estudo foram: Construindo a teia de significados e interface da experiência colegiada (contexto); Conhecendo a diversidade que permeia a gestão colegiada e o processo de formação no curso de enfermagem (condição causal); Vislumbrando as deliberações colegiadas numa perspectiva plural e singular (estratégia); Comunicação e a gestão de conflitos no processo de deliberação na esfera colegiada (condição interveniente) e Destacando a importância do colegiado para o fortalecimento da formação profissional (consequência).

Em suma, as categorias encontradas apontam que o colegiado é um espaço deliberativo, o qual necessita da participação coletiva e compartilhada de seus representantes, em que o conflito e o diálogo tecem uma teia complexa de encontros e desencontros, de pluralidades e singularidades. O fenômeno encontrado e modelo paradigmático intitulam-se: "Compreendendo a experiência das relações e interações complexas nas deliberações em gestão colegiada de enfermagem: entrelaçando divergências, convergências, diálogos, coletividades e diversidades".

O processo deliberativo apresenta diversos significados que envolvem a discussão, posições divergentes, convergentes e complementares, comprometimento e negociação. O colegiado é um espaço voltado para as dimensões administrativas, pedagógicas e deliberativas em prol da formação pessoal e profissional. Preocupa-se em contribuir efetivamente com a formação cognitiva, política, cultural, social, técnica e científica, no sentindo de que esse profissional possa ser um agente produtor, construtor e transformador de sua realidade e prática social.

No colegiado, a participação docente, discente, dentre outras, possibilita contrariedades e oposições podendo surgir situações de conflitos, que foram vistas como ingredientes salutares para o desenvolvimento do coletivo. Os processos deliberativos perpassam por idas e vindas, retrocessos e avanços que requerem a participação e comprometimento nas atividades e ações coletivas, em prol do desenvolvimento do colegiado e da formação profissional. Isso aponta para a importância de se estabelecer processos deliberativos descentralizados, consensuais, democráticos, com base na participação e na diversidade.

Destaca-se a escassa participação dos representantes no colegiado, o déficit de comunicação e de estratégias de planejamento na gestão universitária. Desse modo, é importante impulsionar o processo de formação do enfermeiro por meio de conhecimentos e aptidões para trabalhar com o coletivo, no conflito, na diversidade, entre divergências. Impulsionar a formação de habilidades para deliberar de forma compartilhada com base na participação plural entre/com os atores envolvidos nesse contexto, fortalecendo a construção de novas metodologias, estratégias e conhecimentos em prol da qualidade na formação e no exercício profissional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2013
  • Aceito
    12 Dez 2013
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