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Interseções entre resiliência e qualidade de vida em mulheres rurais: estudo de métodos mistos * * Artigo extraído da dissertação de mestrado “Intersecções entre qualidade de vida e resiliência em mulheres rurais: estudo de métodos mistos”, apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.

Resumo

Objetivo:

analisar as interseções entre qualidade de vida e resiliência de mulheres rurais.

Método:

estudo de métodos mistos convergente, no qual foram triangulados um estudo quantitativo de corte transversal e um estudo qualitativo guiado pela da história oral de vida. Os dados foram concomitantemente coletados utilizando-se de um formulário sociodemográfico, da Escala de Resiliência, do Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey e mediante entrevistas abertas. A análise deu-se por estatística descritiva e inferencial e análise temática indutiva, com posterior integração.

Resultados:

constatou-se associação entre o domínio aspectos sociais de qualidade de vida e o grau moderado de resiliência, relacionado às características do cotidiano rural. A integração dos resultados possibilitou reconhecer que a interseção entre os dois construtos, que se influenciam mutuamente, ocorre pela mediação de fatores de proteção para resiliência elaborados pelas mulheres rurais, como a espiritualidade, a formação de redes de apoio social e os sentimentos de encantamento e pertencimento ao seu contexto.

Conclusão:

a partir da elaboração de fatores de proteção, as mulheres rurais desencadeiam atitudes resilientes que contribuem para sua qualidade de vida. A identificação desses fatores permite o desenvolvimento de intervenções psicossociais que podem contribuir para a promoção da saúde da mulher rural.

Descritores:
Mulheres; Zona Rural; Resiliência Psicológica; Qualidade de Vida; Saúde da População Rural; Promoção da Saúde

Abstract

Objective:

to analyze the intersections between rural women’s quality of life and resilience.

Method:

convergent mixed methods design in which a cross-sectional quantitative study is triangulated with a qualitative study guided by Oral History. Data were collected concomitantly, using a socio-demographic form, Resilience Scale, Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey, and open-ended interviews. The analysis was based on descriptive and inferential statistics and inductive thematic analysis, which was integrated later.

Results:

an association was found between the social aspects domain of quality of life and a moderate level of resilience related to the characteristics of life in rural areas. The integration of results enabled verifying that these two constructs (which mutually influence each other) are mediated by protective factors, resilience developed by the rural women, such as spirituality and the formation of social support, enchantment, and a feeling of belonging to their context.

Conclusion:

by developing protective factors, rural women develop a resilient behavior that favors their quality of life. Identifying these factors enables the development of psychosocial interventions to promote rural women’s health.

Descriptors:
Women; Rural Areas; Psychological Resilience; Quality of Life; Rural Health; Health Promotion

Resumen

Objetivo:

analizar las intersecciones entre calidad de vida y resiliencia en mujeres rurales.

Método:

estudio de métodos mixtos convergentes, en el que fueron triangulados un estudio cuantitativo de corte transversal y un estudio cualitativo guiado por la historia oral de vida. Los datos fueron concomitantemente recolectados utilizando formulario: sociodemográfico de la Escala de Resiliencia y del Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey; y, mediante entrevistas abiertas. El análisis se realizó con la estadística descriptiva e inferencial, y con el análisis temático inductivo, con posterior integración.

Resultados:

se constató asociación entre el dominio aspectos sociales de calidad de vida y el grado moderado de resiliencia, relacionado con las características de lo cotidiano rural. La integración de los resultados posibilitó reconocer que la intersección entre los dos constructos, que se influencian mutuamente, ocurre por la mediación de factores de protección para la resiliencia, elaborados por las mujeres rurales, como la espiritualidad, la formación de redes de apoyo social, y los sentimientos de encantamiento y pertenencia a su contexto.

Conclusión:

a partir de la elaboración de factores de protección, las mujeres rurales desencadenan actitudes resilientes que contribuyen para su calidad de vida. La identificación de esos factores permite el desarrollo de intervenciones psicosociales que pueden contribuir para la promoción de la salud de la mujer rural.

Descriptores:
Mujeres; Medio Rural; Resiliencia Psicológica; Calidad de Vida; Salud Rural; Promoción de la Salud

Destaques

(1) A qualidade de vida das mulheres rurais é influenciada pelo seu nível de resiliência.

(2) As mulheres rurais elaboram fatores de proteção que resultam em resiliência.

(3) A resiliência das mulheres rurais influencia sua qualidade de vida.

(4) A abordagem de estudo misto valida os resultados apresentados da investigação.

Introdução

A definição de mulher rural corresponde ao elemento do sexo feminino que reside em âmbito rural e assume, de forma efetiva, um cotidiano característico desse cenário. Possui estrutura familiar e modos de vida relacionados com o campo, empregando seu tempo entre o cuidado do lar e da família e o trabalho rural, designado de agricultura11. Liberato E. Modelos de Desenvolvimento da Mulher Rural: O programa de auscultação à mulher rural em Angola. In: Silva IC, Pignatelli M, Viegas SM, editores. Livro de Atas do 1º Congresso da Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa [Internet]; 2015 Feb 1-5; Lisboa, Portugal. Lisboa: Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa; 2015 [cited 2021 Aug 18]. [p. 9168-72]. Available from: https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/10809/1/CONLAB_Ermelinda%20Liberato.pdf
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Apesar dos avanços que ocorreram nas políticas públicas, como, por exemplo, a aposentadoria rural e o acesso ao crédito, a singularidade das mulheres rurais é assinalada pelas dificuldades socioeconômicas, comportamentais e de saúde em que se encontram inseridas, o que interfere diretamente em sua qualidade de vida (QV)22. Parreira BDM, Goulart BF, Ruiz MT, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA. Anxiety symptoms among rural women and associated factors. Esc Anna Nery. 2021;25(4). doi: http://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0415
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. Historicamente, os processos socioculturais do Brasil rural atribuem diferentes papéis aos gêneros, invisibilizando o papel produtivo das mulheres, consideradas ajudantes dos pais ou maridos nas atividades que geram renda relacionadas com a agropecuária, porém essenciais nas atividades da esfera reprodutiva, relacionadas à manutenção da vida e do lar33. Ferreira APL, Pires LML, Gomes RA. Women farmers and agroecology-based agri-food systems: voices and inspirations of the sertão do Pajeú. Raízes Rev Ciênc Soc Econ. 2021;41(2):280-300. doi: http://doi.org/10.37370/raizes.2021.v41.744
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Em âmbito rural, as mulheres têm vida fortemente marcada pelo ambiente onde vivem, estando sua saúde diretamente associada às suas condições de vida e de trabalho, as quais originam riscos para agravos e adoecimento. Os aspectos relacionados ao gênero repercutem até mesmo em condições mais negativas da QV das mulheres rurais44. Bortolotto CC, Mola CL, Tovo-Rodrigues L. Quality of life in adults from a rural area in Southern Brazil: a population-based study. Rev Saúde Pública. 2018;52(Suppl 1):4s. doi: http://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000261
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, construto subjetivo e multidimensional que inclui aspectos como saúde biopsicossocial, crenças pessoais, grau de independência, relações características ambientais e relações sociais, conforme a Organização Mundial da Saúde55. The World Health Organization. Quality of Life Assessment Group. The World Health Organization. Quality of Life Assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med. 1995;41(10):1403-9. doi: http://doi.org/10.1016/0277-9536(95)00112-k
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Não obstante, a questão da invisibilidade do trabalho feminino no meio rural não afasta sua perseverança e coragem de empenhar-se por melhores condições de vida, o que pode ser suscitado pela elaboração de processos de resiliência. Esta é entendida como um conceito que ilustra a flexibilidade de um indivíduo em mobilizar seus recursos próprios para adaptar-se e enfrentar situações adversas, visando a manutenção do equilíbrio biopsíquico66. Melo JO, Romani PF. Resilience of Haitian immigrants to the adaptation process in the new country: mental health impacts. Psicol Argum. 2019;37(96):184-206. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.37.96.AO03
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O desenvolvimento deste estudo possibilita desvendar as nuances relacionadas à QV da mulher rural, atentando que as diversas iniquidades contextuais afetam sua história de vida e o seu processo saúde-doença-cuidado. Permite ainda contribuir para a elaboração de intervenções e políticas públicas que resultem em melhorias na QV e, consequentemente, na promoção da saúde das mulheres rurais, que deve de ser compreendida como um fenômeno mais abrangente que a doença. Sob essa ótica, cumpre-se afirmar que a melhoria da QV representa um dos maiores desafios para as políticas públicas direcionadas às populações do campo77. Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Inequality in access to health services between urban and rural areas in Brazil: a disaggregation of factors from 1998 to 2008. Cad Saúde Pública. 2018;4(6). doi: http://doi.org/10.1590/0102-311X00213816
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Acredita-se que a QV e a resiliência são aspectos que não podem ser apreendidos apenas pela utilização de dados objetivos, mas sobretudo pela imersão na subjetividade, sendo que sua confluência dará fidedignidade ao processo que esta investigação intenciona analisar. Em vista disso, propõe-se a seguinte questão mista de pesquisa: como as perspectivas das mulheres rurais corroboram os resultados de que sua resiliência possui interseções com sua QV?

Com vistas a responder a esse questionamento, este estudo objetivou analisar as interseções entre qualidade de vida e resiliência de mulheres rurais.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo de métodos mistos convergente, no qual elementos qualitativos (QUAL) e quantitativos (QUAN) são concomitantemente implementados, igualmente priorizados (QUAN + QUAL) e mantidos independentes durante o processo de análise, sendo os resultados combinados durante a interpretação geral. Adotou-se perspectiva implícita de teorização, ancorada no pragmatismo, paradigma proposto para os métodos mistos88. Creswell JW, Plano Clark VL. Designing and conducting mixed methods research. 3. ed. Los Angeles: SAGE; 2017..

Foram triangulados um estudo QUAN de corte transversal e um estudo QUAL guiado pela história oral de vida. Ressalta-se que a coleta e a análise dos dados ocorreram de forma simultânea, mas independente, e a integração dos dados foi realizada após as análises de cada um dos estudos separadamente.

Cenário

O estudo foi desenvolvido no município de Nazarezinho, localizado no alto sertão do estado da Paraíba, Brasil, classificado como um município predominantemente rural pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com população de cerca de 7.280 habitantes, dos quais 4.096 (56,26%) residiam na zona rural, conforme dados do último censo demográfico (2010).

População

A população do estudo correspondeu a 112 mulheres rurais cadastradas em uma microárea e acompanhadas por uma Unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) rural. A escolha da microárea se deu por conveniência, relacionada ao reconhecimento do campo e de suas vias de acesso pelo pesquisador principal.

Critérios de seleção

Foram incluídas mulheres rurais a partir de 18 anos de idade que concordaram em participar da pesquisa e que realizassem ou tivessem realizado, em algum momento da vida, atividades relacionadas à agropecuária e/ou ao extrativismo. Foram excluídas do estudo mulheres que, apesar de residirem em território rural, não possuíam modos de vida relacionados com ele, bem como aquelas que eram domiciliadas em área rural há menos de seis meses.

Definição da amostra

No estudo QUAN, utilizou-se amostragem por conveniência, sem reposição, calculada com o estabelecimento de erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%, considerando fórmula99. Barbetta PA. Estatística aplicada às ciências sociais. 4. ed. Florianópolis: Editora da UFSC; 2001. em que N representa o número de elementos da população (112), n0 uma aproximação inicial para o tamanho amostral (400) e E0 o erro amostral tolerável (0,0025). Com isso, alcançou-se a um quantitativo de 87 mulheres rurais.

No estudo QUAL, a seleção das participantes baseou-se nos conceitos da história oral de comunidade de destino (mulheres rurais do município Nazarezinho), colônia (mulheres rurais acompanhadas por uma ESF rural e que residiam na microárea de estudo), rede e ponto zero1010. Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2019.. A rede foi estabelecida a partir da indicação do ponto zero (primeira entrevista), iniciada a partir da indicação de uma mulher rural pela Agente Comunitária de Saúde (ACS) que realizava a cobertura da microárea.

A mulher rural indicada pela ACS (ponto zero) indicou uma segunda mulher rural para participar do estudo, que por sua vez indicou a colaboradora seguinte, até o encerramento da seleção das participantes, que se deu quando os argumentos possibilitaram responder à questão do estudo e começaram a se tornar repetitivos, conforme recomendado pelo referencial adotado de história oral1111. Meihy JCSB. Manual de história oral. 5. ed. São Paulo: Loyola; 2018.. Isso posto, a rede de colaboradoras que participou da etapa QUAL foi formada por sete mulheres rurais.

Instrumentos utilizados para a coleta de informações

No estudo QUAN, foram utilizados os seguintes instrumentos: formulário sociodemográfico, para caracterização amostra, composto por questões objetivas relacionadas às características socioeconômicas, de trabalho e de saúde-doença; Escala de Resiliência; e questionário para avaliação da qualidade de vida Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36).

A Escala de Resiliência mensura o nível psicossocial positivo de adaptação em episódios marcantes da vida. Trata-se de um instrumento validado para o português do Brasil e voltado para populações adultas, constituído por 25 itens respondidos mediante escala Likert de sete pontos por item. Na análise realizada pela escala, quanto mais elevado for o escore obtido, maior é o nível de resiliência apresentado pelo indivíduo. Valores menores que 121 pontos apontam para uma “reduzida resiliência”, enquanto resultados entre 121 e 145 pontos sinalizam um grau de “resiliência moderada”, e resultados maiores do que 145 pontos indicam “moderada elevada” a “resiliência elevada”1212. Oliveira M, Machado TS. Tradução e validação da Escala de Resiliência para Estudantes do Ensino Superior. Aná Psicológica. [Internet]. 2011 [cited 2021 Aug 18];29(4):579-91. Available from: https://scielo.pt/pdf/aps/v29n4/v29n4a07.pdf
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O SF-36, por sua vez, representa um questionário de avaliação da QV validado no Brasil. Os domínios que avaliam a QV são denominados como capacidade funcional (CF), aspectos físicos (AF), dor, estado geral de saúde (EGS), vitalidade, aspectos sociais (AS), aspectos emocionais (AE) e saúde mental (SM). Apresenta um escore final (Raw Score) que varia de 0 a 100 pontos, calculado para cada um dos domínios, cuja interpretação indica que 0 corresponde ao pior estado geral de saúde e 100 ao melhor estado geral1313. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Braziliam-Portuguese version of the SF-36. A reliable and valid quality of life outcome measure. Rev Bras Reumatol [Internet]. 1999 [cited 2021 Aug 18];39(3):143-50. Available from: http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/7250
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No estudo QUAL, realizaram-se entrevistas livres, gravadas por meio de um aparelho com gravador de mp3. Utilizou-se o seguinte estímulo inicial: “conte-me a sua história na zona rural”. A partir das narrativas e da oralidade das colaboradoras, outros estímulos, como “fale-me mais sobre isso”, foram utilizados para guiar o processo.

Coleta de dados

A coleta dos dados quantitativos ocorreu entre julho e novembro de 2020, sendo realizada por um estudante de mestrado (pesquisador principal) que possuía experiência prévia em coleta de dados e pela ACS (treinada pelo estudante), que realizava a cobertura da microárea onde os dados foram coletados, no domicílio das mulheres rurais, por meio impresso. Na etapa qualitativa, as entrevistas foram realizadas presencialmente pelo pesquisador principal, no domicílio das participantes, após contato telefônico para agendamento prévio (pré-entrevista), nos meses de agosto e novembro de 2020. A duração média foi de cerca de 40 minutos.

Tratamento e análise dos dados

Os dados quantitativos foram digitados em planilhas eletrônicas e submetidos à análise estatística descritiva e inferencial pelo software IBM SPSS Statistics® versão 25.0. Inicialmente, foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para analisar sua adesão à curva de normalidade. As associações entre os domínios do SF-36 com o grau de resiliência foram avaliadas utilizando-se do teste U de Mann-Whitney. Para tanto, foi criada uma variável nominal baseada no valor médio de resiliência constatado, que representou o grau moderado de resiliência (121 a 145 pontos obtidos na Escala de Resiliência), utilizada como variável de agrupamento no software, possibilitando a constituição de dois grupos amostrais: um grupo com grau moderado de resiliência e outro não.

A relação de dependência existente entre os domínios de QV e o grau de resiliência foi analisada a partir da criação de um modelo de regressão linear múltipla, que considerou o grau de resiliência como variável dependente e os oito domínios de QV do SF-36 como variáveis independentes. Salienta-se que todas as análises conduzidas foram realizadas ao nível de significância estatística de 5% (p-valor < 0,05).

Na análise qualitativa, os dados produzidos pelas entrevistas foram inicialmente submetidos à transcrição absoluta, seguida pela textualização e, posteriormente, pela transcriação. Após essa última etapa, os textos das entrevistas foram devolvidos às participantes para legitimação e conferência. Após a devolutiva (que não demandou modificação dos textos por parte das colaboradoras), as histórias de vida foram tratadas por meio da análise temática indutiva, método para identificação, análise e relato de padrões (temas) dentro do conjunto de dados que possibilita sua organização e descrição com valioso detalhamento. Nessa abordagem, a codificação (realizada manualmente pelo pesquisador principal) não pressupõe de um quadro teórico estabelecido a priori, sendo a análise orientada pelos próprios dados1414. Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol. 2006;3(2):77-101. doi: http://doi.org.10.1191/1478088706qp063oa
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A integração dos resultados foi realizada mediante a construção de um diagrama de convergências e tabela de exibição conjunta (joint-display). Assim, foi possível a elaboração de metainferências de métodos mistos, resultantes das combinações das inferências quantitativas e qualitativas constatadas. A interpretação dos resultados foi realizada à luz das temáticas de gênero, resiliência e QV.

Aspectos éticos

Obedeceu-se a todos os princípios dispostos nas resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, sendo os objetivos do estudo e do pesquisador apresentados às participantes antes da assinatura, em duas vias, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) por meio do parecer 3.950.023. Foram utilizados pseudônimos para garantir o anonimato das participantes do estudo qualitativo, sendo elencados nomes usuais de mulheres rurais no contexto da pesquisa, seguidos do termo “Margarida”, eleito em homenagem à Margarida Maria Alves, mulher rural paraibana que dedicou sua vida à luta pelo acesso à terra pelos camponeses.

Resultados

No estudo QUAN, obteve-se uma amostra de 87 mulheres rurais, cuja maioria se autodeclarou branca (48,3%), de estado civil casada (60,9%) e com ensino fundamental incompleto (64,4%). A média de idade foi de cerca de 50,15 anos. A estratificação da faixa etária mostrou que 12,6% (n = 11) tinham entre 18 e 30 anos, 13,8% (n = 12) se situavam entre 31 e 40 anos, 19,5% (n = 17) entre 41 e 50 anos, 27,6% (n = 24) entre 51 e 60 anos, e 26,4% (n = 23) possuíam mais de 60 anos.

Em relação aos aspectos ligados ao labor, a maioria (70,1%) das participantes exerceu trabalho rural por pelo menos dez anos, sendo o plantio a atividade mais recorrentemente realizada (95,4%). É importante ressaltar que, ainda que grande parte das participantes tenha trabalhado no campo durante um longo período, verificou-se que a quase totalidade delas não possuía renda própria (com exceção da aposentadoria) relacionada ao trabalho rural (97,7%).

No que concerne aos aspectos sociais, clínicos e de saúde-doença das mulheres do estudo QUAN, quase metade (47,1%) afirmou ser acometida por alguma doença crônica, sendo a hipertensão arterial sistêmica a mais referida (29,9%). Todas as participantes do estudo não se encontravam amparadas por nenhum tipo de plano de saúde, sendo que o acesso aos serviços de saúde se dava majoritariamente (93,1%) por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS). Quantos aos aspectos sociais, a maioria (98,9%) das mulheres rurais declarou sentir-se acolhida pela comunidade da qual fazia parte.

Entre as participantes do estudo QUAL, a média de idade foi de 67 anos, com maioria de mulheres casadas (71%), com escolaridade de ensino fundamental incompleto (57%), autodeclaradas brancas (57%) e renda mensal declarada de cerca de dois salários mínimos (salário mínimo vigente = R$ 1.045,00, Brasil, 2020).

Em relação aos resultados quantitativos, destaca-se que foi observado grau moderado de resiliência ( = 129,14), com valor mínimo de 103 e máximo de 164 pontos na escala, e maiores escores de QV nos domínios CF e AS. Na Tabela 1, apresentam-se os valores máximos e mínimos e a média dos domínios de QV avaliada pelo SF-36, assim como o resultado do teste de associação entre eles e o grau moderado de resiliência verificado. Observou-se associação significativamente estatística entre esse grau e o domínio AS.

Tabela 1
Valores mínimos, máximos e médios de escores de qualidade de vida e associação com grau moderado de resiliência em mulheres rurais. Nazarezinho, PB, Brasil, 2020

Em relação ao modelo de regressão criado, que considerou o grau de resiliência como variável dependente e os oito domínios do SF-36 como variáveis independentes, constatou-se sua capacidade de predição de 14,1% das variações no grau de resiliência (R2 = 0,141; F = 1,60; p = 0,004). Levando em consideração a associação estatisticamente significativa entre o grau de resiliência e o domínio AS de QV, juntamente com o resultado obtido na análise de regressão, presume-se que os dois construtos, QV e resiliência, influenciam-se mutualmente.

Quanto aos resultados qualitativos, a análise temática indutiva das histórias de vida permitiu extrair os temas principais que emergiram na análise: o cotidiano rural como promotor de resiliência e QV, as desigualdades e iniquidades vivenciadas no cotidiano rural, o extenuante trabalho no campo, as concepções de saúde e QV relacionadas com o imaginário social rural, e fatores de proteção para o desencadeamento de resiliência que contribuem para a QV, como espiritualidade, redes de apoio social e sentimentos de pertencimento e encantamento com o meio rural. Os extratos a seguir evidenciam os temas:

Passei muitas dificuldades, ao ponto de faltar roupa para vestir, faltar sandália para usar, até a rede para dormir (Severina Margarida).; [...] eu plantava milho, feijão, arroz, aí nós mesmos quem quebrávamos o milho. Eu só não sabia brocar [realizar o preparo do solo], mas cavava buraco de cerca, esticava arame, ia ver gado na manga, tudo isso a gente fazia (Raimunda Margarida).;

[...] tenho artrite, artrose, tenho muito problema na coluna, e acho que esses problemas foram de pegar tanto peso (Tereza Margarida).; Ter saúde, para mim, eu não acredito que não é não sentir nada, eu acho que as pessoas às vezes pensam que tem saúde porque não sentem nada, e às vezes nem assim, não é tanto assim. Às vezes a pessoa tem problemas sérios e não sabe. Eu acredito que viver com saúde é isso, pensar que tá tudo bem [...] (Severina Margarida).;

[...] eu sempre gostei da roça... porque é bom! você ver aquilo... veja bem, você planta, você colhe… você colher aquele fruto que você trabalhou ali é uma satisfação até hoje [...] você ver aquilo brotando, aquelas plantas... é muito gratificante! Eu acho que é um dom! que a gente tem que gostar… e eu tenho esse dom, eu gosto! [...] esse convívio que eu tive com a natureza faz você ser uma pessoa diferente, faz você ser mais forte pra enfrentar as coisas [...] (Tereza Margarida).;

[...] no sítio tem a tranquilidade, tem a confiança nos conhecidos da gente, o povo se ajuda numa precisão [...] (Francisca Margarida).

No joint-display representado na Figura 1, apresentam-se os resultados integrados, destacando-se extratos da análise temática indutiva que ilustram os temas desvelados na análise qualitativa, assim como o sumário das associações quantitativas. Em seguida, a partir das inferências obtidas de cada abordagem isolada, são propostas metainferências. Tais achados possibilitaram expandir o entendimento de como os dois construtos, resiliência e QV, se influenciam, apontando a existência de diversos fatores de proteção, na ruralidade contextual das mulheres, que contribuem para o desenvolvimento de processos resilientes que influenciam positivamente sua QV, de modo a refletir, consequentemente, sobre a saúde e sobre a própria resiliência de forma retroalimentar.

Figura 1
Joint-display de inferências quantitativas e qualitativas e metainferências de métodos mistos sobre as interseções entre resiliência e qualidade de vida em mulheres rurais. Nazarezinho, PB, Brasil, 2020

Com vistas a esquematizar as convergências que resultaram na influência da resiliência sobre a QV das mulheres rurais, construiu-se um diagrama de convergências, representado na Figura 2. Trata-se de uma representação em formato de margarida em que os principais fatores de proteção aludidos nos temas extraídos das narrativas de vida das mulheres e que findam na formação de processos resilientes foram representados nas raízes da figura, por representarem a base do processo.

Figura 2
Convergências que representam a influência da resiliência sobre a qualidade de vida de mulheres rurais. Nazarezinho, PB, Brasil, 2020

O caule do diagrama é representado por uma adaptação do gráfico de resíduos da análise de regressão linear múltipla, juntamente com a simbolização do domínio aspectos sociais de QV, representado por uma única folha, uma vez que foi o único domínio, separadamente, que mostrou associação estatisticamente significativa entre QV e resiliência. As raízes e o caule são a estrutura de sustentação da margarida, cuja florescência representa a influência positiva que a resiliência exerce sobre a QV das mulheres rurais.

Discussão

O valor médio de resiliência verificado, considerado moderado, não foi passível de ser comparado com a literatura, já que não foram localizados estudos nacionais ou internacionais semelhantes que buscassem avaliar as relações entre resiliência e QV entre mulheres rurais. Entretanto, uma pesquisa realizada em Portugal1515. Pinto ASR. Personalidade, resiliência e atitudes face ao envelhecimento em idosos do meio urbano e meio rural [Dissertação]. Lisboa: Universidade de Lisboa; 2015 [cited 2021 Aug 18]. Available from: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/23139/1/ulfpie047670_tm.pdf
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evidenciou, utilizando uma outra escala de resiliência, um grau moderado de resiliência entre idosos rurais, porém, sem a realização do recorte de gênero. Utilizando o mesmo instrumento, outros pesquisadores1616. Viswanathan DJ, Veerakumar AM, Kumarasamy H. Depression, Suicidal Ideation, and Resilience among Rural Farmers in a Drought-Affected Area of Trichy District, Tamil Nadu. J Neurosci Rural Pract. 2019;10(2):238-44. doi: http://doi.org/10.4103/jnrp.jnrp_257_18
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identificaram grau médio de resiliência entre indivíduos residentes em áreas rurais atingidas por secas.

O grau moderado de resiliência verificado foi semelhante, contudo, ao de uma amostra da população brasileira de cerca de 2.038 indivíduos, na qual pesquisadores1717. Melo CF, Vasconcelos JE Filho, Teófilo MB, Suliano AM, Cisne EC, Freitas RA Filho. Resilience: An Analysis based on the sociodemographic characteristics of the Brazilian population. Psico-USF. 2020;25(1):139-54. doi: http://doi.org/10.1590/1413-82712020250112
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constataram um grau médio moderado de resiliência de cerca de 124,60 pontos na escala, ainda que sem realizar recorte de gênero, apontando associação entre níveis mais elevados de resiliência e maiores graus de escolaridade. No presente estudo, o grau médio moderado observado pode estar relacionado ao menor nível de escolaridade da amostra, assim como ao seu maior perfil etário.

Reforça-se, apesar do valor médio constatado indicar grau moderado de resiliência, a necessidade de investir em estratégias e intervenções que auxiliem as mulheres do campo a percorrerem outros caminhos além do trabalho rural. Com isso, podem elevar e promover continuamente sua resiliência, não como uma forma romantizada de suportar as iniquidades e desigualdades vivenciadas, mas atentando-se que a resiliência as ajuda a desenvolver coragem, habilidades e confiança para a manutenção da saúde, mesmo que inseridas em um contexto que favorece sua marginalização e vulnerabilização1818. Leipert BD, Reutter L. Developing resilience: how women maintain their health in northern geographically isolated settings. Qual Health Res. 2005;15(1):49-65. doi: http://doi.org/10.1177/1049732304269671
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Pesquisadores1919. Moraes-Filho IM, Nascimento FA, Bastos GP, Barros FES Júnior, Silva RM, Santos ALM, et al. Sociodemographical and academic factors related to health graduate resilience. REVISA. 2020;9(2):291-303. doi: http://doi.org/10.36239/revisa.v9.n2.p291a303
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indicam que o nível individual de resiliência varia de acordo com as características pessoais de cada pessoa, assim como conforme contexto social no qual se encontra inserida, contribuindo diretamente para a QV. Por conseguinte, indivíduos resilientes experimentam um aumento da QV decorrente da capacidade de lidar e superar dores e problemas gerais mais facilmente66. Melo JO, Romani PF. Resilience of Haitian immigrants to the adaptation process in the new country: mental health impacts. Psicol Argum. 2019;37(96):184-206. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.37.96.AO03
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No tocante à QV, os piores índices médios foram constatados nos domínios EGS e AF, resultados semelhantes aos observados em um estudo transversal realizado com 355 trabalhadores rurais do estado da Bahia, Brasil, que apontou variáveis demográficas e socioeconômicas como motivos relacionados2020. Lima PJP, Oliveira HB. Aspects of health and quality of life of residents in rural communities. Rev Baiana Saúde Pública. 2014;38(4):913-30. doi: http://doi.org/10.22278/2318-2660.2014.v38.n4.a849
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. Estudos destacam que as comunidades rurais apresentam piores índices de QV44. Bortolotto CC, Mola CL, Tovo-Rodrigues L. Quality of life in adults from a rural area in Southern Brazil: a population-based study. Rev Saúde Pública. 2018;52(Suppl 1):4s. doi: http://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000261
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,2121. Gaber A, Galarneau C, Feine JS, Emami E. Rural-urban disparity in oral health-related quality of life. Community Dent Oral Epidemiol. 2018;46(2):132-42. doi: http://doi.org/10.1111/cdoe.12344
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, o que evidencia a sua invisibilização histórica por parte das políticas públicas e dos modelos assistenciais de saúde, o que implica diretamente a QV da população2222. Pessoa VM, Almeida MM, Carneiro FF. How to ensure the right to health for 'rural, forest and water' populations in Brazil? Saúde Debate. 2018;42(spe1):302-14. doi: http://doi.org/10.1590/0103-11042018S120
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Características como faixa etária, baixa escolaridade e menores níveis socioeconômicos associam-se a índices inferiores de QV, sinalizando que os mais pobres e menos escolarizados se encontram sempre entre os grupos populacionais mais vulnerabilizados. Relativamente à faixa etária, seu aumento pode impactar negativamente na QV devido à sua relação com o surgimento de diversas morbidades e limitações44. Bortolotto CC, Mola CL, Tovo-Rodrigues L. Quality of life in adults from a rural area in Southern Brazil: a population-based study. Rev Saúde Pública. 2018;52(Suppl 1):4s. doi: http://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000261
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A respeito das concepções de saúde e QV elaboradas pelas mulheres rurais no estudo QUAL, no contexto rural, a primeira tende a ser compreendida como uma capacidade de realizar as atividades cotidianas, sendo as necessidades de saúde geralmente secundárias às do trabalho. No estudo em tela, percebeu-se ainda a representação da saúde como uma capacidade de superação das adversidades, relacionando-se, dessa forma, com o próprio conceito de resiliência2323. Lima ARA, Buss E, Ruiz MCS, Gozález JS, Heck RM. Rural nursing formation possibilities: integrative review. Acta Paul Enferm. 2019;32(1):113-9. doi: http://doi.org/10.1590/1982-0194201900016
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Nessa perspectiva, a aplicação do conhecimento sobre a resiliência no campo da saúde do trabalhador, neste caso, das trabalhadoras rurais, pode colaborar para sua melhor compreensão sobre o ambiente onde se encontram inseridas, auxiliando na manutenção ou recuperação da saúde, e resultar em QV2424. Cruz EJER, Souza NVDO, Amorim LKA, Pires AS, Gonçalves FGA, Cunha LP. Resilience as an object of study of occupational health: narrative review. J Res Fundam Care Online. 2018;10(1):283-7. doi: http://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i1.283-287
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. Dentre as estratégias que podem ser utilizadas como intervenções para melhorar a QV das mulheres rurais, destacam-se a melhoria da renda familiar e o fornecimento de acesso a cuidados de saúde acessíveis e de alta qualidade2525. Huang H, Liu S, Cui X, Zhang J, Wu H. Factors associated with quality of life among married women in rural China: a cross-sectional study. Qual Life Res. 2018;27(12):3255-63. doi: http://doi.org/10.1007/s11136-018-1944-y
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Similarmente, a implementação de programas de saúde pública que objetivem melhorar a QV da população rural é imprescindível, visto que se trata de um indicador que produz informações capazes de serem utilizadas para identificar e rastrear necessidades de saúde da população44. Bortolotto CC, Mola CL, Tovo-Rodrigues L. Quality of life in adults from a rural area in Southern Brazil: a population-based study. Rev Saúde Pública. 2018;52(Suppl 1):4s. doi: http://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000261
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. Destarte, faz-se necessário que os órgãos públicos implementem programas específicos para os trabalhadores rurais, visando promover sua saúde integral2626. Souza S, Pappen M, Krug SBF, Renner JDP, Reuter CP, Pohl HH. A narrative review associating health vulnerability and environmental factors among rural workers. Rev Bras Med Trab. 2018;16(4):503-8. doi: http://doi.org/10.5327/Z1679443520180250
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Isso posto, ainda que os achados quantitativos tenham indicado influência da resiliência apenas sobre um dos domínios de QV, os resultados qualitativos desvelaram divergências, ampliando o entendimento de como esse processo de influência pode ocorrer de forma não quantificável. Além disso, a análise de regressão mostrou influência dos oito domínios de QV do SF-36 sobre o grau de resiliência, levando a presumir que os dois construtos se influenciam mutuamente, conforme já observado em um estudo desenvolvido com adolescentes2727. Melo CF, Vasconcelos JE Filho, Teófilo MB, Costa IM, Ramos CMO, Freiras RA Filho. Resilience and quality of life: a correlational study in young people and adolescents. Adolesc Saúde [Internet]. 2018 [cited 2021 Aug 18];15(3):7-14. Available from: https://cdn.publisher.gn1.link/adolescenciaesaude.com/pdf/v15n3a02.pdf
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A despeito de não terem sido evidenciados outros estudos que indicassem a influência da resiliência sobre a QV especificamente em mulheres rurais, ressalta-se que a influência entre esses dois construtos foi observada em outros estudos com diferentes populações. Em uma pesquisa com 108 idosos com dor crônica realizada em São Paulo, Brasil, por exemplo, constatou-se que aqueles com maiores níveis de resiliência possuíam melhor QV, e que índices mais elevados de resiliência foram capazes de antecipar positivamente a QV2828. Morete MC, Solano JPC, Boff MS, Jacob W Filho, Ashmawi HA. Resilience, depression, and quality of life in elderly individuals with chronic pain followed up in an outpatient clinic in the city of São Paulo, Brazil. J Pain Res. 2018;11:2561-6. doi: http://doi.org/10.2147/JPR.S166625
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. Em outro estudo, pesquisadores2929. Simón-Saiz MJ, Fuentes-Chacón RM, Garrido-Abejar M, Serrano-Parra MD, Larrañaga-Rubio E, Yubero-Jiménez S. Influence of resilience on health-related quality of life in adolescents. Enferm Clin (Engl Ed). 2018;28(5):283-91. doi: http://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.06.003
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constataram sinergia entre resiliência e QV em adolescentes de Cuenca, Equador.

As metainferências propostas pelo estudo em tela, reforçadas em pesquisas desenvolvidas em cenários distintos e com diferentes populações, possibilitam inferir que a QV das mulheres rurais é influenciada pelo seu nível de resiliência, a qual é favorecida pela elaboração de fatores de proteção. Logo, esses fatores culminam em processos resilientes que propiciam a QV, os quais auxiliam na mudança e na adaptação positiva perante ao risco, podendo ser individuais (como a autoestima positiva), familiares (como a estabilidade de relacionamentos) ou de suporte social (como as redes de apoio)3030. Reckziegel JCL, Silva DMGV, Crestani MM, Betiatto AC, Rocha RER, Schwalm MT. Influence of protective and risk factors on resilience and adherence to treatment of diabetes mellitus in women. RIES. 2018;7(1):25-39. doi: http://doi.org/10.33362/ries.v7i1.1602
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A formação de redes de apoio social se destaca entre esses fatores, sendo reafirmadas nas narrativas das colaboradoras do estudo QUAL e no sentimento de acolhimento referido pela quase totalidade amostral do estudo QUAN, assim como na associação observada entre o grau moderado de resiliência e o domínio AS de QV. Reforça-se que o apoio social é essencial para o desenvolvimento da resiliência e a melhoria da QV3131. Zhang H, Zhao Q, Cao P, Ren G. Resilience and Quality of Life: Exploring the Mediator Role of Social Support in Patients with Breast Cancer. Med Sci Monit. 2017;17(23):5969-79. doi: http://doi.org/10.12659/msm.907730
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Apesar do papel dessas redes, ressalta-se, no entanto, uma pontuação inferior no domínio AE do SF-36, que pode se relacionar ao fato desse domínio avaliar as repercussões de características psicológicas sobre o bem-estar do indivíduo, sendo mais particularizadas e sujeitas à influência dos outros domínios que obtiveram baixos escores, como EGS, AF e dor, diferentemente do domínio AS, que avalia a integração dos indivíduos em atividades sociais1313. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Braziliam-Portuguese version of the SF-36. A reliable and valid quality of life outcome measure. Rev Bras Reumatol [Internet]. 1999 [cited 2021 Aug 18];39(3):143-50. Available from: http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/7250
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As crenças religiosas e a espiritualidade também foram fatores de proteção identificados, as quais se relacionam com o fato de o caminhar das vidas dos indivíduos ser perpassado por uma dimensão transcendental (que não necessariamente se liga à religião ou espiritualidade), produzindo nas pessoas um sentimento de pertença a algo maior, atemporal, ilimitado e produtor de sentido existencial3232. Sganzerla J, Cabral FB, Hildebrandt LM, Trezzi I. Mental health care notions and practices from the perspective of peasant women. Rev Enferm UFSM. 2021;11(e14):1-21. doi: http://doi.org/10.5902/2179769243181
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A espiritualidade simboliza um fator passível de ser utilizado em momentos de crise, que atua facilitando o processo de transição para um ajustamento saudável, uma vez que a crença em algo superior provoca um efeito tranquilizador, atenuando a carga emocional negativa relacionada aos eventos adversos, e possibilita que os indivíduos gerenciem mais efetivamente acontecimentos que poderiam levar à ruptura do Self3333. Tomás FN. Resilience and spirituality: When Faith becomes shelter. Omnia. 2018;8(2):29-36. doi: http://doi.org/10.23882/OM08-2-2018-D
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Outros fatores de proteção elaborados pelas mulheres rurais identificados foram o sentimento de esperança no próprio trabalho realizado, destacado por outros pesquisadores3434. Tonet MS, Garcia EL, Reuter EM, Pohi HH. Pleasure and work: study on rural women workers. Saúde Transform Social [Internet]. 2016 [cited 2021 Aug 18];7(3):84-95. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/4204/4650
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, e o de encantamento com o trabalho rural, resumido por um projeto de trabalho e de vida que valoriza os costumes e saberes dos agricultores no seu processo de desenvolvimento. O campo, nesse sentido, estimula seu sonho de poder viver com liberdade e a vontade de ser agricultor com sua própria terra, dominando seu trabalho e vivendo dignamente com sua família em meio rural3535. Tôrres EF. O encantamento da reforma agrária [Dissertação]. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande; 2005 [cited 2021 Aug 18]. Available from: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/xmlui/handle/riufcg/1896.

Contudo, a despeito desse encantamento, ainda que a concepção de resiliência aqui adotada não possua o intuito de justificar as iniquidades vivenciadas pelas mulheres rurais, que engendram os recursos necessários para enfrentar com resiliência o trabalho que as espolia, reconhece-se esse encantamento como idealizado. Com isso, destaca-se a necessidade de discutir esses aspectos à luz da temática de gênero, a qual surge nas ciências sociais para definir as identidades, os valores, os papéis, as representações e/ou os atributos simbólicos femininos e masculinos não como efeitos de uma “natureza”, mas como produtos das diversas maneiras de socialização produzidas e reproduzidas pelos sujeitos, destacando a assimetria nas relações sociais entre mulheres e homens3636. Dorlin E. Sexo, gênero e sexualidades: introdução à teoria feminista. São Paulo: Ubu Editora; 2021.. Nessa perspectiva, é perceptível desde a adolescência que, enquanto os homens têm maiores chances de alcançar maiores graus de escolaridade, com a expectativa de se tornarem herdeiros das posses rurais da família, as mulheres permanecem no papel de cuidadoras3737. Baronio FC, Geiger LA. The Construction of Being a Woman in Family Farming: a Logotherapeutic Perspective. Rev Abordagem Gestált. 2018;24(1):91-7. doi: http://doi.org/10.18065/RAG.2018v24n1.10
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Mesmo que a participação feminina no mundo do trabalho seja cada vez mais crescente, tal divisão ainda existe, reafirmando a divisão sexual do trabalho, que invisibiliza a mulher e delega-lhe papéis culturais específicos: cuidar, nutrir, servir. Tais ações se exprimem como representações socioculturais do imaginário da sociedade e levam, frequentemente, as mulheres rurais a omitirem suas histórias individuais e seu cotidiano, desconsiderando inclusive suas aspirações pessoais pela ideia de ajustar-se ou de reproduzir os papéis construídos pelas representações sociais sobre o papel de dona de casa e sobre a maternidade3838. Tedeschi LA. The challenges of the empowerment of women farmers: notes on a living experience. Rev Ciên Soc [Internet] 2016 [cited 2021 Aug 18];(45):139-54. Available from: https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/30299
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Esse processo de invisibilização se incorpora no próprio imaginário rural feminino, fazendo com que a mulher desvalorize seu próprio trabalho, ainda que desempenhe tarefas iguais às de seu companheiro do sexo oposto, pais ou irmãos, além do trabalho doméstico. Ainda que as esposas e filhas executem trabalho de roçado, a elas é imputado o papel de meras ajudantes, ou de “esposa do produtor”. Quando são remuneradas, não decidem sobre o dinheiro que faturam3939. Hirt MC, Costa MC, Arboit J, Leite MT, Hesler LZ, Silva EB. Social representations of violence against women for a group of rural elderly. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(4):e68209. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.04.68209
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-4040. Silva MR. Gender and inequalities: reflections on women in family agricultural activity. Braz J Develop [Internet]. 2019 [cited 2021 Aug 18];5(3):2095-105. Available from: http://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/1227/1107
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, o que é endossado no presente estudo pelo fato de cerca de 97,7% das mulheres rurais do estudo QUAN não possuírem renda própria relacionada ao trabalho rural. Entretanto, apesar de serem relacionadas ao domínio reprodutivo (cuidados domésticos e com os filhos), na prática agrícola, as mulheres rurais também transitam no domínio produtivo, no cultivo e na lavoura, que é geralmente atribuído aos homens, possuindo, dessa forma, responsabilidades nas duas esferas, o que acarreta sobrecarga de trabalho3939. Hirt MC, Costa MC, Arboit J, Leite MT, Hesler LZ, Silva EB. Social representations of violence against women for a group of rural elderly. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(4):e68209. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.04.68209
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Ainda que os percalços e as adversidades sejam reconhecidos, o trabalho rural é considerado fonte de força e de prazer para superar essas mesmas adversidades pelas mulheres rurais. Isso se desvela como um comportamento resiliente inicial para alcançar tal superação que, quando conquistada, promove maior resiliência, conforme inferido das narrativas.

Todavia, ainda que o fato supramencionado funcione como fator protetivo, os papéis de gênero se encontram implicados no encantamento com a atividade laboral desempenhada, uma vez que as mulheres rurais geralmente não possuem escolha sobre o tipo de trabalho que irão desempenhar, ocorrendo sua imersão desde a infância no contexto da atividade agrícola3434. Tonet MS, Garcia EL, Reuter EM, Pohi HH. Pleasure and work: study on rural women workers. Saúde Transform Social [Internet]. 2016 [cited 2021 Aug 18];7(3):84-95. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/4204/4650
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. Pesquisadoras4141. Riquinho DL, Gerhardt TE. The transitory states of health and disease: the construction of the individual and collective daily life in a rural community. Trab Educ Saúde (Online). 2010;8(3):419-37. doi: http://doi.org/10.1590/S1981-77462010000300005
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sugerem ainda que o encantamento pode estar atrelado ao valor simbólico que é atribuído ao trabalho, oriundo do imaginário social de inserção na cadeia produtiva e de sentir-se útil à sociedade, o que gera status. Isso pode ser reforçado pela associação feita pelas mulheres rurais entre o trabalho no campo e a liberdade e autonomia, as quais demonstram satisfação por não estarem submetidas aos padrões e moldes urbanos, valorizando e sendo regidas pela natureza e pela perspectiva de transformação do seu contexto3434. Tonet MS, Garcia EL, Reuter EM, Pohi HH. Pleasure and work: study on rural women workers. Saúde Transform Social [Internet]. 2016 [cited 2021 Aug 18];7(3):84-95. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/4204/4650
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Cumpre-se dizer que, apesar do trabalho rural vulnerabilizá-las, as mulheres encontram sentidos no seu trabalho, fato que reverbera na QV4242. Ronchi CC, Bandeira NP, Oliveira RD, Melo JSM Júnior, Carvalho TH. Resilience and quality of life: discursive reverberations in the leaders' imagination. LAJBM. [Internet]. 2017 [cited 2021 Aug 18];8(2):19-39. Available from: https://lajbm.com.br/index.php/journal/article/view/424/201#
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. Não obstante, destaca-se a necessidade de empoderamento da mulher rural, com vistas a fazê-la encarar o seu trabalho além do encantamento, de maneira a ampliar o conhecimento acerca da realidade vivenciada para propor alternativas, considerando-o como um instrumento de relevância para melhoria de suas condições de vida4343. Brandão TFB, Borges JRP, Bergamasco SMPP. Perspectives on autonomy and empowerment of the rural women of the Sertanejas: a case study. Diversitas J. 2021;6(2):2762-90. doi: http://doi.org/10.17648/diversitas-journal-v6i2-1770
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A concepção de pertencimento ao seu contexto social também foi evidenciada como um fator de proteção que, além de estar ligado à formação das redes de apoio, retrata um sentimento que se encontra cercado pelo estabelecimento de vínculos mais estreitos com a comunidade ao seu entorno. Encontra-se ainda fortemente relacionado à identidade das mulheres rurais, sendo reconhecida em outros estudos4444. Calvão A. Mobilização comunitária para transformação social, econômica e ambiental: um estudo de caso na comunidade rural de Extrema-Congonhas do Norte/MG. Cadernos Agroecologia [Internet]. 2020 [cited 2021 Aug 18];5(3):1-6. Available from: http://cadernos.aba-agroecologia.org.br/index.php/cadernos/article/view/6344/2477
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. Nessa perspectiva, discute-se que os indivíduos das cidades, por exemplo, não compreendem o sentimento de pertencimento vivenciado pelos camponeses, pois não possuem raízes fincadas no cenário rural e não colocam suas mãos e pés na terra, o que dificulta o estabelecimento de uma relação com o território onde habitam4545. Ribeiro JM. O saber-existência das mulheres rurais: histórias de vida a partir dos feminismos subalternos e decoloniais [Dissertação]. Maceió: Universidade Federal de Alagoas; 2020 [cited 2021 Aug 18]. Available from: http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/7250.

Os fatores de proteção evidenciados nas narrativas de vida das mulheres rurais, destarte, podem ser utilizados em intervenções psicossociais com o objetivo de promover sua resiliência e, por conseguinte, sua QV, servindo, ainda, para subsidiar políticas públicas que colaborem para a QV. O enfermeiro rural, potente conhecedor das histórias de vida dos indivíduos sob seus cuidados e, consequentemente, dos fatores de proteção que eles elaboram diante das adversidades, possui papel fundamental nesse processo4646. Silva BN, Riquinho DL, Miranda FAN, Souza NL, Pinto ESG. Contextual analysis of rural nurses caring in Primary Health Care. Rev Enferm Atual In Derme. 2021;95(35):e-21104. doi: http://doi.org/10.31011/reaid-2021-v.95-n.35-art.1066
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Como limitações do estudo, destaca-se que a aplicação dos instrumentos para coleta dos dados quantitativos, apesar de validados, foi de difícil compreensão por parte das mulheres rurais, o que reflete a necessidade de instrumentos culturalmente adaptados à população rural. Destaca-se ainda o tamanho reduzido da amostra do estudo QUAN, dificultando a generalização dos resultados.

Conclusão

Ao analisar as interseções entre QV e resiliência em mulheres rurais, o presente estudo denotou que a elaboração de fatores de proteção pelas mulheres culmina em resiliência que, por seu turno, influencia na sua QV e é influenciada por ela. Entre esses fatores, encontram-se a espiritualidade, o estabelecimento de redes de apoio social e o sentimento de pertencimento ao seu contexto.

Em vista dos resultados observados, reforça-se a necessidade de atuação mais efetiva da ESF, modalidade assistencial diretamente inserida no território das mulheres rurais, no sentido de desenvolver ações de promoção da saúde cujo propósito central seja a própria capacitação das trabalhadoras rurais para atuarem na melhoria da sua QV. A assistência oferecida pela ESF deve fortalecer a escuta ativa das mulheres rurais, instrumento que possibilita captar os fatores de proteção elaborados, permitindo, mediante esse reconhecimento, traçar intervenções psicossociais com o intuito de atingir atitudes mais resilientes, as quais podem, por conseguinte, elevar a QV.

No âmbito da enfermagem, os resultados do estudo contribuem para a prática da enfermagem rural, que pode organizar o cuidado incorporando os fatores de proteção elaborados pelas mulheres rurais e trabalhando-os em diversos momentos: nas consultas de enfermagem de pré-natal, de crescimento e desenvolvimento, nas visitas domiciliares, e nas ações grupais. Tais situações podem contribuir para qualificar o profissional e torná-lo mais congruente às necessidades da clientela rural.

Cumpre-se dizer que a influência entre os construtos constatada neste estudo não poderia ter sido compreendida caso tivesse sido empregada apenas uma abordagem - quantitativa ou qualitativa. Tal cenário realça a contribuição da pesquisa de métodos mistos para a compreensão de fenômenos complexos e que se encontram imbricados, como a QV e a resiliência, dado que a única associação quantitativa constatada e o limitado nível de predição observado poderiam levar a interpretações errôneas acerca das intersecções entre os construtos.

Destaca-se, ainda, que os aspectos culturais e o nível de escolaridade das participantes do estudo foram fatores limitantes para responder os instrumentos na etapa quantitativa, limite suplantado pela entrevista individualizada e sedimentada pela história oral. Assim, a abordagem de estudo misto valida os resultados apresentados nesta investigação.

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    Artigo extraído da dissertação de mestrado “Intersecções entre qualidade de vida e resiliência em mulheres rurais: estudo de métodos mistos”, apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2021
  • Aceito
    10 Jan 2022
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