Acessibilidade / Reportar erro

Capacidade funcional e de autocuidado de pessoas com esclerose múltipla

Resumos

Objetivo:

descrever os níveis de autocuidado e funcionalidade dos pacientes com esclerose múltipla e verificar se as variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais interferem no autocuidado e/ou funcionalidade.

Método:

estudo correlacional, transversal, com abordagem quantitativa, realizado com indivíduos em seguimento ambulatorial. Coletamos dados sociodemográficos e clínicos e aplicamos a Escala de Avaliação da Competência para o Autocuidado, o Índice de Barthel, a Escala de Lawton e Brody e o instrumento para investigar a realização de Atividades Avançadas da Vida. Realizamos análise descritiva e inferencial.

Resultados:

a maior parte dos pacientes foi classificada como “Tendo autocuidado” (82,14%); com moderada dependência (51,19%) para as atividades básicas da vida diária, dependência parcial para as instrumentais (55,95%) e mais ativos para as avançadas (85,71%). Os pacientes com a doença há mais tempo apresentaram maior número de incapacidades e, naqueles com melhor perfil socioeconômico e educacional, a funcionalidade encontrava-se melhor.

Conclusão:

a duração da doença esteve fortemente correlacionada a um maior número de incapacidades e os melhores perfis socioeconômico e educacional mostraram-se fatores protetores para a funcionalidade. O planejamento do cuidado deve levar em consideração as necessidades observadas pela equipe multidisciplinar, estimulando o desenvolvimento do autocuidado, a funcionalidade e sociabilidade.

Descritores:
Atividades Cotidianas; Autocuidado; Esclerose Múltipla; Atividades Humanas; Doença Crônica; Enfermagem


Objective:

describe the self-care and functionality levels of patients with multiple sclerosis and determine whether sociodemographic, clinical and functional variables interfere with self-care and/or functionality.

Method:

correlational, cross-sectional study with a quantitative approach performed with individuals in outpatient follow-up. We collected sociodemographic and clinical data and applied the Appraisal of Self-care Agency Scale, the Barthel index, the Lawtton and Brody Scale, and the instrument to investigate the performance in Advanced Activities of Daily Living. We performed descriptive and inferential analysis.

Results:

most patients were classified as “having self-care” (82.14%); with moderate dependence (51.19%) for the basic activities of daily living, partial dependence for the instrumental activities of daily living (55.95%), and more active for the advanced activities of daily living (85.71%). Patients with longer disease duration had a higher number of disabilities and, in those with better socioeconomic and educational profile, the functionality was better.

Conclusion:

disease duration was strongly correlated with a higher number of disabilities and better socioeconomic and educational profiles showed to be protective factors for functionality. Care planning should consider the needs observed by the multidisciplinary team, stimulating the development of self-care, functionality and sociability.

Descriptors:
Activities of Daily Living; SelfCare; Multiple Sclerosis; Human Activities; Chronic Disease; Nursing


Objetivo:

describir los niveles de autocuidado y funcionalidad de los pacientes con esclerosis múltiple y verificar si las variables sociodemográficas, clínicas y funcionales interfieren en el autocuidado y/o funcionalidad.

Método:

estudio correlacional, transversal, con enfoque cuantitativo realizado con individuos en seguimiento de un ambulatorio. Se recogieron datos sociodemográficos y clínicos y fueron aplicadas la Escala de Evaluación de la Competencia para el Autocuidado, el Índice de Barthel, la Escala de Lawtton y Brody y el instrumento para investigar la realización de Actividades Avanzadas de la Vida Diaria. Se realizó un análisis descriptivo e inferencial.

Resultados:

la mayor parte de los pacientes fue clasificada como “Realiza autocuidado” (82,14 %); con moderada dependencia (51,19 %) para las actividades básicas de la vida diaria, dependencia parcial para las instrumentales (55,95 %) y más activos para las avanzadas (85,71 %). Los pacientes con mayor duración de la enfermedad presentaron un mayor número de incapacidades y, en aquellos con mejor perfil socioeconómico y educativo, la funcionalidad se encontraba mejor.

Conclusión:

la duración de la enfermedad estuvo fuertemente correlacionada con un mayor número de incapacidades y los mejores perfiles socioeconómico y educativo se revelaron factores favorables a la funcionalidad. La planificación del cuidado debe tener en cuenta las necesidades observadas por el equipo multidisciplinario, estimulando el desarrollo del autocuidado, la funcionalidad y la sociabilidad.

Descriptores:
Actividades Cotidianas; Autocuidado; Esclerosis Múltiple; Actividades Humanas; Enfermedad Crónica; Enfermería


Introdução

A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória crônica do sistema nervoso central (SNC), com caráter autoimune, desmielinizante, que leva a defeitos na condução da sinapse. Isso acarreta déficits motores e sensitivos que podem durar dias ou semanas e serem total ou parcialmente reversíveis. Logo, a evolução é marcada por surtos, recidivas agudas ou segue um curso clínico progressivo(11 Cotsapas C, Mitrovic M, Hafler D. Multiple sclerosis. Handb Clin Neurol. 2018;148:723-30. doi: 10.1016/B978-0-444-64076-5.00046-6.
https://doi.org/10.1016/B978-0-444-64076...

2 GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017 Nov;16(11):877-97. doi: 10.1016/S1474-4422(17):30299-5.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(17):3...

3 Brownlee WJ, Hardy TA, Fazekas F, Miller DH. Diagnosis of multiple sclerosis: progress and challenges. Lancet. 2017 Apr 1;389(10076):1336-46. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30959-X.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)30...
-44 Krieger SC, Sumowski J. New Insights into Multiple Sclerosis Clinical Course from the Topographical Model and Functional Reserve. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1):13-25. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...
).

A doença acomete cerca de 2,5 milhões de pessoas no mundo, na faixa etária de 20 a 45 anos, em sua maioria mulheres, com maior prevalência nos países de clima temperado(22 GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017 Nov;16(11):877-97. doi: 10.1016/S1474-4422(17):30299-5.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(17):3...
-33 Brownlee WJ, Hardy TA, Fazekas F, Miller DH. Diagnosis of multiple sclerosis: progress and challenges. Lancet. 2017 Apr 1;389(10076):1336-46. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30959-X.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)30...
). No Brasil, embora a distribuição ainda não seja bem conhecida, a região Sudeste apresenta maior prevalência, de 15 casos/100.000 habitantes(55 Novais PGN, Batista KM, Grazziano ES, Amorim MHC. The effects of progressive muscular relaxation as a nursing procedure used for those who suffer from stress due to multiple sclerosis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016 Sep 1; 24:e2789. doi: 10.1590/1518-8345.1257.2789
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1257.2...
-66 Damasceno A, Damasceno BP, Cendes F. Subclinical MRI disease activity influences cognitive performance in MS patients. Mult Scler Relat Disord. 2015 Mar;4(2):137-43. doi: 10.1016/j.msard.2015.01.006
https://doi.org/10.1016/j.msard.2015.01....
). A etiologia é desconhecida, mas sugere-se que seja um evento multifatorial, causado por predisposição genética, doença autoimune, fatores ambientais, estresse emocional e/ou psicológico(11 Cotsapas C, Mitrovic M, Hafler D. Multiple sclerosis. Handb Clin Neurol. 2018;148:723-30. doi: 10.1016/B978-0-444-64076-5.00046-6.
https://doi.org/10.1016/B978-0-444-64076...

2 GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017 Nov;16(11):877-97. doi: 10.1016/S1474-4422(17):30299-5.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(17):3...

3 Brownlee WJ, Hardy TA, Fazekas F, Miller DH. Diagnosis of multiple sclerosis: progress and challenges. Lancet. 2017 Apr 1;389(10076):1336-46. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30959-X.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)30...
-44 Krieger SC, Sumowski J. New Insights into Multiple Sclerosis Clinical Course from the Topographical Model and Functional Reserve. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1):13-25. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...
).

Tipicamente podem ocorrer numerosas restrições para o indivíduo, iniciadas com fadiga ou fraqueza incontrolável, que podem seguir com paresia ou hemiparesia, espasticidade, alteração da marcha, incoordenação de movimentos e tremores involuntários. Os sintomas mais comuns são a perda visual monocular devido à neurite óptica, visão dupla causada pela disfunção do tronco cerebral, perda sensorial causada pela mielite transversa e/ou ataxia devido a uma lesão cerebelar(11 Cotsapas C, Mitrovic M, Hafler D. Multiple sclerosis. Handb Clin Neurol. 2018;148:723-30. doi: 10.1016/B978-0-444-64076-5.00046-6.
https://doi.org/10.1016/B978-0-444-64076...

2 GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017 Nov;16(11):877-97. doi: 10.1016/S1474-4422(17):30299-5.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(17):3...

3 Brownlee WJ, Hardy TA, Fazekas F, Miller DH. Diagnosis of multiple sclerosis: progress and challenges. Lancet. 2017 Apr 1;389(10076):1336-46. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30959-X.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)30...

4 Krieger SC, Sumowski J. New Insights into Multiple Sclerosis Clinical Course from the Topographical Model and Functional Reserve. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1):13-25. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...

5 Novais PGN, Batista KM, Grazziano ES, Amorim MHC. The effects of progressive muscular relaxation as a nursing procedure used for those who suffer from stress due to multiple sclerosis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016 Sep 1; 24:e2789. doi: 10.1590/1518-8345.1257.2789
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1257.2...

6 Damasceno A, Damasceno BP, Cendes F. Subclinical MRI disease activity influences cognitive performance in MS patients. Mult Scler Relat Disord. 2015 Mar;4(2):137-43. doi: 10.1016/j.msard.2015.01.006
https://doi.org/10.1016/j.msard.2015.01....

7 Reich DS, Lucchinetti CF, Calabresi PA. Multiple Sclerosis. N Engl J Med. 2018 Jan 11;378(2):169-80. doi: 10.1056/NEJMra1401483
https://doi.org/10.1056/NEJMra1401483...
-88 Crabtree-Hartman E. Advanced Symptom Management in Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1)197-218. doi:10.1016/j.ncl.2017.08.015.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
).

Outras manifestações são a disfunção cognitiva, na qual aparecem dificuldades para manter a atenção, alterações na fluência verbal, diminuição da capacidade de processamento de informações e problemas na memória. Também podem ocorrer alterações na linguagem (disartria e/ou afasia), sintomas vesicais (alterações na frequência/urgência), sintomas intestinais (constipação mais comumente), bem como disreflexia autonômica, que pode levar a alterações cardiovasculares, desregulação térmica ou a sensibilidade ao calor(77 Reich DS, Lucchinetti CF, Calabresi PA. Multiple Sclerosis. N Engl J Med. 2018 Jan 11;378(2):169-80. doi: 10.1056/NEJMra1401483
https://doi.org/10.1056/NEJMra1401483...
-88 Crabtree-Hartman E. Advanced Symptom Management in Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1)197-218. doi:10.1016/j.ncl.2017.08.015.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
). Outras condições que podem não ser visíveis aos profissionais da saúde são ansiedade, estresse, depressão, dor, alteração no padrão de sono e disfunção sexual(11 Cotsapas C, Mitrovic M, Hafler D. Multiple sclerosis. Handb Clin Neurol. 2018;148:723-30. doi: 10.1016/B978-0-444-64076-5.00046-6.
https://doi.org/10.1016/B978-0-444-64076...

2 GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017 Nov;16(11):877-97. doi: 10.1016/S1474-4422(17):30299-5.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(17):3...

3 Brownlee WJ, Hardy TA, Fazekas F, Miller DH. Diagnosis of multiple sclerosis: progress and challenges. Lancet. 2017 Apr 1;389(10076):1336-46. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30959-X.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)30...

4 Krieger SC, Sumowski J. New Insights into Multiple Sclerosis Clinical Course from the Topographical Model and Functional Reserve. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1):13-25. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...

5 Novais PGN, Batista KM, Grazziano ES, Amorim MHC. The effects of progressive muscular relaxation as a nursing procedure used for those who suffer from stress due to multiple sclerosis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016 Sep 1; 24:e2789. doi: 10.1590/1518-8345.1257.2789
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1257.2...

6 Damasceno A, Damasceno BP, Cendes F. Subclinical MRI disease activity influences cognitive performance in MS patients. Mult Scler Relat Disord. 2015 Mar;4(2):137-43. doi: 10.1016/j.msard.2015.01.006
https://doi.org/10.1016/j.msard.2015.01....

7 Reich DS, Lucchinetti CF, Calabresi PA. Multiple Sclerosis. N Engl J Med. 2018 Jan 11;378(2):169-80. doi: 10.1056/NEJMra1401483
https://doi.org/10.1056/NEJMra1401483...
-88 Crabtree-Hartman E. Advanced Symptom Management in Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1)197-218. doi:10.1016/j.ncl.2017.08.015.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
).

Diante desse contexto, é importante discutir a reabilitação dos indivíduos com EM, por se tratar de uma doença incapacitante, que afeta gradativamente a capacidade de autocuidado da pessoa e que provoca declínio funcional, evidenciado por meio da avaliação das atividades de vida diárias básicas, instrumentais e avançadas. Tais atividades, se comprometidas, poderão impactar não só o autocuidado, mas também a qualidade de vida, o convívio social, e contribuir para o isolamento do indivíduo(99 Kraft GH, Johnson KL, Amtmann D, Bamer AM, Bombardier CH, Ehde DM, et al. Future Directions of Multiple Sclerosis Rehabilitation Research. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2013 Nov;24(4)721-30. doi: 10.1016/j.pmr.2013.06.005.
https://doi.org/10.1016/j.pmr.2013.06.00...
-1010 Corso NAA, Gondim APS, D’Almeida PCR, Albuquerque MGF. Nursing care systematization for outpatient treatment care of patients with multiple sclerosis. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013 Jun [cited Aug 20, 2018];47(3):750-5. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000300750&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000300032.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

O autocuidado é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “a capacidade de indivíduos, famílias e comunidades para promover a saúde, prevenir doenças, manter a saúde, e lidar com doenças e incapacidades com ou sem o apoio de um prestador de cuidados de saúde”(1111 World Health Organization Regional Office for South-East Asia. Self care for health: a handbook for community health workers & volunteers. WHO Library Cataloguing-in-Publication data. [Internet] 2013 [cited Aug 20, 2018];1-160. Available from: http://apps.searo.who.int/PDS_DOCS/B5084.pdf.
http://apps.searo.who.int/PDS_DOCS/B5084...
). Já a funcionalidade, segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), reflete a interação entre a condição de saúde e o contexto ambiental e pessoal do indivíduo e depende da preservação da autonomia e da independência, que são garantidas pela preservação da cognição, humor, mobilidade e comunicação(1212 World Health Organization. How to use the ICF: A practical manual for using the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). Exposure draft for comment [Internet]. Geneva: WHO 2013 Oct [cited Aug 20, 2018]. Available from: http://www.who.int/classifications/drafticfpracticalmanual.pdf
http://www.who.int/classifications/draft...
). Isso evidencia que a relação entre esses constructos é bidirecional: a capacidade funcional afeta o autocuidado e vice-versa.

Nesse cenário, o enfermeiro tem papel fundamental ao integrar a equipe multidisciplinar e garantir a promoção, a proteção e a reabilitação da saúde, com foco na manutenção do autocuidado e na funcionalidade desses pacientes. Contudo, percebemos escassez de publicações científicas, inclusive na área da enfermagem, para abordar essa temática. Logo, os objetivos do estudo foram descrever os níveis de autocuidado e funcionalidade dos pacientes com EM e verificar se as variáveis sociodemográficas, clínicas e funcionais interferem no autocuidado e/ou funcionalidade. Acreditamos que este estudo possa trazer subsídios para melhorar o atendimento, a compreensão dos profissionais sobre funcionalidade e autocuidado, além de colaborar com desenvolvimento de serviços de reabilitação.

Método

Estudo correlacional, transversal, com abordagem quantitativa. A coleta de dados ocorreu no período de outubro a dezembro de 2017, junto a pacientes com diagnóstico de EM acompanhados a nível ambulatorial em um hospital terciário, situado na cidade de Campinas, em São Paulo. Incluímos pacientes independente do tempo de diagnóstico da doença, com mais de 18 anos, e excluímos os que apresentavam outras doenças neurológicas. O tamanho amostral foi calculado com o objetivo de avaliar a correlação entre a funcionalidade e o autocuidado pelo coeficiente de correlação de Pearson. Foram assumidos um poder do teste de 80%, um nível de significância de 5%, uma estimativa para o coeficiente de correlação igual a 0,30, que pode ser considerado um coeficiente de grau médio, e um coeficiente de correlação igual a 0,00 como hipótese nula(1313 Cohen J. Statistical power analysis for the behavioral sciences. 2.ed. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 1988. 559 p.). O cálculo resultou em uma amostra mínima de 84 pacientes. Para a realização dos cálculos amostrais utilizamos o software G*Power 3.1.9.2.

Uma acadêmica de enfermagem no último ano do curso coletou os dados, para isso ela recebeu treinamento de oito horas, que contemplou parte teórica e prática para aplicação das escalas, da pesquisadora principal, orientadora do estudo. Os demais pesquisadores assistentes contribuíram com a análise e a interpretação dos resultados.

O instrumento da coleta contemplava dados sociodemográficos (idade, sexo, renda familiar, procedência, naturalidade, situação profissional e civil) e clínicos (tipo de EM, medicações em uso, manifestações clínicas) coletados diretamente com os pacientes, por meio de entrevistas. Foram aplicadas as escalas traduzidas e validadas para o uso no Brasil: Escala de Avaliação da Competência para o Autocuidado - Revisada (ASA-R)(1414 Damásio BF, Koller SH. The Appraisal of Self-Care Agency Scale - Revised (ASAS-R): adaptation and construct validity in the Brazilian contexto. Cad Saúde Pública. [Internet] 2013 Out [cited Aug 20, 2018]; 29(10):2071-82. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013001000023&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00165312.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-1515 Stacciarini TS, Pace AE. Translation, adaptation and validation of a self-care scale for type 2 diabetes patients using insulin. Acta Paul Enferm. [Internet] 2014 Jun [Cited Aug 20, 2018];27(3):221-9. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002014000300221&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400038.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), Escala de Lawton e Brody (ELB)(1616 Santos RL, Virtuoso JS Júnior. Reliability of the Brazilian version of the Scale of Instrumental Activities of Daily Living. RBPS. 2008 Nov 16;21(4): 290-6. doi: 10.5020/575
https://doi.org/10.5020/575...
) e Índice de Barthel (IB)(1717 Minosso JSM, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Validation of the Barthel Index in elderly patients attended in outpatient clinics, in Brazil. Acta Paul Enferm. [Internet] 2010 Apr [cited Aug 20, 2018];23(2): 218-23. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002010000200011&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002010000200011.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Também foi utilizado o instrumento para investigar a realização de Atividades Avançadas da Vida Diária (AAVD)(1818 Dias EG, Andrade FB, Duarte YAO, Santos JLF, Lebrão ML. Advanced activities of daily living and incidence of cognitive decline in the elderly: the SABE Study. Cad Saúde Pública. [Internet] 2015 Aug [cited Aug 20, 2018];31(8): 1623-35. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2015000801623&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Para complementar a avaliação, foi coletada do prontuário a nota da Escala de Incapacidade Funcional Expandida de Kurtzke (EDSS) atribuída pelo neurologista durante a consulta do dia. A EDSS é uma escala médica que avalia o nível de comprometimento funcional do indivíduo com EM. Ela é dividida em oito sistemas funcionais (piramidal, cerebelar, tronco cerebral, sensorial, intestino e bexiga, visual, cerebral e outros) e a partir desses indicadores é dada uma nota que varia de 0 (normal) até 10 (morte por EM). Pontuações mais altas refletem maior grau de deficiência(1919 Kurtzke JF. Rating neurologic impairment in multiple sclerosis: an expanded disability status scale (EDSS). Neurology. [Internet] 1983 Nov [cited Sep13, 2017];33:1444-52. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6685237
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6685...
).

A ASA-R é baseada no princípio do autocuidado de Orem e avalia a habilidade do ser humano para realizar as práticas no cuidado de si, na relação entre indivíduo e o ambiente(2020 Coura AS, Enders BC, França ISX, Vieira CENK, Dantas DNAD, Menezes DJCM. Ability for self-care and its association with sociodemographic factors of people with spinal cord injury. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013 [cited Aug 20, 2018];47(5):1154-62. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000501150&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000500020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). É uma escala do tipo Likert, com 15 itens e cinco opções de resposta (discordo totalmente, discordo, não sei, concordo e concordo totalmente) e apresenta três possíveis resultados nomeados como: “Tendo autocuidado”, “Desenvolvendo autocuidado” e “Faltando poder para o autocuidado”. O intervalo possível para o total da medida varia de 15 a 75 pontos, e maiores valores refletem maior capacidade de autocuidado(1414 Damásio BF, Koller SH. The Appraisal of Self-Care Agency Scale - Revised (ASAS-R): adaptation and construct validity in the Brazilian contexto. Cad Saúde Pública. [Internet] 2013 Out [cited Aug 20, 2018]; 29(10):2071-82. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013001000023&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00165312.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-1515 Stacciarini TS, Pace AE. Translation, adaptation and validation of a self-care scale for type 2 diabetes patients using insulin. Acta Paul Enferm. [Internet] 2014 Jun [Cited Aug 20, 2018];27(3):221-9. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002014000300221&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400038.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,2020 Coura AS, Enders BC, França ISX, Vieira CENK, Dantas DNAD, Menezes DJCM. Ability for self-care and its association with sociodemographic factors of people with spinal cord injury. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013 [cited Aug 20, 2018];47(5):1154-62. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000501150&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000500020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

A ELB avalia a condição funcional para Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) graduadas quanto ao grau de assistência necessário para cada atividade, sendo elas: usar telefone, fazer compras, preparar refeição, executar atividades domésticas, usar meio de transporte, tomar medicações e gerenciar finanças(1414 Damásio BF, Koller SH. The Appraisal of Self-Care Agency Scale - Revised (ASAS-R): adaptation and construct validity in the Brazilian contexto. Cad Saúde Pública. [Internet] 2013 Out [cited Aug 20, 2018]; 29(10):2071-82. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013001000023&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00165312.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). A pontuação de cada item varia de 1 a 3 e, para interpretação global, a escala foi convertida em três grupos: igual ou menor a 7 significa dependência total; de 7 a 20 corresponde a dependência parcial; e igual a 21 expressa independência(2121 Dias EG, Duarte YAO, Almeida MHM, Lebrão ML. The advanced activities of daily living at component of the functional assessment in elderly people. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. [Internet] 2014 Nov [cited Aug 20, 2018];25(3): 225-32. Available from: http://www.revistas.usp.br/rto/article/view/75910/pdf_66 Doi: 10.11606/issn.2238-6149.v25i3p225-232.
http://www.revistas.usp.br/rto/article/v...
).

O IB avalia as atividades básicas da vida diária (ABVD) e tem como objetivo analisar independência (física ou verbal) no cuidado pessoal, mobilidade, locomoção e eliminações. Apresenta dez itens e cada um é pontuado de acordo com o desempenho do paciente para realizar as tarefas. A pontuação varia de 0 a 100, um total de 0-20 indica dependência total; 21-60, grave dependência; 61-90, moderada dependência; 91-99, leve dependência; e 100, independência(1717 Minosso JSM, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Validation of the Barthel Index in elderly patients attended in outpatient clinics, in Brazil. Acta Paul Enferm. [Internet] 2010 Apr [cited Aug 20, 2018];23(2): 218-23. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002010000200011&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002010000200011.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,2222 Azeredo Z, Matos E. Grau de Dependência em Doentes que sofreram AVC. RFML. [Internet] 2003 Aug [cited Ago 20, 2018];8(4):199-204. Available from: https://scholar.google.com/scholar_lookup?title=Grau+de+depend%C3%AAncia+em+doentes+que+sofreram+AVC&author=Azeredo+Z&author=Matos+E&publication_year=2003&journal=Rev+Fac+Med+Lisboa&volume=8&issue=4&pages=199-204
https://scholar.google.com/scholar_looku...
).

Para avaliação das AAVD utilizamos o mesmo instrumento empregado no estudo longitudinal Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE). As AAVD compreendem 12 atividades sociais, produtivas, físicas e de lazer que envolvem funções cognitivas superiores, sendo elas: (1) contato com outras pessoas por meio de cartas, telefone ou e-mail; (2) visita a amigos e familiares em suas casas; (3) cuidado ou assistência a outras pessoas (incluindo cuidado pessoal, transporte, compras para familiares ou amigos); (4) trabalho voluntário fora de casa; (5) viagem para fora da cidade pernoitando pelo menos uma noite; (6) participação em algum programa de exercícios regulares (e.g. esportes, exercícios físicos, caminhadas e grupos de práticas corporais); (7) convidar pessoas para virem à sua casa para refeições ou lazer; (8) sair com outras pessoas para lugares públicos, como restaurante ou cinema; (9) realização de alguma atividade manual, artesanato ou atividade artística; (10) participação em atividades sociais organizadas (clubes, grupos comunitários ou religiosos, centros de convivência de idosos, bingo); (11) fazer uso de computador, incluindo a internet; (12) dirigir veículos a motor(1818 Dias EG, Andrade FB, Duarte YAO, Santos JLF, Lebrão ML. Advanced activities of daily living and incidence of cognitive decline in the elderly: the SABE Study. Cad Saúde Pública. [Internet] 2015 Aug [cited Aug 20, 2018];31(8): 1623-35. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2015000801623&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

As questões para avaliação das AAVD foram respondidas por meio de uma escala com cinco opções de (sempre, frequentemente, ocasionalmente, raramente e nunca). As respostas sempre, frequentemente e ocasionalmente foram consideradas como realização da atividade e receberam valor 1. O escore total variou de 0 a 12, sendo classificados como “Mais ativos” aqueles que faziam cinco ou mais atividades(1818 Dias EG, Andrade FB, Duarte YAO, Santos JLF, Lebrão ML. Advanced activities of daily living and incidence of cognitive decline in the elderly: the SABE Study. Cad Saúde Pública. [Internet] 2015 Aug [cited Aug 20, 2018];31(8): 1623-35. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2015000801623&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Empregamos a estatística descritiva com verificação de frequência, medidas de dispersão e tendência central. Utilizamos o teste de Shapiro-Wilk para verificação da normalidade dos dados numéricos. Para as comparações envolvendo uma variável qualitativa com duas categorias e uma variável quantitativa, aplicamos o teste não paramétrico de Mann-Whitney ou o teste t de Student não pareado, de acordo com a distribuição dos dados. Já para as comparações envolvendo uma variável qualitativa com mais de duas categorias e uma variável quantitativa, usamos o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, seguido do pós-teste de Dunn(2323 Barkan H. Statistics in clinical research: Important considerations. Ann Card Anaesth. 2015 Mar; 18(1):74-82. doi: 10.4103/0971-9784.148325
https://doi.org/10.4103/0971-9784.148325...
-2424 Lash TL, Fox MP, MacLehose RF, Maldonado G, McCandless LC, Greenland S. Good practices for quantitative bias analysis. Int J Epidemiol. 2014; 43(6):1969-85. doi: 10.1093/ije/dyu149
https://doi.org/10.1093/ije/dyu149...
).

Utilizamos o coeficiente de correlação de Spearman para verificar as correlações entre as variáveis quantitativas e adotamos a seguinte classificação: 0,1 a 0,29 (correlação fraca), 0,30 a 0,49 (moderada) e maior ou igual a 0,50 (forte)(1313 Cohen J. Statistical power analysis for the behavioral sciences. 2.ed. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 1988. 559 p.). Para estudar as associações entre as variáveis qualitativas empregamos o teste Qui-Quadrado de Pearson e, para os casos em que seus pressupostos não foram atendidos, usamos o teste exato de Fisher(2323 Barkan H. Statistics in clinical research: Important considerations. Ann Card Anaesth. 2015 Mar; 18(1):74-82. doi: 10.4103/0971-9784.148325
https://doi.org/10.4103/0971-9784.148325...
-2424 Lash TL, Fox MP, MacLehose RF, Maldonado G, McCandless LC, Greenland S. Good practices for quantitative bias analysis. Int J Epidemiol. 2014; 43(6):1969-85. doi: 10.1093/ije/dyu149
https://doi.org/10.1093/ije/dyu149...
). Para todas as análises utilizamos os softwares estatísticos SAS versão 9.4 e SPSS versão 24.0.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com parecer de número 2.305.539 e foram cumpridas todas as recomendações da Resolução nº 466/2012 referentes às pesquisas com seres humanos. O manuscrito seguiu as recomendações do guia Revised Standards for Quality Improvement Reporting Excellence (SQUIRE 2.0) (2525 Goodman D, Ogrinc G, Davies L, Baker GR, Barnsteiner J, Foster TC, et al. Explanation and elaboration of the SQUIRE (Standards for Quality Improvement Reporting Excellence) Guidelines, V.2.0: examples of SQUIRE elements in the healthcare improvement literature. BMJ Qual Saf. 2016 Dec; 25(12):e7. doi: 10.1136/bmjqs-2015-004480
https://doi.org/10.1136/bmjqs-2015-00448...
).

Resultados

Os pacientes com EM acompanhados ambulatoriamente eram predominantemente do sexo feminino (71,4%), com idade média de 40,2 anos (DP=11,7), naturais (88,1%) e procedentes (96,4%) do estado de São Paulo, casados (74,8%), com ensino médio completo (28,6%) ou superior completo (27,4%). Eles apresentavam renda familiar média de 3,9 salários mínimos e viviam com duas pessoas no domicílio. Quanto à situação profissional, 70,2% eram inativos.

Clinicamente, predominou a EM Remitente-Recorrente (EMRR) (84,5%). Os sintomas iniciaram em média havia 11,8 anos (DP=8,1), o tempo de diagnóstico foi de 9,1 anos (DP=6,8) e a nota média na EDSS foi de 3,9 pontos (DP=2,3). Quanto às manifestações clínicas, destacaram-se as piramidais (89,3%), distúrbios de funções mentais/emocionais (79,8%), alterações cerebelares (76,2%), relato de fadiga (69%), distúrbios vesicais (48,8%) e distúrbios intestinais (48,8%). Com relação às medicações em uso, encontramos principalmente o Interferon (33,3%) e o Natalizumabe (26,2%).

Na Tabela 1 estão os resultados dos escores da avaliação do autocuidado e de funcionalidade.

Tabela 1
Caracterização dos escores de avaliação do autocuidado e da funcionalidade de pacientes com esclerose múltipla. (n=84). Campinas, SP, Brasil, 2017

Verificamos que a maior parte dos pacientes foram classificados como “Tendo autocuidado” (82,1%); com moderada dependência (51,2%) para as ABVD; dependência parcial para as AIVD (55,9%); e mais ativos para as AAVD (85,7%) (Tabela 1).

Ao avaliar a influência das medidas de funcionalidade e sociodemográficas na medida do autocuidado (ASA-R), não encontramos correlação entre as variáveis (Tabela 2). Já, ao investigar isoladamente a influência das variáveis clínicas no autocuidado dos pacientes, identificamos que somente a presença de manifestações piramidais interferiu nessa medida (p=0,0281).

Tabela 2
Comparação das variáveis sociodemográficas e clínicas com os escores de autocuidado e de funcionalidade. Campinas, SP, Brasil, 2017

Ao verificar as medidas de comparação, a partir da análise das medidas de funcionalidade e de autocuidado categorizadas, as pessoas mais jovens e que apresentaram menor tempo de diagnóstico ou de acompanhamento ambulatorial eram mais funcionais. Os pacientes com menores notas na EDSS eram mais independentes para as ABVD, AIVD e AAVD e aqueles com maior renda foram mais ativos para as AAVD (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação das variáveis sociodemográficas e clínicas com os grupos identificados pela avaliação de funcionalidade. (n=84). Campinas, SP, Brasil, 2017

A partir da análise das correlações entre as variáveis numéricas e os escores das escalas de funcionalidade, apenas a idade e a nota obtida na EDSS apresentaram correlação negativa com todas as medidas. Além disso, as variáveis tempo de início sintomas, tempo de diagnóstico e tempo de acompanhamento ambulatorial também influenciaram de forma negativa pelo menos uma dessas medidas (Tabela 2). A nota da escala de autocuidado não sofreu influência de nenhuma variável numérica.

Encontramos que quanto maior o nível de escolaridade, maior a independência diante de todas atividades de vida diária (Tabela 4). Por meio do pós-teste de Dunn, observamos que essa diferença foi significante ao comparar pacientes com ensino fundamental e ensino superior completo quanto às três medidas de funcionalidade. Além disso, os pacientes com funcionalidade preservada mantinham situação profissional ativa. Já aqueles com manifestações clínicas da doença apresentaram maior dependência para todas as atividades.

Tabela 4
Comparação entre as notas de funcionalidade e as variáveis sociodemográficas e clínicas de pacientes com esclerose múltipla. (n=84). Campinas, SP, Brasil, 2017

Discussão

Os resultados apresentaram as implicações da EM no autocuidado e nas atividades básicas, instrumentais e avançadas da vida diária dos pacientes. Tais evidências colaboram com estudos prévios que buscaram explorar as mudanças nas incapacidades de acordo com a gravidade da doença(2626 Conradsson D, Ytterberg C, von Koch L, Johansson S. Changes in disability in people with multiple sclerosis: a 10-year prospective study. J Neurol. 2018;265:119-126. doi: 10.1007/s00415-017-8676-8.
https://doi.org/10.1007/s00415-017-8676-...

27 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
-2828 Chruzander C, Johansson S, Gottberg K, Einarsson U, Fredrikson S, Holmqvist LW, et al. A 10-year follow-up of a population-based study of people with multiple sclerosis in Stockholm, Sweden: changes in disability and the value of diferente factors in predicting disability and mortality. J Neurol Sci. 2013;332(1-2):121-127. doi: 10.1016/j.jns.2013.07.003
https://doi.org/10.1016/j.jns.2013.07.00...
). As manifestações da EM são altamente variáveis ​​e muitas vezes imprevisíveis, com seu curso evoluindo de recidivas leves e pouco frequentes, com impacto limitado na capacidade funcional, para rapidamente acumular incapacidade, perda de deambulação independente e comprometimento cognitivo extenso(2929 Landfeldt E, Castelo-Branco A, Svedbom A, Löfroth E, Kavaliunas A, Hillert J. Personal Income Before and After Diagnosis of Multiple Sclerosis. Value in Health. 2018; 21:590-95. doi: 10.1016/j.jval.2017.09.021.
https://doi.org/10.1016/j.jval.2017.09.0...
).

Quanto ao perfil dos pacientes, houve predominância do sexo feminino e com média de idade de 40,2 anos, variando de 18 a 66 anos, e com boa escolaridade, em consonância com estudos nacionais(3030 Damasceno A, Von Glehn F, Brandão CO, Damasceno BP, Cendes F. Prognostic indicators for long-term disability in multiple sclerosis patients. J Neurol Sci. 2013;324(1-2):29-33. doi: 10.1016/j.jns.2012.09.020.
https://doi.org/10.1016/j.jns.2012.09.02...
-3131 Costa TMS, Souza Neto VL, Domingos MMC, Silva BCO, Rodrigues IDCV, Silva RAR. A profile of nursing diagnoses in patients with multiple sclerosis: a cross-sectional study. Online Braz J Nurs. 2016;15(3): 433-42. doi: 10.17665/1676-4285.20165383
https://doi.org/10.17665/1676-4285.20165...
) e internacionais(2727 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
). Na literatura, a maioria dos pacientes é diagnosticada no início da vida adulta, entre os 20 e 40 anos de idade, a doença é duas vezes mais prevalente entre as mulheres, e o maior nível de escolaridade é protetor contra o declínio da função cognitiva e sobrecarga da doença(3232 Rocca MA, Riccitelli GC, Meani A, Pagani E, Del Sette P, Martinelli V, et al. Cognitive reserve, cognition, and regional brain damage in MS: a 2-year longitudinal study. Mult Scler. 2018; 25(3):372-81. doi: 10.1177/1352458517750767.
https://doi.org/10.1177/1352458517750767...
-3333 Sumowski JF, Leavitt VM. Cognitive reserve in multiple sclerosis. Mult Scler. 2013;19(9): 1122-7. doi: 10.1177/1352458513498834.
https://doi.org/10.1177/1352458513498834...
). Isso demonstra que a EM causa incapacidade neurológica em jovens adultos(3030 Damasceno A, Von Glehn F, Brandão CO, Damasceno BP, Cendes F. Prognostic indicators for long-term disability in multiple sclerosis patients. J Neurol Sci. 2013;324(1-2):29-33. doi: 10.1016/j.jns.2012.09.020.
https://doi.org/10.1016/j.jns.2012.09.02...
), levando a sérios efeitos adversos no dia a dia de muitos pacientes, incluindo a perda da capacidade para o trabalho(2929 Landfeldt E, Castelo-Branco A, Svedbom A, Löfroth E, Kavaliunas A, Hillert J. Personal Income Before and After Diagnosis of Multiple Sclerosis. Value in Health. 2018; 21:590-95. doi: 10.1016/j.jval.2017.09.021.
https://doi.org/10.1016/j.jval.2017.09.0...
).

Contudo, é válido acrescentar que alguns estudos têm apontado que as mulheres, pessoas com ensino superior e os jovens com EM apresentam maior autogestão da doença(3434 Wilski M, Tasiemski T. Illness perception, treatment beliefs, self-esteem, and self-efficacy as correlates of self-management in multiple sclerosis. Acta Neurol Scand. 2016; 133(5):338-45. doi: 10.1111/ane.12465.
https://doi.org/10.1111/ane.12465...
-3535 Goodworth MCR, Stepleman L, Hibbard J, Johns L, Wright D, Hughes MD, et al. Variables associated with patient activation in persons with multiple Sclerosis. J Health Psychol. 2016; 21(1):82-92. doi: 10.1177/1359105314522085.
https://doi.org/10.1177/1359105314522085...
). Esse termo é definido como um processo ativo de lidar com a doença por meio da adesão ao tratamento, participação em tomada de decisão terapêutica, busca ativa de informações sobre a enfermidade e opções de tratamento emergentes, manutenção das relações sociais e equilíbrio emocional, ou seja, incorpora a automonitorização e a gestão de sintomas. Logo, a autogestão faz parte do autocuidado, de forma a facilitar a melhor adaptação à doença, reduzir a probabilidade de complicações secundárias, contribuir para a qualidade de vida, reduzir a incapacidade e melhorar os resultados com o tratamento(3434 Wilski M, Tasiemski T. Illness perception, treatment beliefs, self-esteem, and self-efficacy as correlates of self-management in multiple sclerosis. Acta Neurol Scand. 2016; 133(5):338-45. doi: 10.1111/ane.12465.
https://doi.org/10.1111/ane.12465...
,3636 Galvão MTRLS, Janeiro JMSV. Self-care in nursing: self-management, self-monitoring, and the management of symptoms as related concepts. REME Rev Min Enferm. 2013;17(1):231-5. doi: 10.5935/1415-2762.20130019.
https://doi.org/10.5935/1415-2762.201300...
).

Como os esquemas de tratamento da EM podem ser complexos, pacientes com baixos níveis de alfabetização podem ter maior dificuldade para entender e cumprir com o tratamento. Isso pode representar um desafio para o cuidado, e levar ao comprometimento do autocuidado e implicar em incapacidade funcional, como observamos.

Colaborando com a caracterização desse público, identificamos que a maioria dos pacientes estava inativa e que a renda familiar era de 3,9 salários mínimos, hoje em torno de 3.720 reais(2929 Landfeldt E, Castelo-Branco A, Svedbom A, Löfroth E, Kavaliunas A, Hillert J. Personal Income Before and After Diagnosis of Multiple Sclerosis. Value in Health. 2018; 21:590-95. doi: 10.1016/j.jval.2017.09.021.
https://doi.org/10.1016/j.jval.2017.09.0...
). Além disso, os pacientes com maior renda foram mais ativos para as AAVD e aqueles com funcionalidade preservada mantinham situação profissional ativa.

Estudo realizado na Suécia, que comparou os salários entre a população geral e os pacientes com EM antes e após o diagnóstico da doença, encontrou que o salário bruto era semelhante antes, mas logo após o diagnóstico da doença ele diminuía. Após 11 anos de acompanhamento, as pessoas sem doença tiveram um aumento de 7.520 euros nos seus salários, enquanto os pacientes com EM apresentaram uma perda de 9.010 euros, o que representa mais de 30% da média do salário bruto anual na Suécia(2929 Landfeldt E, Castelo-Branco A, Svedbom A, Löfroth E, Kavaliunas A, Hillert J. Personal Income Before and After Diagnosis of Multiple Sclerosis. Value in Health. 2018; 21:590-95. doi: 10.1016/j.jval.2017.09.021.
https://doi.org/10.1016/j.jval.2017.09.0...
). Além disso, dado que os sintomas iniciais da EM aparecem durante a idade economicamente ativa de uma pessoa, isso pode repercutir na capacidade de manter o trabalho; porém, as taxas de desemprego e aposentadoria por invalidez variam entre os países(3737 Miller A, Dishon S. Health-related quality of life in multiple sclerosis: the impact of disability, gender and employment status. Qual Life Res. 2006;15(2):259-71. doi: 10.1007/s11136-005-0891-6.
https://doi.org/10.1007/s11136-005-0891-...

38 Kobelt G, Thompson A, Berg J, Gannedahl M, Eriksson J. New insights into the burden and costs of multiple sclerosis in Europe. Mult Scler. 2017;23(8):1123-36. doi: 10.1177/1352458517694432.
https://doi.org/10.1177/1352458517694432...
-3939 Martínez-Ginés ML, García-Domínguez JM, Forero L, Canal N, Rebollo P, Prefasi D, et al. Spanish validation of a specific measure to assess work-related problems in people with multiple sclerosis: The Multiple Sclerosis Work Difficulties Questionnaire (MSWDQ-23). Mult Scler Relat Disord. 2018;22:115-9. doi: 10.1016/j.msard.2018.04.003.
https://doi.org/10.1016/j.msard.2018.04....
).

A literatura apresenta que o tratamento da EM é dispendioso, de modo que muitas pessoas não conseguem custeá-lo, atrasando ou evitando a busca por um tratamento médico(2727 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
). Muitas vezes o paciente, por não poder arcar com as despesas da assistência médica, não comparece às consultas, não realiza os exames diagnósticos ou, ainda, omite seus sintomas em um esforço para reduzir custos(2727 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
). Isso pode ter refletido na disparidade entre o tempo de início dos sintomas (11,8 anos) e o tempo do diagnóstico (9,1 anos). É válido destacar que o tempo decorrido entre início clínico da EM e o diagnóstico é o mais importante preditor da gravidade da incapacidade(4040 Signori A, Izquierdo G, Lugaresi A, Hupperts R, Grand’Maison F, Sola P, et al. Long-term disability trajectories in primary progressive MS patients: A latent class growth analysis. Mult Scler. 2018; 24(5):642-52. doi: 10.1177/1352458517703800.
https://doi.org/10.1177/1352458517703800...
).

As manifestações clínicas que predominaram neste estudo foram as piramidais (paresia e parestesia), as cerebelares (ataxia e disartria) e as vesico-intestinais. Elas, muitas vezes, são originadas após um surto da doença e progridem de um sintoma passageiro até uma sequela. No entanto, muitos pacientes se sentem desencorajados a procurar o atendimento tradicional, no qual há demora para agendamento e, consequentemente, para um feedback (2727 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
).

Soma-se a isso o fato de realizarmos o estudo com indivíduos das gerações Y e Z, nascidos na era digital, em que a comunicação é praticamente instantânea. Nesse cenário cresce a procura por clínicas com preços mais acessíveis, por prontos-socorros ou por informações na internet. Tais práticas podem implicar demora para o diagnóstico e o tratamento correto. Convém salientar a importância do atendimento eficaz, devido à complexidade da doença, bem como sua natureza crônica(2727 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
).

É encontrado na literatura que o processo de envelhecimento leva à diminuição trófica cerebral, o que contribui para o processo de neurodegeneração e diminui a remielinização. A mielinização compacta da substância branca cerebral termina aos 40 anos e começa a se degenerar nos anos seguintes. Portanto, a recuperação mais limitada após os surtos clínicos da doença, nos primeiros cinco anos, pode ocasionar progressão da EM e levar a sequelas, perda do autocuidado e diminuição da funcionalidade(4141 Hansen MR, Okuda DT. Multiple Sclerosis in the Contemporary Age: Understanding the Millennial Patient with Multiple Sclerosis to Create Next-Generation Care. Neurol Clin. 2018; 36(1):219-30. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.012.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
). Além disso, o declínio da reserva funcional produz o acúmulo insidioso de incapacidade física e cognitiva, que caracteriza o que é tradicionalmente considerado como a fase progressiva da doença(44 Krieger SC, Sumowski J. New Insights into Multiple Sclerosis Clinical Course from the Topographical Model and Functional Reserve. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1):13-25. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...
).

Dessa maneira, pacientes com maiores acometimentos clínicos e com maior tempo de início dos sintomas e/ou tempo de diagnóstico foram os que apresentaram maiores níveis de dependência. Esse resultado é evidenciado em outro estudo realizado na cidade de Ankara, Turquia, no qual os pesquisadores confirmaram que, nos primeiros dez anos da doença, os pacientes tendem a ser ligeiramente mais dependentes para realização das atividades de vida diária e com maior necessidade de autocuidado(2727 Basak T, Unver V, Demirkaya S. Activities of Daily Living and Self-Care Agency. Reha-bil Nurs. 2015;40(1):60-5. doi: 10.1002/rnj.153.
https://doi.org/10.1002/rnj.153...
).

Convém salientar que, no estudo ora realizado, na maioria os pacientes com EM foram classificados como “Tendo autocuidado” e apresentaram maior dependência para realizar as atividades básicas, principalmente para controle dos esfíncteres, quando comparado às AIVD ou AAVD. No tocante ao autocuidado, apenas a presença de sequelas piramidais interferiu nessa medida.

O curso clínico da EM é difícil de ser previsto nos diferentes grupos e indivíduos. Estudo que discute os modelos topográficos da EM, como uma nova abordagem para caracterizar o curso clínico da doença, apresenta que a localização da lesão define os sintomas clínicos e os sistemas funcionais afetados - os da medula espinhal produzem sintomas piramidais, sensoriais, intestinais e da bexiga; aqueles no tronco cerebral e no cerebelo causam diplopia, vertigem, ataxia e desequilíbrio; e aqueles nos hemisférios produzem sinais cerebrais, mais notavelmente disfunção cognitiva. Diante disso, eles apresentaram que as lesões da medula espinhal, em particular, têm mostrado pior prognóstico e perda de reserva funcional, o que limitará previamente seu autocuidado(44 Krieger SC, Sumowski J. New Insights into Multiple Sclerosis Clinical Course from the Topographical Model and Functional Reserve. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1):13-25. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...
).

Isso reforça a ideia de que mecanismos biopsicossociais estejam associados ao nível de incapacidade. Como a EM é uma doença neurodegenerativa, há o acometimento de estruturas neurais que dificultam ou mesmo impedem a transmissão do estímulo para os demais sistemas e órgãos do corpo, e isso impacta de forma direta na cognição, controle de esfíncteres, habilidades manuais, mobilidade, transferência, e se evidencia em dificuldades para realizar as ABVD e as AIVD(2626 Conradsson D, Ytterberg C, von Koch L, Johansson S. Changes in disability in people with multiple sclerosis: a 10-year prospective study. J Neurol. 2018;265:119-126. doi: 10.1007/s00415-017-8676-8.
https://doi.org/10.1007/s00415-017-8676-...
,4242 Einarsson U, Gottberg K, Fredrikson S, von Koch L, Widen Holmqvist L. Activities of daily living and social activities in people with multiple sclerosis in Stockholm County. Clin Rehabil. 2006;20(6):543-51. doi: 10.1191/0269215506cr953oa.
https://doi.org/10.1191/0269215506cr953o...
). Esses fatores devem ser considerados no levantamento dos diagnósticos de enfermagem realizados pelo enfermeiro(3030 Damasceno A, Von Glehn F, Brandão CO, Damasceno BP, Cendes F. Prognostic indicators for long-term disability in multiple sclerosis patients. J Neurol Sci. 2013;324(1-2):29-33. doi: 10.1016/j.jns.2012.09.020.
https://doi.org/10.1016/j.jns.2012.09.02...
,4343 Zeydan B, Kantarci OH. Progressive Forms of Multiple Sclerosis: Distinct Entity or Age-Dependent Phenomena. Neurol Clin. 2018; 36(1):163-71. doi: 10.1016/j.ncl.2017.08.006.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.00...
).

Estudo com o objetivo de implementar a Sistematização da Assistência de Enfermagem para acompanhamento ambulatorial de pacientes com EM encontrou como diagnósticos de enfermagem mais frequentes, segundo a NANDA International, Inc. (NANDA-I), mobilidade física prejudicada (00085), distúrbios no padrão do sono (00198), déficits no autocuidado, intolerância à atividade (00092), eliminação urinária prejudicada (00016), risco para enfrentamento pessoal ineficaz (00069), constipação (00011), memória prejudicada (00131), disfunção sexual (00059), controle ineficaz do regime terapêutico (00080) e dor aguda (00132)(1010 Corso NAA, Gondim APS, D’Almeida PCR, Albuquerque MGF. Nursing care systematization for outpatient treatment care of patients with multiple sclerosis. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013 Jun [cited Aug 20, 2018];47(3):750-5. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000300750&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000300032.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Muitas vezes, após o acometimento de doenças desmielinizantes, podem surgir distúrbios psiquiátricos(88 Crabtree-Hartman E. Advanced Symptom Management in Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1)197-218. doi:10.1016/j.ncl.2017.08.015.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
). Nessa perspectiva, a manutenção das AAVD, relacionadas ao convívio social, são benéficas a esses pacientes, pois geram melhorias tanto para a saúde física quanto para a psicológica; além de melhorar a autoestima, diminuir o isolamento social e o surgimento de transtornos depressivos(3030 Damasceno A, Von Glehn F, Brandão CO, Damasceno BP, Cendes F. Prognostic indicators for long-term disability in multiple sclerosis patients. J Neurol Sci. 2013;324(1-2):29-33. doi: 10.1016/j.jns.2012.09.020.
https://doi.org/10.1016/j.jns.2012.09.02...
).

Alguns estudos também apontaram o efeito protetor das AAVD ao diminuir os declínios cognitivos e o surgimento de demências, evitando declínio da memória e da linguagem, funções executivas, atenção e funções cognitivas globais(88 Crabtree-Hartman E. Advanced Symptom Management in Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1)197-218. doi:10.1016/j.ncl.2017.08.015.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
,4444 Patel VP, Walker LA, Feinstein A. Revisiting cognitive reserve and cognition in multiple sclerosis: A closer look at depression. Mult Scler. 2018;24(2):186-95. doi: 10.1177/1352458517692887.
https://doi.org/10.1177/1352458517692887...
). Em virtude disso, o enfermeiro deverá atuar desde o aparecimento das primeiras manifestações clínicas, proporcionando suporte emocional ao enfermo, que possivelmente estará abalado, devido às possíveis incapacidades e alterações que ocorrerão não apenas em seu corpo, mas também em seu estilo de vida(88 Crabtree-Hartman E. Advanced Symptom Management in Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2018 Feb;36(1)197-218. doi:10.1016/j.ncl.2017.08.015.
https://doi.org/10.1016/j.ncl.2017.08.01...
,2626 Conradsson D, Ytterberg C, von Koch L, Johansson S. Changes in disability in people with multiple sclerosis: a 10-year prospective study. J Neurol. 2018;265:119-126. doi: 10.1007/s00415-017-8676-8.
https://doi.org/10.1007/s00415-017-8676-...
). Esse suporte poderá ser feito por meio da motivação para preservação das atividades de autocuidado, bem como pelo apoio e oferecimento de alternativas diante das incapacidades funcionais(1010 Corso NAA, Gondim APS, D’Almeida PCR, Albuquerque MGF. Nursing care systematization for outpatient treatment care of patients with multiple sclerosis. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013 Jun [cited Aug 20, 2018];47(3):750-5. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000300750&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000300032.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,3030 Damasceno A, Von Glehn F, Brandão CO, Damasceno BP, Cendes F. Prognostic indicators for long-term disability in multiple sclerosis patients. J Neurol Sci. 2013;324(1-2):29-33. doi: 10.1016/j.jns.2012.09.020.
https://doi.org/10.1016/j.jns.2012.09.02...
).

O planejamento do cuidado, assim como sua implementação, devem estar consoantes com as necessidades observadas, considerando, principalmente, o tempo de manifestação da doença, uma vez que é sabido que ela tem papel crucial para o declínio funcional. Um bom aliado é a inclusão dos familiares nesse plano de cuidados, o que contribuirá positivamente para a promoção e a reabilitação desse paciente. Tal fator pode gerar maior disposição em realizar todas as atividades da vida diária, por estimular a sociabilidade e a funcionalidade das pessoas(4545 Sposito G, Neri AL, Yassuda MS. Advanced activities of daily living (AADLs) and cognitive performance in community-dwelling elderly persons: Data from the FIBRA Study - UNICAMP. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet] 2016 [cited Aug 20, 2018];19(1):7-20. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232016000100007&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/1809-9823.2016.15044.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Nesse cenário, os profissionais da saúde devem estar sempre atentos ao gerenciamento do cuidado, pois a privação dessas atividades tem um reflexo negativo para esses indivíduos, ao atuar como um possível preditor de isolamento social e de perda da funcionalidade. Portanto, a interação com a família e a sociedade são de fundamental importância para contribuir com a promoção e a reabilitação da saúde do paciente.

Além disso, é imperativa a avaliação da equipe multidisciplinar, uma vez que são inúmeras as demandas clínicas, funcionais e de autocuidado. Nesse contexto, é importante que o enfermeiro se envolva de forma ampliada na promoção e na reabilitação da saúde desses pacientes, atuando não somente na implementação e sistematização do cuidado, mas, também, estimulando o desenvolvimento do autocuidado, da funcionalidade e da sociabilidade. De maneira que os olhares ao indivíduo extrapolem o âmbito ambulatorial ou a beira leito, com o desenvolvimento de novas pesquisas e maior e melhor formação profissional para estas demandas que acompanham os pacientes com doenças crônico-degenerativas.

Destacamos como limitações do estudo a falta de pessoas classificadas com maior necessidade de autocuidado, além do próprio desenho do estudo que, por ser transversal, não permite o estabelecimento de relação de causa e efeito. Outras limitações associadas ao uso de dados secundários, como a possibilidade de relatar erros, também devem ser consideradas. Salientamos, além disso, o reduzido número de trabalhos sobre avaliação de autocuidado ou que estudem a funcionalidade das pessoas com EM, o que dificultou a comparação dos resultados com outros achados.

Conclusão

Os resultados deste estudo evidenciaram que os níveis de autocuidado dos pacientes estudados estavam preservados e 82,1% foram classificados como “Tendo autocuidado”. Eles apresentaram limitação funcional mais acentuada nas ABVD se comparadas às AIVD: 55,9% estavam com dependência parcial para as AIVD e 51,2%, com moderada dependência para as ABVD. Com relação às AAVD, 85,7% se mostraram mais ativos. Além disso, a duração da doença esteve fortemente correlacionada a um maior número de incapacidades e os melhores perfis socioeconômico e educacional mostraram-se fatores protetores para a funcionalidade.

Este foi um dos primeiros estudos da Enfermagem que analisou a relação entre autocuidado e funcionalidade dos pacientes com EM, utilizando escalas validadas e uma avaliação multidimensional. Espera-se que estes achados estimulem novas pesquisas na área da reabilitação em enfermagem, com vistas à implementação de intervenções direcionadas às reais necessidades dos indivíduos.

Agradecimentos

A todos os funcionários do Ambulatório de Neurologia do Hospital de Clínicas da Unicamp, especialmente à enfermeira Gislaine Aparecida Alves Kikuta, pelo apoio dado à pesquisa.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2018
  • Aceito
    13 Maio 2019
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br